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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0850/10.0BEALM
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRÉMIO DE PRODUTIVIDADE
INCIDÊNCIA
Sumário:I - As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário.
II - Apesar de as prestações relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais do trabalhador não se considerarem retribuição, em regra (cfr.artº.261, nº.1, als.a) e b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27/08) poderá a solução ser diversa no caso de estes pagamentos se encontrarem antecipadamente garantidos. Estarem antecipadamente garantidas significa que estas prestações são devidas desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, não dependendo de uma apreciação discricionária do empregador.
III - De acordo com o regime constante do então artº.2, al.d), do Decreto-Regulamentar 12/83, de 12/02, estão claramente fixados os termos de que dependia a incidência em sede de descontos para a Segurança Social, quando nos encontrássemos diante de prémios de rendimento ou produtividade, apenas sendo os mesmos tributados se:
a-Fossem devidos por força do contrato de trabalho ou lei;
b-Fossem regulares.
IV - A segunda condição de que dependia, à luz do regime identificado, a tributação dos quantitativos aqui em causa passava pela demonstração da respectiva regularidade. Também a este respeito, já se fixou uma razoável conformidade jurisprudencial no sentido de entender este requisito como equivalendo a, na falta de melhor expressão, previsibilidade ou não arbitrariedade. Nesta leitura, as prestações seriam sujeitas a tributação em Segurança Social quando não fossem imprevisíveis ou arbitrárias, mas antes sujeitas a um evento verificável. Para haver tributação, teria assim de ocorrer um (ou mais) condicionalismos "certus an", ainda e mesmo que incertos na formação do quantum concreto e respectivo da prestação a pagar. Mas já nunca ocorrerá a formação de um facto tributário em sede de Segurança Social quando o pagamento de tais remunerações for feito depender de condições que são meramente eventuais ou arbitrárias, portanto feitas depender de um condicionalismo "incertus an".
V - A regularidade das prestações tem a ver com outra característica das mesmas: a de que são atribuídas em regra (são ordinárias) e com regras (não arbitrárias). Quer dizer, a atribuição de tais valores não pode estar, designadamente, sujeita a eventos dependentes, em última análise, da vontade do empregador ou de circunstancialismo aleatório; e é assim, porque só em tais circunstâncias se pode falar da formação de "uma expectativa do seu recebimento no ano seguinte e com a repetição dos respectivos pressupostos". O carácter de regularidade do prémio de produtividade/desempenho deverá ser aferido casuisticamente, atendendo às circunstâncias do caso concreto (v.g. sendo contratualizado aquando da admissão do trabalhador com a designação de “remuneração variável anual”).
Nº Convencional:JSTA000P30491
Nº do Documento:SA2202301250850/10
Data de Entrada:11/04/2020
Recorrente:E... SETÚBAL, COMÉRCIO DE VIATURAS E MÁQUINAS, SA
Recorrido 1:ISS - INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP – CENTRO DISTRITAL DE SETÚBAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Proc. nº.850/10.0BEALM
Recurso Jurisdicional
(Acórdão)
Data: 25/01/2023
Intervenientes:
Recorrente: "E... Setúbal, Comércio de Viaturas e Máquinas, S.A.";
Recorrido: "Instituto da Segurança Social, IP".

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"E... SETÚBAL, COMÉRCIO DE VIATURAS E MÁQUINAS, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Almada, constante a fls.640 a 658 do processo físico, a qual julgou parcialmente improcedente a presente a impugnação judicial, pela sociedade recorrente interposta, visando os actos de liquidação oficiosa de contribuições e cotizações para a segurança social no montante total de € 48.037,50.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.660 a 673 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-O presente recurso é interposto contra o segmento decisório da Sentença, proferida em 20 de Março de 2020, nos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sob o n.º 850/10.0BEALM, e que julgou parcialmente improcedente a pretensão do ora RECORRENTE.
II-O referido processo foi instaurado contra a Decisão proferida no âmbito do processo de averiguações n.º 200803033102, referente aos anos de 2004 a 2008, nos termos da qual a Segurança Social considerou estar em dívida, a título de contribuições e cotizações, a importância global de € 48.037,50.
III-Tendo o RECORRENTE na sua petição inicial requerido a anulação da Decisão e da consequente liquidação oficiosa de contribuições e a indemnização por prestação de garantia indevida, nomeadamente com fundamento no seguinte:
a) Ilegalidade da decisão por erro nos respectivos pressupostos de facto e de direito; e
b) Prescrição parcial da divida tributária em relação ao período compreendido entre 4/2004 a 11/2004.
IV-No entanto, aquando a apreciação de mérito dos fundamentos invocados pelo douto Tribunal, mal andou o mesmo ao julgar parcialmente improcedente o pedido efectuado pelo RECORRENTE no que concerne à qualificação das prestações pagas a colaboradores e a administradores a título de bónus, entendendo que as mesmas se tratavam de prestações com carácter regular e considerando-as, por isso, remunerações sujeitas a contribuições para a Segurança social.
V-De igual modo, no que concerne e à prescrição parcial da dívida tributária relativa ao período compreendido entre Abril de 2004 e Novembro de 2004, no montante de € 12.699,95, mal andou a Sentença recorrida ao considerar que essa prescrição não ocorreu, uma vez que o prazo de prescrição ter-se-ia interrompido com a notificação do RECORRENTE por ofício datado de 1 de Agosto de 2008, através do qual foi notificado para prestar esclarecimentos à Segurança Social.
VI-Ora, no que concerne à qualificação das prestações pagas a colaboradores e a administradores a título de bónus, resulta no artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83 de 12 de Fevereiro, que se encontram genericamente sujeitas às contribuições obrigatórias para o Regime Geral de Segurança Social, a realizar pelos trabalhadores e respectivas entidades patronais, de acordo com as percentagens legalmente estabelecidas, todas as "remunerações recebidas e pagas”.
VII-Por seu turno, dispõe o artigo 2.º do mesmo diploma que se consideram como remunerações, para aquele efeito, "as prestações que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação do trabalho e pela cessação do contrato", estabelecendo posteriormente, nas suas várias alíneas, um elenco exemplificativo de prestações que se consideram possuir aquela natureza, onde se incluem os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade e outros de natureza análoga que tenham carácter de regularidade.
VIII-Para este efeito, e no presente caso, está em causa o conceito de regularidade, uma vez que o segmento decisório em crise da Sentença recorrida assenta, essencialmente, em tal requisito.
IX-Ora, resulta provado na Sentença recorrida que as gratificações pagas a colaboradores não tiveram sempre o mesmo montante, não foram pagas em lapsos temporais regulares, não foram sempre pagas e aos mesmos trabalhadores e, acima de tudo, não foi pago o mesmo número de gratificações em cada ano.
X-Ou seja, as gratificações em causa foram pagas pelo RECORRENTE de forma esporádica no tempo, de forma inconstante, e sem qualquer periodicidade ou continuidade.
XI-Nos presentes autos, a atribuição de gratificações e de bónus aos colaboradores estava dependente de diversos aspectos, nomeadamente da situação económica da empresa, e ainda, do cumprimento de objetivos pessoais e da própria empresa.
XII-Além disso, ficou igualmente provado que o pagamento dos denominados "bónus/gratificações" dependia de uma decisão prévia e positiva da Administração do RECORRENTE, bem como da disponibilidade financeira para a atribuição de prémios.
XIII-A Administração do RECORRENTE decidia, assim, anualmente, se eram, ou não, atribuídos prémios e, em caso afirmativo, qual o montante disponível para atribuir a este título.
XIV-Por esta razão, não foram sempre os mesmos trabalhadores que receberam prémios, nem os prémios foram sempre do mesmo valor.
XV-Sendo certo, aliás, que anos houve em que não foram atribuídos prémios a quaisquer trabalhadores.
XVI-Importa, a este respeito, salientar que as meras liberalidades as prestações efectuadas com animus donandi, da entidade patronal não devem ser qualificadas como retribuição. Na medida em que a liberalidade se não institua e a sua concretização passe a ter carácter de continuidade e de regularidade, de forma a criar no trabalhador a convicção de que são um complemento do seu vencimento, que integram a sua remuneração normal.
XVII-Conforme acima referido o pagamento dos referidos montantes não se encontrava contratualizado, estando a sua, eventual, atribuição dependente de uma avaliação positiva e ad hoc do desempenho dos referidos colaboradores, bem como da situação económica da empresa.
XVIII-Verifica-se, assim, que não só a Segurança Social não logrou provar o carácter de regularidade com que estas gratificações eram pagas pelo RECORRENTE, como, pelo contrário, o RECORRENTE logrou provar que os pagamentos em causa e cuja sujeição a Segurança Social é apreciada nos presentes autos, não se encontravam contratualizados e não se revestiam de carácter de regularidade, constituindo verdadeiras liberalidades.
XIX-Conclui-se, portanto, que tais pagamentos não se encontram sujeitos a Segurança Social, sendo a Sentença recorrida, neste segmento, violadora, além do mais, do disposto no artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83 de 12 de Fevereiro.
XX-Deverá, assim, a Sentença ser, neste segmento revogada e substituída por outra Decisão que julgue procedente as alegações do RECORRENTE, quanto a esta questão, considerando que os pagamentos em apreço não integram o carácter de retribuição para efeitos do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 12/83 de 12 de Fevereiro e anulando, em consequência, a liquidação impugnada.
