Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03582/11.8BEPRT
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:TAXA DE GESTÃO DE RESÍDUOS
MÉTODOS INDIRECTOS
CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Não resulta da aplicação de métodos indirectos a determinação da quantidade de resíduos geridos, constitutiva da base de incidência da taxa de gestão de resíduos (TGR), exclusivamente baseada na informação prestada pelo sujeito passivo através do Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA) (art. 58º nº 2 DL nº 178/2006, 5 de setembro na redacção do art..121º Lei nº 64-A/2008,31 dezembro; Portaria nº 851/2009,7 agosto nº4).
II - Estão sujeitos a TGR (respeitante ao ano 2010) os resíduos urbanos provenientes de ecocentros e depositados directamente em aterros, porque fora do âmbito de aplicação da norma constante do art.58º nº 11 DL nº 178/2006, 5 setembro, na redacção do art.2º Decreto-Lei nº 73/2011,17 junho.
III - O prazo fixado pelo art.3º Portaria nº 72/2010, de 4 de fevereiro não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, tão somente um prazo meramente ordenador ou disciplinar.
IV - A liquidação da TGR, na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade estabelecidos pelo art.45º LGT
Nº Convencional:JSTA000P26232
Nº do Documento:SA22020071503582/11
Data de Entrada:12/21/2018
Recorrente:SULDOURO – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS, S.A.
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1.1. Suldouro – Valorização e Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, S.A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), de reclamação graciosa contra o acto de liquidação da taxa de gestão de resíduos (TGR), respeitante ao ano de 2010, no montante de €429.269,02

A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:

A) No âmbito do presente recurso, a RECORRENTE pretende sindicar a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que considerou a presente impugnação judicial totalmente improcedente e que, em consequência, manteve na ordem jurídica o ato - impugnado - de liquidação definitiva da Taxa de Gestão de Resíduos («TGR») referente ao ano de 2010.
B) A RECORRENTE sustentou, na petição inicial apresentada, a ilegalidade do ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, peticionando a sua anulação em razão de o mesmo constituir um ato de aplicação de norma ilegal (a Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, aprovada ao abrigo do n.º 3 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro), i.e., de norma regulamentar que: (i) contende com a disciplina fixada na lei exequenda; (ii) é estruturalmente desconforme com o regime jurídico da TGR instituído pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, e com os artigos 81.° e seguintes da Lei Geral Tributária; e que (iii) viola o princípio da legalidade, regulado no artigo 103.°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
C) Mais concretamente, a RECORRENTE demonstrou detalhadamente que: i. A portaria prevista no n.º 3 do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, subsume-se no conceito de regulamento de execução;
ii. Nesta medida, a Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto não podia conter soluções ablativas ou modificativas, relativamente aos princípios consagrados no artigo 58.°, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro (a lei exequenda);
iii. Porém, o legislador da Portaria nº 851/2009, de 7 de agosto, não se limitou a complementar ou a desenvolver o disposto no artigo 58.°, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro;
iv. Com efeito, como resulta claro da análise efetuada, o regime consagrado da mencionada portaria contende com a - é antinómico à - disciplina jurídica fixada na lei habilitante;
v. A circunstância das regras respeitantes à liquidação, pagamento e repercussão se encontrarem definidas num regulamento autónomo - a Portaria n.º 7212010, de 4 de fevereiro - não infirma a conclusão alcançada: ainda que se proceda a uma análise conjugada dos referidos regulamentos, sobressai, em qualquer caso, a identificada antinomia;
vi. A ilegalidade da Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, resulta, ainda, da violação do princípio da legalidade, regulado no artigo 103.°, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
D) Em face do exposto, a RECORRENTE concluiu que o ato de liquidação impugnado padece do vício de ilegalidade abstrata, por ter sido praticado, na parte correspondente aos agravamentos previstos no n.º 3 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, com fundamento em normas regulamentares ilegais.
E) Porém, o Tribunal a quo considerou o indicado vício improcedente, sustentando-se, para o efeito, na consideração de que é inquestionável que o apuramento da matéria tributável é feito de modo direto, com recurso às informações prestadas pelas entidades de gestão de resíduos cuja informação é verificada pela APA, e que, em consequência, a liquidação não constitui um ato de aplicação de norma ilegal (a Portaria n.º 851/2009 de 07/08 aprovada ao abrigo do n.º 3 do art.º 58.º do D.L. n.º 178/2006 de 05/09), pois não contende com a disciplina fixada no D.L. n.º 178/2006 de 05/09, com os artigos 81.º e seguintes da LGT, nem com o princípio da legalidade, regulado no art.º 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP.
F) Sucede, contudo, que a forma de apuramento e de comunicação dos elementos que permitem determinar a matéria coletável das taxas agravadas da TCR é irrelevante para avaliar a sua (des)conformidade com o artigo 58.°, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, já que, não obstante tais elementos deverem ser calculados e declarados pela RECORRENTE, o certo é que os mesmos não deixam de consubstanciar o resultado de um procedimento de amostragem e de estimativa que (i) abrange resíduos recicláveis de impossível valorização e (ii) assenta em critérios meramente estatísticos.
G) De facto, a inclusão de resíduos recicláveis de impossível valorização no âmbito de aplicação das taxas agravadas da TCR não pode deixar de ser desconforme com o regime consagrado no artigo 58.°, n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, já que o agravamento de taxas aí previsto visa somente desincentivar a eliminação de resíduos que ainda se revelem suscetíveis de valorização (vício que o Tribunal a quo desconsiderou liminarmente sem qualquer consideração adicional).
