Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0244/12
Data do Acordão:06/20/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
INDEFERIMENTO TÁCITO
TUTELA JUDICIAL EFECTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
NULIDADE
Sumário:I – A oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em algumas das previsões do nº 1 do art. 204º do CPPT.
II – Não deve ser alvo de indeferimento liminar, por manifesta improcedência, a petição inicial de oposição à execução quando havendo erro na forma de processo seja possível a convolação noutra forma processual adequada.
III – O erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso e impõe a convolação do processo para a forma adequada, nos termos do disposto no art. 98º, nº4, do CPPT e art. 97º, nº3, da LGT, com a anulação apenas dos actos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem a diminuição das garantias de defesa (art. 199º, nºs 1 e 2, do CPC).
IV – Se da leitura da petição de oposição se verifica que o oponente pretende atacar as liquidações adicionais, por terem sido desconsideradas as prestações de alimentos que paga ao filho menor e se pede a anulação das mesmas, o pedido e causa de pedir adequam-se à impugnação judicial.
V – Justificando-se a convolação por razões de economia processual, importa averiguar se existe algum obstáculo ao prosseguimento da petição na forma processual adequada, designadamente em termos de tempestividade, sendo irrelevante para a convolação que a petição seja intempestiva para o meio processual inadequado que foi indevidamente utilizado.
VI – A convolação justifica-se também em nome do direito à tutela judicial efectiva porquanto a presunção de indeferimento prevista no art. 106 do CPPT é uma mera ficção destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos pelo que o facto de o oponente não ter usado dessa faculdade não preclude o seu direito a impugnar o acto expresso quando ele ainda que tardiamente vier a ser praticado.
Nº Convencional:JSTA00067690
Nº do Documento:SA2201206200244
Data de Entrada:03/06/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART209 N1 B C ART204 N1 A ART165 ART163 ART106 ART203 N1 ART151 N1 ART278 N5 ART204 H ART276 ART98 N4 ART102 N2
LGT98 ART57 N5 ART97 N2 ART5 N1 ART97 N3
CPC96 ART3 N3 ART2 N2 ART199 N1 N2 ART288 N1 B ART493 N1 N2 ART494 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC26482 DE 2002/10/09; AC STA PROC786/07 DE 2011/02/24; AC STA PROC1145/11 DE 2012/03/28; AC STA PROC1161/2011 DE 2012/02/29; AC STA PROC042/06 DE 2006/03/08
Referência a Doutrina:LOPES DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED PAG369 PAG441 PAG111 PAG495 PAG269 PAG91 PAG194
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I-RELATÓRIO

