Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01502/12
Data do Acordão:10/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:DIREITO COMUNITÁRIO
SOCIEDADE NÃO RESIDENTE
LIBERDADE DE ESTABELECIMENTO
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL
Sumário:I - Ainda que a impugnante, residente no Reino Unido, não tivesse designado representante em Portugal para efeitos tributários, tal nunca poderia implicar uma restrição ao seu direito de acção em juízo, sob pena de inconstitucionalidade por compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efectiva e violação do disposto no art. 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa. Aliás, mesmo para efeitos fiscais, a exigência de nomeação de representante com residência em território nacional viola o direito comunitário, como foi reconhecido pelo TJUE no acórdão proferido no Proc. nº C-267/09, de 5 de Maio de 2011.
II - Mesmo nos casos em que a lei não obriga à interposição da reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa – e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade com orientações genéricas emitidas pela administração tributária ou a impugnação se restringe a matéria de direito – o interessado não fica impedido de a apresentar, isto é, não fica sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70º do CPPT (120 dias), podendo deduzi-la nos termos e prazo previstos no nº 1 do art. 131º do CPPT (2 anos).
III - A situação de um residente noutro Estado-Membro, sem estabelecimento estável em Portugal, que aufira rendimentos proveniente da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos. Pelo que é ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação da proibição de discriminação em razão da nacionalidade e do direito de livre circulação de capitais, consagrados nos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma, face à dispensa de retenção de que, nos termos do CIRC, beneficiava, em idênticas condições, uma entidade residente, não havendo qualquer justificação válida para essa discriminação.
IV - É a legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal) que deve assegurar que as entidades beneficiárias – residentes e não residentes – recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais.
V - A anulação do acto impõe à administração tributária o dever de reconstituição da situação jurídica hipotética que existiria caso ele não tivesse sido praticado, o que inclui a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
Nº Convencional:JSTA00068967
Nº do Documento:SA22014102901502
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.... LIMITED
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Área Temática 2:DIREITO COMUN.
Legislação Nacional:CIRC88 ART90 N1 C ART46 N1 ART80 N2 C ART14 N3 ART89 N1.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 90/435/CEE DE 1990/07/23.
TTCE ART63 ART65.
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-284/09 DE 2011/10/20.
AC TRIJ PROC C-379/05 DE 2007/11/08.
AC TRIJ PROC C-487/08 DE 2010/06/03.
DESP TRIJ PROC C-190/10 DE 2010/11/22.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente procedente a impugnação judicial que a instituição financeira A……….. LIMITED (actualmente designada B………. LIMITED), residente no Reino Unido, deduziu contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentara perante os actos de retenção na fonte em sede de IRC sobre dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal nos anos de 2005 e 2006, no montante global de € 1.595.617,89.
1.1. Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o direito comunitário tinha sido violado, ou seja, a impugnante foi discriminado em relação aos residentes do Estado-Membro. Assim, verifica-se a distinção de tratamentos entre entidades residentes e não residentes, não sendo neutralizada, redunda num tratamento discriminatório, contrário aos preceitos e princípios de direito comunitário.

II - Por outro lado, a douta sentença considerou que haveria lugar a juros indemnizatórios por o erro ser imputável aos serviços, o que não podemos concordar.

III - Neste âmbito, o thema decidendum assenta em determinar se houve ou não discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal e, concomitantemente, violação do direito comunitário quanto à igualdade de tratamento entre os vários sujeitos passivos. Por outro lado, se a reclamação graciosa seria tempestiva, bem como a ilegitimidade.

IV - A Fazenda Pública considera que havia cabimento à aplicação do disposto no nº 3 do art. 131º CPPT, devendo consequentemente ser considerada improcedente a impugnação, por intempestiva, de acordo com o entendimento jurisprudencial.

V - Pelo facto da preclusão do direito a impugnar, a qual foi requerida, tendo o Tribunal a quo apreciado o exposto invocado, como improcedente.

VI - Relativamente à causa decindendi a Administração Tributária aquilatou que a douta sentença não ponderou devidamente os factos mencionados, pois os preceitos em causa não violam o direito comunitário, não havendo qualquer discriminação entre residentes e não residentes.

VII - O que acontece é que, tal como referido na contestação, o Estado da residência do impugnante, à luz do consagrado no art. 4º da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho de 23/07, ou se abstém de tributar esses lucros ou os tributa, autorizando a sociedade a deduzir do montante do imposto a fracção do imposto da afiliada correspondente a tais lucros.

VIII -Ora, se é o Estado-Membro da sociedade-mãe, ou seja, o Reino Unido, que isenta ou tributa, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário.

IX - Além do mais, as entidades distribuidoras dos dividendos efectuaram a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos arts. 90º nº 1 al. c), 46º nº 1, 80º nº 2 al. c), 14º nº 3 e 89º nº 1, todos do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio de liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.

X - Assim sendo, uma vez que os preceitos da nossa legislação interna não violam os princípios do direito comunitário, designadamente a não discriminação entre tributação efectuada a residentes e a não residentes, não poderá haver lugar a juros indemnizatórios por facto imputável à Administração Tributária.

XI - Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “a quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no disposto nos arts. 90º nº 1 al. c), 46º nº 1, 80º nº 2 al. c), 14º nº 3 e 89º nº 1, todos do CIRC, bem como da Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e dos art. 12º, 46º, 48º e 56º do Tratado CE.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.



1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
A) O presente Recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida dos actos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 1.595.617,89, tendo considerado que os referidos actos tributários padeciam de vício de violação de lei, em particular violação do princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no Tratado, tendo, ainda, determinado o direito da Recorrida à restituição da quantia de imposto indevidamente paga, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios;

B) A questão material controvertida prende-se em determinar se a legislação portuguesa, na redacção em vigor à data dos factos tributários, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a instituições financeiras estabelecidas num Estado Membro da União Europeia (in casu o Reino Unido), ao mesmo tempo que dispensa de retenção na fonte a distribuição de dividendos a instituições financeiras estabelecidas e domiciliadas em Portugal, viola os artigos 12º e 56º do Tratado;

C) Conforme evidenciado nas presentes contra-alegações, a posição sustentada pela Recorrente carece de qualquer base legal, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal;

D) Em primeiro lugar, a Recorrente vem alegar, a título de excepção, a ilegitimidade da ora Recorrida por força de uma alegada falta de nomeação de representante em Portugal, nos termos e para os efeitos do art. 19.º da LGT;

E) A ora Recorrida, na qualidade de sujeito passivo não residente e sem estabelecimento estável em Portugal e substituída da retenção suportada em Portugal sobre os dividendos que lhe foram pagos nos anos 2005 e 2006, dispõe de legitimidade para apresentar, ao abrigo do artigo 132º do CPPT, impugnação judicial dessa mesma retenção, dado que a mesma tem carácter definitivo, nos termos do disposto no art. 88º, nº 3, alínea b), do Código do IRC;

F) Conforme prova documental efectuada nos presentes autos, a Recorrida nomeou o Senhor C………… como seu representante para efeitos tributários em Portugal;

G) Ainda que a Recorrida não tivesse designado representante fiscal, tal não implicaria qualquer restrição nos direitos de acção em juízo, sob pena de manifesta inconstitucionalidade por compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efectiva;

H) Conforme devidamente salientado nos presentes autos, e conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo na sentença ora recorrida, a legislação portuguesa que previa a obrigatoriedade da nomeação de representante fiscal foi já suprimida através da Lei do Orçamento do Estado de 2012 (pelo menos no que respeita aos residentes na União Europeia, como é o caso da ora Recorrida), sendo tal alteração um elemento interpretativo decisivo, porquanto constitui a prova inequívoca da desconformidade da exigência de nomeação de representante fiscal anteriormente constante do ordenamento jurídico nacional, a qual, recorde-se, foi julgada incompatível com o direito comunitário por parte no TJUE, no processo nº C-267/09, de 05.05.2011;