H. Por outro lado, os princípios estruturantes da TGR consagrados no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, impõem que a identificação e a quantificação dos resíduos sujeitos às taxas agravadas sejam realizadas de forma rigorosa (mediante critérios técnicos objetivos) e direta (através da efetiva pesagem dos resíduos eliminados), objetivos que não são minimamente acautelados pelo procedimento de amostragem e de estimativa implementado pela Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto.
I) Ora, nenhum dos referidos vícios é eliminado (ou, sequer, mitigado) pela circunstância de o resultado de um tal procedimento de amostragem dever ser apurado e declarado pelo próprio sujeito passivo (in casu, pela RECORRENTE) ou, ao invés, determinado pela APA ou por terceiros, o que significa que a Sentença recorrida incorreu, neste domínio, em erro de julgamento. Perante o que antecede, impõe-se concluir que a Sentença recorrida assentou em erro de julgamento na análise da «Violação dos arts. 58.º, n.º 3 do D.L. n.º 178/2006 de 05/09, 81.º e seguintes da LGT e art.º 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP», devendo, em consequência, ser revogada, com as demais consequências legais.
J) Por seu turno, a RECORRENTE invocou, na petição inicial apresentada, a ilegalidade do ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, peticionando a sua anulação em razão de o mesmo violar o princípio do poluidor-pagador (na parte em que o ato impugnado compreende a liquidação da TGR relativa ao primeiro trimestre de 2010, resultante da aplicação das taxas agravadas previstas no citado n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro).
K) Com efeito, a Portaria n.º 851/2009, de 7 de agosto, investiu as entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos na faculdade de, somente ou em momento próximo do dia 31 de março de 2010, apurar, pela primeira vez, a percentagem de resíduos recicláveis aplicável - para os efeitos tributários vertentes - à globalidade dos resíduos sujeitos, anualmente, a eliminação (incluindo a deposição em aterro). Ora, o exercício da referida faculdade implicou que, no período compreendido entre o dia 1 de janeiro e, sensivelmente, o final do mês de março de 2010, as entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos não dispusessem (como, especificamente, sucedeu no caso da RECORRENTE), legitimamente, dos elementos necessários - rectius, da percentagem de resíduos recicláveis - para proceder ao cumprimento da sua obrigação de repercutir, nas tarifas e prestações financeiras cobradas pela eliminação de resíduos, a TGR relativa aos resíduos correspondentes à fração caracterizada como reciclável
L) Evidenciada a impossibilidade de a RECORRENTE cumprir a sua obrigação de repercutir, nos contribuintes de iure, os valores agravados da TGR relativamente aos factos tributários ocorridos no primeiro trimestre de 2010, concluiu-se que o ato de liquidação objeto da presente impugnação judicial viola, nesta parte, o princípio do poluidor-pagador.
M) Em face do apontado vício, o Tribunal a quo observou na Sentença recorrida que «(...) desde Agosto de 2009 que a impugnante tinha a obrigação de saber que vigorava o agravamento da TGR em 50%) para a fração caracterizada como reciclável dos resíduos colocados em aterro e que essa caracterização deveria ser remetida ao MAMAOT até 31/03 do ano seguinte àquele a que os dados respeitem», e que «( ... ) em 2009 era exigível a realização de um único período de amostragem, pelo que podia a Impugnante cumprir tal obrigação e repercutir o agravamento junto dos seus clientes ou, pelo menos, posteriormente por via de acerto de contas. Ante o exposto, improcede a alegação da Impugnante como causa invalidante da liquidação impugnada».
N) Todavia, impõe-se à RECORRENTE observar que, contrariamente ao que parece entender o Tribunal a quo, o conhecimento antecipado do agravamento da TGR não permitia à RECORRENTE adotar qualquer procedimento tendente à repercussão daquela taxa. Com efeito, a repercussão da TGR (quanto à componente que aqui se discute) pressupõe a efetiva existência da obrigação tributária repercutida, a qual só se consolidou a partir de abril de 2010, atendendo a que apenas neste momento foi possível quantificar, pela primeira vez, a matéria coletável das taxas agravadas da TGR. Nesta medida, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, devendo, por essa razão, ser revogada a Sentença recorrida, com as demais consequências legais.
O) Adicionalmente, a RECORRENTE sustentou a ilegalidade do ato de liquidação impugnado na parte respeitante à TGR incidente sobre a deposição em aterro de refugos ou rejeitados provenientes de ecocentros.
P) Conforme referido inicialmente na p.i. de impugnação judicial, os ecocentros consubstanciam, em particular, centros de deposição gratuita de resíduos, de gestão municipal, aos quais os munícipes podem recorrer para depositar resíduos urbanos com vista à sua posterior separação (triagem). Com efeito, os resíduos urbanos depositados pelos munícipes nos ecocentros são sujeitos a uma triagem com o objetivo de separar os resíduos valorizáveis (os quais são encaminhados pelos respetivos serviços municipais para os devidos processos de valorização) dos resíduos não valorizáveis (sendo estes últimos, atenta a insusceptibilidade da sua valorização, posteriormente encaminhados para incineração, co-incineração ou aterro, consoante os casos).
Q) Ora, os resíduos urbanos que, após realização da devida triagem por parte dos respetivos serviços municipais, fossem qualificados como não valorizáveis e, nessa medida, canalizados (v.g., para a ora RECORRENTE) para incineração, co-incineração ou aterro, vinham sendo considerados pela APA como assumindo a natureza de refugos ou de rejeitados provenientes de unidades de valorização de resíduos, aos quais não seria aplicável, nesta fase do processo de eliminação, a TGR.