XXI-No que se refere ao segundo segmento da Sentença recorrida em crise no presente recurso, está o mesmo relacionado com a prescrição parcial da dívida tributária em relação ao período compreendido entre Abril de 2004 a Novembro de 2004.
XXII-Ora, o regime de prescrição das contribuições e cotizações para a Segurança Social encontra-se previsto no artigo 49.º, da Lei n.º 32/2000, de 20 de Dezembro.
XXIII-Nos termos da referida disposição, "A obrigação do pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.”.
XXIV-Assim, em face do referido regime e tendo presente que o Recorrente apenas foi notificado da liquidação das contribuições em Abril de 2010 (conforme facto provado n.º 10) verifica-se que se encontram prescritas as cotizações e contribuições referentes ao período compreendido entre Abril de 2004 e Novembro de 2004, que perfaz o montante de € 12.699,95.
XXV-Entendeu, contudo, a Sentença recorrida que tal prazo foi interrompido em Agosto de 2008.
XXVI-Ora, é verdade que o prazo de prescrição dos créditos da Segurança Social referentes a cotizações e contribuições se interrompe por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida conforme resulta do número 2 do artigo 63.º da Lei n.º 17/2000 e, ainda, do número 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002.
XXVII-Contudo, no caso em apreço, não pode ter-se por verificado que tal diligência administrativa teve lugar.
XXVIII-Com efeito, o RECORRENTE foi notificado para comparecer junto do Serviço competente, a fim de exibir os mapas de resumo e processamento de vencimentos e balancetes gerais analíticos referentes aos anos de 2002 a 2008 e, ainda, foi notificado do ofício datado de 1 de Agosto de 2008, para prestar esclarecimentos, na sequência de ter sido detectada a existência de pagamentos denominados de gratificações e bónus que não estavam a ser sujeitas a descontos.
XXIX-Sucede que tais notificações não foram encetadas no âmbito de um processo administrativo com vista à liquidação das contribuições, nem no âmbito de um processo executivo, mas tão só no âmbito de um pedido de esclarecimentos ao abrigo do princípio da colaboração.
XXX-Portanto, a ratio da norma referente à interrupção não se encontra preenchida nas notificações efectuadas ao RECORRENTE, logo não são as mesmas aptas a interromper o prazo prescricional.
XXXI-Mais, a verdade é que, se assim fosse estaríamos perante a violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP e, bem assim, a violação do número 3 do artigo 103.º da CRP, no sentido em que uma mera notificação, para o contribuinte prestar esclarecimentos ou para comparecer junto do Serviço competente, não pode integrar o conceito de “diligência administrativa” “conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”.
XXXII-Neste segmento decisório, portanto, a Sentença recorrida resulta numa decisão intolerantemente injusta e violadora, além do mais, do disposto no artigo 49.º da Lei n.º 32/2000, de 20 de Dezembro, no número 2 do artigo 63.º da Lei n.º 17/2000 e, ainda, no número 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002, bem como nos artigos 2.º e 103.º, n.º 3, da CRP.
XXXIII-Destarte, também neste segmento, deve a Sentença recorrida ser substituída por outra Decisão conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis, e que reconheça a prescrição das liquidações e das contribuições referentes ao período compreendido entre Abril de 2004 e Novembro de 2004, no montante global de € 12.699,95.
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A entidade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.683 a 691 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo tribunal pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, prolatada em 31.03.2020, limitado ao segmento decisório que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial em crise e, em consequência, considerou inexistir prescrição da divida tributária nos períodos compreendidos entre 4/2004 a 11/2004 e considerou sujeito a contribuições os “bónus e gratificações” pagos pelo mesmo impugnante aos seus trabalhadores, atenta a regularidade e periodicidade com que aqueles valores foram pagos.
B-Inconformada, veio a Recorrente defender que a referida Sentença de que se recorre preconiza uma “solução injusta e violadora dos preceitos legais e princípios jurídicos aplicáveis”, padecendo de erro sobre os pressupostos de direito, “uma vez que concretiza uma errada interpretação da Lei aplicável, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra Decisão conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis”. Sem que lhes assista qualquer razão.
C-O conceito legal de remuneração constante do Decreto Regulamentar nº12/83, aplicável à data dos factos, tinha por suporte o conceito legal de remuneração constante do Código do Trabalho, nas suas sucessivas versões;
D-Estabelecia o artigo 2º do citado Decreto Regulamentar, que eram consideradas remunerações “as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação de trabalho e pela cessação do contrato, designadamente: d) os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condição, de economia e outras de natureza análoga que tenham carácter de regularidade”.
E-Por sua vez, a noção de retribuição encontrava prevista no artigo 249º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº99/2003, nos seguintes termos: “1 – Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direitos como contrapartida do seu trabalho.
2 – Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas direta ou indiretamente, em dinheiro e em espécie.
3 – Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”.
F-Já no que tolhe às gratificações, preceituava o artigo 261º do Código do Trabalho que não se consideravam retribuição as gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa, nem as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não estivesse antecipadamente garantido, a não ser que: a) essas gratificações sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição seja condicionada aos bons serviços do trabalhador, b)essas gratificações, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele; e c) essas gratificações, relacionadas com resultados obtidos pela empresa, revistam carácter estável, quer no respectivo título atributivo, quer pela sua atribuição regular e permanente.
G-Atento ao sobredito, temos que a gratificação ou prestação ordinária era considerada parte integrante da remuneração do trabalhador, sempre que: “1) o seu pagamento esteja previsto no contrato de trabalho ou das normas que o regem; 2) os usos assim o determinem em função da sua importância e carácter regular e permanente; e, 3) as prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa assumam um carácter estável, quer pelo respectivo título atributivo, quer pela sua atribuição regular e permanente”.
H-Destarte, afigura-se ao Recorrido que existia uma clara semelhança ente o conceito de retribuição utilizado no âmbito do Código do Trabalho, e o conceito utilizado no âmbito da legislação da Segurança Social, sendo que a doutrina e a jurisprudência utilizavam essencialmente, quer num campo, quer no outro, os mesmos critérios para determinar a qualificação de certa quantia como retribuição, dado que tal decorria da lei.
I-Em resumo, constituirão retribuições todas as gratificações que o trabalhador tem legítima e fundada expectativa de receber, quer por a sua atribuição estar prevista no contrato ou nas normas que o regem, quer em virtude da regularidade com que são atribuídas durante um período significativo (Abílio Neto, contrato de Trabalho, Notas Práticas, 8ª edição, Lisboa);
J-Sendo certo que os chamados prémios de produtividade ou desempenho, na medida em que se destinem a recompensar ou premiar o trabalhador pelo seu desempenho ou mérito profissional, em regra, não constituem retribuição, a não ser quando se trate de uma prestação obrigatória, por constar do respectivo clausulado contratual ou por ser exigível à luz do usos laborais aplicáveis ou ainda por constituir uma atribuição patrimonial regular e permanente (cfr. entre outros, Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992);
L-Deste modo, atendendo à realidade subjacente ao pagamento da gratificação e/ou dos prémios extra é possível concluir que a mesma integra a retribuição.
M-In casu, temos que do probatório resultou que nos anos 2004 a 2008 foram pagos aos trabalhadores do Impugnante os prémios de desempenho, sendo, portanto, razoável admitir que existia da parte dos mencionados trabalhadores uma expectativa legítima ao seu recebimento, considerando que os recebimentos dos mencionados prémios estavam dependentes do desempenho dos trabalhadores e da regularidade ou estabilidade financeira do Impugnante.
N-Para mais, a regularidade do pagamento das gratificações ou bónus fica evidenciada pela repetição ao longo dos anos. Ou seja, estamos perante um prémio de produtividade que é pago regularmente, considerando que a sua constância ao tempo é manifesta e é esse carácter regular que preenche a previsão legal.
O-Em concreto, um prémio assume carácter regular, constituindo remuneração, quanto é atribuído várias vezes durante um significativo período de tempo, quer seja de forma contínua, quer seja com uma determinada periodicidade, cujos montantes podem ser constantes ou variáveis.
P-Por seu turno, resulta também dos documentos contabilísticos analisados que o Impugnante contabilizava antecipadamente os montantes respeitantes a bónus e gratificações, o que demonstra que a atribuição dos referidos montantes era prevista antecipadamente, perspectivando-se o seu pagamento e ainda que nenhuma dessas importâncias se encontrava em dívida à data da acção inspetiva.
Q-De facto, no decurso da acção inspetiva ficou amplamente demonstrado que a atribuição das gratificações e bónus é prevista e contabilizada antecipadamente pelo Impugnante, através de previsões mensais de 1/12 do valor estimado, perspectivando-se o seu pagamento aos trabalhadores.
R-Em suma, toda e qualquer prestação periódica, certa e obrigatória que o trabalhador receba em razão do seu vínculo laboral deve ser considerada retribuição, na medida em que foi criada a legítima expectativa em relação ao seu recebimento, passando desta forma a integrar o seu orçamento normal, garante da sua economia pessoal e familiar.