I) Acresce que, no caso em apreço e conforme decorre da procuração junta aos presentes autos, o mandato conferido ao Mandatário permitia assegurar os contactos com a Administração Tributário e os tribunais, assim se assegurando a ratio do art. 19º da LGT, tal como expressamente reconhecido pelo Venerando TCA Sul em acórdão, datado de 11.10.2011, no processo nº 4513/11, o que motivará a improcedência da excepção de ilegitimidade invocada pela ora Recorrente;

J) Invoca ainda a Recorrente, nas suas alegações de recurso, que a acção de impugnação seria intempestiva, uma vez que estando apenas em causa questões de direito, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo geral de 90 dias previsto no artigo 102º do CPPT e não ao abrigo do artigo 132º do CPPT;

K) Trata-se de uma interpretação sem qualquer suporte legal ou factual, não passando de uma tentativa espúria de evitar que este Venerando Tribunal se pronuncie sobre a questão material controvertida, sendo que nesta matéria (artigos 131º e 132º do CPPT), importa salientar que a Fazenda Pública tem adoptado posições contraditórias, pugnando pela necessidade de reclamação prévia numas situações (veja-se o Acórdão deste Venerando Tribunal no processo nº 299/11), como, quando lhe convém, invoca precisamente o inverso, numa posição intolerável para quem tem como obrigação defender os interesses da coisa pública no respeito pelos interesses legítimos dos particulares;

L) Não procedem os argumentos da Fazenda Pública, ora Recorrente, no sentido de que a reclamação apresentada seria facultativa, pelo que não seria de aplicar o prazo de 2 anos constante do nº 3 do referido art. 132º do CPPT, uma vez que, não obstante a reclamação apresentada previamente pela Recorrida versar exclusivamente sobre matéria de direito - desconformidade do direito nacional com o direito comunitário - as retenções na fonte efectuadas na sua esfera não assentaram na emissão de qualquer orientação administrativa, tendo antes decorrido directamente do ordenamento jurídico nacional, em concreto das normas legais do CIRC;

M) Neste sentido, nenhuma das orientações administrativas expressamente mencionadas no ponto 19 das alegações de recurso aborda, ainda, que indirectamente a matéria controvertida, nem tão pouco a articulação entre o regime do artigo 14º do CIRC e a dispensa de retenção na fonte concedida às instituições financeiras residentes, matéria que constitui a questão material controvertida na vertente do tratamento discriminatório concedido aos não residentes em Portugal, sendo, assim, evidente que as retenções na fonte efectuadas pelos substitutos tributários não decorrem de posições firmadas pela Administração Tributária com base em orientações administrativas, o que se invoca para todos os devidos efeitos legais;

N) Acresce que, o afastamento do regime imperativo ou de reclamação prévia não afasta in totum o regime dos artigos 131º e 132º do CPPT, como pretende fazer crer a Administração Tributária, antes criando aos sujeitos passivos a possibilidade de impugnabilidade directa dos referidos actos, impugnação essa a ser apresentada nos termos e prazos consignados no artigo 102º do CPPT, não precludindo, contudo, a possibilidade de recurso à reclamação prévia a ser deduzida nos prazos consignados no artigo 132º do CPPT;

O) Constitui hoje doutrina e jurisprudência consolidada que, ainda que se entendesse que a reclamação deduzida pela Recorrida era intempestiva - o que se admite por mero dever de raciocínio - sempre recairia o dever sobre os órgãos da Administração Tributária de, ao abrigo do artigo 52º do CPPT, convolar o referido procedimento no meio adequado, ie., num pedido de revisão oficiosa, assim se assegurando o respeito do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte.

P) Acresce que, a Recorrente vem juntar aos autos, de modo a fundamentar a sua posição, duas orientações administrativas emitidas pelos órgãos da Administração Tributária datadas de Julho de 2000 e Julho de 2003, sem cuidar, tão pouco, de alegar ou justificar o motivo porquanto a apresentação dos referidos documentos não fora possível até ao encerramento da discussão em primeira instância, não se mostrando assim verificados os pressupostos no artigo 524º do CPC, o que determinará, inapelavelmente, a sua inadmissibilidade processual e consequente desentranhamento, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

Q) Passando à discussão da questão material controvertida objecto dos presentes autos, conclui-se da análise do quadro legislativo em vigor à data dos factos que uma instituição financeira residente em Portugal, quando recebia dividendos de sociedades residentes em Portugal, estava, até 2006 (inclusive), sujeita a um regime fiscal mais favorável do que o regime aplicável a uma instituição financeira não residente em Portugal e com residência fiscal noutro Estado Membro da UE, uma vez que esta última estava sujeita a retenção na fonte com carácter definitivo à taxa de 25% (20% em 2006), enquanto a primeira se encontrava dispensada dessa retenção;

R) Trata-se de uma situação claramente discriminatória, sendo que inexiste fundamento legal que justifique tal discriminação, não tendo a Recorrente invocado qualquer norma legal que permita contrariar tal conclusão.

S) Acresce que, o tratamento discriminatório é tanto mais gravoso nos casos de investimentos a representar as provisões técnicas do seguro de vida em que o risco é do tomador de seguro (D……….) geridos pela Recorrida, uma vez que ainda que os dividendos pagos por uma entidade residente a uma entidade financeira residente estivessem, à data da prática dos factos (2005 e 2006), sujeitos a tributação nos termos gerais, os mesmos acabariam por ser excluídos, por força do disposto no art. 45º, nº 2, do Código do IRC, ou por força da dedutibilidade da provisão técnica constituída por um valor correspondente ao montante dos dividendos recebidos;

T) Como resulta dos artigos 12º e 56º do Tratado e como amplamente defendido pelo TJUE, o Direito Comunitário estabelece um quadro legal destinado a eliminar quaisquer discriminações na circulação de capitais, nomeadamente em investimentos transfronteiriços (directos ou indirectos), bem como a eliminar quaisquer restrições que possam afectar a livre circulação de capitais e a livre prestação de serviços;

U) Para que uma regulamentação fiscal nacional que faz uma distinção entre os contribuintes consoante o local onde os seus capitais são investidos possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, o que não é manifestamente o caso em apreço, sendo que a Fazenda Pública e ora Recorrente não logrou invocar qualquer facto ou argumento jurídico neste sentido.

V) Face às disposições aplicáveis do Código de IRC, na redacção em vigor à data a que se reportam os factos tributários, uma instituição financeira residente para efeitos fiscais em Portugal estava dispensada de retenção na fonte aquando da distribuição de dividendos, ao passo que uma sociedade não residente em Portugal, com residência para efeitos fiscais noutro Estado Membro da UE, não podia beneficiar do mesmo regime, estando sujeita a IRC a uma taxa de retenção na fonte de 25% em 2005, e 20% em 2006 - retenção, essa, a título definitivo;

W) Não se invoque contra o acima exposto, tal como faz a Recorrente nas suas alegações, que a retenção na fonte suportada pela ora Recorrida estaria de certa forma legitimada pelo disposto na Directiva 90/435/CEE, de 23 de Julho, nos termos da qual o Estado Português estava autorizado durante um período transitório a cobrar a retenção na fonte de imposto sobre dividendos pagos a entidades com domicílio fiscal noutro Estado membro da União Europeia, uma vez que o que está aqui em causa não é determinar se se mostram preenchidos os requisitos legais de aplicação da referida Directiva, mas sim aferir se Portugal, ao dispensar ao abrigo do regime interno a retenção na fonte de dividendos a instituição financeiras residentes, estava ou não obrigado a estender tal regime mais favorável às instituições financeiras residentes na União Europeia;

X) Ora, conforme resulta das normas do CIRC em análise, parece que estamos perante um claro tratamento discriminatório e uma evidente restrição na liberdade de circulação de capitais, uma vez que é conferido um tratamento menos favorável para as entidades financeiras não residentes em Portugal, sendo que a ora Recorrida e as instituições financeiras residentes em Portugal estão em situações comparáveis - distribuição de lucros por sociedades residentes - estando estas últimas isentas de retenção na fonte, ao passo que a primeira suporta o imposto sobre o mesmo rendimento;

