Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:07/17.9BELRS 0495/18
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
CONCEITO DE PRÉDIO
Sumário:I - A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros.
II - Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
III - Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
IV - Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo.
Nº Convencional:JSTA000P25042
Nº do Documento:SA22019102307/17
Data de Entrada:05/16/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 18 de Janeiro de 2018, que julgou improcedentes as suscitadas excepções da caducidade do direito de acção e de erro na forma do processo. Quanto ao mais, julgou a impugnação deduzida por A……….., contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de imposto de selo (verba n.º 28 da TGIS), primeira, segunda e terceira prestações, do ano de 2012, no valor de € 16.329,80, relativas às unidades susceptíveis de utilização independente n.ºs 1.º E, 1.º D, 2.º D, 2.º E, 3.º D, 3.º E, 4.º D, 4.º E, 5.º D, 5.º E, 6.º D, 6.º E, RCE e RCD do prédio urbano sito na rua ……….., n.º 8, inscrito na matriz predial urbana, sob o n.º 1817, da freguesia da …….., do Concelho de Lisboa, procedente e, em consequência anulou o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e os actos de liquidação de IS, do ano de 2012, condenando a Administração Tributária a restituir à Impugnante o montante indevidamente pago e a pagar juros indemnizatórios sobre esse montante, contados nos termos legais.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. Face aos factos provados não poderia o respeitoso tribunal a quo, decidir como fez, pois face aos factos dados como provados, a conclusão a retirar deveria ser outra.
II. Na verdade, resulta provado que a Impugnante é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade total, sito na Rua …………., n.º 8, inscrito na matriz urbana da freguesia ……, sob artigo 1817, composto por 7 andares dos quais 14 andares/apartamentos estão afectos à habitação, com o valor patrimonial tributário de €1.632.980,00, pelo que é um valor superior a €1.000.000,00, não estando, submetido ao regime de propriedade horizontal, no período de tributação de 2012.
III. Assim, relativamente aos prédios constituídos em propriedade total, para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, verba 28 da TGIS, são considerados pela sua totalidade como um único prédio, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário.
IV. Pois não se destinando a norma em apreço a imóveis que tenham afectação exclusiva a habitação, mas sim a imóveis com afectação habitacional de VPT superior a € 1.000.000,00, não se vislumbra qualquer violação da norma de incidência, ao invés, afigura-se-nos que o referido prédio reúne os requisitos para a aplicação da verba 28 da TGIS.
V. Porquanto, atendendo à norma em causa, a incidência refere-se, conforme expressão literal aí constante, ao "prédio" pelo que, por um lado, não cabe ao intérprete distinguir onde o legislador o não faz, e por outro, a matéria relativa à incidência tributária está sujeita ao princípio da legalidade tributária, princípio basilar do direito fiscal.
VI. Deste modo, se o prédio foi constituído em propriedade total, integra o conceito jurídico tributário de "prédio", ou seja, uma única unidade, e o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afectação habitacional e sendo este superior a € 1.000.000,00 há sujeição ao imposto do selo da verba 28 da TGIS.
VII. Se assim não fosse porque motivo a Impugnante e os restantes herdeiros de A…………… constituíram o prédio em regime de propriedade horizontal (cfr. escritura no procedimento de revisão oficiosa apenso).
VIII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.
IX. Com o devido respeito, que é muito, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou acertadamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais.
