Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 04/21.0BEALM |
Data do Acordão: | 05/03/2023 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO REPERCUSSÃO FISCAL CONSUMIDORES JUROS INDEMNIZATÓRIOS |
Sumário: | I - A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. II - A norma constante do art. 85º nº 3, da Lei do OE/2017 para 2017 (Lei nº 42/2016, de 28-12), ostenta validade ou conformidade constitucional e plena eficácia, assim produzindo efeitos desde 01-01-2017, passando a ser ilegal a repercussão da TOS nos consumidores. III - A circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do art. 43º nº 1 da LGT, interpretado em conformidade com o art. 22º da CRP. IV - No contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrida integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado art. 43º nº 1 da LGT, o que significa que não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios. |
Nº Convencional: | JSTA000P30920 |
Nº do Documento: | SA22023050304/21 |
Data de Entrada: | 07/14/2022 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | B... S.A. – SUCURSAL PORTUGAL |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO “A..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 29-04-2022, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a Taxa Municipal de Ocupação de Subsolo (TOS) no montante de € 44.690,86, incluída na factura n.º FT RY1808/01199, emitida em 29-09-2018 por “B... S.A. - Sucursal em Portugal”.
“ (…) A. A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida. B. Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”. C. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º FT RY1808/01199, emitida em 20 de setembro de 2018 pela B... S.A., e na qual foi incluída a TOS no montante de € 44.690,86. D. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 18 de outubro de 2018, ao pagamento da fatura e da TOS. E. A Recorrente instaurou ação contra a comercializadora (a B... S.A.), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída naquela fatura, por violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso. F. Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo, no qual a Mma. Juíza a quo decidiu pela improcedência da impugnação judicial. G. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito, uma vez que a LOE 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais. H. No essencial, e quanto a este segmento, a Mma. Juíza a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos. I. Com efeito, em particular aduz-se, na sentença sob recurso, que “[c]om efeito, nem o artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3.03, disciplina a repercussão da taxa de ocupação do subsolo nem da sua conjugação com o artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12, resulta que o fim da repercussão da TOS opere sem a ponderação dos mesmos objetivos que estiveram na base da opção de repercussão conferida pelo legislador com a celebração dos atuais contratos de concessão, ou seja o equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas. Do exposto, resulta que a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na fatura dos consumidores.” J. Um raciocínio inaceitável, tendo em conta que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais. K. Com efeito, determina o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” (negritos nossos). L. Assim, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 - e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional – a repercussão legal da TOS no consumidor final passou a ser ilegal. M. Em todo o caso, sem prejuízo da ilegalidade da repercussão, esta continuou a ser efetuada à Recorrente, que é consumidora final, nos mesmos termos em que era efetuada antes da entrada em vigor do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017. N. O que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, repercussão essa que é ilegal e proibida, mas que continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017. O. O incómodo, injustiça ou ilegalidade da situação em que a ora Recorrida ou demais comercializadoras possam estar colocadas por força dessa proibição não é imputável à (nem repercutível sobre a) Recorrente, mas ao Estado. P. Com efeito, se à entidade demandada, aqui Recorrida, se afigura que o Estado não estabeleceu os mecanismos de reequilíbrio contratual que devia ou não instituiu os meios necessários ao ressarcimento da Recorrida pelos custos que passou a ter por força da proibição de repercussão da TOS, deve a Recorrida insurgir-se e acionar o Estado como entender, designadamente em sede de responsabilidade civil. Q. O que a Recorrida não pode é ignorar A LEI, fazer de conta que esta não existe, e continuar a onerar a Recorrida apenas porque a lei aumentou os seus custos de contexto sem qualquer contrapartida. R. Entender de outro modo - como entendeu a Mma. Juíza a quo na douta sentença sob recurso - é limitar os