Y) Ao contrário do alegado, as situações são inteiramente comparáveis, uma vez que em ambos os casos estamos perante instituições que auferem rendimentos de dividendos resultantes dos seus investimentos, sendo que os residentes em território nacional não são tributados por tal fluxo de rendimentos, ao passo que as instituições não residentes sofrem pelo mesmo fluxo de rendimentos uma tributação de 25% / 20% em território nacional;

Z) Em ambos os casos estão instituições financeiras receptoras de dividendos de fonte nacional, sendo, assim, pacífico que estamos perante situações absolutamente comparáveis;

AA) Esta matéria é hoje em dia pacífica em termos de jurisprudência comunitária, como bem, aliás, assinalou o Tribunal a quo na sua douta sentença, podendo analisar-se a título de exemplo o disposto nos seguintes acórdão do TJUE i) Acórdão Amurta SGPS Processo C-379/05, ii) Acórdão Gerritse (C-234/01), iii) processo C-487/08, de 3 de Junho de 2010; iv) processo C-303/07;

BB) Ao subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de IRC, como a dispensa de retenção na fonte incidente sobre dividendos/lucros, à condição de a entidade ser residente para efeitos fiscais em território português, estamos perante uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56º do Tratado e pelo artigo 1º da Directiva 88/361 (neste sentido, vejam-se as conclusões proferidas pelo TJUE no Acórdão de 14 de Dezembro de 2006 – Processo C-170/05 - Caso Denkavit International e Denkavit France);

CC) Não se invoque contra o acima exposto, tal como faz a ora Recorrente nas suas alegações de recurso, que a não verificação no caso em apreço das condições da Directiva 90/435 legitimaria a retenção na fonte efectuada pelo Estado Português sobre os dividendos auferidos por entidades não residentes, sendo que sobre esta matéria já se pronunciou expressamente o TJUE (vide Acórdão de 22 de Novembro de 2010, Processo C-199/10);

DD) Por outro lado, parece evidente que a discriminação constante da legislação interna, também não teve como fundamento a prossecução de um objectivo legítimo compatível com o Tratado, nem tão pouco visou estabelecer uma medida anti-abuso ou evitar qualquer prática abusiva em termos fiscais, pelo que o tratamento mais favorável dado na distribuição de dividendos de fonte portuguesa às entidades residentes para efeitos fiscais em Portugal face às entidades não residentes e residente noutros Estados Membros da UE, não encontra aqui qualquer justificação.

EE) Na linha do pensamento propugnado pela ora Recorrida, importa salientar que a Comissão Europeia iniciou um processo de infracção contra Portugal relativamente às normas do CIRC acima melhor identificadas e, em concreto, o tratamento discriminatório conferido às instituições financeiras não residentes aquando da distribuição de dividendos em Portugal (processo de infracção nº 2004/4353), o que motiva por si só a improcedência do recurso ora apresentado pela Fazenda Pública;

FF) O procedimento de infracção acima descrito não levou à apresentação de uma queixa junto do TJUE, porquanto Portugal, numa demonstração inequívoca da razão que assiste à ora Recorrida e tal como expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo, alterou a sua legislação doméstica, acabando com a discriminação na saída de dividendos para instituições financeiras não residentes (introduzindo idêntica tributação para as distribuições internas);

GG) Importa, contudo, referir que este não era o único procedimento movido contra Portugal, uma vez que a Comissão Europeia questionou ainda Portugal sobre o regime estabelecido no artigo 22º do EBF, tendo o processo seguido para julgamento no TJUE, que, no passado dia 6 de Outubro de 2011 (processo C-493/09), julgou a legislação nacional incompatível com o direito comunitário, por violação do princípio da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais.

HH) Por último, assume extrema relevância referir que, na sequência do acórdão do TJUE acima referido, o legislador fiscal português já consagrou, através da Lei do Orçamento do Estado para 2012, a alteração da redacção do actual artigo 16º do EBF de forma a assegurar a sua compatibilidade com o Direito Internacional.

II) Tudo ponderado, parece inequívoco que a norma constante do artigo 80º do CIRC à data dos factos padece de manifesto vício de lei, por violação ostensiva dos princípios da legalidade tributária e do primado do direito internacional, violando, por conseguinte, os artigos 268º, 112º e 8º da CRP, bem como o artigo 55º da LGT, e ainda, os artigos 12º e 56º do Tratado, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, reconhecendo-se o direito da ora Recorrida à restituição da quantia de € 1.595.617,89, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.

JJ) Caso existam dúvidas fundadas sobre a violação do Direito comunitário, requer-se a este Tribunal o reenvio prejudicial do processo para o TJUE.


1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso devia improceder, argumentando o seguinte:

«A questão decidenda foi apreciada e decidida pelo TJUE, no âmbito do mecanismo de reenvio prejudicial (art. 267º TFUE) suscitado no processo nº 482/10 STA-SCT, com pronúncia nos seguintes termos:

«Os artigos 63º TFUE e 65º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-membro, como a que está em causa no processo principal (artigos 14º nº 3, 46º nº 1, 89º e 96º nºs 2 e 3 do CIRC), que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efectuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades accionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada.

Com as necessárias adaptações, a doutrina do TJUE é aplicável à apreciação da questão decidenda, permitido a formulação dos seguintes corolários:

a) desconformidade com as disposições comunitárias interpretadas da legislação nacional que constitui o suporte normativo da retenção na fonte controvertida;

b) anulação da retenção na fonte, por aplicação do princípio do primado do direito comunitário, com expressão constitucional (art. 8º nº4 CRP)

CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.».

1.4. A Recorrente juntou dois documentos com as suas alegações de recurso, mas a Recorrida invoca a inadmissibilidade dessa junção à luz do art. 524º do CPC, em vigor à data da interposição do recurso – cfr. al. P) das respectivas conclusões. Pelo que importa apreciar e decidir, desde já, essa questão, por prévia ao conhecimento do objecto do recurso.
O art. 524º do CPC determinava, no seu nº 1, que «Depois do encerramento da discussão, só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento» e, no seu nº 2, que «Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.».
Ora, um dos documentos ora apresentados pela Recorrente consiste numa circular da Direcção de Serviços do IRC datada de 21/07/2000, e o outro consiste numa circular da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais datado de 19/07/2003.
Trata-se, por conseguinte, de meras orientações genéricas emitidas há muitos anos pela própria administração tributária, não se descortinando (nem a Recorrente o explica) por que motivo não foi possível proceder anteriormente à sua junção e, muito menos, em que medida essa junção se tornou necessária apenas nesta fase processual.
É, pois, patente a extemporaneidade da junção de tais documentos, razão por que se ordena o seu desentranhamento e restituição à Recorrente.


1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida constam como assentes os seguintes factos:

A) A impugnante é uma sociedade residente no Reino Unido (cfr. fls. 103 a 107 dos autos).

B) Em 2005 e 2006 a impugnante, na qualidade de accionista de diversas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos daquelas participações sociais, no valor de, respectivamente, € 4.218.915,25 e € 5.343.412,59, os quais foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal no valor de 613.760,08 € e 981.857,81 € (fls. 109 e 111 dos autos, fls. 113 a 125 dos autos e fls. 127 a 152 dos autos).

C) Relativamente aos dividendos recebidos pela impugnante no ano de 2005, os mesmos foram sujeitos a tributação por retenção na fonte à taxa de liberatória de 25%, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 80º do CIRC, e à taxa de 12,5%, relativamente a dividendos provenientes de participações sociais adquiridas no âmbito de operações de privatização, os quais beneficiavam de uma redução em 50% da taxa de retenção na fonte nos termos do art. 60º do EBF (cfr. fls. 113 a 125 dos autos).

D) Relativamente aos dividendos recebidos pela impugnante no ano de 2006, os mesmos foram sujeitos a tributação por retenção na fonte à taxa de liberatória de 20%, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigos 80º do CIRC, e à taxa de 10%, relativamente a dividendos provenientes de participações sociais adquiridas no âmbito de operações de privatização, os quais beneficiavam de uma redução em 50% da taxa de retenção na fonte nos termos do art. 60º do EBF (cfr. fls. 113 a 125 dos autos).