1. A……, identificado nos autos, deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, oposição contra a execução fiscal contra si instaurada pela Fazenda Pública.
2. Naquele Tribunal foi proferida sentença que rejeitou liminarmente a oposição, por não ter sido alegado nenhum dos fundamentos admitidos no nº. 1 do artigo 204º do CPPT e ser manifesta a sua improcedência, de acordo com o que dispõem as alíneas b) e c) do nº. 1 do artigo 209º do CPPT.
3. Não se conformando com tal decisão, o Oponente interpôs recurso para o TCA Norte, formulando as seguintes conclusões das suas alegações:
“A) O recorrente fundou a sua oposição nas alíneas a) e h) do n° 1 do artigo 204° do CPPT;
B) Está em causa a liquidação adicional de IRS relativa aos anos de 2004, 2005 e 2006;
C) A alteração à matéria colectável efectuada pela administração fiscal, relativa aos rendimentos dos anos de 2004, 2005 e 2006, do recorrente, resulta do facto de não lhe terem considerado as deduções decorrentes das prestações alimentares que paga ao seu filho menor desde Agosto de 2003, conforme documento que se encontra junto aos autos;
D) E tal apenas sucedeu, porque o recorrente não juntou os documentos, e nem tinha que os juntar com as declarações de rendimentos que apresentou;
E) Notificado da alteração á matéria colectável, o recorrente contactou a Repartição de Finanças de Caminha, e apresentou exposição e juntou os documentos em causa;
F) Aquela exposição viria a ser processada como reclamação graciosa, sendo que sobre ela apenas recaiu decisão em 2 de Dezembro de 2010;
G) O recorrente aguardou que a administração fiscal decidisse a sua reclamação, o que veio a suceder em 02/12/2010, pelo que, apenas a partir desta, poderia e deveria o recorrente actuar sob o ponto de vista judicial;
H) Considerando que entretanto o prazo para dedução de impugnação judicial havia há muito sido ultrapassado, restava ao recorrente deitar mão da figura da oposição e sustentar-se, tal como o fez, nas alíneas a) e h) do n° 1 do artigo 204° do CPPT;
I) A verdade é que o recorrente não possuía e nem possui qualquer outro meio contencioso de “atacar” a decisão da administração fiscal;
J) Daí que a oposição foi indevidamente rejeitada liminarmente, devendo a douta sentença ser revogada e substituída por outra que admita a oposição e decida o fundo da questão;
K) A douta sentença recorrida, viola entre outras, as normas constantes dos artigos 203° e 204°, n° 1 alíneas a) e h) do CPPT.
Nestes termos e nos melhores de direito a suprir por Vªs. Exªas., Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com as legais consequências”.

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. Por Acórdão do TCA Norte foi declarada a incompetência daquele Tribunal, em razão da hierarquia, para o conhecimento do presente recurso, dado a mesma caber ao STA.

6. Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto do STA, veio emitir o seguinte parecer:
“O exm.° colega no T.C.A. Norte já emitiu parecer sobre o recurso interposto.
No entanto, acrescenta-se ainda o seguinte:
Os fundamentos para a rejeição foram os contidos no art. 209.° n.° 1 als. b) e c) do C.P.P.T., enquanto no parecer emitido pelo Ministério Público em 1.ª instância se defendeu dever ser os contidos nas als. a) e b) do mesmo dispositivo.
Aliás, a oposição foi deduzida na sequência de decisão proferida em reclamação graciosa, não repugnando que fosse assim ainda considerada oportuna a oposição com fundamento no previsto no art. 203.° n.° 1 al. b) do C.P.P.T., embora seja apontado como caso aí a enquadrar o da reversão de execução, mas não repugnando que tal possa ainda assim ser considerado com facto superveniente.
Quanto aos fundamentos do recurso, invoca o recorrente ser ainda de reconhecer os constantes das als. a) e h) do n.° 1 do art. 204.° do C.P.P.T..
São os mesmos, respectivamente, a inexistência de imposto, o que é de entender face à lei aplicável, e o da ilegalidade da liquidação, o que é de considerar relativamente aos meios para impugnar ou recorrer que no caso coubessem (Assim, exmo.º Cons. Jorge Sousa, em CPPT Vol. III, p. 495.), em que o alegado parece não se enquadrar, tendo existido tais meios, nomeadamente, o da impugnação antes da oposição.
Assim, parece haver razão para a rejeição da oposição nomeadamente, com o fundamento na al. b) do x n.° 1 do dito art. 209.°.
Contudo, mais parece ser de convolar a mesma em requerimento de arguição de nulidade, o qual era também oportuno apresentar, conforme previsto no art. 165.° nºs 3 e 4 do C.P.P.T.
Com efeito, os pedidos efectuados eram os referentes a nulidade insanável do processo executivo e à consequente falta de título bastante, o que foi efectuado com base no art. 165º n.° 1 al. b) do C.P.P.T..
E se o oponente visou ainda a anulação da liquidação com base nas provas que tinha apresentado, fê-lo apenas indirectamente.
Assim, e com o devido respeito pela opinião já manifestada, parece não haver a incompatibilidade que se invocou pelo que se imporá ainda decidir tal, nos termos que decorrem ainda do previsto nos arts. 97º n.° 3 da L.G.T. e 98.° n.° 4 do C.P.P.T..
Concluindo, sendo de manter a rejeição da oposição com o fundamento no art. 203.° n.° 1 al. b) do C.P.P.T., é ainda de determinar a convolação em requerimento de arguição de nulidade, sendo, para tal, de revogar o decidido quanto à cumulação de pedidos impeditiva de tal”.

7. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1. DE FACTO

Na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto, o que se compreende face à natureza liminar dessa decisão.
Apesar da não fixação de factos na decisão sob recurso, da fundamentação da mesma podemos assentar a seguinte factualidade, com relevo, “… o oponente foi citado para o processo de execução fiscal ao qual se opõe, pessoalmente, no dia 27-08-2009, tendo a petição inicial dos presentes autos dado entrada a 15-12-2010 …”.(Embora este Supremo Tribunal não tenha competência em matéria de factos nos recursos que lhe são submetidos das decisões dos tribunais de 1ª instância (cfr. art. 26º, alínea b), do ETAF), não está impedido e, pelo contrário, está obrigado a considerar as ocorrências processuais reveladas pelos autos, apreensíveis por mera percepção e que são do conhecimento oficioso. Neste sentido, cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., 2011, Áreas Editora, Lisboa, 2011., anotação ao art. 279º, p. 369.)

2. DE DIREITO

2.1. Questão a apreciar e decidir

O ora recorrente apresentou declaração de rendimentos de IRS relativa aos anos de 2004, 2005 e 2006, que foram alteradas pela Administração Fiscal (AF) através de liquidações adicionais, por não terem sido aceites as deduções apresentadas pelo Oponente quanto à prestação alimentar mensal que paga ao filho menor desde Agosto de 2003 (arts. 2º a 4º da Petição de Oposição).
Notificado da alteração à matéria colectável, dirigiu exposição à AF, que foi recebida e tratada como reclamação graciosa, tendo ficado a aguardar decisão da mesma (arts. 8º e 9º da Petição de Oposição);
Entretanto, a AF, sem decidir previamente a reclamação, avançou para a execução fiscal, pelo que tendo o Oponente sido notificado do indeferimento da referida reclamação (em 2/12/2010), deduziu, em 15/12/2010, Oposição à execução fiscal contra si instaurada pela Fazenda Pública no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, com os fundamentos que sumariamente se indicam:
· O oponente entregou exposição na AF que foi recebida e tratada como reclamação graciosa, tendo ficado a aguardar decisão da mesma (arts. 8º e 9º da Petição de oposição);
· Apesar disso, a AF “não decidiu a reclamação e avançou para a execução fiscal, pelo que nos termos do disposto no art. 165º, nº 1, alínea b), do CPPT, tal facto encerra nulidade insanável, uma vez que o título executivo não dispõe dos seus requisitos essenciais”;
· O “processo executivo é nulo, por faltarem os requisitos essenciais do título”, uma vez que “sem que se mostrasse a reclamação decidida nunca se poderia avançar para a fase executiva do processo”;
· Donde, na óptica do Oponente, “ou se revoga o despacho que indeferiu a reclamação por intempestiva (…) anulando as liquidações adicionais dos anos de 2004, 2005 e 2005 (art. 20º da Petição de Oposição). Ou “se impõe anular todo o processado anterior e notificá-lo de novo das liquidações adicionais àqueles anos, para que possa sobre elas deduzir a competente impugnação judicial”.
O ora recorrente terminou a petição de Oposição pedindo:
· “Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente oposição ser julgada procedente por provada e, consequentemente declarado nulo, todo o processo executivo à margem identificado e anuladas as liquidações adicionais dos anos de 2004, 2005, e 2006, com as legais consequências”.
Por despacho proferido, em 31/1/2011, o Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, rejeitou liminarmente a petição de Oposição, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
· “(…) No processo de oposição à execução fiscal, regulado nos arts. 203º e ss. do CPPT, a causa de pedir pode ser — mas tem de ser - qualquer uma das previstas no artigo 204º daquele Código.
· Ora, na petição inicial não vem alegada qualquer daquelas referidas situações.
Designadamente, é ali referido, em suma, que as liquidações exequendas foram emitidas na pendência de reclamação graciosa e que se verificaria nulidade do título executivo.
· Assim, os referidos factos que integram a causa de pedir nos autos não se reconduzem, manifestamente, a nenhuma das alíneas da norma do artigo 204º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, acima transcrita.
· Por outro lado, de fls. 53 vº dos autos, resulta que o oponente foi citado para o processo de execução fiscal ao qual se opõe, pessoalmente, 27-08-2009, tendo a petição inicial dos presentes autos dado entrada a 15-12-2010, ou seja, muito depois do prazo fixado no artigo 203º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
· Acresce que o oponente cumula na petição inicial pedidos substancialmente incompatíveis, como sejam o de nulidade do processo executivo, cujo meio próprio de arguição é o previsto nos artigos 278º e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário, após prévia colocação da questão perante o órgão de execução fiscal, e o de anulação de liquidações, cujo meio próprio é o regulado nos artigos 99º e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário.
· Daí que, para além de tudo o resto, seja manifesta a improcedência da pretensão do A.
Por isso, verificando-se as situações previstas no referido artigo 209º/1/b) e c) do Código de Procedimento e Processo Tributário, deve a oposição ser rejeitada liminarmente”.