poderes de conformação legislativa da Assembleia da República, condicionando a eficácia de diplomas aprovados pelo órgão legislativo soberano no sistema português ao facto de tais diplomas ou normas serem, ou não, convenientes à atividade dos sujeitos a quem essa legislação se dirige, ao arrepio do princípio do primado da Assembleia da República que se infere do nosso sistema constitucional de reserva de competências, consagrado em particular nos artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º da Lei Fundamental! S. Ou seja - refira-se com toda a transparência - a interpretação que logrou obter vencimento na sentença sob recurso não é uma interpretação conforme à Constituição, porque resulta da Constituição que um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode limitar a vigência de uma Lei do Orçamento. T. No Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, do Ministro de Estado e das Finanças, Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e Ministro do Ambiente e da Ação Climática, o governo português reconhece (i) que a proibição de repercussão da TOS foi determinada pelo artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017; (ii) que as entidades do setor não estão a cumprir com essa determinação (razão pela qual se almeja “o fim da repercussão”; e, (iii) que e é necessária uma alteração legislativa MAS – e esta é a parte relevante – tal alteração servirá para que a incidência passe a assentar na efetiva ocupação do subsolo, nada tendo a ver com a possibilidade de repercussão sobre os consumidores. U. De resto, já na LOE de 2019 se havia previsto, no respetivo artigo 246.º, com a epígrafe “Quadro legal enquadrador das taxas de ocupação do subsolo”, que “1 - O Governo procede, até final do 1.º semestre de 2019, à revisão do quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores [o que só pode interpretar-se como sendo uma abertura à revisão da proibição criada em 2017, por força dos resultados que a mesma tivesse tido no equilíbrio contratual dos operadores do setor]; 2 - A alteração legislativa prevista no número anterior deve [fazer] assentar a incidência [da TOS] na efetiva ocupação do subsolo […]” V. Respondendo diretamente à questão colocada na sentença sobre o “sentido” que fazem estas sucessivas referências ao tema na legislação aprovada a partir de 2017, o sentido é este: estando ciente do incumprimento das operadoras/comercializadoras, o Governo pretendeu asseverar aos agentes económicos que o seu objetivo não seria alterado nem reduzido pelo ilegal comportamento destas entidades. W. Não há dúvidas de que a necessidade de alterações e de revisão legislativas mencionadas no artigo 70.º do Decreto-Lei de execução orçamental relativo a 2017, na LOE de 2019, na LOE de 2021 e no Despacho n.º 315/2021, de 11 de janeiro, se relacionam com os operadores de energia e com o modo como a TOS recai sobre estes e é calculada. X. Mas também é de cristalina evidência de que nada nessas normas e Despacho contende com a posição jurídica subjetiva em que o artigo 85.º, n.º 3, da LOE de 2017 envolveu a Recorrente e nos termos da qual a TOS deixou de poder ser-lhe exigida. Y. In casu, a Recorrente é um consumidor final e a lei diz, expressamente, que “[a] taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores” - cit., artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 (destaques nossos). Z. O segmento final da norma acabada de citar é imediatamente constitutivo de direitos para os consumidores, não carecendo, para ser eficaz, de qualquer densificação legislativa ou regulamentar adicional. AA. Estes direitos são independentes do que suceda a montante, i.e., da solução dada à questão de saber sobre quem deva recair, entre Operadores e Comercializadores, o encargo da TOS, ou a jusante, i.e. da atitude que operadores e comercializadores queiram tomar relativamente ao Estado, que lhes exige um pagamento que não pode - e não pode por determinação legal - ser repercutido nos seus clientes. BB. Por força dessa determinação legal o encargo não pode ser suportado pelo consumidor, máxime pela ora Recorrente, que é um terceiro face às relações estabelecidas entre o Estado, Operadoras e Comercializadoras. CC. É esta clareza que deve assistir à tomada de decisão relativamente a este caso: a. A LEI atribui um direito ao consumidor (v.g. à Recorrente), qual seja, o de não suportar a taxa de ocupação do subsolo; b. Esse direito cria uma obrigação simétrica na esfera da Recorrida: a proibição de cobrar o montante da TOS à Recorrente. c. A questão de saber quem deve suportar a TOS é irrelevante para o consumidor e deve ser dirimida em sede própria, se os visados assim entenderem; DD. Tanto vale por dizer que, tendo a Recorrida ignorado a lei expressa, que proibia a cobrança de TOS à Recorrente, deve devolver os montantes que lhe foram entregues, INDEPENDENTEMENTE de poder ou não vir a recuperá-los junto de outras entidades. EE. É que, ao contrário do que pretende o Mmo. Juiz a quo, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado. FF. O artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017 contém uma norma clara, precisa e incondicional, da qual resultam dois imperativos: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores. GG. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado na sentença sob recurso –, este determina que “[t]endo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores”. HH. É esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. II. O artigo 70.º, n.º 5, além de confirmar a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais, prevê um mecanismo adicional de avaliação para o futuro (cuja aplicação prática, aliás, se desconhece); não revoga a proibição da repercussão nem lhe retira a respetiva eficácia. JJ. Não. Aquilo que o legislador fez foi determinar uma avaliação da situação para, só depois, com base nos resultados dessa avaliação, decidir revogar ou manter a norma do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017. KK. O Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos), sendo de referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017. LL. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos plasmados neste último, tal como resulta dos números 1 a 3 do artigo 53.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, usualmente denominada como “Lei de Enquadramento Orçamental” ou “LEO”. MM. Inexistindo quaisquer dúvidas quanto ao facto de o Decreto-Lei de Execução Orçamental, seja ele qual for, dever respeitar e desenvolver o Orçamento do Estado e não obstar à sua aplicação. NN. Entendimento diverso permitiria considerar legítimo que o Governo pudesse, através de Decreto-Lei e sem qualquer autorização legislativa específica, alterar, ou obstaculizar, o decidido pela Assembleia da República em matéria orçamental. OO. Uma interpretação do artigo 70.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de março, como a que se afigura transparecer da sentença sob recurso, segundo a qual tal norma tem o poder de impedir a aplicação imediata do n.º 3 do artigo 85.º da LOE 2017 torna aquela primeira norma inconstitucional, por violação do princípio da fixação de competência legislativa conexo com o princípio da separação de poderes, que deriva da conjugação dos artigos 111.º, 112.º n.º 3, 161.º, n.º 1, alínea g) e 198.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os legais efeitos. PP. Passe a redundância, ignorar esta circunstância é atribuir ao Governo o poder de ignorar a Assembleia da República, bastando, para tal, que o Governo refira – como faz no decreto-lei em causa – agir no contexto de competência legislativa concorrencial, ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição. QQ. Pelo que também por estas razões jurídico-constitucionais não deve tal interpretação colher, reconhecendo-se, ao invés, que não pode admitir-se que uma norma constante de um decreto-lei de execução orçamental impeça a aplicação de uma norma constante da lei de valor reforçado - a Lei do Orçamento do Estado - que sustenta e habilita a própria vigência do decreto de execução. RR. Assim, tendo sido repercutida na Recorrente a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental. SS. Interpretação que é a única conforme à Constituição da República Portuguesa. TT. Acresce que, de acordo com o artigo 3.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto, que estabelece as bases gerais de organização e de funcionamento do SNGN, entende-se por consumidor ou cliente final o “cliente que compra gás para consumo próprio”. UU. A Recorrente desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedicando, portanto, à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural, pelo que se impõe concluir que a cobrança da TOS à mesma contraria lei expressa. VV. Pelo que não soçobram dúvidas de que, ao não reconhecer tal ilegalidade, a sentença sob recurso interpretou erradamente o direito aplicável in casu, de onde se encontra ela mesma ferida de ilegalidade, devendo ser, em consequência, anulada. WW. Adicionalmente, quanto à alegada inconstitucionalidade da TOS, decidiu o Mmo. Juiz a quo que “a consideração do consumo de gás natural, como base para o cálculo do valor da taxa a repercutir ao consumidor final do gás natural, não determina a alteração da natureza de taxa da TOS em imposto, pelo que, a alegada inconstitucionalidade invocada pela Impugnante não pode proceder”. XX. Ora, a não conformidade constitucional da TOS foi colocada em evidência pela Impugnante, ora Recorrente, por violação do princípio da legalidade tributária, plasmado no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, YY. Porquanto, por via do mecanismo de repercussão legal, a TOS procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), não assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, tratando-se, assim, materialmente, de