E) Em 28/12/2007 a impugnante apresentou reclamação graciosa da retenção na fonte referida na alínea que antecede, ao abrigo do art. 132º, nº 3, do CPPT, sem que tivesse sido notificada da respectiva decisão (cfr. documento de fls. 154 e ss. dos autos).

F) A Impugnação foi remetida ao tribunal via telecópia, em 28/07/2008 (cfr. fls. 2 e ss. dos autos).

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou totalmente procedente a impugnação judicial que a instituição financeira A……… LIMITED (actualmente designada B………. LIMITED), residente no Reino Unido, deduziu contra os actos de retenção na fonte de imposto sobre o rendimento que incidiu sobre os dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal durante os anos de 2005 e 2006, no montante global de € 1.595.617,89, face ao indeferimento tácito da reclamação graciosa que deduziu com vista à sua anulação.

Tal impugnação teve por fundamento a ilegalidade desses actos tributários, praticados ao abrigo da legislação interna portuguesa, mais precisamente do Código do IRC (CIRC), por violação dos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma e, consequentemente, dos princípios da legalidade e do primado do direito comunitário a que se referem os arts. 55º da LGT, 8º, 112º e 268º da CRP, bem como a incompatibilidade do disposto no art. 14º, nº 3, do CIRC com as normas e princípios do direito comunitário, e encerra o pedido de anulação desses actos e a condenação da administração tributária à devolução dos montantes retidos e ao pagamento de juros indemnizatórios.

Na contestação que apresentou, a Fazenda Pública suscitou, além do mais, a questão da legitimidade da impugnante perante o disposto no art. 19º, nº 5, da LGT, bem como a questão da tempestividade da impugnação perante a circunstância de a reclamação graciosa não ter sido apresentada no geral de 120 dias a que se refere o art. 70º do CPPT, mas antes no prazo de 2 anos a que se refere o art. 130º do CIRC.

A sentença julgou improcedentes essas excepções e, depois de considerar desnecessária a intervenção do TJUE para, em reenvio prejudicial, apreciar a questão da compatibilidade do art. 14º, nº 3, do CIRC com o direito comunitário, deu por verificada a violação das invocadas normas de direito comunitário, julgando procedente a impugnação.

Dissente a Recorrente do assim decidido e, como decorre das conclusões da alegação de recurso, pretende que o tribunal ad quem aprecie a justeza da decisão recorrida quanto à tempestividade da reclamação graciosa, quanto à legitimidade da impugnante, quanto aos vícios de violação de lei imputados aos actos impugnados e, finalmente, quanto aos juros indemnizatórios.

3.1. Da questão da legitimidade da impugnante.

A Fazenda Pública arguira a excepção da ilegitimidade da impugnante perante a falta de nomeação de representante fiscal, evocando, para o efeito, a norma contida no art. 19º, nº 5, da LGT. Tal excepção foi julgada improcedente com a seguinte argumentação:

«Alega, em primeiro lugar, a Fazenda Pública que a impugnante não observou o disposto no art. 19º, nº 5, da Lei Geral Tributária (LGT), quanto à designação de representante, com a consequente restrição no exercício dos seus direitos, em sede de contencioso judicial. (…).
Não se pode interpretar o art. 19º da LGT, no sentido de que não é suficiente o mandato já conferido pela Impugnante nos termos do art. 5º do CPPT, pois tal interpretação limita o acesso da Impugnante aos meios contenciosos para exercício dos seus direitos. Uma interpretação em sentido diverso poderia pôr em causa a tutela judicial efectiva, em violação do disposto no art. 20º, nº 1, 268º, nº 4 da CRP. (…)
Por outro lado, a exigência de nomeação de representante legal com residência em território nacional sempre violaria o art. 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), na medida que se reconduziria a uma discriminação indirecta com base na nacionalidade, e à violação do princípio da efectividade do direito da União que impõe aos tribunais nacionais que garantam o efeito útil das normas de Direito Europeu.
Com efeito, da aplicação do direito nacional não pode resultar a inexistência do meio processual adequado a garantir a protecção jurisdicional efectiva, nem tão pouco poderá ser condicionado o acesso aos meios processuais com a imposição de regras jurídicas de direito interno que configurem uma discriminação. (…).
A interpretação da exigência da nomeação de um representante legal pelo art. 19º, nº 4 da LGT, no sentido de não ser suficiente o mandato já conferido pela Impugnante nos termos do art. 5º do CPPT, violaria o princípio da efectividade do direito europeu e nessa medida, por força do princípio do primado, sempre seria de ser afastada tal interpretação que seria desconforme com o direito da União. (…)
Face ao exposto, improcede a excepção suscitada pela Fazenda Pública.».

Embora a Recorrente submeta novamente a questão à apreciação deste tribunal ad quem, omite por completo as razões que a levam a discordar do decidido, limitando-se a discorrer sobre o conceito de legitimidade e a reproduzir, parcialmente, o teor dos nºs 4 e 5 do art. 19º da LGT. Considerando, porém, que se verifica a necessária antítese discursiva - já que tendo a Fazenda Pública visto sucumbir a sua tese, é-lhe lícito vir reproduzi-la em sede de recurso, pedindo com esse fundamento a revogação da sentença – importa analisar a correcção do julgado no que toca à enunciada questão.

E avançando nessa apreciação, diremos, desde já, que se nos afigura inteiramente correcta a motivação enunciada na sentença, a cuja bem fundada argumentação se adere, até porque, como se disse, a Recorrente não aportou razões que a infirmem ou que nos levem a inflectir ou a divergir do entendimento nela firmado.

Com efeito, ainda que a impugnante não tivesse designado um representante para efeitos tributários em Portugal, tal nunca poderia implicar uma restrição ao seu direito de acção em juízo, sob pena de manifesta inconstitucionalidade por compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efectiva e violação do disposto no art. 20º, nº 1 e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.

Aliás, mesmo para efeitos fiscais, a exigência de nomeação de representante com residência em território nacional viola o direito comunitário, como foi reconhecido pelo TJUE, no conhecido acórdão proferido no Proc. nº C-267/09, de 5 de Maio de 2011, proferido numa acção instaurada pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa, e onde se deixou declarado, de forma clara, a incompatibilidade com o direito comunitário da legislação portuguesa que previa a obrigatoriedade da nomeação de representante fiscal, nos seguintes termos: «Pelo facto de ter aprovado e de manter em vigor o artigo 130º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que impõe aos contribuintes não residentes a obrigação de designar um representante fiscal em Portugal, quando obtenham rendimentos em relação aos quais é exigida a apresentação de uma declaração fiscal, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56º CE».

Tal como nele se deixou afirmado, «… o artigo 130º do CIRS prevê uma obrigação de designar um representante fiscal quer para os não residentes que obtêm rendimentos sujeitos ao imposto sobre o rendimento, quer para os residentes que se ausentem do território português por um período superior a seis meses. (…)
(…) é incontestável que, ao obrigar os contribuintes em causa a designar um representante fiscal, o artigo 130º do CIRS impõe-lhes a obrigação de efectuar diligências e de, na prática, suportar o custo da remuneração deste representante. Tais obrigações são um incómodo para estes contribuintes, susceptível de os dissuadir de investirem capitais em Portugal e, nomeadamente, de aí fazerem investimentos imobiliários. Daqui decorre que a referida obrigação deve ser vista como uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelos artigos 56º, nº 1, CE e 40º do Acordo EEE. (…)
(…) a obrigação de designação de um representante fiscal ultrapassa o necessário para atingir o objectivo de combate à fraude fiscal e que, por conseguinte, a Comissão tem razão ao sustentar que a referida obrigação constitui, para os contribuintes não residentes que obtêm rendimentos que exigem a apresentação de uma declaração fiscal, uma restrição não justificada à livre circulação de capitais consagrada no artigo 56º CE.».

Razão por que tanto o art. 130º do CIRS como o art. 19º da LGT foram alterados pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, no que respeita aos residentes na União Europeia, como é o caso da impugnante, sendo tal alteração um elemento interpretativo decisivo, por constituir a prova inequívoca da desconformidade da exigência de nomeação de representante fiscal anteriormente constante do ordenamento jurídico nacional.