R) Neste domínio, porém, o Tribunal a quo sublinhou que, «[S]egundo a Impugnante, a APA emitiu, em Julho de 2010, certidão segundo a qual considerou que a liquidação da TGR relativamente aos refugos e rejeitados provenientes de unidades de valorização de resíduos, quando depositados em aterro, ficaria a aguardar melhor entendimento neste contexto, pelo que uma posição assumida pela APA de aguardar "melhor entendimento" relativamente aos refugos e rejeitados provenientes de unidades de valorização de resíduos, quando depositados em aterro, não pode servir para sustentar a ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos, sendo que a Impugnante nem sequer elenca as normas jurídicas que entende violadas», travejando esta conclusão, em termos definitivos, com a seguinte observação: «Acresce que o n.º 11 do art.º 58.º do D.L. n.º 178/2006 de 05/10 (na redação dada pelo D.L. n.º 73/2011 de 17/06) veio dispor que a taxa de gestão de resíduos aplicável aos refugos e rejeitados abrangidos pelas alíneas a) e b) do n.º 2 apenas é devida a partir de 1 de Janeiro de 2012 e incide sobre os quantitativos de refugos e rejeitados, depositados em aterros, incinerados ou co-incinerados, superiores a: a) 25 % do total de resíduos tratados nas unidades de valorização orgânica; b) 30 % do total de resíduos tratados nas unidades de triagem. Assim, a TGR aplicável aos refugos e rejeitados abrange as situações previstas alíneas a) e b) do n.º 2, ou seja, resíduos geridos em instalações de incineração ou de co-incineração e resíduos urbanos depositados em aterro, o que não é notoriamente o caso dos ecocentros. Ante o exposto, improcede a alegação da Impugnante como causa invalidante da liquidação impugnada».
S) Sucede, contudo, que a referida conclusão do Tribunal a quo assenta em erro de julgamento.
Desde logo, na medida em que parece resultar da alteração legislativa identificada pelo Tribunal a quo (i.e., a promovida ao n.º 11 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho), a aguardada tomada de posição definitiva da APA sobre a tributação incidente sobre os denominados refugos e rejeitados.
T) Com efeito, a nova redação conferida ao indicado n.º 11 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, vem esclarecer que os refugos e rejeitados depositados em aterro, incinerados ou co-incinerados, encontrar-se-ão sujeitos a tributação, apenas (na expressão utilizada pelo legislador), a partir de 1 de janeiro de 2012, e, bem assim, somente quando sejam em quantidade superior a 25 % do total de resíduos tratados nas unidades de valorização orgânica ou a 30 % do total de resíduos tratados nas unidades de triagem.
U) Ora, tendo em consideração que a lei só dispõe para o futuro (cf artigo 12.°, n.º 1, do Código Civil), a utilização do advérbio apenas antes da fixação do dies a quo da aplicação da lei nova assume um caráter pleonástico e, nessa medida, desnecessário. Neste contexto, admite-se que o advérbio apenas tenha sido utilizado, não para reforçar a dimensão temporal de aplicação da lei nova, mas para consolidar o caráter inovador da solução legislativa entretanto consagrada (a qual veio inverter a posição que vinha sendo admitida pela APA).
V) Por seu turno, verifica-se que, contrariamente ao que afirma o Tribunal a quo, os refugos e rejeitados abrangidos pelo regime inovadoramente previsto no n.º 11 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, correspondem àqueles que se discutem nos presentes autos, atendendo a que: (i) resultam de resíduos urbanos e equiparados (tal como mencionados na alínea b) do n.º 2 do mesmo preceito legal) que (ii) tenham sido tratados nas unidades de triagem (enquadrando-se nestas últimas, como será curial admitir, os ecocentros de gestão municipal) e que, depois de triados, (iii) tenham sido canalizados (já na qualidade de refugos ou rejeitados insuscetíveis de valorização) para eliminação através de depósito em aterro (fase em que ocorreu a intervenção da ora RECORRENTE).
W) Permite-se concluir, portanto, que, nos termos da redação conferida ao n.º 11 do artigo 58.° do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro, a TGR incidente sobre os refugos e rejeitados resultantes de resíduos urbanos tratados nas unidades de triagem (ecocentros) e posteriormente depositados em aterro apenas é devida a partir de 1 de janeiro de 2012, circunstância que confirma, sem mais, a sua não sujeição a tributação até esse momento e, em consequência, a impossibilidade da inclusão de tais refugos e rejeitados na base de incidência da TGR devida pela RECORRENTE por referência ao ano de 2010.
X) Adicionalmente, sublinha-se que os requisitos quantitativos prescritos para a tributação de tais refugos e rejeitados a partir de 2012 (i.e., a circunstância de a sua quantidade dever ser superior a 25 % do total de resíduos tratados nas unidades de valorização orgânica ou a 30 % do total de resíduos tratados nas unidades de triagem) apenas vêm confirmar, se necessário fosse, que os refugos sob apreciação não poderiam concorrer, qua tale, para o apuramento da TGR devida pela RECORRENTE por referência ao ano de 2010.
Y) Significa o que antecede, em suma, que não obstante tais refugos terem sido registados (declarados) no formulário A.1 do Mapa de Registo de Resíduos Urbanos por parte da RECORRENTE, a APA tinha o dever de promover a liquidação da TGR referente ao ano de 2010 (ou a sua posterior correção] desconsiderando tais refugos (na quantidade de 1.693,32 toneladas), conforme oportunamente peticionado pela RECORRENTE. Não o tendo feito, o ato de liquidação impugnado é, na parte correspondente, ilegal, pelo que, tendo o mesmo sido mantido na ordem jurídica pelo Tribunal a quo, deve a Sentença recorrida ser revogada, com as demais consequências legais.