um imposto. ZZ. Assim, tratando-se materialmente de um imposto, a repercussão da TOS é inconstitucional ao não ter sido aprovada por Lei ou Decreto-Lei autorizado. AAA. Além disso, frisa-se que a TOS consubstancia uma contrapartida pecuniária pela utilização e aproveitamento de um bem do domínio público e privado municipal que in casu não se verifica, pois, a Recorrente, além de não usufruir nem ocupar o subsolo, não dispõe igualmente de quaisquer pipelines. BBB. De facto, no caso concreto não é possível identificar uma relação direta e efetiva entre o aproveitamento individualizado de uma utilidade e a exigência de pagamento. CCC. O que, de resto, se reconhece expressamente na sentença recorrida, quando se refere, a p. 26 da mesma, que: “No caso dos autos, não obstante a TOS cobrada à Impugnante não corresponda, stricto sensu, ao preço do serviço concretamente prestado pela Entidade Impugnada, a mesma está diretamente relacionada com a prestação desse serviço, pois a ocupação do subsolo que esta taxa visa remunerar é indispensável ao exercício da atividade económica da Impugnante, mormente para o fornecimento de energia” (cit. destaques nossos). DDD. O argumento acaba por provar de mais: frisa-se, por um lado, a não equivalência entre o preço pago à Entidade Demandada e o serviço por esta prestado e salienta-se, por outro, que a ocupação do subsolo é indispensável ao exercício da atividade económica da impugnante, descurando-se o facto de tal ocupação não ser efetuada pela impugnante, aqui Recorrente. EEE. In casu nunca é demais repetir: a Recorrente não ocupa o subsolo pelo que, por definição, não deve ser seu o encargo de uma taxa de ocupação do mesmo (situação que em muito difere do quadro factual sobre o qual incide a larguíssima maioria da jurisprudência superior portuguesa relativa à TOS). FFF. Pelo que carece de sentido defender-se, como se faz mais adiante na sentença em crise, que “o ato de repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo consubstancia o encargo suportado pela Impugnante, resultante de contrapartida pelo custo da utilização do domínio municipal, pela utilização de infraestruturas no subsolo para o fornecimento de gás aos consumidores, o que evidencia a natureza sinalagmática da TOS”. GGG. Não é - repita-se - a impugnante e ora Recorrente quem utiliza o domínio municipal ou causa o desgaste ou cria o risco inerente à existência de infraestruturas de transporte de gás no subsolo. HHH. Pelo que é manifesto que o ato (de repercussão) que faz incidir sobre a Recorrente o custo da utilização do domínio municipal que a TOS visa remunerar conduz à perda de quaisquer características de sinalagmaticidade inerentes ao conceito de taxa. III. E sem sinalagma, a TOS transmuta-se em imposto. JJJ. De facto, no que concerne à categoria de tributo denominada taxa, a prestação pública não pode ser presumida ou eventual, sob pena de o tributo ser caraterizado como uma contribuição ou como um imposto, respetivamente, KKK. E encontrando-se sujeito, por isso, ao princípio da legalidade tributária, designadamente na vertente de reserva legislativa da Assembleia da República, plasmada na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. LLL. E esta é a pedra de toque que fere a repercussão da TOS de vício de violação de lei constitucional e que vem sendo arguido pela impugnante e aqui Recorrente ao longo do presente processo. MMM. De facto, a inconstitucionalidade que se argui funda-se numa razão muito estrutural e intrínseca à delimitação conceptual das taxas e impostos: o sinalagma que, mais ou menos difuso, preside ao conceito de taxa (cujos elementos essenciais não estão sujeitos à reserva legislativa parlamentar) e que pode estar totalmente ausente nos impostos (cujos elementos essenciais têm de ser aprovados ou autorizados pelo parlamento) não se verifica in casu. NNN. Pelo que manifesto se torna que a repercussão da TOS é organicamente inconstitucional, na medida em que, tendo transmutado este tributo em imposto (no que tange à impugnante e ora Recorrente e não no que concerne à sua estrutura genérica), não respeita a mesma o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, posto que não foi aprovada pela Assembleia da República, como devia. OOO. De onde deve a sentença sob recurso também por esta razão subsidiária ser anulada e substituída por outra que, mesmo não reconhecendo a apontada ilegalidade, reconheça a inconstitucionalidade orgânica da norma resultante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho e da Portaria n.º 1213/2010, de 2 de dezembro, cláusula 11.