S-E, dos indícios apurados quanto à forma como se processou o pagamento concreto do bónus e ganhos, resulta de forma inequívoca e consistente que estamos perante uma prestação com carácter regular, e assim sendo, nos termos do disposto no artigo 2º do Decreto Regulamentar nº12/83, de 12 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto Regulamentar nº53/83, de 22 de Junho, essas prestações consideram-se remunerações e, por isso mesmo, da base de incidência das contribuições para a Segurança Social.
T-No que à prescrição parcial da divida tributária em relação ao período compreendido entre 04/2004 a 11/2004, respeita, também não colhem os argumentos do Recorrente, porquanto como bem sabe, e não pode desconhecer, a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da divida, não podendo deixar de se considerar como tal o ofício datado de 9 de Julho de 2008, dirigido ao Recorrente para comparecer no Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do agora recorrido, a fim de exibir mapas de resumo de processamento de vencimentos e balancetes gerais analíticos referentes aos anos de 2002 a 2008.
U-E, após análise dos documentos supra mencionados, tendo sido detetada a existência de importâncias denominadas gratificações e bónus que não estavam sujeitas a descontos para a Segurança Social, foi-lhes enviada nova notificação, com data de saída de 1 de agosto de 2008, para prestar declarações e/ou exibir documentos referentes àqueles pagamentos;
V-Tendo vindo a impugnante, ora Recorrente, esclarecer, por escrito, a 19 de agosto de 2008, qual o seu entendimento a propósito dos mencionados pagamentos, pelo que pelo menos desde esta data se encontra demonstrado que a impugnante agora Recorrente, tinha conhecimento que decorria um procedimento administrativo de apuramento de contribuições em dívida à Segurança Social, facto susceptível de interromper a prescrição das obrigações contributivas.
X-Figurando claro que o prazo prescricional se interrompeu em agosto de 2008, sem que tivessem ainda decorrido cinco anos desde o primeiro período considerado em divida (Abril de 2004);
Z-Por outro lado, não é descabido referir que a não declaração à Segurança Social dos valores pagos pela Recorrente aos seus trabalhadores a título de gratificações e bónus e a não sujeição daqueles à incidência contributiva, terá reflexos na carreira contributiva dos trabalhadores, tendo presente que tais valores não vão constar do seu histórico de remunerações, saindo dessa forma os mesmos prejudicados em eventuais prestações sociais que requeiram, ou, no futuro, em montantes de reforma.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.697 a 703 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.710 e 712 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.641 a 651 do processo físico):
1-A Impugnante T... Comércio de Viaturas, SA, é uma sociedade comercial que tem por objecto social a compra e venda de veículos automóveis, máquinas agrícolas e industriais, peças e sobressalentes, acessórios e reparações (cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 320 dos autos).
2-Em 9/7/2008, o Departamento de Fiscalização dos Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo – Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Setúbal enviou à ora Impugnante o oficio n.º 085833, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, constante de fls. 7 do Processo Administrativo Tributário (de ora em diante designado abreviadamente de PAT) com o assunto “SITUAÇÃO CONTRIBUTIVA” no qual solicita a comparência do legal representante da Impugnante e a apresentação de elementos documentais relativos aos exercícios de 2002 a 2008.
3-Em 17/7/2008, a Impugnante em resposta ao ofício descrito no ponto que antecede, enviou ao Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Setúbal por via informática e via CTT, a resposta e os documentos constantes de fls. 8 a 55 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
4-Em 25/7/2008, a Impugnante recepcionou o ofício n.º 092892 de 24/7/2008, emitido pelo Departamento de Fiscalização dos Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo – Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Setúbal, com a comunicação da instauração do processo de Fiscalização n.º 200803033102, referente ao período entre o ano de 2004 ao ano de 2008 (cf. oficio a fls. 90 dos autos).
5-Em 29/8/2008, o Departamento de Fiscalização dos Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo – Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Sector de Setúbal enviou à ora Impugnante o oficio n.º 105757, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, constante de fls. 58 do PAT, com o assunto “SITUAÇÃO CONTRIBUTIVA” no qual solicita a comparência do legal representante da Impugnante e a apresentação de elementos documentais relativos aos exercícios de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2008.
6-Em 25/9/2008, o Director Financeiro da T... – Comércio de Viaturas, S.A. compareceu no Serviço de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, acompanhado da documentação solicitada (cf. informação a fls. 96 do PAT).
7-Em 5/7/2009, o Departamento de Fiscalização do ISS, I.P. emitiu o Projecto de relatório de fiscalização constante de fls. 222 a 236 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, relativo à inspecção realizada à T... – Comércio de Viaturas, S.A. na qual foi apurado o seguinte:
“ (…)
1. Introdução:
Na sequência de pedido de averiguações n° 200803033102, aberto com base na denúncia anónima enviada, via e-mail, ao Centro Distrital de Lisboa - Unidade de Gestão de Atendimento, a fls. 4 a 6 do presente processo, foram efectuadas pelos Inspectores Adjuntos Especialistas Principais, AA e BB e, ainda, pelo Técnico Superior, CC, as averiguações necessárias, junto da empresa a seguir identificada, conducentes à verificação da situação contributiva da mesma e dos seus trabalhadores perante a Segurança Social.
(…)
Nos dias 20 e 21 de Novembro de 2008, em cumprimento das notificações enviadas no dia 11 do mesmo mês, aos trabalhadores da empresa alvo de inspecção, DD, EE, FF e GG, compareceram perante os Inspectores-adjuntos Especialistas, AA e BB, tendo sido ouvidos em Auto de Declarações, conforme documentos a fls. 110 a 113. Assim:
I - DD declarou:
Que exerceu actividade na empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A. no período compreendido entre Outubro de 2006 a Novembro de 2007, com a categoria profissional de Chefe de Divisão.
Que o montante de 4.117 euros pago em Abril de 2007, diz respeito a prémio por desempenho e respeitante ao ano anterior. Os trabalhadores quadros, que era o seu caso, eram avaliados em Novembro de cada ano, numa escala de 0 a 7, sendo que cada um dos números correspondia a um valor monetário. Apenas os que tivessem avaliação superior a 4 tinham direito a prémio.
Que este prémio era pago uma única vez no ano, normalmente nos primeiros meses do ano seguinte ao que respeitava a avaliação.
Que a quantia de 4.117 euros correspondia a cerca de um mês de vencimento, por ter atingido 6 pontos na avaliação do ano de 2006.
Que as normas de atribuição de prémio de desempenho estavam estipuladas em documento interno do Grupo E..., de conhecimento dos trabalhadores.
2 - EE declarou:
Que exerce actividade na empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A. desde Setembro de 2006, com a categoria profissional de Gestor de Vendas. Trabalha para o Grupo E... desde Setembro de 2000.
Que os montantes pagos em 2007 e 2008 a título de bónus, dizem respeito a prémios por desempenho.
Que no início de cada ano assina uma ficha de avaliação com os objectivos traçados para esse ano e onde está contemplada a avaliação do ano anterior, calculada de 0 a 100%.
Que todos os anos, desde que começou a trabalhar no Grupo E..., em 2000, tem recebido os ditos bónus, no montante de cerca de 5.000 euros por ano.
Que até 2007 o prémio era pago anualmente, sendo no ano de 2008 pago trimestralmente, em função do número de automóveis novos e usados vendidos, das margens de financiamento e da rentabilidade das respectivas vendas.
Que as normas de atribuição dos prémios de desempenho estão estipuladas nas fichas de avaliação que são entregues todos os anos.
Que quando é avaliado fica a ter conhecimento do prémio a que tem direito a receber, muito embora o quantitativo possa variar no seu valor.
3 - FF declarou:
Que exerce actividade na empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A. desde 1987, com a categoria profissional de Encarregado de Oficina.
Que os montantes pagos nos anos de 2004 a 2008 a título de gratificações, dizem respeito a prémios atribuídos pelo Grupo E..., em função do desempenho.
Que o Grupo E... analisa o seu desempenho a nível de pontualidade, interesse e aplicação pela função que desempenha e atribui certas quantias, as quais são pagas aleatoriamente, não fixas e sem conhecimento antecipado do próprio. Só sabe da sua atribuição quando verifica os recibos de vencimento e as gratificações aí vêm mencionadas.
Que as normas de atribuição das gratificações não estão estipuladas em documento interno do Grupo E..., nem no contrato de trabalho, apenas havendo conhecimento por parte dos trabalhadores que tais gratificações possam ocorrer.
4 - GG, declarou:
Que exerce actividade na empresa T..., - Comércio de Viaturas, S.A. desde 1990, com a categoria profissional de Vendedor.
Que os montantes pagos nos anos de 2004 a 2008, dizem respeito a gratificações aleatórias atribuídas pelo Grupo E..., em função do desempenho.
Que o Grupo E... analisa o desempenho do trabalhador a nível de pontualidade, interesse pela função que desempenha e atribui certas quantias, as quais são pagas aleatoriamente, não fixas e sem conhecimento antecipado dos trabalhadores. Isto no caso dos trabalhadores com a categoria profissional de vendedores.
Que as normas de atribuição das gratificações não estão estipuladas em documento interno do Grupo E..., nem no contrato de trabalho, apenas havendo conhecimento por parte dos trabalhadores que tais gratificações possam ocorrer.