Acresce que a impugnante, sendo o sujeito passivo não residente e sem estabelecimento estável em Portugal e, como tal, detendo a qualidade de substituída tributária na retenção suportada em Portugal sobre os dividendos que lhe foram pagos, dispõe de inequívoca legitimidade para impugnar judicialmente esses actos tributários de retenção à luz da norma contida no art. 132º do CPPT, dado que estes têm carácter definitivo (art. 88º do CIRC após a republicação desse Código pelo DL 159/2009, de 13/07).

Razão por que se impõe manter o julgado no que a tal questão se refere.

3.2. Da tempestividade dos meios de reacção

Na contestação, a Fazenda Pública invocou a intempestividade da reclamação graciosa e, por inerência, da impugnação judicial, argumentando com a natureza não obrigatória da reclamação graciosa deduzida pela impugnante, razão por que, em seu entender, ela deveria ter sido apresentada no prazo geral de 90 dias previsto no art. 102º do CPPT e não, como foi, no prazo de 2 anos previsto no nº 3 do art. 131º do CPPT (por remissão do art. 132º, nº 6, do CPPT).
O tribunal a quo deu por inverificada essa excepção e a Fazenda Pública Publica vem, novamente, insistir na sua tese.
Porém, também aqui não lhe assiste razão.
Como se deixou explicitado no acórdão desta Secção de 22 de Maio de 2013, no proc. nº 0187/13, mesmo nos casos em que a lei não obriga à interposição da reclamação graciosa prevista no art. 131º do CPPT para viabilizar o acesso à via contenciosa de impugnação – e que são os casos em que esta foi efectuada em conformidade com orientações genéricas emitidas pela administração tributária e a impugnação se restringe a matéria de direito (Requisitos que não são, porém, cumulativos, conforme se deixou explicitado no acórdão proferido por esta Secção em 12/03/2014, no proc. nº 01916/13 e cuja posição foi reiterada no acórdão de 26/02/2014, no proc. nº 0481/13.) – o interessado não fica impedido de a apresentar, isto é, não fica sujeito, caso queira reclamar do acto, a apresentar a reclamação no prazo geral previsto no art. 70º do CPPT (120 dias), podendo deduzi-la nos termos e prazo previstos no nº 1 do art. 131º do CPPT (2 anos).

Efectivamente, conforme sanciona a mais autorizada doutrina e muito bem explica JORGE LOPES DE SOUSA (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, 6ª Ed., vol. II, págs. 408/409.), «apesar da incongruência que existe no estabelecimento de prazos distintos de impugnação judicial e de reclamação graciosa, a interpretar-se o nº 3 do art. 131º como manifestação de uma opção legislativa no sentido da aplicação do «regime normal» de impugnação nos casos em que estiver em causa apenas matéria de direito e o contribuinte tenha seguido orientações genéricas da administração tributária, seria corolário dessa opção pelo afastamento do regime especial de impugnação de actos de liquidação que a reclamação graciosa também se fizesse nos termos normais previstos nos arts. 69º e seguintes do CPPT»; no entanto, tal interpretação lógica «é inconciliável com a indicação feita na parte inicial do n.º 3 do art. 131º de que o que aí se estabelece é «sem prejuízo do disposto nos números anteriores», o que se traduz na possibilidade de reclamação graciosa no prazo de dois anos.

Aliás, não se justificaria adoptar um prazo curto para a reclamação graciosa com base em fundamentos de direito e um prazo mais longo para a reclamação graciosa que inclui no seu objecto matéria de facto, cumulada ou não com matéria de direito, pois o contribuinte facilmente poderia beneficiar deste prazo mais longo, mesmo que a sua discordância real assentasse apenas em matéria de direito, bastando para isso «inventar» discordância com qualquer matéria de facto para juntar ao seu fundamento de direito, o que, naturalmente, não representaria dificuldade apreciável. (...)
Por outro lado, se não há razões de segurança jurídica que, nestes casos de autoliquidação em que está em causa matéria de direito e se seguiram orientações genéricas da administração tributária, exijam uma restrição a 90 dias do prazo de impugnação judicial, a imposição desnecessária da perda do direito de impugnação contenciosa directa será incompaginável com os princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade (art. 18º, n.º 2, da CRP). Por isso, é duvidosa a constitucionalidade da fixação de prazo feita no nº 3, e a considerar-se que é inconstitucional deverá admitir-se a possibilidade de deduzir impugnação judicial até ao prazo de dois anos.
Ainda por outro lado, não se pode encontrar qualquer justificação razoável para que, decorrido o prazo de 90 dias, se vá impor ao contribuinte a apresentação de uma reclamação graciosa para recuperar a possibilidade de impugnação judicial quando a previsão da possibilidade de impugnação contenciosa directa prevista no n.º 3 só se pode justificar porque, nesses casos, na perspectiva legislativa, ela se considera desnecessária.».
Pelo que, como conclui aquele ilustre Conselheiro, «na linha jurisprudencial que o STA tem vindo a adoptar em situações semelhantes em que há incontornáveis contradições na previsão de prazos de impugnação contenciosa e administrativa, nos casos em que há suporte textual na lei para os contribuintes formarem expectativas sobre possibilidade de impugnação em prazo alargado, nunca deverá resolver-se a contradição no sentido de uma interpretação restritiva da norma que prevê o prazo alargado, pois uma interpretação desse tipo, que se reconduzisse à aplicação de um prazo mais curto do que o que resulta do texto da lei poderia ofender o direito de impugnação contenciosa de actos lesivos, constitucionalmente garantido, que supõe que a via de acesso à impugnação contenciosa seja clara e não labiríntica, o que é reclamado com mais veemência quando estão em causa meios processuais que podem ser accionados pelo próprio contribuinte, sem representação por advogado (art. 6., n.º 1, do CPPT)».

Termos em que se reitera a posição jurisprudencial contida no aludido acórdão, improcedendo, por isso, a referida excepção.


3.2. Da violação da proibição da restrição à livre circulação de capitais
A sentença recorrida, depois de caracterizar detalhadamente o conceito de movimento de capitais e o alcance da liberdade que lhe está inerente face às normas de direito comunitário, bem como o quadro legal nacional posto em crise nos autos, concluiu que, à luz da jurisprudência do TJUE, sendo a situação dos residentes e dos não residentes comparável, os actos tributários impugnados e que resultaram da aplicação do que dispunha, à data dos factos, o art. 88º, nº 1, al. c), nº 3, al. b), e nº 6, do CIRC, contrariam o princípio da liberdade de circulação de capitais, consignada no art. 56º do TCE, enunciando, para o efeito, a seguinte argumentação:

«(…) nos termos do disposto nos (então) artigos 88º, nº 1, alínea c), 3, alínea b) e 6, do CIRC, o IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos rendimentos de aplicação de capitais obtidos em território português, tendo as retenções carácter definitivo quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

Já no que diz respeito às entidades residentes a percepção dos rendimentos é também acompanhada de retenção na fonte do imposto, mas, e nos termos do disposto no art. 88º, nº 3, do CIRC, a retenção assume natureza de imposto por conta e não carácter definitivo.

No caso das entidades residentes, a retenção efectuada é tida em consideração na liquidação de IRC do exercício em causa através de dedução à colecta, o que significa que se reflecte no montante a pagar a final podendo haver reembolso nos casos em que excedesse o montante da dívida total de imposto, nos termos do disposto nos artigos 83º, nº 2, alínea f), e 96º, n.ºs 2 e 3 do CIRC.

As taxas liberatórias de IRC aplicáveis a entidades não residentes, relevante para o caso dos autos, eram em de 25% em 2005, 20% em 2006, de acordo com o art. 80º do CIRC.

Quanto às entidades residentes eram objecto de uma retenção na fonte não liberatória, por força do disposto nos artigos 88º, nº 4, do CIRC.

Assim, alega a impugnante que ocorre a discriminação entre detentores de participações sociais residentes e não residentes no território português.