º do Anexo III, que prevê e impõe a repercussão da TOS (e em consequência do próprio ato de repercussão), por violação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n. º 2, da Lei Fundamental e, em consequência, ordene à Recorrida que devolva à Recorrente os montantes por esta pagos a título de TOS. PPP. Discorda-se, igualmente, da douta Sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios deduzido pela impugnante, ora Recorrente. QQQ. Atendendo ao caso em apreço, tendo a Recorrida, Entidade Demandada, repercutido ilegalmente a TOS na Recorrente, esta viu-se privada, ilicitamente, de uma quantia que lhe era devida pelo que deverá ser devidamente compensada. RRR. Não obstante a B... S.A. não integrar a Administração Tributária e Aduaneira nem ser um ente público equiparado, para o efeito da discussão em causa nos presentes autos, é ela que indevidamente repercutiu o tributo à impugnante, ora Recorrente. SSS. Ao cobrar a TOS à Recorrente em violação de lei expressa, a Recorrida cobra-lhe um tributo que não é devido, privando-a, deste modo, de uma quantia que era sua. TTT. A repercussão da TOS traduz-se, assim, num empobrecimento real e efetivo da tesouraria da impugnante, ora Recorrente, e num enriquecimento da tesouraria da B... S.A.. UUU. Verificando-se a repercussão da TOS pela B... S.A., em violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017, existe fundamento legal para o pagamento de juros indemnizatórios à Recorrente, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, na medida em que se verificou o pagamento indevido de um tributo, cujo erro não é (seguramente) imputável a esta. VVV. Refira-se que, em tese, o direito a juros indemnizatórios devidos à Recorrente, A..., é independente e alheio ao eventual direito de regresso que a Recorrida possa ter sobre outras entidades. WWW. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare procedente a impugnação judicial proposta pela Impugnante, ora Recorrente, por ser conforme ao Direito. Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente, em face da fundamentação exposta, revogando-se assim a douta sentença e substituindo-a por acórdão que declare procedente a impugnação judicial.”
A Recorrida “B... S.A. - Sucursal Portugal” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões: “… 1) O Tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/206 de 28.12 (LOE de 2017) não padece de ilegalidade. 2) Ora, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a entrar em vigor, pois não é eficaz. 3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal. 4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que deve ser considerado como um acto de interpretação autêntica do art. 85.º, n.º 3 da LOE de 2017, já que, provindo ambas as normas de fontes equivalentes (lei e decreto-lei têm igual valor, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 2 da CRP), uma (a mais recente) permite perceber o alcance que a outra (a mais antiga) é suposto ter. 5) A norma da Lei de Execução Orçamental define as condições em que o art. 85.º poderá vir a ser executado (cumprindo, dessa forma, a função de uma lei de execução orçamental). 6) Impõe um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras, para que, posteriormente, tendo em conta essa avaliação o Governo proceda à alteração do quadro legal em vigor. 7) Só assim se cumprirá a proibição da repercussão da TOS prevista na LOE para 2017. 8) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017. 9) Pelo que sem a aprovação deste regime jurídico por parte do Governo não se pode considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz, nomeadamente, não se pode dizer que está em vigor a proibição da repercussão da TOS no consumidor final. 10) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições. 11) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro). 12) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS. 13) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE: “Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.” 14) E foi assim que entendeu, e muito bem, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na douta decisão recorrida e, também, nos processos 144/21.5BEPRT, 111/21.9BEPRT e 769/21.9BEPRT sobre questão igual à que aqui está em causa, decidindo, em todos, que enquanto não existir um novo quadro legal sobre a matéria, persiste a possibilidade legal de repercussão da TOS nos consumidores, pelo que a repercussão não padece de ilegalidade. 15) E, ainda, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nos processos n.º 823/20.4BEALM, 18/21.0BEALM, 58/21.9BEALM, 3/21.1BEALM, 14/21.7BEALM, 20/21.1BEALM, 267/21.0BEALM, 706/20.8BEALM. 16) Face ao exposto, a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada não merece qualquer reparo pois cumpriu a Lei e o Direito. Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!”
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da revogação da sentença recorrida, devendo, em substituição, julgar-se procedente a impugnação judicial nesta parte e o presente recurso, determinando-se a restituição da quantia paga a esse título, sendo que no que respeita ao pedido de juros indemnizatórios devem os autos baixar para conhecimento do pedido por parte da 1ª instância.