Z) Finalmente, a RECORRENTE invocou que o legislador sujeitou a prática do ato de liquidação da TGR a um prazo especial de caducidade, e que, consequentemente, a liquidação da TGR relativa ao ano de 2010 - ora impugnada -, tendo sido notificada à RECORRENTE, somente, no dia 17 de maio de 2011, concretizou o exercício, por parte da APA, de um direito à liquidação já caducado no pretérito dia 16 de maio de 2011, padecendo, por esse motivo, do vício de violação de lei.
AA) Apreciando o apontado vício, o Tribunal a quo observou, essencialmente, que «Sobre esta temática já se pronunciou o STA, em 06/12/2017, proc. n.º 0171/16 segundo o qual "ainda que as partes se encontrem de acordo quanto ao prazo de caducidade a aplicar à situação sub judice, o tribunal não fica vinculado por esse acordo e, por isso, dispensado de indagar qual o regime legal aplicável, pois o tribunal não está vinculado pela alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr, art.5.º, n.º3, do CPC). II - O prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, mas tão-só um prazo meramente ordenador ou disciplinar. III - A liquidação da TGR, na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade fixados pelo art. 45.º da LGT".».
BB) Ora, a RECORRENTE não desconhece que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a qualificar vários prazos estabelecidos para a prática e notificação de atos tributários de liquidação como sendo meramente ordenadores e não, pelo contrário, como sendo de caducidade (além do Acórdão invocado na Sentença recorrida, cf., inter alia, Acórdãos deste mesmo Supremo Tribunal, proferidos nos processos n.º 0442/15 e 01842/13). Contudo, dos referidos arestos não se permite inferir um critério decisivo ao qual seja possível recorrer para, de forma objetiva e transversal, sindicar os efeitos ordenadores ou de caducidade que deverão ser atribuídos aos prazos fixados para o exercício de determinado direito à liquidação.
CC) Um tal critério sobressai, porém, na opinião da RECORRENTE, do que se dispõe no artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil, onde a lei recorta a caducidade em torno da titularidade de um direito cujo exercício é temporalmente condicionado. A RECORRENTE propõe, assim, que a referida jurisprudência seja reequacionada à luz do critério (objetivo e transversal) consagrado no referido preceito legal, nos termos que aprofundará de seguida.
DD) O artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil, estabelece que «Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição». A caducidade é, assim, linearmente definida pelo legislador como o prazo disponível para o exercício de um determinado direito. Neste sentido, «Como forma extintiva dos direitos, a caducidade opera quando o direito não é exercido dentro de um dado prazo fixado por lei ou convenção» (cf ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 4.ª edição, Almedina, p. 179).
EE) Perante o que antecede, a caducidade perfila-se como um ónus que impende sobre o titular de um direito (constitui um ónus o «Comportamento necessário para o exercício de um direito», cf. ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 4.ª edição, Almedina, p. 831), já que o exercício de um tal direito dentro do prazo prescrito para o efeito constituirá, ipso iure, uma condição da sua validade.
FF) Em sintonia com a apontada característica da caducidade (i.e., a de condicionar temporalmente o exercício de um direito), a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo que a justificação do instituto da caducidade reside, precisamente, na «necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos» (cf CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 376), ou seja, que «a caducidade não tem por fundamento primeiro a proteção do sujeito passivo mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos» (cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-10-2015, proferido no processo n.º 273/13.9YHLSB.L1.S1).
GG) Prosseguindo, por seu turno, com o contraponto - reclamado pela análise em curso - entre os prazos de caducidade e os prazos de mera ordenação, sublinha-se que os prazos ordenadores, indicativos ou disciplinares têm vindo a ser recortados da seguinte forma: «(...) são meramente ordenadores, indicativos ou disciplinares, [os prazos] destinados a delimitar ou regular a tramitação procedimental, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respetivos atos, nem acarreta a nulidade do processo, não gerando, só por si, ilegalidade passível de afetar o ato punitivo, podendo apenas implicar efeitos disciplinares para o instrutor que os não tenha respeitado» (cf Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08-10-2003, proferido no processo n.º 01662/02).
HH) Em termos genéricos, verifica-se que os prazos ordenadores serão aqueles que, a título principal, visam regular temporalmente o cumprimento de determinados deveres procedimentais/processuais. O incumprimento destes prazos não acarreta, porém, a extinção do respetivo dever (nem, tão-pouco, a extinção do direito de ação de terceiro, cujo exercício terá motivado a instauração do respetivo procedimento ou processo), tendo como consequência, apenas, a possibilidade de aplicação de uma sanção disciplinar à entidade inadimplente (circunstância da qual sobressai a natureza meramente ordenadora ou disciplinar destes prazos).
II) Decorre do que antecede, por conseguinte, que a característica essencial dos prazos meramente ordenadores ou disciplinares é a de visarem incentivar o cumprimento de deveres por parte de entidades que a eles se encontrem sujeitos, encontrando justificação no objetivo de assegurar a celeridade na respetiva tramitação procedimental/processual.
JJ) Perfila-se, assim, de forma objetiva, linear e transversal, a diferença entre os prazos de caducidade e os prazos meramente ordenadores: os primeiros regulam (condicionam) o exercício de direitos por motivos de segurança jurídica; os segundos regulam (incentivam) o cumprimento de deveres por razões de celeridade procedimental/processual. Por outras palavras, sempre que a limitação temporal (i.e., o prazo estabelecido) tenha por objeto o exercício de um direito, estar-se-á perante um prazo de caducidade (salvo se a lei o qualificar expressamente como sendo de prescrição - cf. artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil); pelo contrário, sempre que a limitação temporal parametrize, não o período disponível para o exercício de um direito, mas antes para o cumprimento de um dever, tratar-se-á de um prazo meramente ordenador ou disciplinar.