Inconformado, veio o recorrente interpor recurso para este Supremo Tribunal, argumentando, em síntese, o seguinte:
· Que aguardou que a administração fiscal decidisse a sua reclamação, o que veio a suceder em 02/12/2010, pelo que, apenas a partir desta, poderia e deveria actuar sob o ponto de vista judicial (Ponto G das Conclusões);
· Considerando que entretanto o prazo para dedução de impugnação judicial havia há muito sido ultrapassado, não restou ao ora recorrente deitar mão da figura da oposição e sustentar-se, tal como o fez, nas alíneas a) e h) do n° 1 do artigo 204° do CPPT (Ponto H das Conclusões);
· O recorrente não possuía e nem possui qualquer outro meio contencioso de “atacar” a decisão da administração fiscal (Ponto I das Conclusões);
· Pelo que oposição foi indevidamente rejeitada liminarmente, tendo a douta sentença recorrida, violado entre outras, as normas constantes dos artigos 203° e 204°, n° 1, alíneas a) e h), do CPPT (Pontos J e K das Conclusões).

Em face do exposto, a questão central que cabe apreciar e decidir no presente recurso é a de saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento de direito quando indeferiu liminarmente a petição inicial de Oposição, por entender ser manifesta a pretensão do Oponente, ora recorrente, nos termos do disposto no art. 209º, nº 1, alíneas b) e c), do CPPT.