X. Não o entendendo assim, a douta sentença recorrida violou os preceitos legais invocados, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
A. O Recurso apresentado pela RECORRENTE põe em causa a Sentença proferida no dia 18 de Janeiro de 2018, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.º 7/17.9BELRS, que julgou procedente a impugnação, anulando todos os actos de liquidação n.ºs 2013 000286528, 2013 000286529, 2013 000286530, 2013 000286531, 2013 000286532, 2013 000286533, 2013 000286534, 2013 000286535, 2013 000286536, 2013 000286537, 2013 000286538, 2013 000286539, 2013 000286540, 2013 000286541, 2013 000286542, 2013 000286543, 2013 000286544, 2013 000286545, 2013 000286546, 2013 000286547, 2013 000286548, 2013 000286549, 2013 000286550, 2013 000286551, 2013 000286552, 2013 000286553, 2013 000286554, 2013 000286555, 2013 000286556, 2013 000286557, 2013 000286558, 2013 000286559, 2013 000286560, 2013 000286561, 2013 000286562, 2013 000286563, 2013 000286564, 2013 000286565 2013 000286566, 2013 000286567, 2013 000286568 2013 000286569, relativos ao ano de 2012, no valor de € 16,329,80, correspondentes às primeira, segunda e terceira prestações do Imposto de Selo, relativo às unidades susceptíveis de utilização independente n.ºs 1º E, 1º D, 2.° D, 2.° E, 3.° D, 3.° E, 4.° D, 4.° E, 5.° D, 5.° E, 6.° D, 6.° E, RCE e RCD do prédio urbano sito na Rua ……….., n.º 8, inscrito na matriz predial urbana, sob o n.º 1817, da Freguesia da ……, do Concelho de Lisboa;
B. Entende a RECORRIDA que a Sentença em análise falhou na interpretação da Verba 28.° da TGIS, na medida em que relativamente aos prédios constituídos em propriedade total (como é o caso nos presentes autos), para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, verba 28 da TGIS, são considerados pela sua totalidade como um único prédio, uma vez que a sua titularidade, sem prejuízo da compropriedade, apenas pertence a um único proprietário;
C. O conceito de prédio aplicável no domínio do Código do Imposto do Selo (CIS) é o definido no Código do IMI (cf. artigo 1°, nº 6 do Código do Imposto do Selo);
D. As disposições do Código do IMI aplicam-se, subsidiariamente, às matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo respeitantes à Verba nº 28 da TGIS (cf. artigo 67º nº2 do Código do Imposto do Selo, na redacção conferida pela Lei n° 55-A/2012, 29 de Outubro);
E. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário (cf. artigo 12°, nº3 do Código do IMI);
F. A Administração tributária não pode considerar como valor de referência para a incidência do imposto do selo o valor total (global) do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de Código do IMI;
G. Só haveria lugar a incidência do imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00;
H. Dado que, no presente caso, nenhum dos andares afectos (destinados) a habitação tem um VPT igual ou superior a €1.000.000,00, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS;
I. Os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2016 (proferido no processo n.º 01097/16); de 27 de Setembro de 2017 (proferido no processo n.º 0820/17); de 04 de Maio de 2016 (proferido no processo de recurso nº 0166/16), de 9 de Setembro de 2015, (proferido no Processo n.º 047/15) e também o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido no processo nº 593/16, de 29 de Março de 2017, corroboram a tese defendida pela Recorrida e pelo Tribunal a quo na sua Sentença; e
J. A interpretação da Recorrida pode ser considerada inconstitucional uma vez que a diferença de tratamento entre prédios em propriedade total e prédios em propriedade horizontal colide com a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com o princípio da capacidade contributiva, na sua vertente de igualdade tributária, nos termos do artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte factualidade concreta:
1) A impugnante, à data da liquidação impugnada, era proprietária do prédio urbano, sito na Rua …………, n.º 8, freguesia ……., em Lisboa, que no ano de 2012 encontrava-se em regime de propriedade total, composto por 7 andares, dispondo no total de 14 divisões afectos à habitação susceptíveis de utilização independente, inscrito na matriz sob o artigo 1817, da respectiva freguesia, com o valor patrimonial tributário (VPT) total de € 1.632.980,00.
2) Em 21/11/2013 a Impugnante e os restantes herdeiros de B…………. constituíram o prédio identificado no ponto anterior em regime de propriedade horizontal.
3) No ano de 2013 a Administração Tributária notificou a Impugnante das liquidações de imposto de selo n.ºs 2013 000286528, 2013 000286529, 2013 000286530, 2013 000286531, 2013 000286532, 2013 000286533, 2013 000286534, 2013 000286535, 2013 000286536, 2013 000286537, 2013 000286538, 2013 000286539, 2013 000286540, 2013 000286541, 2013 000286542, 2013 000286543, 2013 000286544, 2013 000286545, 2013 000286546, 2013 000286547, 2013 000286548, 2013 000286549, 2013 000286550, 2013 000286551, 2013 000286552, 2013 000286553, 2013 000286554, 2013 000286555, 2013 000286556, 2013 000286557, 2013 000286558, 2013 000286559, 2013 000286560, 2013 000286561, 2013 000286562, 2013 000286563, 2013 000286564, 2013 000286565, 2013 000286566, 2013 000286567, 2013 000286568 e 2013 000286569, do ano 2012, com data limite de pagamento em 30/04/2013, relativas a cada um dos andares com afectação habitacional do prédio identificado no ponto 1 supra, no valor total de € 16.329,80.
4) O valor patrimonial tributário total dos 14 apartamentos do prédio identificado no ponto 1 supra, 1.º E, 1.º D, 2.º D, 2.º E, 3.º D, 3.º E, 4.º D, 4.º E, 5.º D, 5.º E, 6.º D, 6.º E, RCE e RCD, é de € 1.632.980,00, sendo que o valor patrimonial de cada um dos andares é inferior a € 1.000.000,004.
5) Nas liquidações de imposto de selo (verba n.º 28) referidas nos pontos anteriores o imposto de selo foi calculado sobre o VPT de cada um dos andares, à taxa de 1%, sendo que para efeitos de tributação foi considerado o valor da totalidade das fracções afectas a habitação, no montante de € 1.632.980,00.
6) Em 23/04/2013 a Impugnante efectuou o pagamento do imposto de selo do ano de 2012.
7) Em 16/05/2014 a Impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações a que se referem o ponto 3 supra.
8) A Administração Tributária indeferiu o pedido de revisão oficiosa, com dispensa do exercício do direito de audição prévia, por despacho de 23/08/2016 da Directora de Serviços (em substituição) exarado na informação de 20/11/2015, por inexistirem motivos para a apreciação do pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória e por as liquidações terem sido feitas no estrito cumprimento da lei, de acordo com os elementos vigentes na matriz.
9) A impugnante foi notificada da decisão proferida no procedimento de revisão oficiosa através do ofício n.º 040818, de 21/09/2016, que indica como meios de reacção à decisão de indeferimento, o recurso hierárquico e a impugnação judicial.
10) Em 30/12/2016 foi deduzida a presente impugnação.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do objecto do recurso.
Há que interpretar a norma de incidência objectiva constante da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 outubro (recorde-se que o imposto em referência nos presentes autos é respeitante ao exercício de 2013), por forma a determinar se é aplicável aos prédios urbanos constituídos por partes susceptíveis de utilização independente, tendo cada uma dessas partes um valor patrimonial tributário (VPT) inferior a € 1.000.000,00.
Esta questão já foi decidida por este Supremo tribunal no acórdão datado de 29.03.2017, recurso n.º 0593/16, onde, em discordância com a argumentação agora expendida pela recorrente, se sumariou:
I - A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros.
II - Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
III - Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
IV - Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo.
Entretanto o legislador procedeu à revogação da norma controvertida (art.210° n°2 Lei n° 42/2016, de 28 dezembro Lei do OGE 2017) e em sua substituição, estabeleceu um adicional ao IMI incidente sobre o valor tributável correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo, após dedução da quantia de € 600.000,00 quando o sujeito passivo for pessoa singular ou herança indivisa (art. 135°-C, n°s 1 e 2 do CIMI aditado pelo art. 219° Lei n°42/2016 de 28 dezembro, Lei do OGE 2017), porém esta norma não é aplicável ao caso em apreço.
Improcede, pois, o recurso que nos vinha dirigido.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 23 de Outubro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Paulo Antunes.