KK) Isto visto, resta transpor as conclusões fixadas para o caso concreto. Ora, o artigo 3.° da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, estabelece que, Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a APA procede à liquidação definitiva da taxa de gestão de resíduos e notificação dos sujeitos passivos, por via eletrónica, até ao dia 15 de Maio do ano seguinte, depois de verificada a informação anual por eles prestada e feitos os acertos de contas que se revelem necessários (o destacado é da RECORRENTE). De uma interpretação útil da citada norma legal permite-se inferir, singelamente, que o exercício do direito à liquidação da TGR por parte da APA, quando fundamentado nos elementos declarados pelo respetivo sujeito passivo (in casu, a RECORRENTE), deverá ocorrer - sob pena da sua preclusão - até ao dia 15 de maio do ano seguinte àquele a que respeita a TGR.
LL) Por outras palavras: o legislador sujeitou o exercício do respetivo direito à liquidação da TGR - quando o correspondente ato de liquidação se deva fundamentar nos elementos regularmente declarados pelo sujeito passivo - ao cumprimento de um ónus temporal por parte da entidade titular do respetivo direito, estipulando que o mesmo deverá ser exercido (e o correspondente ato de liquidação praticado e notificado) até ao dia 15 de maio do ano seguinte.
MM) Trata-se, assim, de uma limitação temporal imposta à APA na sua qualidade de entidade titular do direito à liquidação da TGR, a qual encontra particular justificação na necessidade de certeza jurídica decorrente da imposição legal de repercussão da TGR - tal como expressamente consagrada no artigo 7.° da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro -, na medida em que visa assegurar que a RECORRENTE se encontra em condições de promover a efetiva repercussão do montante da TGR liquidada sem um acentuado desfasamento temporal entre o momento da ocorrência dos factos geradores da TGR a repercutir e a sua efetiva repercussão (desfasamento que, a existir, colocaria em causa a identidade subjetiva entre o agente produtor dos resíduos geradores da TGR a repercutir e o agente concretamente repercutido, violando, por esse motivo, o princípio comunitário do poluidor-pagador).
NN) Perante o que antecede, impõe-se concluir que o prazo fixado pelo artigo 3.° da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, consubstancia um efetivo prazo (especial) de caducidade à luz do critério estabelecido no artigo 298.°, n.º 2, do Código Civil. Por conseguinte, tendo o ato de liquidação da TGR relativa ao ano de 2010 - ora impugnado - sido notificado à RECORRENTE, somente, no dia 17 de maio de 2011, impõe-se concluir que o mesmo concretizou o exercício, por parte da APA, de um direito à liquidação já caducado no pretérito dia 16 de maio de 2011, padecendo, por esse motivo, do vício de violação de lei e impondo-se, em conformidade, a revogação da Sentença recorrida, com as demais consequências legais.
OO) Sem prejuízo do que fica exposto, o Supremo Tribunal Administrativo refere ainda, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0171/16 (invocado na Sentença recorrida), que «( ... ) se, embora com dúvidas, se pode entender que, após a revisão constitucional de 1997, nada obsta à criação de taxas por decreto-lei, desde que devidamente autorizada, já se nos afigura dificilmente sustentável que a fixação do regime da caducidade da respetiva liquidação possa ser remetida para portaria».
PP) Ora, a propósito deste argumento adicional, impõe-se à RECORRENTE observar que a Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, regula não só o regime da caducidade do direito à liquidação da TGR, como, bem assim, o próprio regime de liquidação que a APA deve observar para o apuramento e a exigência deste tributo aos respetivos sujeitos passivos.
QQ) Quer isto dizer, por conseguinte, que se o presente Supremo Tribunal entender que o regime da caducidade do direito à liquidação da TGR não poderia ter sido criado pela Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro, por tal circunstância acarretar a violação da reserva relativa de lei consagrada no artigo 165.°, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, idêntica conclusão deverá, por identidade de razões, retirar quanto ao regime de liquidação daquele mesmo tributo. Com efeito, como se refere no citado aresto, «Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa (CRP), de modo expresso, concretiza que, tal como a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes são determinados pela lei (art. 103.°, n.º 2). E o art. 8.° da LGT, depois de no seu n.º 1 fazer eco daquela norma constitucional, na alínea a) do seu n.º 2 dispõe: «Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade; [ ...] ».
RR) Por conseguinte, considerando VV. Excelências, à semelhança do que sucedeu no referido Acórdão, que se «afigura dificilmente sustentável que a fixação do regime da caducidade da respetiva liquidação possa ser remetida para portaria», deverão concluir, de forma consequente, pela ilegalidade abstrata do ato de liquidação impugnado, por resultar da aplicação de normas (i.e., as que regulam o procedimento de liquidação da TGR, tal como vertido na Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro) que violam igualmente o disposto no artigo 165.°, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE,
REQUER A VV. EXCELÊNCIAS SE DIGNEM CONSIDERAR O PRESENTE RECURSO PROCEDENTE, POR PROVADO E FUNDADO, PROMOVENDO A REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, CONFORME INICIALMENTE PETICIONADO, ANULAR O ATO DE LIQUIDAÇÃO DEFINITIVA DA TAXA DE GESTÃO DE RESÍDUOS RELATIVA AO ANO DE 2010, POR CADUCIDADE DO RESPETIVO DIREITO À LIQUIDAÇÃO,
OU, SUBSIDIARIAM ENTE, E POR ESSA ORDEM, ANULAR O INDICADO ATO NA PARTE:
A) EM QUE REFLETE A LIQUIDAÇÃO DA TGR COM FUNDAMENTO NA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 3 DO ARTIGO 58.º DO DECRETO-LEI N.º 178/2006, DE 5 DE SETEMBRO; OU
B) EM QUE COMPREENDE A LIQUIDAÇÃO DA TGR COM FUNDAMENTO NA APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 3 DO ARTIGO 58.º DO DECRETO-LEI N.º 178/2006, DE 5 DE SETEMBRO, CIRCUNSCRITA AOS FACTOS VERIFICADOS NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE O DIA 1 DE JANEIRO DE 2010 E O DIA 31 DE MARÇO DE 2010 E EM QUE REFLETE A LIQUIDAÇÃO DA TGR DOS RESÍDUOS PROVENIENTES DOS ECOCENTROS.