2. 2. Do erro de julgamento

A propósito do indeferimento liminar, ficou consignado no recente Acórdão deste Supremo Tribunal, de 16 de Maio de 2012, proc nº 212/12, que o mesmo “(…) só terá lugar quando for de todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC)() e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» ().
Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que o despacho de indeferimento liminar, dada a sua natureza “radical”, na medida em que coarcta à partida toda e qualquer expectativa de o autor ver a sua pretensão apreciada e julgada, encontrando a sua justificação em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado” (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 9 de Outubro de 2002, proferido no processo com o n.º 26482, publicado no Apêndice ao Diário da República de 12 de Março de 2004; de 4 de Março de 2009, proferido no processo com o n.º 786/07, de 24 de Fevereiro de 2011, proferido no processo com o n.º 765/10.).
Assim sendo, imporá averiguar se no caso em apreço estão verificados os requisitos para a rejeição liminar da petição inicial.
O art. 209.º do CPPT, sob a epígrafe “Rejeição liminar”, dispõe que recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição, por um dos seguintes fundamentos:”Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º” [alínea b)]; “Ser manifestamente improcedente” [alínea c)].
O recorrente invocou como fundamentos da oposição a nulidade de “todo o processo executivo, por faltarem os requisitos essenciais ao título executivo”. E terminou a sua petição pedindo de forma expressa que fosse declarado nulo todo o processo executivo e anuladas as liquidações.
Como é sabido a oposição à execução fiscal é permitida com os fundamentos previstos no art. 204º do CPPT, sendo que a lista de fundamentos ali consignada é considerada taxativa, tendo em conta o uso da expressão «só» no corpo do nº 1 (Neste sentido, cfr. JORGE DE SOUSA, ob. cit., p. 441.).
Segundo o Mmº Juiz “a quo”, na petição inicial não vem alegada qualquer das causas de pedir referenciadas no art. 204º do CPPT.
Vejamos.

2.2.1. Comecemos pela alegada nulidade do título por falta dos requisitos essenciais.

O art. 165º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
Por sua vez, o art. 163º estabelece os requisitos a que deve obedecer o título executivo: a) menção da entidade emissora ou promotora da execução; b) assinatura da entidade emissora ou promotora da execução; c) data em que foi emitido; d) nome e domicílio do ou dos devedores; e e) natureza e proveniência da dívida e indicação, por extenso, do seu montante.
Acontece que o recorrente não invoca a falta de nenhum destes requisitos para fundar a invocada nulidade do título executivo. O que o oponente ora recorrente invocou na petição de oposição foi, como vimos, que tendo a sua exposição sido tratada como reclamação graciosa não poderia a AF iniciar a execução fiscal sem ter esperado pela resposta à reclamação, pelo que tal facto encerraria em sua óptica uma “nulidade insanável, uma vez que o título executivo não dispõe dos seus requisitos essenciais” (art. 12º da Petição).
E não é esta a consequência que a lei estabelece para as situações em que a AF não cumpra o prazo legalmente estabelecido para apreciar a reclamação. Se o órgão competente para apreciar a reclamação não se pronunciar sobre ela no prazo de seis meses a partir da data da entrada no serviço competente, ela presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial (art. 106º do CPPT) ou recurso hierárquico (art. 57º, nº 5, da LGT). Acresce, como melhor será analisado mais adiante, que tendo havido indeferimento expresso, tem de se considerar aberta a via judicial para o recorrente se defender, ainda que não pela oposição.
Por outro lado, constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, no Acórdão de 15/2/2012, proc. nº 0383/2011, que a nulidade do título executivo, por falta de requisitos essenciais e quando não puder ser suprida por prova documental, não constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i), do nº 1, do art. 204º do CPPT.
Assim pode ler-se no referido Acórdão que:
“Ora há que reconhecer que tal fundamento cabe na literalidade da referida norma pois que patentemente não envolve a apreciação da legalidade da liquidação - desde logo, é-lhe posterior - nem interfere em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título. Por outro lado, tal nulidade conduz à extinção da execução pelo que, sendo este o fim primacial da oposição, não haverá, por aí obstáculo à predita resposta afirmativa. Cfr. Jorge de Sousa, CPPP anotado, 2º volume, nota 16 ao artigo 165º.
Todavia, outros parâmetros há a considerar.
Dispõe o artigo 2º, nº2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”.
E, em termos semelhantes, preceitua o artigo 97º, nº 2, da Lei Geral Tributária, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
Assim, a cada direito corresponde uma só acção: unidade, que não pluralidade. Cfr. o acórdão do STJ, de 28 de Janeiro de 2003, in Colectânea, 166, p. 61.
Ora, o artigo 165º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão. A lei elegeu, pois tipicamente, o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade.
E, como tal, estabelece-se igualmente o seu regime de arguição.
Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título. Por outro lado, a tutela jurídica concedida à nulidade é, até, mais consistente do que a resultante da oposição, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, que não apenas no prazo de 30 dias contados da citação - cfr. artigo 203º, nº 1, do CPPT. Aliás, a entender-se dever ser conhecida pelo Chefe do Serviço de Finanças (ou, porventura, pelo juiz- cfr. o artigo 151º, nº1, do CPPT), sempre o respectivo processo seria urgente - artigo 278º, nº5, - o que é mais consentâneo com a celeridade querida para o processo de execução fiscal, atenta essencialmente a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento - artigo 5º, nº1, da Lei Geral Tributária.
Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade - em termos de nulidade processual da execução fiscal e de nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo - nos termos do artigo 165º, nº1, alínea b), do CPPT- não é fundamento de oposição à execução fiscal por não ser enquadrável no seu artigo 204º, nº1, alínea i)”
Constitui, assim, jurisprudência assente que em execução fiscal, em especial, por meio de oposição a ela, não é consentido, em princípio, apreciar a legalidade da liquidação exequenda. Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25/11/2009, proc nº 812/09, “Na realidade, o processo de oposição em por escopo essencial o ataque (global ou parcial) à execução fiscal, visando a extinção da execução, ou absolvição do executado da instância executiva, pela demonstração do infundado da pretensão de entidade exequente”.
Neste contexto, não podemos considerar este fundamento o adequado a justificar a Oposição deduzida pelo recorrente.