(…)
1 - HH
Que iniciou a sua actividade na empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A. em 2001, sendo que em 2007 e parte de 2008 esteve ao serviço de outra empresa do Grupo E..., tendo regressado à T..., S.A. em Setembro ou Outubro de 2008, onde, actualmente continua prestar funções de Gestor após Venda, com a categoria profissional de Chefe de Secção.
Que em seu entendimento, os montantes pagos nos anos de 2004 a 2007 a título de bónus, dizem respeito a prémios atribuídos pelo Grupo E..., em função do desempenho e dedicação ao cargo.
Que o Grupo E... em função do seu do nível de interesse e aplicação pela função que desempenhava atribuiu certas quantias, pagas aleatoriamente, não fixas e sem conhecimento antecipado do próprio. Só sabia da sua atribuição quando verificava os recibos de vencimento e esse bónus aí vinham mencionados.
Que as normas de atribuição das gratificações ou bónus não estão estipuladas em documento interno do Grupo E..., nem no contrato de trabalho, não tendo conhecimento que tais gratificações poderiam ocorrer (nunca tal lhe foi transmitido).
2 - II
Que exerceu actividade na empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A. de 5 de Agosto de 2002 a Junho de 2008, com a categoria profissional de Técnico.
Que os montantes pagos nos anos de 2004 a 2008 a título de gratificações, dizem respeito a prémios atribuídos pelo Grupo E..., ou mesmo pela T... S.A., em função do desempenho e dedicação ao cargo.
O Grupo E..., ou a T... S.A. em função do seu do nível de interesse e aplicação - pela função que desempenhava, atribuiu certas quantias, pagas aleatoriamente, não fixas e sem conhecimento antecipado do próprio, tendo, igualmente, em vista, a situação económica da empresa (caso a situação económica da empresa fosse desfavorável, as gratificações não eram pagas). Só sabia da sua atribuição quando verificava os recibos de vencimento e as gratificações aí vinham mencionadas.
Que as normas de atribuição das gratificações não estava estipuladas em documento interno do Grupo E..., nem no contrato de trabalho, apenas havendo conhecimento por parte do próprio que tais gratificações poderiam ocorrer.
(…)
Após notificações enviadas (cfr. ofícios 006399, 006400 e 017754), foram, igualmente, ouvidos em Auto de Declarações, no dia 4 de Fevereiro de 2009, o administrador da T... - Comércio de Viaturas, S.A., Dr. JJ, e o responsável financeiro da empresa E... CRP, S.A., Dr. KK, e, posteriormente, no dia 19 de Fevereiro de 2009, o Director dos Recursos Humanos da empresa E... Serviços - Gestão de Serviços Gerais, S.A., Dr. LL, que declarou, nomeadamente, não existir no denominado Grupo E..., no qual a empresa T..., S.A. está inserida, nenhum documento interno que estabeleça a atribuição de tais bónus ou gratificações, conforme documentos a fls. 212 a 215 e 219 e 220 do presente processo.
No dia 22 de Janeiro de 2009, em deslocação ao Edifício da Opel, no Parque Industrial do Feijó, em Almada, local do arquivo da documentação contabilística da referida empresa, conforme indicação prestada, telefonicamente, pelo responsável financeiro do Grupo E..., Dr. KK, foi consultada diversa documentação, nomeadamente, e por amostragem, a de suporte das contas 64117 (Custos com o Pessoal - Remunerações dos Órgãos Sociais) e 64217 (Custos com o Pessoal - Remunerações do Pessoal).
Nesta análise foi constatado que os lançamentos foram efectuados em contrapartida da conta 27324 (Acréscimos e Deferimentos - Acréscimos de Custos) e, consequentemente, da 2621 (Outros Devedores e Credores - Pessoal - Remunerações a Pagar). Os diversos documentos consultados apresentam descritivos internos à empresa, especificados por códigos de ligação à contabilidade analítica, para análises de centros de custo (cfr. documentos a fls. 155 a 195).
Constatou-se, igualmente, que todas as importâncias respeitantes a bónus e gratificações não se encontravam em dívida.
Da análise contabilística e dos depoimentos prestados nos autos de declarações, conclui-se que as gratificações e bónus pagos a trabalhadores e administradores da empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A. revestem carácter retributivo, nos termos das alíneas d) do artigo 2º do Decreto-Regulamentar nº 12/83, de 12 de Fevereiro, na redacção dada pelo Decreto- Regulamentar nº 53/83, de 22 de Junho, por serem considerados “prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade”, sendo, por isso, passíveis de descontos para a segurança social, de acordo com o disposto no artigo 1º do mesmo diploma legal, à taxa referida no artigo 3º do Decreto-Lei n° 199/99, de 8 de Junho, porquanto:
1 - As gratificações e bónus pagos pelo contribuinte aos seus trabalhadores e administradores dizem respeito a prémios de produtividade, tendo em conta o desempenho, mérito profissional e objectivos traçados pela T... - Comércio de Viaturas, S.A., ou pelo Grupo E...;
2 - Têm carácter regular e periódico, sendo essa periodicidade mensal, trimestral, semestral ou anual, com a finalidade de retribuir o desempenho, pontualidade, disponibilidade e produtividade dos seus trabalhadores e administradores, criando nestes a expectativa do seu recebimento, pois, e a título de exemplo:
a) - GG, nos anos de 2004, 2005 e 2006 recebeu gratificações uma vez em cada no ano; no ano de 2007 recebeu duas vezes e no ano de 2008 recebeu 9 meses de Janeiro a Outubro.
b) - FF, nos anos de 2004, 2005 e 2006 recebeu gratificações ou bónus uma vez por cada ano; em 2007 recebeu gratificações em 7 meses e, no ano de 2008, recebeu 9 meses de Janeiro a Outubro.
c) - MM, nos anos de 2004 e 2005, recebeu gratificações duas vezes em cada ano.
d) - HH, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, recebeu bónus 1 vez em cada ano.
e) - II, nos anos de 2004, 2005 e 2006 recebeu bónus uma vez no ano e nos anos de 2007 e 2008, duas vezes no ano.
3 - A atribuição das gratificações e bónus é prevista e contabilizada antecipadamente, através de provisões mensais de 1/12 do valor estimado, perspectivando-se o seu pagamento, o que contraria o carácter extraordinário alegado pelo contribuinte.
4. Conclusões:
O presente processo foi aberto com base em denúncia anónima enviada, via e-mail, ao Centro Distrital de Lisboa - Unidade de Gestão de Atendimento, tendo em vista a verificação de eventuais irregularidades perante a Segurança Social cometidas pelo Grupo E... e, nomeadamente, pela empresa T... - Comércio de Viaturas, S.A.
Da análise da documentação contabilística fornecida pela T..., S.A., nomeadamente dos balancetes gerais analíticos a 31 de Dezembro de 2003, 2004, 2005 e 2006, recibos de vencimento, mapas resumo de processamentos de vencimentos e extractos das contas 64117 e 64217, verificou-se da existência de gratificações e bónus, pagos aos administradores e trabalhadores, nos anos de 2004 a 2008 (e anteriores), que não estavam a ser sujeitos a descontos para a Segurança Social.
Da reunião tida com a administração e, muito embora esta tenha mostrado toda a abertura, interesse e disponibilidade em colaborar com a Segurança Social, informou não estar na disposição de regularizar a situação, alegando que as referidas gratificações eram extraordinárias, atribuídas com carácter aleatório, subjectivo e esporádico, dependendo das disponibilidades económicas da empresa.
Ouvidos em autos de declarações 6 trabalhadores que exercem, ou já exerceram actividade na T... - Comércio de Viaturas, S.A., e, ainda, o administrador da T... - Comércio de Viaturas, S.A., Dr. JJ, o responsável financeiro da empresa E... CRP, S.A., Dr. KK, e o Director dos Recursos Humanos da empresa E... Serviços - Gestão de Serviços Gerais, S.A., Dr. LL, não vieram trazer nada ao processo que pudesse alterar o sentido provável da decisão deste Serviço.
Conclui-se, portanto, que as gratificações e bónus pagos aos trabalhadores e administradores desta empresa revestem carácter retributivo, nos termos das alíneas d) do artigo 2.º do Decreto- Regulamentar n° 12/83, de 12 de Fevereiro, na redacção dada pelo Decreto-Regulamentar n° 53/83, de 22 de Junho, sendo, por isso, passíveis de descontos para a segurança social, de acordo com o disposto no artigo 1º do mesmo diploma legal, à taxa referida no artigo 3º do Decreto-Lei n° 199/99, de 8 de Junho, porquanto:
- dizem respeito a prémios de produtividade, tendo em conta o desempenho, mérito profissional e objectivos traçados pela T... - Comércio de Viaturas, S.A., ou pelo Grupo E... aos seus trabalhadores e administradores;
- têm carácter regular e periódico, sendo essa periodicidade mensal, trimestral, semestral ou anual, com a finalidade de retribuir o desempenho, pontualidade, disponibilidade e produtividade dos seus trabalhadores e administradores, criando nestes a expectativa do seu recebimento;
- a sua atribuição é prevista e contabilizada antecipadamente, através de provisões mensais de 1/12 do valor estimado, perspectivando-se o seu pagamento, o que contraria o carácter extraordinário alegado pelo contribuinte.