Com efeito, à Impugnante não foi possível aplicar o disposto no art. 14º, nº 3 do CIRC, por ser uma sociedade não residente. Com efeito, relativamente aos mesmos dividendos, se a impugnante fosse uma sociedade residente em Portugal ser-lhe-ia aplicável a dispensa de retenção prevista no art. 90º, nº 1, alínea c), do CIRC, por preencher os requisitos do art. 46º, nº 1, do CIRC, pelo que poderia também deduzir integralmente os dividendos distribuídos no apuramento do seu lucro tributável.

Assim sendo, é de concluir, tal como invoca a Impugnante, que da aplicação do regime descrito resulta efectivamente uma diferença de tratamento entre entidades detentoras de participações sociais residentes e não residentes em Portugal, sendo o tratamento dispensado às entidades residentes mais favorável. Por outro lado, é igualmente de concluir que objectivamente o único motivo do tratamento diferenciado reside no facto de uma das entidades (a que goza do regime menos favorável) não ter residência nem estabelecimento estável em Portugal.

De facto, uma sociedade accionista residente em Portugal, nas mesmas condições da impugnante, estaria isenta de tributação sobre os rendimentos em causa, nos termos do disposto nos artigos 90º, nº 1, alínea c), 46º, nº 1, 80º, nº 2, alínea c) e 88º, nº 3, alínea b), todos do CIRC.

Resulta do art. 8º, nº 4, da CRP, que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Por sua vez no art. 56º, nº 1, do TCE, actual art. 63º, nº 1, do Tratado, dispõe-se que são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

Como foi já referido esta disposição tem efeito directo e deve interpretar-se o conceito de capitais para efeitos da respectiva aplicação com grande amplitude, incluindo-se na noção de movimento de capitais, além do mais, o recebimento de dividendos de acções de sociedade com sede noutro Estado-Membro (cf. caso Verkooijen, já citado supra).

O TJUE pronunciou-se já, por mais do que uma vez, sobre a delimitação em concreto da liberdade de movimentos de capitais. (…)

Por outro lado, o TJUE aceita um tratamento diferenciado entre residentes e não residentes, mas restringindo essa admissibilidade aos casos em que ambos não se encontrem em situações objectivamente comparáveis (cf. acórdãos nos casos Futura Participations, processo C-391/97, Marks & Spencer, processo C-446/03, e Derikavit II, processo C-170/05, in http://eur-lex.europa.eu), defendendo o entendimento de que “a discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes” (cf. acórdão no caso ACT 4, processo n.º C-374/04, parágrafo 46, in http://eur-lex.europa.eu). (…)

Ora, no caso dos autos verifica-se o pressuposto da comparabilidade das situações.

Nesse sentido, veja-se o acórdão proferido no caso Denkavit II (processo nº C-170/05), onde o TJUE se pronunciou no sentido de considerar que “a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes aproxima-se da dos accionistas residentes”. (…).

Assim, há que concluir que a situação de um residente noutro Estado-Membro, sem estabelecimento estável em Portugal, que aufira rendimentos proveniente da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal, é comparável à de uma sociedade residente em Portugal que aufira esses mesmos rendimentos. Posto isto, se o tratamento fiscal na distribuição de dividendos em ambas as situações não é o mesmo, tal como sucede no caso em apreço, então verifica-se uma restrição discriminatória da liberdade de circulação de capitais, o que viola o disposto no art. 56º do TCE, não havendo no caso em apreço qualquer justificação válida para discriminação.

Com efeito, não se poderá invocar enquanto justificação a “coerência do sistema fiscal” porquanto não se vislumbra qualquer relação directa entre a isenção de retenção na fonte aplicável às sociedades residentes e qualquer tributação posterior ou anterior que se destine a compensar tal isenção. Por outro lado, também não se poderá invocar a “necessidade de repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros” na medida em que Portugal abdicou de tributar estes rendimento no que diz respeito a dividendos internos, e o por outro lado, não está em causa a necessidade de evitar qualquer comportamento abusivo ou fraudulento do contribuinte, considerando que o objectivo legal é a eliminação da dupla tributação económica. (…)

O TJUE tem defendido ainda o entendimento de que o respeito pelo Direito da União não pode depender do conteúdo de uma convenção de dupla tributação celebrada entre os dois Estados-membros (cf. acórdãos proferidos nos casos D, processo C-376/03, parágrafo 52 e Bouanich, processo C-265/94, parágrafo 46, in http://eur-lex.europa.eu) e que “os Estados-Membros são livres de fixar, no âmbito de convenções bilaterais celebradas para prevenir a dupla tributação, os factores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal. (...). Porém, há também que referir que, no que toca ao exercício do poder tributário assim repartido, os Estados-Membros não podem eximir-se ao respeito das regras comunitárias (...). Mais especificamente, esta repartição de competência fiscal não permite que os Estados-Membros introduzam uma discriminação contrária às regras comunitárias” (cf. acórdão proferido no caso Denkavit II, parágrafos 43 e 44, e, no mesmo sentido, no caso Bouanich, processo n.º C-265/94, parágrafos 49 e 50, in http://eur-lex.europa.eu).

De facto, resulta da jurisprudência do TJUE sobre as restrições previstas no artigo 58º do TCE, que, para que uma legislação fiscal como a portuguesa possa ser considerada compatível com as disposições do TCE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que se mostre verificado um dos dois requisitos alternativos: a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente, ou a diferença de tratamento se justifique por razões imperiosas de interesse geral (“rule of reason” ou regra da razoabilidade), sejam elas a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal ou evitar a diminuição de receitas fiscais, e devendo, nessa circunstância, respeitar o princípio da proporcionalidade nas suas vertentes de adequação e proibição do excesso (cf. acórdãos Verkooijen, processo C-35/98, Manninen, processo nº C-319/02 e Amurta, processo nº C-379/05, in http://eur-lex.europa.eu).

Resulta ainda da jurisprudência do TJUE que para que um Estado-Membro possa invocar a necessidade de preservar a coerência do seu sistema fiscal é necessário que exista um nexo directo entre a isenção de tributação concedida aos dividendos recebidos e o facto dessa sociedade ser residente em determinado Estado (cf. acórdãos Verkooijen, processo C-35/98, Lankhorst, processo C-324/00, e Bosal Holdings, processo C-168/01, in http://eurlex.europa.eu), sendo que “quando não existe esse nexo directo, por se tratar, por exemplo, de tributações diferentes ou do tratamento fiscal de contribuintes diferentes, o argumento de coerência do sistema fiscal não pode ser invocado” (cf. acórdão Bosal Holdings, processo C-168/01, parágrafo 30, in http://eurlex.europa.eu).

Mais afirmando, “a título liminar, importa recordar a jurisprudência constante segundo a qual a redução de receitas fiscais não constitui uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar uma medida em princípio contrária a uma liberdade fundamental” (cf. acórdão Lankhorst, processo C-324/00, parágrafo 36, e acórdão Amurta, processo nº C-379/05, in http:// eurlex.europa.eu).

Mais recentemente, o TJUE pronunciou-se uma vez mais sobre esta matéria, em sede de acção de incumprimento interposta pela Comissão das Comunidades Europeias contra o Reino de Espanha, na qual a Comissão pede que o Tribunal declare que ao dar tratamentos diferentes aos dividendos distribuídos aos accionistas residentes e aos distribuídos aos accionistas não residentes, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações resultantes do art. 56º CE e do art. 40º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. (…)

Ao que se refere ao Estado da residência da impugnante poder optar pela consagração de normas para eliminar a dupla tributação, chama-se novamente à colação o Acórdão do TJUE, de 3 de Junho de 2010 - Comissão vs. Espanha - C-487/08: (…)

Ou seja, seguindo esta jurisprudência, este argumento não é ponderoso, até porque, como já se deixou evidenciado anteriormente, a nossa legislação não sujeita a retenção na fonte à prova de que os rendimentos tributados são deduzidos no país de residência.