2.2.2. Importa ainda analisar se os fundamentos invocados pelo ora recorrente se integram no disposto na alínea h), do art. 204º do CPPT.

Com efeito, vem agora o recorrente em recurso alegar, recorde-se, que encontrando-se há muito decorrido o prazo para impugnação judicial, não lhe restava outra solução que deitar mão da figura da oposição e sustentar-se, tal como o fez, nas alíneas a) e h) do n° 1 do artigo 204° do CPPT, uma vez que não possuía e nem possui qualquer outro meio contencioso de “atacar” a decisão de indeferimento da administração fiscal.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, a taxatividade das causas de oposição “não pode implicar uma restrição aos direitos fundamentais de acesso aos tribunais, à tutela judicial efectiva e ao recurso contencioso, uma vez que a impugnação de actos lesivos é permitida sempre que a lei não assegurara um meio de os impugnar contenciosamente, como expressamente se refere na alínea h) do nº 1” (Ibidem.).
A referida alínea do art. 204º do CPPT integra aquilo que se designa por “ilegalidade abstracta da liquidação”, por a ilegalidade não residir no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita. Nas palavras de JORGE de SOUSA (Cfr. ob. cit., p. 111. ) “Cabem aqui os casos de normas que violam regras hierarquia superior como as normas constitucionais ou de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal (…) ou leis de valor reforçado (…) ou mesmo normas legislativas de direito ordinário, quando é feita a aplicação de normas regulamentares. A ilegalidade é abstracta porque, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a sua aplicação em concreto.”
Como bem salienta o mesmo Autor (Cfr. ob. cit., p. 495.), quando não se trate de vícios desse tipo, “estar-se-á perante ilegalidades em concreto do próprio acto, que só poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não previr meios para a sua impugnação contenciosa”.
No caso em apreço, se bem se percebe a petição de Oposição do recorrente o que ele pretende é atacar as liquidações adicionais, mas como, na sua óptica, se encontram ultrapassados os prazos para esse efeito, vem pela via da oposição atacar o despacho que indeferiu liminarmente a reclamação graciosa pedindo a anulação de todo o processo executivo. Ora, nenhum destes argumentos se inscreve na alínea h) do art. 204º do CPPT. Acresce que o recorrente não pode alegar não dispor de outro meio processual para se defender, quando ao mesmo tempo reconhece que a impugnação judicial era o adequado a atacar as liquidações adicionais.
Assim sendo, também por aqui assiste razão ao Mmº Juiz “a quo” quando conclui que os referidos factos que integram a causa de pedir nos autos não se reconduzem, manifestamente, a nenhuma das alíneas da norma do artigo 204º/1, do CPPT, pelo que nesta perspectiva o despacho liminar não merece nenhum reparo.