(…)
Por seu turno, o Código do Trabalho dispõe, no n.° 1 do artigo 249.°, que “ Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”. O n.° 2 inclui na contrapartida do trabalho “ a retribuição - base e todas as prestações regulares e periódicas, feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”.
Também o n.º 3 do mesmo artigo estabelece que, até prova em contrário, se presume que constitui retribuição “ toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”.
No conceito de retribuição o legislador inclui, para além da retribuição - base e diuturnidades, os subsídios de férias e de Natal; outros suplementos, designadamente, os que são atribuídos 'face a condições específicas em que o trabalho é prestado, integrarão esse conceito se as respectivas s prestações tiverem natureza regular e periódica.
O conceito de retribuição decompõe-se, pois, nos seguintes elementos essenciais:
- a natureza de prestação patrimonial;
- o carácter de regularidade e periodicidade;
- a correspectividade entre a obrigação da entidade empregadora e a prestação de trabalho pelo trabalhador (embora nem sempre se exija a prestação efectiva do trabalho, evidenciando-se com frequência a disponibilidade do trabalhador).
No tocante às verbas pagas sob a denominação “gratificações” e “bónus”, afigura-se-nos que as mesmas integram o conceito de retribuição, tal como este é entendido no Código do Trabalho.
É que, apesar de as prestações relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais não se considerarem, em regra, retribuição (artigo 261°, n° 1, alínea b) do citado Código), no caso destes pagamentos se encontrarem antecipadamente garantidos a solução pode ser diferente.
A ideia de estarem antecipadamente garantidas significa que a entidade empregadora se encontra adstrita ao seu pagamento desde que estejam reunidos os pressupostos atinentes à sua concessão, ou seja, a sua atribuição não está dependente de uma apreciação discricionária do empregador.
Esta garantia antecipada de pagamento deverá resultar de um acordo das partes, que poderá ser meramente informal, ou resultar dos usos, relacionados com a regularidade do pagamento de tais prestações (n° 3 do artigo 261° do Código do Trabalho).
Ora, in casu, verificamos que a administração da empresa reúne com os seus quadros superiores e são fixados os objectivos a atingir, de acordo com critérios objectivos e pré-determinados. Uma vez alcançados os mesmos, o pagamento da “remuneração variável/prémio irregular” encontra-se antecipadamente garantido, porquanto tais quantias são devidas pela entidade empregadora a todos os trabalhadores que cumpriram com os mesmos.
Mais: o facto de tal atribuição depender do cumprimento de objectivos não ilude o facto do seu carácter regular e periódico ser só por si apto a conferir-lhes natureza retributiva. Indícios de tal circunstância constituem a cadência anual, semestral, ou mensal, o período de tempo durante o qual foram pagas as importâncias em questão (anteriormente a 2004, o que denuncia uma prática de continuidade, uma consolidação da situação criada) e os respectivos valores, que assumem um peso significativo de influenciar os orçamentos familiares dos trabalhadores e administradores.
Nestes termos, e do decurso da presente inspecção verificam-se as irregularidades consubstanciadas nas omissões que resultam de não terem sido declaradas como base de incidência de contribuições à Segurança Social as remunerações pagas aos trabalhadores e administradores a título de gratificações e bónus, no período de Abril de 2004 a Outubro de 2008, sendo as mesmas passíveis de descontos, conforme estipula o art°. 4º do Decreto-Lei n° 103/80, de 9 de Maio, do que resulta no apuramento de 56.949,70 euros de contribuições.
(…)”
8-Em 29/7/2009, a Impugnante apresentou a sua pronuncia em sede de audição prévia, constante a fls. 323 a 339 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta em síntese o seguinte:
“(…)
10.º
Conforme se pode constatar do exposto no Projecto de Relatório, e com excepção de apenas uma pessoa (vide artigo 12° infra), todas as pessoas ouvidas afirmaram que as gratificações/bónus são pagas aleatoriamente (em função do desempenho e situação económica da Empresa), não fixas e sem conhecimento do próprio, afirmando, inclusive, a maioria das pessoas, que apenas tomam conhecimento da respectiva atribuição quando verificam os seus recibos de vencimento e aí vem identificado o pagamento desses valores.
11.º
É ainda expressamente referido pela maioria das pessoas ouvidas em autos de declarações que não estão estipuladas/escritas em documento interno da Empresa ou do Grupo E..., assim como nos contratos individuais de trabalho, quaisquer regras de atribuição de gratificações ou bónus a colaboradores da T....
12.º
A este respeito gostaríamos ainda de frisar que de todas as pessoas ouvidas apenas uma, que já não exerce funções na Empresa, o Sr. Eng.° DD, declarou que “as normas de atribuição de prémio de desempenho estavam estipuladas em documento interno do Grupo E..., de conhecimento dos colaboradores” [itálico nosso].
13.º
Em relação a esta declaração cumpre tão só referir que das acções de investigação e recolha de informação por parte das Autoridades da Segurança Social, e conforme se pode constatar pelo Projecto de Relatório emitido, não foi, e não poderia ter sido, obtido qualquer documento desta natureza, na medida em que o mesmo não existe.
14.°
Assim, não podemos deixar de expressar a nossa indignação relativamente à conclusão constante no parágrafo n.° 2 de fls. 236 do Projecto de Relatório de que existe uma “contratualização” que permite aos colaboradores ter certezas quanto ao recebimento de prémios/bónus, uma vez que a mesma não é sustentada em qualquer prova documental.
(…)
16°
Reforçando a incorrecção desta conclusão, facultamos, desde já, cópias das Actas n.º 1 dos anos de 2004 a 2008 e Acta n.º 2 do ano de 2007, da reunião da Comissão de Fixação de Remunerações da T... em que é deliberada a atribuição de gratificações a administradores com carácter meramente ocasional - que se junta sob a designação de Documento n.º 3 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
17.º
Ainda em respeito a comentários sobre declarações concretas, gostaríamos de salientar que as prestadas pelo Sr. EE, para além de não encontrarem correspondência com a informação constante nos “Mapas de Apuramento de Remunerações", referem, por equívoco, que nas fichas de avaliação de desempenho estão estipuladas as normas de atribuição de prémios de desempenho, sendo possível afirmar que através das mesmas o avaliado fica “a ter conhecimento do prémio a que tem direito a receber, muito embora o quantitativo possa variar no seu valor” [itálico nosso], o que de facto não acontece, conforme cópia de exemplares de fichas de avaliação que juntamos com a designação de Documento n.° 4 , e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
18.º
Por forma a esclarecer a realidade factual, e embora tal já tenha sido oportunamente exposto por diversas vezes às Autoridades da Segurança Social, entendemos ser de toda a conveniência proceder de uma forma clara à exposição das condições que têm norteado a atribuição de gratificações e bónus a colaboradores da T....
Da atribuição de bónus
19.º
Os montantes registados nas contas da T... como “bónus” foram montantes pagos a colaboradores que integram os quadros da Empresa (gestores do retalho e outros quadros).
20.º
O pagamento de bónus não está previsto contratualmente, estando a sua eventual atribuição relacionada com a positiva avaliação do desempenho destes colaboradores, sendo, no entanto, o seu efectivo pagamento totalmente discricionário e arbitrário, na medida em que depende de decisão positiva da Administração da T... e, naturalmente, da situação económica favorável da Empresa.
21.º
Assim, e ainda que o colaborador venha a ter uma excelente avaliação de desempenho, a atribuição do bónus não está à partida garantida, podendo de facto não ocorrer se a Administração do Grupo assim o decidir (decisão essa que poderá ser baseada nas razões que entenda relevantes, nomeadamente por razões de natureza económica da Empresa, do conjunto de empresas do retalho ou de qualquer outra empresa do Grupo E...).
22°
Assim sendo, e ainda que nas fichas de avaliação seja atribuída uma ponderação quantitativa a cada competência/ponto objecto de avaliação, a avaliação global final não está “indexada” ao pagamento de qualquer montante a título de bónus.
23°
Com efeito o sistema de avaliação do desempenho dos colaboradores da T..., o qual está elaborado de acordo com as melhores práticas nesta matéria, visa essencialmente proceder ao reconhecimento do mérito, à identificação de necessidades de formação do colaborador avaliado em áreas específicas e essenciais ao desenvolvimento da sua actividade profissional, bem como uma eficaz gestão de carreira.
24°
A este respeito gostaríamos ainda de referir que as fichas de avaliação em vigor na T... são idênticas em tudo ao modelo adoptado na maioria das empresas privadas, assim como às utilizadas no sistema de avaliação de desempenho dos funcionários da Administração Pública ("SIADAP”), não prevendo estas a atribuição de qualquer bónus/prémio pelo simples facto de serem estabelecidos objectivos individuais e/ou colectivos. Refira-se, aliás, que a legislação que regulava o SIADAP aplicável aos anos em causa nem sequer previa/permitia a atribuição de prémios de desempenho, ainda que os funcionários tivessem uma excelente performance.