Verifica-se, assim, que por força do regime que lhe foi aplicado, a ora impugnante foi objecto de um tratamento menos favorável tão só pelo facto de se tratar de uma entidade não residente em Portugal, não se vislumbrando qualquer diferença objectiva ou a ocorrência de qualquer “razão imperiosa de interesse geral” no sentido que lhe é dado pela jurisprudência do TJUE supra citada que justifique tal tratamento à luz do Tratado (como é, aliás, reafirmado no acórdão proferido em 3 de Junho de 2010, no processo C-487/08, citado por último, num caso que é similar ao presente).

Donde se conclui que as liquidações de imposto impugnadas padecem de vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56º do TCE e, consequentemente, do artigo 8º, nº 4 da CRP, em conformidade com o disposto no artigo 135º do CPA, pelo que devem ser anuladas e a Administração tributária condenada a devolver o imposto indevidamente retido (cf. art. 100º da LGT).».

Insurge-se a Fazenda Pública contra o assim decidido, defendendo que os arts. 90º, nº 1, al. c), 46º nº 1, 80º, nº 2, al. c), 14º, nº 3, e 89º, nº 1, do CIRC, não são incompatíveis com o princípio da livre circulação de capitais consagrado no direito comunitário, e que, à luz do disposto no art. 4º da Directiva nº 90/435/CEE do Conselho, de 23/07, é o Estado de residência da impugnante quem isenta de tributação os rendimentos ou que os tributa e permite, nesse caso, a dedução do imposto já pago, pelo que não pode ser a legislação portuguesa a infringir o direito comunitário. Nesta medida, advoga que a sentença incorreu em erro de julgamento, violando as disposições contidas nos artigos 90º, nº 1, alínea c), 46º, nº 1, 80º, nº 2 alínea c), 14º, nº 3 e 89º, nº 1, do CIRC, a Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho, de 23/07, e os artigos 12º, 46º, 48º e 56º, do Tratado CE.

Cumpre, desde já, salientar que a Recorrente se limita a censurar o percurso seguido pelo tribunal a quo no enquadramento jurídico da matéria controvertida e na interpretação das respectivas normas, motivo por que a questão que coloca envolve exclusivamente matéria de direito.

Com efeito, a questão que importa apreciar é a de saber se a sentença errou ao julgar ilegal a retenção na fonte a título definitivo que incidiu sobre dividendos distribuídos a uma entidade não residente, sediada no Reino Unido, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação da proibição de discriminação em razão da nacionalidade e do direito de livre circulação de capitais, consagrados nos arts. 12º e 56º do Tratado de Roma, face à dispensa de retenção de que, nos termos do CIRC, beneficiava, em idênticas condições, uma entidade residente.

Vejamos.

Como se viu, estão em causa actos de retenções na fonte por distribuição de dividendos a entidade residente no Reino Unido durante os anos de 2005 e de 2006.

Antes de mais, convém esclarecer que não está em causa a apreciação da legalidade desses actos tributários à luz da aplicação de qualquer Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT), mais precisamente da CDT celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Lisboa em 27/03/1968, uma vez que essa convenção bilateral não foi accionada (porventura por falta de atempada certificação da residência através de modelo oficial), tendo os actos de retenção na fonte sido tributados de acordo com as taxas previstas no CIRC, e não segundo as taxas previstas naquela CDT. Razão por que, nem a impugnante nem a Fazenda Pública (que nos autos age em representação do Estado Português) invocam o direito convencional, nem colocam, por consequência, a questão de saber se ela permitiria neutralizar uma eventual incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais pelo tratamento diferenciado em sede de IRC entre residentes e não residentes.

Efectivamente, não tendo sido accionada a referida Convenção, não há que ir indagar se ela era susceptível de neutralizar a eventual diferença de tratamento entre residentes e não residentes, isto é, neutralizar os invocados efeitos da restrição à livre circulação de capitais. E, por conseguinte, não há que apreciar a questão que foi tratada no acórdão prolatado pelo Pleno desta Secção do STA em 9/07/2014, no proc. nº 01435/12, e que era a de saber se perante a CDT celebrada entre Portugal e os Países Baixos - no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade residente nos Países Baixos – essa CDT permitia neutralizar a incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no art. 63º do TFUE (ex-art. 56º do TCE) pelo tratamento diferenciado em sede de IRC entre residentes e não residentes.

Posto isto, vejamos resumidamente qual era, à data dos factos, o quadro legal aplicável à tributação de dividendos segundo a legislação interna portuguesa, isto é, segundo as normas unilaterais aplicadas:

i. nos termos da al. c) do nº 1 do art. 88º do CIRC, conjugada com a al. h) do nº 2 do art. 5º do CIRS, os dividendos eram considerados proveitos resultantes de rendimentos de aplicação de capitais e, nessa medida, estavam sujeitos a retenção na fonte;

ii. a lei fiscal interna dispensava de retenção na fonte a distribuição de dividendos efectuada a instituições financeiras residentes em Portugal, nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do art. 90º do CIRC (na redacção introduzida pelo DL nº 198/2001, de 3 de Julho);

iii. no ano de 2005, o pagamento de dividendos efectuado por sociedades residentes em Portugal a entidades financeiras não residentes em Portugal e domiciliadas noutros Estados Membros da UE, encontrava-se sujeito a retenção na fonte à taxa de 25%, nos termos do disposto no art. 80º, nº 2, al. c), do CIRC;

iv. no ano de 2006, na sequência da entrada em vigor do DL 192/2005, de 7.11 (que alterou a redacção da alínea c) do nº 2 do art. 80º do CIRC), o pagamento de dividendos por sociedades residentes em Portugal a entidades financeiras não residentes passou a estar sujeito a retenção na fonte à taxa de 20%;

v. no caso de pagamento de dividendos por entidades residentes a entidades financeiras não residentes, a retenção na fonte tinha carácter definitivo, nos termos do disposto no art. 88º, nº 3, al. b), do CIRC.

Deste quadro legal resulta, com meridiana clareza, que uma instituição financeira residente em Portugal, quando recebia dividendos de sociedades residentes em Portugal, estava, até 2006 (inclusive), sujeita a um regime fiscal mais favorável do que o regime aplicável a uma instituição financeira não residente em Portugal e com residência fiscal noutro Estado Membro da UE, uma vez que esta última estava sujeita a retenção na fonte com carácter definitivo à taxa de 25% (20% em 2006), enquanto a primeira se encontrava dispensada dessa retenção.

Isto é, a tributação dos dividendos assumia contornos bem diversos consoante as beneficiárias fossem ou não entidades residentes, sendo que para o efeito se tinha em conta essa exclusiva qualidade, pois o único critério para determinar se a retenção assumia a natureza de um pagamento por conta ou se constituía um pagamento definitivo era o da residência da beneficiária (ficando a partir daí automaticamente excluída a possibilidade de uma entidade não residente ser dispensada da retenção), sendo que a possibilidade de deduzir ao lucro tributável os rendimentos relativos a dividendos (art. 46º CIRC) respeitava apenas a entidades residentes, e a isenção de tributação prevista no art. 14º quanto a entidades não residentes configurava ostensivamente uma situação mais desvantajosa - seja no que toca ao valor da participação, seja no que se refere ao período de permanência da titularidade da participação.

Ora, apesar de a Recorrente não pôr em causa, neste recurso, a conclusão vertida na sentença recorrida de que a situação das entidades residentes e não residentes é comparável, continua a defender que as normas de direito interno em consideração não violam os princípios do direito comunitário que consagram a liberdade de circulação de capitais. E isto porque, na sua óptica, perante o art. 4º da Directiva nº 90/435/CEE, é o Estado da residência da entidade beneficiária dos dividendos quem decide se os isenta ou se os tributa, autorizando, neste caso, a dedução do imposto que sobre eles incidiu. Donde que, se bem entendemos, na óptica da Recorrente é ao Estado de residência da entidade beneficiária dos dividendos que incumbe assegurar a neutralidade tributária.