Cumpre decidir. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da validade e eficácia da norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28-12), de que decorrerá, em caso afirmativo, a ilegalidade do acto de repercussão impugnado por, desde 1 de Janeiro de 2017, não ser permitido às empresas operadoras de infraestruturas, que suportam a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo, reflectir (repercutir) na factura dos consumidores os valores por si pagos a esse título, sendo que, em caso de reposta negativa à questão descrita, terá de ser apreciado se, relativamente ao consumidor final, sobre quem recai, por via do acto de repercussão, o encargo financeiro de pagamento da TOS, é ou não possível identificar-se a contraprestação de utilização de um bem do domínio público que está subjacente a esta taxa e, não sendo, se o tributo em causa deve qualificar-se materialmente como um imposto, a julgar inconstitucional por violação dos artigos 165.º, n.º 1 al. i) e 103º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, em qualquer dos casos, analisar se o reconhecimento de qualquer um dos vícios que integram a causa de pedir constitui fundamento suficiente para, em sede de Impugnação Judicial e ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) serem atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios e, em caso afirmativo, desde quando e até quando esses juros são devidos. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… A. Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 3 de abril, foram aprovadas as minutas dos contratos de concessão de distribuição regional de gás natural, em regime de serviço público, a celebrar entre o Estado Português e as sociedades C..., S.A.; D..., S.A.; E..., S.A.; F..., S.A.; G..., S.A.; H..., SA - facto não controvertido - cf. artigo 65.º da petição inicial e artigo 29.º da contestação - e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 119, de 23.06.2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. B. O contrato de concessão da atividade de distribuição de gás natural entre o Estado Português e a concessionária G..., S.A., cuja minuta foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros a que se refere a alínea antecedente, prevê, quanto aos «direitos e obrigações da concessionária», o seguinte: “(…) Cláusula 7.ª Direitos e obrigações da concessionária 1 - (…) 2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos diretos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, direta ou indiretamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais. 3 - Na sequência do estabelecido no n.º 2 e no que respeita às taxas de ocupação do subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE.” (facto não controvertido - cf. artigos 56.º e 57.º da petição inicial e Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 119, de 23 de junho de 2008, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); C. A 20.09.2018, a Entidade Demandada emitiu, em nome da Impugnante, a fatura n.º FT RY1808/01199, referente ao mês de julho de 2018, no montante total de 936.731,41 €, na qual está incluído o valor de 44.690,86 €, correspondente à taxa de ocupação do subsolo - cf. fatura junta como doc. 1 da petição inicial, a fls. 60 a 63 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida. D. A 18.10.2018, a Impugnante pagou a fatura referida na alínea anterior - cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial, a fls. 64 dos autos. * Não se provaram quaisquer factos alegados que, passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das várias possíveis soluções de direito, importe registar como não provados. * O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações constantes do processo administrativo e do suporte físico do processo judicial, que não foram impugnados, para os quais se remete no final de cada facto e que, pela sua natureza ou qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal, bem como no teor da posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, conjuntamente com o princípio da livre apreciação da prova. «» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da validade e eficácia da norma consagrada no n.º 3 do artigo 85.º da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28-12), de que decorrerá, em caso afirmativo, a ilegalidade do acto de repercussão impugnado por, desde 1 de Janeiro de 2017, não ser permitido às empresas operadoras de infraestruturas, que suportam a taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo, reflectir (repercutir) na factura dos consumidores os valores por si pagos a esse título, sendo que, em caso de reposta negativa à questão descrita, terá de ser apreciado se, relativamente ao consumidor final, sobre quem recai, por via do acto de repercussão, o encargo financeiro de pagamento da TOS, é ou não possível identificar-se a contraprestação de utilização de um bem do domínio público que está subjacente a esta taxa e, não sendo, se o tributo em causa deve qualificar-se materialmente como um imposto, a julgar inconstitucional por violação dos artigos 165.º, n.º 1 al. i) e 103º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, em qualquer dos casos, analisar se o reconhecimento de qualquer um dos vícios que integram a causa de pedir constitui fundamento suficiente para, em sede de Impugnação Judicial e ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) serem atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios e, em caso afirmativo, desde quando e até quando esses juros são devidos.