(…)
51°
Assim, os registos contabilísticos a que a Segurança Social se refere, e que se tratam de acréscimos de custo e não de provisões, respeitam criteriosamente os princípios contabilísticos supra mencionados e pretendem, com base numa gestão cautelosa e prudente, ver reflectido no balanço da empresa eventuais decisões que a Administração/Comissão de Fixação de Remunerações da T..., possa(m) vir a tomar e que possam representar encargos para a Empresa, sendo que na maioria dos anos os valores efectivamente pagos ficam aquém dos montantes registados como acréscimos de custo, conforme se pode constatar pelo quadro comparativo que se anexa com a designação de Documento n.º 5 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
(…)
Resulta do exposto que:
1. Se verifica um incongruência nos valores de contribuições obrigatórias em falta apuradas pela Segurança Social (são mencionados dois valores distintos nos documentos constantes da notificação dirigida à Empresa).
2. A atribuição de bónus e gratificações a colaboradores/administradores da T... é estritamente discricionária e arbitrária, cabendo à Administração/Comissão de Fixação de Remunerações da T..., a decisão da sua atribuição.
3. Estes montantes não têm sido pagos todos os anos às mesmas pessoas.
4. A sua atribuição não está prevista nos contratos individuais de trabalho ou em qualquer documento interno da T..., pelo que não se pode considerar que haja uma legítima e fundada expectativa no seu recebimento por parte dos colaboradores ou a existência de um direito adquirido na sua esfera.
5. Não existe uma continuidade e/ou periodicidade na atribuição destes montantes, a qual deve ser analisada colaborador a colaborador
6. O conceito de regularidade não se encontra definido na legislação da Segurança Social, sendo necessário recorrer às normas da legislação laborai por forma a interpretar este conceito.
7. Deverão ser considerados como regulares, e como tal sujeitos a contribuições obrigatórias para a Segurança Social, os montantes pagos que constituam um direito adquirido dos colaboradores ou que, não o sendo, sejam atribuídos de uma forma contínua e/ou periódica durante um determinado período de tempo, o que não é o caso se a análise for efectuada de uma forma individual.
8. Na medida em que os bónus e gratificações atribuídos pela T... não preenchem qualquer dos requisitos enunciados, dependendo da livre decisão da Administração/ Comissão de Fixação de Remunerações da T..., os mesmos devem ser tratados como irregulares, e, como tal, não estão sujeitos a contribuições obrigatórias para a Segurança Social.
(…)”
9-Em 28/4/2010, a Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, emitiu o despacho de concordância com o relatório final de Inspecção, constante de fls. 526 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta em síntese:
“(…)
2.9. Mas ainda que assim não fosse podemos afirmar que não corresponde à verdade a afirmação proferida pela Respondente de que “todas as pessoas ouvidas afirmaram que as gratificações/bónus são pagas aleatoriamente (...) não fixas e sem conhecimento do próprio”, porquanto, resulta dos autos prova em sentido diverso, conforme se pode ver pela transcrição das declarações dos trabalhadores a seguir indicados:
a) DD (fls. 110 dos autos) que refere que o montante por ele auferido “(...) em Abril de 2007 diz respeito a prémio de desempenho e respeitante ao ano anterior esclarecendo ainda que os trabalhadores “(...) eram avaliados em Novembro, numa escala de 0 a 7, sendo que cada um dos números correspondia a um valor monetário
b) EE (a fls. 111) que afirma “(...) que os montantes pagos em 2007 e 2008 a título de bónus, dizem respeito a prémios por desempenho (..) e que quando é avaliado fica a ter conhecimento do prémio a que tem direito a receber
c) FF (a fls. 112) esclareceu que os montantes em análise recebidos “(...) dizem respeito a prémios atribuídos pelo Grupo E... em função do desempenho (..) havendo conhecimento por parte dos trabalhadores que tais gratificações possam ocorrer
2.14. Por outro lado, da análise efectuada à documentação contabilística nomeadamente, e por amostragem, a de suporte das contas 64117 (Custos com o Pessoal - Remunerações dos Órgãos Sociais) e 64217 (Custos com o Pessoal - Remunerações do Pessoal), foi constatado que os lançamentos foram efectuados em contrapartida da conta 27324 (Acréscimos e Deferimentos - Acréscimos de Custos) e, consequentemente, da 2621 (Outros Devedores e Credores - Pessoal - Remunerações a Pagar). Os diversos documentos consultados apresentam descritivos internos à empresa, especificados por códigos de ligação à contabilidade analítica, para análises de centros de custo (cfr. documentos a fls. 155 a 195).
2.15. Constatou-se, igualmente, que todas as importâncias respeitantes a bónus e gratificações não se encontravam em dívida.
2.16. Acresce ainda que para além da documentação contabilística junta aos autos a nossa convicção sai reforçada pela resposta dada pela Respondente a fls. 29 dos autos, donde se extrai que o contribuinte em apreço contabiliza os montantes a pagar, segundo aduz e, cita-se: “por razões de especialização das contas mensais, efectuamos a contabilização de provisão mensal correspondente a 1/12 do valor estimado, procedendo-se ao seu acerto no último mês do ano, como se pode verificar pelos próprios extractos. No ano seguinte, e em função do valor atribuído, é feita a utilização da provisão constituída e regularizado o excesso, ou a insuficiência, em contas do exercício anterior”.
2.17. Ora, a contabilização nestes moldes dos montantes a pagar demonstra, quanto a nós, que a atribuição das gratificações é prevista e contabilizada antecipadamente, perspectivando-se o seu pagamento, pelo que se pode afirmar que não estamos face a despesas com carácter extraordinário, pois se assim fosse o seu montante não poderia ter sido antecipadamente contabilizado.
(…)
2.29. E mesmo que a atribuição das gratificações/bónus não estivesse indexada ao desempenho dos trabalhadores ao longo do ano e a entidade patronal os tivesse pago por mera arbitrariedade, como pretende fazer crer a Respondente, esse pagamento tem a periodicidade e constância que decorre dos mapas de apuramento elaborados com base nos vencimentos processados e pagos, a diversos trabalhadores ao longo da maioria dos anos em averiguação, tendo por isso que ser considerados como verdadeiras parcelas remuneratórias dos beneficiários - estamos perante prestações directamente ligadas à existência concreta de trabalho, sendo que a sua atribuição, face à periodicidade e constância, cria nos beneficiários a expectativa do seu recebimento.
2.30. É pois inócua a alegação de que se trata de “ (...) pagamento totalmente discricionário e arbitrário, na medida em que depende de decisão positiva da Administração da T... e, naturalmente, da situação económica favorável da Empresa.”
2.31. Com tal afirmação a Respondente pretende transmitir o entendimento de que constituem meras liberalidades, o que de facto não logrou provar com a prova ora junta aos autos,
2.32. Com efeito, se atentarmos nas actas juntas aos autos verifica-se que as mesmas dizem apenas respeito às gratificações dos Presidentes do Conselho de Administração, Eng. MM e do Administrador Dr. NN e não aos trabalhadores em geral e, embora aí se refira que a gratificação é meramente “ocasional”, o certo é que tais gratificações foram pagas a ambos, pelo menos, em dois anos consecutivos.
2.33. Por outro lado, as alegadas fichas de objectivos ora juntas pela Respondente não têm qualquer validade jurídica com interesse para os autos, porquanto não se referem a nenhum trabalhador em especial, não se encontram identificadas nem assinadas por nenhum dos intervenientes nos autos, pelo que, em nosso entendimento, nem sequer devem ser analisadas.
2.34. Ademais e em defesa da tese, por nós defendida, de que tais gratificações revestem a natureza de regulares passaremos a enunciar, a título de mero exemplo, alguns dos trabalhadores que as receberam ao longo dos anos em análise:
a) - GG, nos anos de 2004, 2005 e 2006 recebeu gratificações uma vez em cada no ano; no ano de 2007 recebeu duas vezes e no ano de 2008 recebeu 9 meses de Janeiro a Outubro;
b) - FF, nos anos de 2004, 2005 e 2006 recebeu gratificações ou bónus uma vez por cada ano; em 2007 recebeu gratificações em 7 meses e, no ano de 2008, recebeu 9 meses de Janeiro a Outubro;
d) - HH, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, recebeu bónus 1 vez em cada ano;
e) - II, nos anos de 2004, 2005 e 2006 recebeu bónus uma vez no ano e nos anos de 2007 e 2008, duas vezes no ano.
2.35. Deste modo e tomando por base a situação fáctica supra descrita podemos concluir que a mesma é subsumível ao disposto no n.° 2 e 3 do art. 261° do Código do Trabalho (aplicável à data dos factos) onde é referido que a exclusão do conceito de retribuição não se aplica “às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àqueles que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele (...) independentemente da variabilidade do seu montante” (o sublinhado é nosso).
2.36. De igual modo, também o art° 2.º do decreto - regulamentar n° 12/83, de 12 de Fevereiro, na redacção dada pelo decreto regulamentar n° 53/83, de 22 de Junho, enumera várias prestações, que para o efeito, são consideradas remunerações passíveis de contribuição para a segurança social, designadamente, a remuneração base, que compreende a prestação pecuniária e prestações em géneros, alimentação ou habitação, os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade (o sublinhado é nosso).
2.37. Mais estipula, o Decreto-Lei n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro, que constituem elementos essenciais, para efeitos de apuramento do montante de contribuições a pagar, o valor da remuneração, o tempo de trabalho que lhe corresponda, a taxa contributiva aplicável e o montante da totalidade das contribuições correspondentes às remunerações declaradas.