1.2. A recorrida apresentou contra-alegações que sintetizou com as seguintes conclusões:
a) Vem a Recorrente invocar erro de julgamento, repetindo os três fundamentos apresentados em sede de impugnação, pelos quais considerava que o ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, na parte correspondente aos agravamentos previstos no n.º 3 do artigo 58º do RGGR, era ilegal. Vejamos,
b) Quanto à (alegada) ilegalidade da Portaria 851/2009, de 07/08, e da consequente ilegalidade abstrata do ato impugnado, entende a Recorrente que os vícios que invocou não são eliminados "pela circunstância de o resultado de tal procedimento de amostragem dever ser apurado e declarado pelo próprio sujeito passivo (in casu, pela recorrente) ou, ao invés, determinado pela APA ou por terceiros", consequentemente, imputa à sentença erro de julgamento na análise da violação do artigo 58º, n.º 3 do Regime Geral de Gestão de Resíduos (DL 178/2006, de 05/09), artigo 81º da Lei Geral Tributário (LGT) e artigo 103º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
c) Contrariamente ao mencionado pela Recorrente (alínea F) das conclusões e artigo 86º das suas Alegações), o que a sentença a quo considerou relevante não foi a forma de apuramento e de comunicação dos elementos que permitem determinar a matéria coletável das taxas agravadas da TGR.
d) Mas sim o conteúdo do que é comunicado pelo operador no MRRU.
e) Porquanto, refere a douta sentença nas páginas 12 e 13:
"Nos termos do art.º 49º do D.L. n.º 178/2006, o SIRER agrega, nomeadamente, a seguinte informação prestada pelas entidades sujeitas a registo:
Origens discriminadas dos resíduos;
Quantidade, classificação e destino discriminados dos resíduos; Identificação dos transportadores.
( .. .)
A informação relativa à caracterização dos resíduos urbanos, incluindo a sua composição física e os respectivos quantitativos, é repastada pelas entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos até 31 de Março do ano seguinte àquele a que os dados respeitam, através do Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA). (cf 4º [da Portaria n.º 851/2009, de 07/08]).”
f) Motivo pelo que concluiu a douta sentença (cfr. pg. 14) que "o apuramento da matéria tributável é feito de modo directo, com recurso às informações prestadas pelas entidades de gestão de resíduos cuja informação é verificada pela APA podendo esta proceder a acertos e não com base em quaisquer indícios ou presunções".
g) De referir que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, a douta sentença debruça-se ainda sobre o procedimento de amostragem e de estimativa (se inclui resíduos recicláveis de impossível valorização e se assenta em critérios meramente estatísticos) mencionando que o método de amostragem foi definido no Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU II) aprovado pela Portaria n.º 187/2007, de 12/02.
h) Concluindo e bem a douta sentença que a liquidação não constituiu um ato de aplicação de norma ilegal (a Portaria 851/2009), não contendendo com a disciplina fixada no DL 178/2006, 81º da LGT nem com o artigo 103º da CRP.
i) Quanto à (alegada) violação do princípio do poluidor-pagador, reitera a Recorrente que no 1º trimestre de 2010 não dispunham dos elementos necessários (% dos resíduos recicláveis) para efetuar a repercussão, o que determinaria a ilegalidade do ato de liquidação definitiva da TGR referente ao ano de 2010, em razão de o mesmo violar o princípio do poluidor-pagador.
j) Invocando que "contrariamente ao que parece entender o Tribunal a quo, o conhecimento antecipado do agravamento da TGR não permitia à Recorrente adotar qualquer procedimento tendente a repercussão daquela taxa. Com efeito, a repercussão da TGR ( ... ) pressupõe a efetiva existência da obrigação tributária repercutida, a qual só se consolidou a partir de abril de 2010, atendendo a que apenas nesse momento foi possível quantificar, pela primeira vez, a matéria colectável das taxas agravadas da TGR."
k) Sucede que, a sentença refere ainda o seguinte "ou, pelo menos, posteriormente por via de acerto de contas", motivo pelo que, encontra-se bem fundamentado na sentença o motivo pelo qual a liquidação não violou o princípio do poluidor-pagador.