2.2.3. Analisemos agora o outro fundamento invocado: revogação do despacho que indeferiu a reclamação.

Também aqui, o meio processual próprio para obter a anulação do despacho da AF de indeferimento, no âmbito da execução, seria a “reclamação das decisões do órgão de execução fiscal”, prevista no art. 276º e ss. do CPPT. Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. ob. cit., p. 269.), “podem ser objecto de impugnação quaisquer decisões da administração tributária no processo de execução fiscal que afectem direitos e ou interesses legalmente protegidos dos interessados, não tendo de tratar-se, necessariamente, de actos materialmente administrativos”.
Assim, parece haver razão para a rejeição da oposição nomeadamente, com o fundamento na al. b) do n.° 1 do art. 209.°, em conformidade com o despacho recorrido.

2.3. Resta agora analisar o outro fundamento de rejeição liminar: ser manifesta a improcedência da oposição [art. 209º, nº1, alínea c), do CPPT].

Para além das mencionadas causas de pedir, o oponente invocou como pedidos, a nulidade do processo executivo e a anulação das liquidações.
Em face do exposto, concluiu o Mmº Juiz “a quo”, depois de ponderar que petição de oposição é manifestamente extemporânea (matéria dada como provada), que tendo o oponente cumulado na petição inicial pedidos substancialmente incompatíveis, pelo que era manifesta a improcedência da sua pretensão.
Aqui chegados, resta apreciar se, em vez de emitir despacho de indeferimento liminar, deveria o Mmº Juiz “a quo” concluir pelo erro na forma do processo e averiguar se haveria lugar para a convolação do processo noutro meio para o qual a petição se revele adequado.
A este propósito, alega o Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal, que “(…), mais parece ser de convolar a mesma em requerimento de arguição de nulidade, o qual era também oportuno apresentar, conforme previsto no art. 165.° nºs 3 e 4 do C.P.P.T.
Com efeito, os pedidos efectuados eram os referentes a nulidade insanável do processo executivo e à consequente falta de título bastante, o que foi efectuado com base no art. 165º n.° 1 al. b) do C.P.P.T..
E se o oponente visou ainda a anulação da liquidação com base nas provas que tinha apresentado, fê-lo apenas indirectamente.
Assim, e com o devido respeito pela opinião já manifestada, parece não haver a incompatibilidade que se invocou pelo que se imporá ainda decidir tal, nos termos que decorrem ainda do previsto nos arts. 97º n.° 3 da L.G.T. e 98.° n.° 4 do C.P.P.T.”