2.38. Desta forma ao conceito da retribuição preside uma ideia de normalidade, compreendendo os valores com que o trabalhador pode contar como contrapartida da sua actividade, ficando excluídas do conceito quaisquer prestações efectuadas a título de liberalidade, recompensa ou mera compensação de despesas efectuadas.
2.39. Ora, chamar “montantes extraordinários” a gratificações/bónus pagos sistematicamente durante o período em análise parece-nos, com o devido respeito, que é ir muito longe na sua qualificação.
(…)
2.71. No que concerne aos montantes pagos a título de gratificações ao beneficiário MM, após nova análise à sua situação perante a Segurança Social e segundo o estatuído no art°. 9 do Decreto Lei 327/93, de 25 de Setembro, considera-se procedente a resposta apresentada, dado que “a base de incidência das contribuições devidas pelas entidades contribuintes em função de beneficiários abrangidos pelo presente diploma corresponde ao valor das remunerações por eles efectivamente auferidas, com o limite mínimo igual ao valor da retribuição mínima mensal mais elevada (..) e o limite máximo igual a 12 vezes o valor da mesma remuneração mínima”.
2.72. Assim sendo, serão corrigidos os mapas de apuramento enviados à empresa em análise, bem como os montantes apurados, no que diz respeito somente aos valores auferidos pelo beneficiário anteriormente mencionado.
2.73. Por tudo quanto se disse e demonstrou e, considerando ainda que a resposta apresentada bem como os documentos entregues à posteriori apenas alteram, parcialmente, o constante no projecto de relatório no que respeita ao beneficiário MM, mantém-se todos os pressupostos que estiveram na origem da elaboração dos mapas de apuramento em devido tempo remetidos ao contribuinte, pelo que deverá ser efectuado o registo oficioso das DR‟s, ao abrigo da alínea c) do artigo 10.° da Portaria 638/2007, de 30 de Maio, republicada pela Portaria n° 1460-A/2009 de 31 de Dezembro, caso este não proceda à entrega voluntária das mesmas.
3. Conclusões
3.1. Em face da matéria apreciada no ponto anterior e tendo presente tudo quanto se apurou e fundamentou em sede de projecto de relatório são de extrair as seguintes conclusões:
a) A Entidade Empregadora em apreço não declarou perante a Segurança Social, como legalmente estava obrigada, as remunerações pagas a título de gratificações e bónus respeitantes ao período de Abril de 2004 a Outubro de 2008, envolvendo os 50 trabalhadores identificados nos mapas de apuramentos, anexos como documentos de fls. 476 a fls. 486;
b) Com tal conduta a Entidade Empregadora violou o disposto no art.° 4.° do Decreto Lei 103/80, de 9 de Maio, nos art.°s 1.° e 2.° do Decreto Regulamentar 12/83 de 12 de Fevereiro, do qual decorre a obrigação, por parte da entidade empregadora, de entregar as declarações de remuneração e pagar, à Segurança Social, as correspondentes contribuições sobre as remunerações pagas e recebidas pelos seus trabalhadores;
c) Em face do exposto, impõe-se efectuar o suprimento oficioso das Declarações de Remunerações, ao abrigo das competências previstas na alínea c) do n.º 2 do artigo 10° da Portaria n.º 638/2007, de 30 de Maio republicada pela Portaria n° 1460-A/2009, de 31 de Dezembro, e do artigo 33.° do D.L. n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro;
d) Liquidar as contribuições totais no valor de 48.037,50 EUROS, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de taxa social única, inscritos nos mapas de apuramento corrigidos e anexos ao processo, a fls. 476 a fls. 486, que dele fazem parte integrante, após correcção dos valores referentes ao beneficiário MM;
e) Foi levantado Auto de Notícia por infracções ao disposto na alínea c) do Art° 7º n° 1 do Decreto- Lei n° 64/89, de 25 de Fevereiro; Decreto-Lei n° 12/83, de 12 de Fevereiro e Decreto-Lei n° 140- D/86, de 14 de Junho, (indicação nas Declarações de Remunerações de valores diferentes dos legalmente considerados como base de incidência).
4. Propostas
4.1. Caso o presente relatório mereça aprovação propõe-se o seguinte:
a) Que o contribuinte seja notificado do teor do presente relatório e da decisão que sobre o mesmo recair, nos termos do ofício, cujo projecto se junta acompanhado dos mapas de apuramento, entretanto corrigidos;
b) Que, para os devidos efeitos, se tornem públicos os mapas de apuramento e demais documentação pertinente, após expedição para que o Centro Distrital de Setúbal promova o registo oficioso das Declarações de Remunerações, após as correcções ora efectuadas devendo este, posteriormente, proceder à notificação do contribuinte para pagamento voluntário da dívida, com a cominação de, não o fazendo, o processo seguir para cobrança coerciva;
c) Que seja dado como concluído o presente processo de averiguações, considerando-se para o efeito, como contribuições apuradas por este serviço de Fiscalização, o montante de € 48.037,50.
(…)”
10-Em 28/4/2010, o Departamento de Fiscalização dos Serviços de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, enviou à ora impugnante por carta postal registada o oficio n.º PROAVE n.º 200803033102, constante de fls. 514 e seguintes do PAT, com o assunto “Regularização de Contribuições à Segurança Social”, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual constam como anexos, o Relatório Final descrito no ponto que antecede e os mapas de apuramentos corrigidos.
11-Entre 23/5/2005 e 21/9/2006, OO exerceu as funções de “Presidente do Concelho de Administração da Impugnante” (cf. declarações de remunerações fls. 595 e seguintes e actas da Sociedade constantes de fls. 492 a 499, todas dos autos).
12-Em 9/7/2010, a presente impugnação deu entrada no TAF de Almada (cf. fls. 1 dos autos).
13-Em 15/11/2010, a impugnante recepcionou o oficio de citação para o processo de execução fiscal n.º 1501201000603104 e apensos, instaurado pelo IGFSS, I.P., para cobrança coerciva da divida no valor de EUR 31.913,59 (cf. oficio de citação a fls. 249 dos autos).
14-Em 19/1/2011, a impugnante recepcionou o oficio de citação para o processo de execução fiscal n.º 1501201100014729 e apensos, instaurado pelo IGFSS, I.P. para cobrança coerciva da divida no valor de EUR 4.410,35 (cf. oficio de citação a fls. 236 dos autos).
15-Em 29/4/2011, para suspensão do processo executivo identificado no ponto que antecede, a Impugnante prestou a garantia bancária n.º 125-02-1747433, sobre o Banco C..., no valor de EUR 5.553,34 (cf. oficio do IGFSS e garantia bancária a fls. 233 e 234 dos autos).
16-Em 17/6/2011, para suspensão do processo executivo n.º 1501201000603104 e apensos, a Impugnante prestou a garantia bancária n.º 125-02-1756912, sobre o Banco C..., no valor de EUR 40.464,75 (cf. oficio do IGFSS e garantia bancária a fls. 246 a 249 dos autos).
17-Em 1/2/2013, a impugnante recepcionou o oficio de citação para o processo de execução fiscal n.º 1102201300084891 e apensos, instaurado pelo IGFSS, I.P., para cobrança coerciva da divida no valor de EUR 47.460,27 relativa a contribuições e cotizações do período de 4/2004 a 12/2005 (cf. oficio de citação a fls. 500 dos autos).
18-Em 21/3/2013, para suspensão do processo executivo identificado no ponto que antecede, a Impugnante prestou a garantia bancária n.º 00125-02-1852960, sobre o Banco C..., no valor de EUR 58.920,85 (cf. oficio do IGFSS e garantia bancária a fls. 516 e 524 dos autos).
19-A atribuição de Bónus ou gratificações dependia da disponibilidade financeira da empresa e de uma decisão do Concelho de Administração ou Gestão (cf. depoimentos das testemunhas PP, LL, GG, EE, FF e de QQ).
20-Os valores atribuídos aos trabalhadores da Impugnante a título de prémios nunca eram os mesmos (cf. depoimentos das testemunhas PP e de QQ).
21-O Superior Hierárquico Directo podia dizer aos trabalhadores que se conseguissem alcançar determinados objectivos, poderiam ganhar um bónus (cf. depoimento da testemunha EE).
22-Os Trabalhadores aos quais eram atribuídos os prémios não eram sempre os mesmos (cf. depoimentos das testemunhas PP e de QQ).
23-Em 12 anos de trabalho realizados no Grupo E..., não foram atribuídos prémios em dois anos (cf. depoimento da testemunha de QQ).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir…".
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.