Para recusar abrigo à pretensão da ora Recorrente, o Tribunal “a quo” ponderou que “… a norma prevista no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017 não é automaticamente operacional, no sentido em que é necessária a mediação de outras normas jurídicas, que constituirão o quadro legal exigível a que a seja efetivamente alterado o regime legal de repercussão da TOS, de molde a que não seja refletida na fatura dos consumidores”, apontando também que “… o disposto no artigo 85.º, n.º 3 da LOE de 2017, o qual declara que a TOS não pode ser refletida na fatura dos consumidores, carece da realização de uma alteração do quadro legal vigente, designadamente, do regime geral das taxas das autarquias locais, constatando-se aliás que a alteração do enquadramento legal, em matéria de repercussão da TOS nos consumidores, não foi efetuada até à presente data” e ainda que “… não obstante a TOS cobrada à Impugnante não corresponda, stricto sensu, ao preço do serviço concretamente prestado pela Entidade Impugnada, a mesma está diretamente relacionada com a prestação desse serviço, pois a ocupação do subsolo que esta taxa visa remunerar é indispensável ao exercício da atividade económica da Impugnante, mormente para o fornecimento de energia”, pelo que não padece do vício de inconstitucionalidade que lhe é assacado pela impugnante e aqui Recorrente.
Nas suas alegações, a Recorrente sustenta que a decisão padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do regime legal aplicável, designadamente do disposto no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28/12, por considerar que a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 - e sem necessidade de qualquer ato legislativo ou regulamentar adicional - a repercussão legal da TOS no consumidor final passou a ser ilegal, sendo que a interpretação que logrou obter vencimento na sentença sob recurso não é uma interpretação conforme à Constituição, porque resulta da Constituição que um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode limitar a vigência de uma Lei do Orçamento, além de que o segmento final da norma acima apontada é imediatamente constitutivo de direitos para os consumidores, não carecendo, para ser eficaz, de qualquer densificação legislativa ou regulamentar adicional. Mais refere que por via do mecanismo de repercussão legal, a TOS procura atingir uma manifestação de capacidade contributiva específica (o consumo de gás natural), não assentando na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, tratando-se, assim, materialmente, de um imposto e ainda que a repercussão da TOS é organicamente inconstitucional, na medida em que, tendo transmutado este tributo em imposto (no que tange à impugnante e ora Recorrente e não no que concerne à sua estrutura genérica), não respeita a mesma o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, posto que não foi aprovada pela Assembleia da República, como devia e remata dizendo que, verificando-se a repercussão da TOS pela ora Recorrida, em violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE para 2017, existe fundamento legal para o pagamento de juros indemnizatórios à Recorrente, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, na medida em que se verificou o pagamento indevido de um tributo, cujo erro não é (seguramente) imputável a esta.
Que dizer? A realidade em equação nos autos tem como referência o facto de a partir de 01-01-2017, data da entrada em vigor da lei nº 42/2016, de 28-12, a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, sendo encargo das empresas operadoras de infra-estruturas. E, na verdade, o artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28-12, que aprovou o orçamento de estado (OE) para 2017, prevê no seu nº 3 que «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na factura dos consumidores». E no nº 4 do mesmo preceito legal consignou o legislador que «No primeiro semestre de 2017, é revista a Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro». Por sua vez, no artigo 70º do D.L. nº 25/2017, de 03-03, diploma de execução da lei do orçamento, estabeleceram-se regras relativas à informação sobre o cadastro das redes de infraestruturas, estabelecendo-se no nº 4 que em função dessa informação iriam ser avaliadas “as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas”. E no seu nº 5 que “o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores” Além disso, a Lei nº 71/2018, de 31-12, que aprovou o OE para 2019, o legislador voltou a prever no artigo 246º uma autorização ao Governo para revisão do quadro legal de enquadramento da taxa de ocupação do subsolo, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores. Todavia, em nenhum desses períodos nada foi aprovado que em execução do desiderato do legislador, alegadamente por falta de consenso (uma proposta do Governo terá tido a oposição da associação de municípios), e só em Janeiro de 2021, por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças, da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ambiente e da Acção Climática, (despacho nº 315/2021, publicado no Diário da República n.