I) Quanto à (alegada) aplicação ilegal da TGR à deposição dos resíduos provenientes dos ecocentros, vem a Recorrente deturpar o sentido pelo qual a douta sentença invocou o n.º 11 do artigo 58º do DL n.º 178/2006, de 05/10, na redação que lhe foi dada pelo DL 73/2011, de 17/06.
m) O n.º 11 do artigo 58º foi apenas chamado à colação no intuito de distinguir o que é distinto.
n) Porquanto, é entendimento da recorrente que a TGR não deveria incidir sobre refugos/rejeitados de triagem, central de valorização orgânica e eco pontos.
o) Sucede que, conforme explanado em sede de Contestação pela Impugnada, os ecocentros não são, como a Impugnante pretende fazer crer, unidades de valorização de resíduos, mas antes, locais de armazenamento temporário de resíduos urbanos, devidamente licenciados, onde os municípios entregam os referidos resíduos.
p) Apenas estão autorizados a realizar a armazenagem temporária.
q) Os resíduos entregues nos ecocentros, tal como os resíduos colocados nos eco pontos, têm de ser objeto de operações de gestão de resíduos subsequentes para poder ser considerados refugos ou rejeitados.
r) Motivo pelo que, aos resíduos provenientes dos ecocentros não lhes é aplicável a circular da MAMAOT - APA de julho de 2010.
s) Para sustentar tal interpretação é que a douta sentença invoca o n.º 11 do artigo 58º do RGGR (redação dada pelo DL 73/2011), que explicitamente menciona que os refugos e rejeitados provêm:
• Das unidades de valorização orgânica e
• Das unidades de triagem.
t) Ou seja, dos ecocentros não provêm refugos nem rejeitados, provêm resíduos indiferenciados.
u) Os ecocentros não são unidades de valorização.
v) Motivo pelo que, conclui, e bem, a douta sentença que, a circular da MAMAOT - APA de julho de 2010, "não pode servir para sustentar a ilegalidade da liquidação em causa nos presentes autos, sendo que a Impugnante nem sequer elenca as normas jurídicas que entende violadas" (cfr. pg. 18).
w) Concluindo ainda, relativamente à definição de refugos e rejeitados que "não é notoriamente o caso dos ecocentros" (cfr. pg. 18 da sentença).
x) Não assistindo assim razão à Recorrente.
y) Quanto à (alegada) ilegalidade da liquidação da taxa de gestão de resíduos por caducidade do direito à liquidação, vem a Recorrente, no artigo 128º das suas alegações, citar vários acórdãos que concluem ser meramente indicativo, ordenador ou disciplinar, o prazo destinado a balizar ou regular a tramitação procedimental.
z) Ora, embora a Recorrente assim não conclua, veja-se que é precisamente o caso do prazo previsto no artigo 3º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de fevereiro.
aa) Porquanto, a TGR é liquidada com base na informação prestada pelos sujeitos passivos no âmbito do SIRER/SIRAPA (artigo 1º da Portaria 72/2010).
bb) Sendo que, o sujeito passivo regista a quantidade de resíduos geridos até 31 de março do ano seguinte (artigo 2º da Portaria 72/2010).
cc) E, a APA procede à liquidação definitiva da TGR até ao dia 15 de maio (artigo 3º da Portaria 72/2010).
dd) Ora, entre 31 de março e 15 de maio dista 1 mês e meio.
ee) No qual a APA, IP tem de liquidar e notificar todos os sujeitos passivos de TGR.
ff) Este mês e meio é precisamente um prazo meramente indicativo. ordenador ou disciplinar. destinado a balizar ou regular a tramitação procedimental.
gg) O prazo de caducidade é o definido no artigo 45º da Lei Geral Tributária, de quatro anos.
hh) O Acórdão do STA de 06/12/2017, proferido no Processo n.º 0171/16, mencionado na sentença e que resolve a questão suscitada pela recorrente, refere no sumário precisamente que:
"II - O prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, mas tão-só um prazo meramente ordenador ou disciplinar.
III - A liquidação da TGR, na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade fixados pelo art. 45.º da LGT."
ii) Não satisfeita, a Recorrente cita um excerto do mencionado Acórdão do STA para concluir que se a fixação de regras de caducidade não pode ser efetuada por portaria, sob pena de violação da reserva de lei, igual conclusão se deve retirar quanto ao regime de liquidação, o qual não deveria constar na Portaria n.º 72/2010.
jj) Sucede que, o próprio Acórdão do STA de 06/12/2017, proferido no Processo n.º 0171/16, conclui de forma distinta da Recorrente, referindo que:
"Seja como for, a nosso ver, o n.º 6 do art. 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, na redacção aplicável (que é a que lhe foi dada pela Lei n.º 64- A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009)) - que diz: «A liquidação e o pagamento da taxa de gestão de resíduos são disciplinados por portaria do ministro responsável pela área do ambiente» - limitou-se a relegar para a portaria do ministro responsável pela área do ambiente a disciplina dos procedimentos de liquidação e pagamento da TGR.
kk) Procedimentos estes não abrangidos pela reserva de lei.
II) Saliente-se que a questão encontra-se hoje dilucidada pela Portaria n.º 278/2015, de 11 e setembro, que revogou a Portaria n.º 72/2010, de 04/02, que expressamente refere no artigo 6º o seguinte:
"Artigo 6º
Liquidação definitiva
A APA, IP, verifica a informação anual prestada pelos sujeitos passivos e procede à liquidação definitiva da TGR, notificando-os até 30 de junho do ano seguinte, por via eletrônica, sem prejuízo do prazo de caducidade previsto na lei geral tributária e do disposto nos artigos seguintes." (sublinhado e negrito nossos).
TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

1.3.O Ministério Público suscitou a questão da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo, em razão da hierarquia, para o conhecimento do mérito do recurso, alegando que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito, sendo competente para o seu conhecimento o Tribunal Central Administrativo Norte (art.280º nº1 CPPT) (processo electrónico p.351).

1.4. No exercício do direito de audição a recorrente pronunciou-se no sentido da competência do Supremo Tribunal Administrativo para o conhecimento do mérito do recurso, sustentando que não pretendeu impugnar a decisão sobre matéria de facto da sentença recorrida (processo electrónico p. 356).