Também no depoimento das testemunhas arroladas e referenciadas em cada ponto dos factos provados, designadamente das testemunhas PP, LL, GG, EE, FF e de QQ, todos trabalhadores há vários anos, na Impugnante ou no grupo E... de Gestão e Participações – SGPS, as quais nos seus depoimentos descreveram de forma coerente o processo de contabilização e processamento dos chamados “Bónus ou prémios de desempenho”, negando contudo terem uma a expectativa do seu recebimento, com o fundamento de não estarem contratualizados e dependerem de uma decisão da Administração ou gestão, facto que não foi dado como provado, face à regularidade da sua atribuição demonstrada quer nos depoimentos, quer na prova documental recolhida pela inspecção realizada pela Segurança Social…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou parcialmente procedente a presente impugnação, em virtude dos seguintes vectores:
1-Caducidade do direito à liquidação oficiosa das contribuições/quotizações referentes ao período de 4/2004 a 4/2006, no valor total de € 22.729,54, assim levando à consequente anulação das liquidações relativas ao identificado período;
2-Anulação das liquidações oficiosas na parte correspondente ao administrador OO, no valor de € 5.505,32, devido a errónea quantificação da matéria colectável, em virtude de ter exercido as funções de "Presidente do Conselho de Administração" (cfr.nº.11 do probatório supra);
3-Improcedência da impugnação quanto às restantes liquidações oficiosas de contribuições/quotizações, no montante de € 19.802,64.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
Como ponto prévio, é mester vincar-se que não deve este Tribunal conhecer do esteio da apelação relativo ao reconhecimento da prescrição das liquidações de contribuições/ quotizações referentes ao período compreendido entre Abril e Novembro de 2004, no montante global de € 12.699,95, em face da parcial procedência da impugnação decretada pelo Tribunal "a quo", visto que matéria abarcada pela declaração de anulação devido a caducidade do direito à liquidação (a qual abrange as liquidações referentes ao período de 4/2004 a 4/2006, trecho da sentença que transitou em julgado - cfr.artº.635, nº.5, do C.P.Civil), assim não tendo a recorrente ficado vencida e carecendo de legitimidade para o erigir como objecto da apelação (cfr.artº.631, nº.1, do C.P.Civil).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que as gratificações traduzidas em prémios de desempenho pagas aos seus trabalhadores não constituem remunerações sujeitas a descontos para a Segurança Social, dado que não se encontravam contratualizados e não revestiam carácter de regularidade. Que a sentença recorrida, ao decidir o contrário, além do mais, viola o disposto no artº.2, do Decreto Regulamentar 12/83, de 12/02 (cfr.conclusões IV e VI a XX do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/07/2020, rec. 534/20.0BEBRG; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2022, rec.2326/21.0BEBRG; Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.; Apelles J. B. Conceição, Segurança Social, Manual Prático, 10ª. Edição, Almedina, 2017, pág.107 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, constitui objecto da apelação saber se as gratificações, traduzidas em prémios de desempenho, pagas aos seus trabalhadores pela sociedade impugnante e ora recorrente se devem, ou não, abarcar no conceito de retribuição para efeitos de delimitação qualitativa da base de incidência contributiva da Segurança Social.
A noção legal de retribuição estava prevista no artº.249, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27/08, diploma aplicável à data dos factos, norma que ostentava a seguinte previsão e estatuição:
“ (…)
1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - A qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos nºs. 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código.
(…)”

Já o artº.261, do mesmo diploma dispunha:
1 - Não se consideram retribuição:
a) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
b) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele.
3 - O disposto no n.º 1 não se aplica, igualmente, às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.

Por último, o Decreto-Regulamentar 12/83, de 12/02, com a redacção dada pelo Decreto Regulamentar 53/83, de 22/06, diploma em que se regulamentava a base de incidência das contribuições para a Segurança Social (cfr.actualmente o artº.46, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/09), consagrava nos seus artºs.1 e 2, no que ao caso dos autos interessa:
“(…)
1-Os trabalhadores abrangidos pelo regime geral de segurança social e as respectivas entidades patronais concorrerão para as instituições gestoras do regime com as percentagens que se encontrem legalmente estabelecidas sobre as remunerações recebidas e pagas.
2-Para os efeitos do disposto no artigo anterior, consideram-se remunerações as prestações a que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito pela prestação do trabalho e pela cessação do contrato, designadamente:
(…)
d) Os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga, que tenham carácter de regularidade;
(…)”.
Este último regime é autónomo e auto-suficiente, não sendo dependente de remissão ou densificação obrigatória para a legislação juslaboral, que prossegue, em princípio, um desiderato próprio e nem sempre sobreponível com aquele visado pelo Direito Tributário.
De acordo com o regime acabado de citar estão claramente fixados os termos de que, à data dos factos, dependia a incidência em sede de descontos para a Segurança Social, quando nos encontrássemos diante de prémios de rendimento ou produtividade, apenas sendo os mesmos tributados se:
1-Fossem devidos por força do contrato de trabalho ou lei;
2-Fossem regulares.
A segunda condição de que dependia, à luz da legislação aplicável ao caso dos autos, a tributação dos quantitativos aqui em causa passava pela demonstração da respectiva regularidade. Também a este respeito, já se fixou uma razoável conformidade jurisprudencial no sentido de entender este requisito como equivalendo a, na falta de melhor expressão, previsibilidade ou não arbitrariedade. Nesta leitura, as prestações seriam sujeitas a tributação em Segurança Social quando não fossem imprevisíveis ou arbitrárias, mas antes sujeitas a um evento verificável. Para haver tributação, teria assim de ocorrer um (ou mais) condicionalismos "certus an", ainda e mesmo que incertos na formação do quantum concreto e respectivo da prestação a pagar. Mas já nunca ocorrerá a formação de um facto tributário em sede de Segurança Social quando o pagamento de tais remunerações for feito depender de condições que são meramente eventuais ou arbitrárias, portanto feitas depender de um condicionalismo "incertus an" (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.2342/12.3BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/11/2021, rec. 484/11.1BECTB).
No caso "sub iudice", vertendo ao exposto no probatório supra (cfr.nºs.7 e 19 da factualidade provada), logo se evidencia que a exigibilidade de tais prestações (prémios de desempenho) nunca teve fonte jurídica nos contratos de trabalho dos trabalhadores da sociedade impugnante e ora recorrente nem nas previsões legais laborais aplicáveis. Por outras palavras, não existem quaisquer indícios de formação de um direito subjectivo àquele valor e até a existência de meras expectativas de base jurídica será sempre muito discutível.
A segunda condição de que dependia, à luz da legislação aplicável ao caso dos autos, a tributação dos quantitativos aqui em causa, passava pela demonstração da respectiva regularidade, no sentido acima identificado, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal.
A regularidade das prestações tem a ver com outra característica das mesmas já acima referida: a de que são atribuídas em regra (são ordinárias) e com regras (não arbitrárias). Quer dizer, a atribuição de tais valores não pode estar, designadamente, sujeita a eventos dependentes, em última análise, da vontade do empregador ou de circunstancialismo aleatório; e é assim, porque só em tais circunstâncias se pode falar da formação de "uma expectativa do seu recebimento no ano seguinte e com a repetição dos respectivos pressupostos". Mais, o carácter de regularidade do prémio de produtividade/desempenho deverá ser aferido casuisticamente, atendendo às circunstâncias do caso concreto (v.g. sendo contratualizados aquando da admissão do trabalhador com a designação de "remuneração variável anual").
Ainda, apesar de as prestações relacionadas com o desempenho ou mérito profissionais do trabalhador não se considerarem retribuição, em regra (cfr.artº.261, nº.1, als.a) e b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27/08) poderá a solução ser diversa no caso de estes pagamentos se encontrarem antecipadamente garantidos. Estarem antecipadamente garantidas significa que estas prestações são devidas desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, não dependendo de uma apreciação discricionária do empregador (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/11/2020, rec.2342/12.3BELRS; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2ª.Edição, Almedina, 2005, pág.572 e seg.).
"In casu", no que diz respeito ao requisito da regularidade, os factos consolidados nos presentes autos são claros, não sendo possível vislumbrar a exigida regularidade nos pagamentos dos prémios de desempenho aqui em causa. Assim é, porquanto, do probatório se retira:
1-A atribuição de bónus ou gratificações dependia da disponibilidade financeira da empresa e de uma decisão do Concelho de Administração ou Gestão (cfr.nº.19 da factualidade provada);
2-O Superior Hierárquico Directo podia dizer aos trabalhadores que se conseguissem alcançar determinados objectivos, poderiam ganhar um bónus (cfr.nº.21 da factualidade provada).
Ora, pese embora a verificação da atribuição patrimonial dos prémios a alguns trabalhadores durante vários anos, não ficou demonstrado que essa atribuição se devia a regras estabelecidas que vinculassem a sociedade recorrente ao seu pagamento, sempre que se verificassem determinados pressupostos. Com efeito, os factos levados ao probatório são demasiado vagos e apontam no sentido contrário (cfr.nºs.19 a 23 da factualidade provada), sendo certo que recaía sobre a Segurança Social, ora recorrida, o ónus da prova de tal factualidade.
Em face do exposto entende este Tribunal que não se mostram reunidos os requisitos para qualificar como retribuição, os prémios atribuídos aos trabalhadores, para efeitos de incidência de contribuição para a segurança social, ao abrigo do citado artº.2, al.d), do Decreto-Regulamentar 12/83, de 12/02, contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo", assim padecendo, a sentença recorrida, do vício de violação de lei consubstanciado na interpretação e aplicação da aludida norma.
Sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento à apelação nesta parcela e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A SENTENÇA RECORRIDA NA PARCELA OBJECTO DA APELAÇÃO, em consequência do que se julga procedente a impugnação, também neste esteio.
X
Condena-se a entidade recorrida em custas na presente instância recursiva (cfr. artº.527, do C.P.Civil).
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 25 de Janeiro de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.