º 6/2021, Série II de 2021-01-11, páginas 222 - 223) é que foi determinada a constituição de um grupo de trabalho «com o objetivo de alterar o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor, nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto -Lei n.º 25/2017, de 3 de março, e artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro», sendo que até agora nada foi aprovado em resultado dos labores desse grupo de trabalho. Nesta medida, atentos os contornos legais da norma plasmada no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28-12, e o facto de não ter sido até agora implementada pelo Governo qualquer alteração ao enquadramento legal da taxa municipal de ocupação do subsolo que os municípios fazem recair sobre os operadores de distribuição do gás, importa perceber que efeitos foram produzidos com a entrada em vigor daquela norma no ordenamento jurídico, o que implica caracterizar os termos em que vem sendo repercutida no consumidor final a referida taxa de ocupação do subsolo, sabendo que em resultado de a sua aplicação (lançamento) por parte dos (alguns) municípios não ter sido prevista aquando dos procedimentos de concessão da distribuição do gás natural, o que tem gerado uma litigância que levou o Governo a acordar com as concessionárias, no âmbito do clausulado contratual, na admissibilidade de a referida taxa municipal poder ser repercutida no consumidor final. É o que resulta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho, na qual este órgão do Governo fez as seguintes considerações: “(…) 8 - É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão na vigência do anterior contrato de concessão mas ainda não pago ou impugnado judicialmente pela concessionária, caso tal pagamento venha a ser considerado obrigatório pelo órgão judicial competente, após trânsito em julgado da respectiva sentença, ou após consentimento prévio e expresso do concedente. 9 - Para efeitos do estabelecido no número anterior, os valores que vierem a ser pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra -estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas, durante os «anos gás» seguintes, nos termos a definir pela ERSE. No caso específico das taxas de ocupação do subsolo, a repercussão será ainda realizada por município, tendo por base o valor efectivamente cobrado pelo mesmo”. E na mesma resolução do CM foi aprovado o clausulado do contrato a celebrar com as concessionárias de distribuição do gás natural, em cuja cláusula 7ª ficou consignado que: “(…) Cláusula 7.ª Direitos e obrigações da concessionária (…) 2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.”. E é com base em tal clausulado do contrato celebrado entre o Estado e as empresas concessionárias que estas têm vindo a repercutir o valor da taxa que lhes é cobrada pelos municípios.
A partir daqui, e sobre a matéria essencial em equação nos autos, cabe ter presente o exposto no recente Ac. deste Tribunal de 29-03-2023, Proc. nº 817/20.0BEALM, www.dgsi.pt, que envolve as mesmas partes, e onde se ponderou, além do mais, que: “… Como se constata da leitura da sentença recorrida, e deixámos já consignado, o julgamento de improcedência da acção acompanhou a tese defendida pela sociedade recorrida, louvando-se, nuclearmente, no entendimento de que a norma prevista no artº.85, nº.3, da Lei do OE para 2017 (Lei 42/2016, de 28/12) não é automaticamente operacional, estando a sua eficácia dependente da criação de um quadro jurídico tendo em vista a alteração do regime legal de repercussão da TOS. Sendo esse o seu objecto, como decorre, no caso, do artº.1, do citado Decreto-Lei 25/2017, de 3/03, parece poder concluir-se que a LOE, no caso para o ano de 2017, constitui o quadro legal que, simultaneamente, legitima as normas que integram o Decreto de Execução Orçamental e limita o âmbito da sua aplicação, devendo as normas que integram este último ser interpretadas, primacialmente, em conformidade com os princípios e normas integradas naquela primeira, desta forma se assegurando que um diploma cuja exclusiva elaboração e execução está cometida ao Governo, não altere, em matéria orçamental, o que ficou decidido pela Assembleia da República, a quem, sob proposta do Governo, compete aprovar o Orçamento de Estado (cfr.artº.161, al.g), da C.R.Portuguesa; artº.53, da Lei de Enquadramento Orçamental actualmente em vigor - Lei 151/2015, de 11/09). Especificamente na área do direito tributário, nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.). 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e, na procedência da presente impugnação judicial: A - Julgar ilegal e anular o acto de repercussão, de TOS, constante da factura mencionada em C) dos factos provados e; B - Condenar a Recorrida, “B... S.A. - Sucursal em Portugal” na devolução, à Recorrente, da importância paga a título de TOS, acrescida de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal devida, desde 18-10-2018 e até ao momento/data do reembolso. Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 3 de Maio de 2023. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |