Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01406/18.4BEPRT
Data do Acordão:05/16/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24560
Nº do Documento:SA12019051601406/18
Data de Entrada:04/24/2019
Recorrente:A........ SA
Recorrido 1:EMPRESA MUNICIPAL DE AMBIENTEDO PORTO, E.M.,SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………, S.A. intentou, no TAF do Porto, contra a EMPRESA MUNICIPAL DE AMBIENTE DO PORTO, E.M., S.A., acção de contencioso pré contratual pedindo (1) a condenação da ré a excluir a proposta do Agrupamento constituído pela B…….. e pela C……. relativamente aos 3 lotes postos a concurso; (2) a anulação da adjudicação do objecto do concurso àquele Agrupamento; (3) a anulação do contrato se já tiver sido celebrado ou se vier a celebrar-se na pendência desta acção; e (4) a condenação da ré a classificar a sua proposta em 1º lugar, no respeitante aos lotes 1 e 2.
Indicou como contra-interessados, entre outras, a B……., …….. ………, S.A., e C……… – ……….., ……….., S.A.

O TAF julgou a acção improcedente

E o TCA Norte, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Empresa Municipal de Ambiente do Porto, E.M.S.A. fez publicar no DR anúncio tendo em vista a contratação, por lotes, dos serviços de limpeza no Município do Porto, pelo valor base de € 26.927.993,00, ao qual apresentaram propostas, entre outras, a Autora e as contra interessadas acima identificadas, estas em Agrupamento constituído para o efeito.
Do Programa do Concurso constava que, quando a proposta fosse apresentada por um Agrupamento, certos documentos deviam ser assinados pelo representante comum das sociedades que o integravam ou, não existindo esse representante, por todos os membros da respectiva administração ou pelos seus representantes.
Em 7/05/2018 as identificadas contra-interessadas emitiram declaração onde se lia:
B…….,.... aqui representada pelo seu administrador e procurador, com poderes para o ato D………, ..... e C…….. ..... aqui representada pelo seu administrador E………, .... com poderes para o acto, declaram nomear como representante comum do Agrupamento constituído pelas referidas sociedades, D……… …....... .”
Os Lotes 1, 2 e 3 foram adjudicados ao referido Agrupamento.

A Autora impugnou esse acto adjudicatório alegando que a B…… não outorgou validamente poderes ao seu representante no Agrupamento na medida em que ela só se obrigava com assinatura de dois administradores ou de um mandatário e a sua outorga foi assinada apenas por um administrador. Acrescia que a procuração de 19/09/2017 era ilegal, uma vez que o administrador só poderia outorgar procuração se lhe tivessem sido delegado poderes para o efeito pelo conselho de administração e, a existir tal delegação, a procuração nunca poderia ser outorgada a si próprio. Deste modo, a proposta vencedora deveria ter sido excluída por não cumprir o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 57.º do CCP, assim como o previsto no art.º 11.º, n.ºs 3 e 4 do PP, para além de que o art.º 29.º do PP determina a caducidade da adjudicação no caso de prestação culposa de falsas declarações.

O TAF, depois de identificar que as questões essenciais a serem decididas eram as de “saber se o representante comum do Agrupamento vencedor se encontrava bem designado para o efeito, se podia outorgar uma procuração a si próprio e se os documentos assinados apenas pelo mesmo vinculam ou não o Agrupamento”, analisou cada uma delas e tendo concluído pela sua improcedência absolveu a Ré dos pedidos.

E o TCA Norte, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso com base nas seguintes considerações:
No tocante ao alegado erro de julgamento da M.F.:
“- a decisão proferida pelo TAF do Porto, apesar de conter os apontados lapsos de escrita e de transcrição, não padece de erro de julgamento;
- tais lapsos, ao contrário do invocado, não influenciam nem alteram as conclusões a que o Tribunal a quo chegou, nem a aplicação do direito determinante do mérito da causa e, por isso, o sentido da sentença impugnada e o resultado da acção.”

Do erro de julgamento de direito
“Alega a Recorrente que a acta n° 146 do Conselho de Administração da B…… não delegou no Senhor D…….. poderes específicos para que o mesmo pudesse ser representante comum do Agrupamento adjudicatário.
Não secundamos esta leitura.
.....
Da acta n° 146° do Conselho de Administração da B……, resulta que são conferidos ao Senhor D……. …….. poderes para assinar todos os documentos que integram as propostas, praticando tudo o que seja necessário à participação da sociedade em procedimentos públicos de contratação; em nenhum dos instrumentos de mandato emitidos pela B……. .... se estipula qualquer limitação à forma de participação da sociedade, ou seja, não se limitam os poderes de representação da sociedade em procedimentos de contratação pública. Os referidos instrumentos de mandato contêm uma redação que permite ao Administrador D…….. …….. vincular a entidade que representa no âmbito do concurso público sub iudice praticando tudo o que se afigure necessário à participação da mesma, inferindo-se.... que o pode fazer de forma isolada ou em Agrupamento com qualquer outra entidade (no caso em apreço, com a C……..).
Acresce que, da análise da Procuração outorgada pela B........ a favor do Senhor D……… ……… - e que o Tribunal a quo considerou como sendo perfeitamente válida - resultam, também, plenos poderes de representação da sociedade com vista a assegurar a sua participação em procedimentos de contratação pública.
.....
Foi munido desses poderes que o Senhor D…….. …….. apresentou, com os documentos da proposta, uma Declaração outorgada em conjunto com o administrador da C……. - o Senhor E……… - através da qual declararam nomear como representante comum do Agrupamento constituído pelas referidas sociedades o Senhor D…….. ……...
.....
Assim, da análise da documentação junta com a proposta pelo Agrupamento adjudicatário resulta, de forma clara e inequívoca, a vontade das sociedades que integram o referido Agrupamento, reflectida nos instrumentos de mandato por si apresentados, serem representadas, ambas, pelo representante comum, o Senhor D………….
......
Mas, mesmo que se considerasse que a B......... não conferiu poderes ao Senhor D…………. para ser representante comum, não existindo, nessa hipótese, um representante comum do Agrupamento, ainda assim se teria de concluir que a proposta vencedora foi validamente subscrita pelo(s) representante(s) das entidades que compõem o referido Agrupamento.
.......
Assim, repete-se, mesmo que se entendesse que não foi validamente designado o representante comum do Agrupamento, certo é que ambas as sociedades agrupadas se encontram válida e regularmente representadas no concurso pelo Senhor D…………., estando, por isso, cumpridos os requisitos previstos nos n°s 4 e 5 do artigo 57° do CCP, bem como nos n°s 3 e 4 do artigo 11° do Programa do Concurso.”

3. A Recorrente não se conforma com esse julgamento pelo que requer a admissão desta revista pelas seguinte ordem de razões:
“3 No caso dos autos, existe uma procuração outorgada validamente pela agrupada C…….. ao administrador da B……., D……., para este ser representante comum do agrupamento, mas, no entender da Recorrente, a agrupada B……. não mandatou o seu administrador para ser representante comum do agrupamento, como se impunha, contrariando, assim, tudo o que vem alegado no acórdão em crise.
....
Não é verdade que tal aconteça, pois, os documentos da proposta só se encontram assinados por D…….., nesse caso, em nome e representação da B……, faltando a assinatura do representante da C…….., como o exige o nº 5 do art.º 57º do CCP.
E, se é verdade que nada há a dizer quanto à procuração outorgada pela C……… ao referido D………, a conferir-lhe poderes para ser representante comum do agrupamento, o certo é que, concluindo-se que inexiste representante comum do agrupamento (por falta do respectivo instrumento de mandato da B……), a procuração outorgada pela C……. a D……. é totalmente inócua para esse efeito.

4. Conforme resulta do antecedente relato o que ora está em causa é saber se o representante comum do Agrupamento vencedor foi bem designado, se o mesmo podia outorgar uma procuração a si próprio e se os documentos assinados apenas por ele vinculam o Agrupamento.
As instâncias foram unânimes em considerar que ambas as sociedades que constituíam aquele Agrupamento haviam designado correctamente o seu representante e que este agiu de forma legal e que, por ser assim, os seus actos vinculavam-no. Ou seja, o Acórdão recorrido entendeu que a designação do representante legal daquele Agrupamento e o modo como este exerceu os seus poderes não eram merecedores da censura que a Recorrente lhe dirige e, por isso, não viciaram o procedimento concursal.
A representação legal dos Agrupamentos constituídos especificamente para se apresentarem a um concurso público é uma questão juridicamente relevante e que, com frequência, envolve dificuldades na sua resolução.
Todavia, no caso, as questões suscitadas não envolvem dificuldades superiores ao comum e não têm relevância jurídica que justifiquem, por si só, a admissão do recurso.
Acresce que as instâncias decidiram de forma convergente e, atenta a plausibilidade da sua fundamentação, tudo indica que decidiram bem.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa,16 de Maio de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.