Ora, a jurisprudência que o TJUE tem ditado aponta exactamente no sentido oposto ao defendido pela Recorrente, como se pode ver, designadamente, através dos seguintes trechos do acórdão proferido em 20/10/2011, no processo C-284/09 (Comissão/Alemanha):

«44. Importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente, embora a fiscalidade directa seja da competência dos Estados-Membros, estes devem, no entanto, exercer essa competência com observância do direito da União (v., designadamente, acórdãos de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, C-374/04, Colect., p. I-11673, nº 36; de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05, Colect., p. I-9569, nº 16; de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, Colect., p. I-10983, nº 28; e de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, Colect., p. I-0000, nº 37).

45. Compete nomeadamente a cada Estado-Membro organizar, respeitando o direito da União, o seu sistema de tributação de lucros distribuídos e definir, nesse quadro, a matéria colectável e a taxa de tributação aplicáveis ao accionista beneficiário (v., designadamente, acórdãos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, já referido, nº 50; de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colect., p. I-11753, nº 47; de 20 de Maio de 2008, Orange European Smallcap Fund, C-194/06, Colect., p. I-3747, nº 30; e de 16 de Julho de 2009, Damseaux, C-128/08, Colect., p. I-6823, nº 25).

46. Refira-se igualmente que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização ao nível da União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartição do seu poder tributário de modo a, nomeadamente, eliminarem a dupla tributação (acórdãos de 12 de Maio de 1998, Gilly, C-336/96, Colect., p. I-2793, nº 24 e 30, e de 21 de Setembro de 1999, Saint-Gobain ZN, C-307/97, Colect., p. I-6161, nº 57; bem como os acórdãos, já referidos, Amurta, nº 17; Comissão/Itália; nº 29; e Comissão/Espanha, nº 38).

47. Como decorre, designadamente, do terceiro considerando da Directiva 90/435, esta tem por objectivo eliminar, através da instituição de um regime fiscal comum, qualquer penalização da cooperação entre as sociedades de Estados-Membros diferentes, por comparação com a cooperação entre sociedades de um mesmo Estado-Membro, e, desse modo, facilitar o agrupamento de sociedades à escala da União (acórdãos, já referidos, Test Claimants in the FII Group Litigation, nº 103; Amurta, nº 18; e Comissão/Espanha, nº 39).

48. No que respeita a participações não abrangidas pela Directiva 90/435, compete aos Estados-Membros determinar se, e em que medida, deve ser evitada a dupla tributação económica ou em cadeia dos lucros distribuídos e adoptar, para esse efeito, de modo unilateral ou através de convenções celebradas com outros Estados-Membros, mecanismos destinados a evitar ou a atenuar essa dupla tributação económica ou em cadeia. No entanto, esta situação não lhes permite aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado CE (vº acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 4; Amurta, nº 24; Comissão/Itália, nº 31; e Comissão/Espanha, nº 40).
(…)
57. Com efeito, é o mero exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56º CE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve certificar-se de que, em relação ao mecanismo previsto na sua legislação nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente àquele de que beneficiam as sociedades residentes (v. acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, nº 70; Amurta, nº 39; Comissão/Itália, nº 53; e Comissão/Espanha, nº 52).
(…)
69. Note-se ainda que a opção de tributar, no outro Estado-Membro, os rendimentos provenientes da Alemanha ou o nível a que são tributados, não depende da República Federal da Alemanha, mas das modalidades de tributação definidas pelo outro Estado-Membro (acórdão Comissão/Espanha, já referido, nº 64).

70. A República Federal da Alemanha não pode, por isso, alegar que a dedução do imposto retido na Alemanha ao imposto devido no outro Estado-Membro, em aplicação das convenções destinadas a evitar a dupla tributação, permite em todos os casos neutralizar a diferença de tratamento decorrente da aplicação do disposto na legislação fiscal nacional ou nas convenções que têm por efeito reduzir a taxa da retenção na fonte (v., igualmente, acórdãos, já referidos, Comissão/Itália, nº 39, e Comissão/Espanha, nº 64).

71. Por último, quanto ao argumento da República Federal da Alemanha, baseado no facto de que as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas noutro Estado-Membro não estão obrigadas a pagar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, ao qual estão sujeitas as sociedades beneficiárias de dividendos estabelecidas na Alemanha, basta recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um tratamento fiscal desfavorável contrário a uma liberdade fundamental não pode ser considerado compatível com o direito da União pelo facto de existirem outras vantagens, mesmo supondo que essas vantagens existam (v., neste sentido, acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkooijen, C-35/98, Colect., p. I-4071, nº 61; Amurta, já referido, nº 75; e de 1 de Julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, Colect., p.I-0000, nº 41).

72. Atendendo às considerações precedentes, deve concluir-se que a diferença de tratamento dos dividendos consoante são distribuídos a sociedades residentes ou não residentes, tal como estabelecida na legislação fiscal alemã, é susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros de efectuar investimentos na Alemanha, e pode também constituir um obstáculo à obtenção de capitais pelas sociedades residentes junto de sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros.

73. Por conseguinte, a referida legislação constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56º, nº 1, CE.». (sublinhado nosso)

O que vale por dizer que é precisamente a legislação do Estado da proveniência dos dividendos (no caso, Portugal) que deve assegurar que as entidades beneficiárias, residentes e não residentes, recebam um tratamento similar, conducente à eliminação de desvantagens desmotivadoras da movimentação transfronteiriça de capitais.

É certo que existem causas que podem, eventualmente, justificar um tratamento diferenciado, como seja a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal ou mesmo evitar o decréscimo da receita fiscal; todavia, como se deixou muito bem explicado na sentença recorrida, cuja fundamentação é profundamente elucidativa, nenhuma dessas situações ocorre no caso vertente.

Deste modo, torna-se inequívoco que, como bem se frisou na sentença, a legislação nacional trata de forma desigual a tributação dos dividendos exclusivamente com base nesse factor diferenciador da residência das beneficiárias, em claro desfavor da entidade não residente. E face às ilações que a Meritíssima Juíza retirou da matéria de facto (e que Recorrente não questiona minimamente), no sentido de que «à Impugnante não foi possível aplicar o disposto no art. 14º, nº 3 do CIRC, por ser uma sociedade não residente» e de que «relativamente aos mesmos dividendos, se a impugnante fosse uma sociedade residente em Portugal ser-lhe-ia aplicável a dispensa de retenção prevista no art. 90º, nº 1, alínea c), do CIRC, por preencher os requisitos do art. 46º, nº 1, do CIRC, pelo que poderia também deduzir integralmente os dividendos distribuídos no apuramento do seu lucro tributável», forçoso é concluir que a legislação nacional aplicada redunda numa restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo art. 56º do Tratado de Roma (actual art. 63º TFUE).

Neste contexto, e atento o incontestado primado do direito comunitário, mais não resta do que confirmar a douta sentença recorrida, cuja fundamentação não merece qualquer reparo, sendo antes de louvar pelo primor da sua argumentação jurídica, com uma correcta interpretação e aplicação do direito e da jurisprudência do TJUE sobre casos similares e vertida, nomeadamente, nos acórdãos de 08/11/2007 e 03/06/2010, nos procs. C-379/05 e C-487/08, respectivamente, e no despacho de 22/11/2010, no proc. C-199/10.

O que implica a anulação dos actos tributários impugnados, por ilegais.

Anulação que impõe à Administração Tributária o dever de reconstituição da situação jurídica hipotética que existiria caso não tivessem sido praticados tais actos. O que inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez, bem como o pagamento de juros indemnizatórios nos termos peticionados e previstos no art. 43º, nº 1, da LGT, segundo o qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Com efeito, tendo a impugnante atempadamente reclamado dos actos de retenção na fonte com fundamento em vício de violação de lei e impugnado judicialmente o acto de indeferimento tácito dessa reclamação, assiste-lhe o direito a juros indemnizatórios, contados nos termos do nº 3 do artº 61º do CPPT, tendo em conta que a Administração Tributária tem deveres genéricos de actuação em conformidade com a lei (arts. 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo ou de terceiro será imputável a culpa dos próprios serviços.

Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação de recurso.


4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 29 de Outubro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.