2.3.1. Do erro na forma do processo

O erro na forma do processo é uma nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio, aferindo-se tal erro pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre erro na forma do processo (Cfr. neste sentido, entre outros os Acórdãos do STA de 2873/2012, proc nº 1145/11, e de 29/2/2012, proc nº 1161/2011.).
Como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal de 29/2/2012, proc nº 1161/11, o erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso e impõe a convolação do processo para a forma adequada, nos termos do disposto no art. 98º, nº4, do CPPT, e art. 97º, nº3, da LGT, “com a anulação apenas dos actos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem diminuição das garantias de defesa (art. 199º, nºs 1 e 2, do CPC), sendo que se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cfr. arts. 288º, nº1, alínea b), 493º, nºs 1 e 2, e 494º, alínea b), todos do CPC).”
No caso sub judice, lida a petição inicial de Oposição, verifica-se que, no art. 12º, o Oponente alega a nulidade insanável do processo executivo e a consequente falta de título bastante, o que foi efectuado com base no art. 165º, n.° 1, al. b), do CPPT.
Acontece que, como vimos, o recorrente não invoca a sustentar a sua alegação nenhum fundamento que tenha como consequência uma nulidade insanável, pelo que também por aqui não é possível a convolação.
Diga-se, aliás, que, em rigor, independentemente do mais alegado, o que o recorrente pretende à impugnar as liquidações adicionais.
Na verdade, da leitura atenta da petição inicial verifica-se, como já afirmámos, que o recorrente pretende, em nossa óptica, atacar as liquidações adicionais por terem sido desconsideradas as deduções decorrentes das prestações de alimentos que paga ao seu filho menor desde Agosto de 2003 (ponto C das Conclusões). Por outro lado, um dos pedidos formulados é precisamente o da anulação das liquidações, pelo que o pedido e a causa de pedir adequam-se à impugnação judicial.
Justificando-se a convolação em razões de economia processual, torna-se necessário averiguar se existe no caso algum obstáculo ao prosseguimento da petição na forma processual adequada, designadamente em termos de tempestividade, pois, como vimos, uma das razões do despacho de indeferimento liminar foi o facto de a petição de oposição ser manifestamente intempestiva.
No que concerne à tempestividade, refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. ob. cit. (Anotação ao art. 98º), p. 91, e Acórdão do STA, de 8/3/2006, proc. nº 042/06.) que “deverá atender-se ao prazo previsto para a utilização do meio processual adequado, pois, uma vez efectuada a convolação é apenas relativamente ao meio processual adequado que ela produzirá efeitos, tudo se passando, após a convolação, como se a petição tivesse sido apresentada no âmbito desse meio processual próprio: assim, será irrelevante, para efeito da convolação que a petição seja intempestiva para o meio processual inadequado que foi indevidamente utilizado, pois o que é decisivo para o aproveitamento da petição em que a convolação se traduz é a tempestividade para o meio adequado”.
No caso em apreço, estabelece o art. 102º, nº 2, do CPPT, que é de 15 dias o prazo para deduzir impugnação judicial, em caso de indeferimento expresso da reclamação graciosa. Ora, tendo o recorrente sido notificado do indeferimento da reclamação em 2/12/2010, e deduzido oposição em 15/2/2010 (cfr. fls. 2 dos autos), pelo que não há obstáculo à convolação por razões de tempestividade.
Por outro lado, a convolação, no caso em apreço, justifica-se também em nome do direito à tutela judicial efectiva, porquanto a presunção de indeferimento prevista no art. 106º do CPPT “é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas (…)(Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação ao art. 106º, p. 194.)”. Assim, tratando-se para o particular de mera faculdade que é livre de usar ou não, pelo que o seu não uso não preclude a perda do direito de acesso aos tribunais, designadamente, “não tem como corolário a caducidade do direito a vir impugnar o acto expresso de indeferimento quando ele, tardiamente, venha a ser praticado, não se formando por isso, o chamado caso decidido ou resolvido, isto é, a preclusão do direito de impugnação com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.”
Assim sendo, o referido erro na forma do processo justifica a anulação de todos os actos processuais anteriores ao presente Acórdão, com excepção da petição de oposição que é convolada para petição de impugnação judicial.
Em face do exposto, havendo erro na forma do processo que é sanável, através da convolação, não andou bem o Mmº Juiz “a quo” quando decidiu em contrário, indeferindo liminarmente a petição de Oposição, pelo que o referido despacho não pode manter-se.
Assiste, desta forma, razão ao recorrente, pelo que deve dar-se provimento ao recurso.

III- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- conceder provimento ao recurso jurisdicional;
- revogar o despacho recorrido;
- convolar a petição de oposição em petição de impugnação judicial;
- ordenar a baixa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a fim de o processo seguir os ulteriores termos do processo de impugnação judicial, se a tal nada obstar.

Custas pelo Recorrente, relativamente ao incidente gerado com a errada utilização da forma de processo.

Lisboa, 20 de Junho de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Lino Ribeiro.