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre decidir em conferência

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO

A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
A) A APA emitiu a liquidação da Taxa de Gestão de Resíduos no valor de €430.115,43 relativa ao ano de 2010, nos seguintes termos:
Nos termos do previsto no Artigo 58.º do Decreto-lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, com a redacção, que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, a Organização que V. Ex.ª dirige é devedora de taxa de gestão de resíduos (TGR).
A Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, determina no seu Artigo. 3.º que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) , na qualidade de Autoridade Nacional dos Resíduos, proceda à liquidação definitiva da TGR até ao dia 15 de Maio do ano seguinte a que respeita a taxa, depois de verificada a informação prestada por via do Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA), e feitos os acertos de contas que se revelem necessários.
O Artigo 9.° da mesma Portaria refere ainda que em caso de impossibilidade de determinação directa da quantidade de resíduos geridos para efeitos da liquidação da TGR por falta de registo no SIRAPA, a APA poderá efectuar uma estimativa fundamentada recorrendo aos elementos de facto e de direito que tiver ao seu dispor.
Neste sentido, e com o objectivo de promover a transparência no processo de liquidação definitiva da TGR relativa ao ano 2010, vem esta Agência, previamente à emissão do Documento Único de Cobrança (DUC) colocar à consideração de V. Ex.ª os quantitativos de resíduos apurados para este efeito e o cálculo preliminar da TGR, em anexo:
- Resíduos urbanos depositados em aterro (3,5 €/tonelada): todos os resíduos provenientes da recolha indiferenciada e ecocentros registados no Formulário A.1 do Mapa de Registo de Resíduos Urbanos (MRRU) (182.270,3 toneladas), bem como os resíduos do Capítulo 20 da Lista Europeia de Resíduos (LER), provenientes de outras origens, registados no Formulário A.4 (5.540,04 toneladas), perfazendo um total de 187.810,34 toneladas;
_ Fracção reciclável: percentagem de resíduos recicláveis declarada no Formulário Caracterização Resíduos enviados para aterro do MRRU. afectada pelo factor previsto no n.º 3.4 do Anexo da Portaria n.º 851/2009, de 7 de Agosto.
Do valor total da TGR do ano 2010, 796.813,11 €, e depois de efectuado o acerto de contas com o montante já liquidado por conta sobre a estimativa dos resíduos geridos durante o primeiro semestre de 2010, resulta o valor a liquidar de 430.115.43 €.
A ser o caso de V. Ex.ª encontrar eventuais divergências no apuramento efectuado pela APA relativamente à quantidade de resíduos efectivamente geridos, poderá submeter no prazo de 3 dias úteis e pela mesma via, novos elementos que as consubstanciem, de modo a ser efectuada uma reavaliação dos mesmos.
Na sequência da comunicação de V. Exª. com ao Ref. 11-0057/F/AB em resposta ao nosso fax com a Ref. 014/11//DPEA-DEA, enviado no âmbito do procedimento instituído de consulta prévia, informa-se que a taxa de gestão de resíduos (TGR) é aplicável a todos os resíduos depositados em aterro em conformidade com o exposto no Artigo 58.º do Decreto-lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, com excepção das seguintes fracções:
- Resíduos depositados em aterro que tenham sido recebidos no âmbito do Projecto Limpar Portugal (PLP), no enquadramento da portaria n.º 165/2010, de 16 de Março:
- Refugos e rejeitados de estações de valorização de resíduos quando depositados em aterro ou incinerados, e apenas enquanto a questão da fracção a associar e do montante a imputar à mesma, não forem objecto de clarificação por via legislativa, ou outros meios.
Desta forma, é nosso entendimento que a fracção referida por V. Ex.ª correspondente a 1.693,32 toneladas de resíduos encaminhados pelos munícipes para ecocentros e posteriormente depositados em aterro se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação da TGR.
Em complemento, e estando todos os resíduos depositados no aterro de V. Ex.ª enquadrados na categoria de resíduos urbanos, registados nos formulários A.1 e A.4 do Mapa de Registo de Resíduos Urbanos (MRRU) considera-se ainda ser sobre os mesmos aplicável o agravamento em 50% da taxa prevista para os resíduos correspondentes à fracção caracterizada como reciclável.
No que respeita as 199.5 toneladas de resíduos depositadas em aterro no âmbito do Projecto Limpar Portugal, e em resultado da referida observação ao formulário A.1 ter sido preenchida em data posterior ao apuramento da informação, informa-se que a parcela da taxa correspondente será deduzida ao montante efectivo a pagar neste acerto de contas.
Reitera-se a disponibilidade desta Agência para qualquer esclarecimento complementar considerado necessário.
Cf. fls. 112 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Em 28/04/2011, a APA enviou à Impugnante a liquidação a que se alude no ponto antecedente, por fax – Cf. fls. 109 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) Por fax de 03/05/2011, a Impugnante requereu a prorrogação do prazo concedido no prazo mencionado na liquidação vinda a referenciar – Cf. fls. 108 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) Por fax de 06/05/2011, a Impugnante solicitou a correcção do cálculo da TGR – Cf. fls. 99 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Por fax de 12/05/2011, a APA informou a Impugnante do seguinte:
Na sequência da comunicação de V. Ex.ª com a Ref. 11-0057/F/AB em resposta ao nosso fax com a Ref. 014/11/DPEA-DEA, enviado no âmbito do procedimento instituído de consulta prévia, informa-se que a taxa de gestão de resíduos (TGR) é aplicável a todos os resíduos depositados em aterro, em conformidade com o exposto no Artigo 58.º do Decreto-lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64- A/200B, de 31 de Dezembro, com excepção das seguintes fracções:
- Resíduos depositados em aterro que tenham sido recebidos no âmbito do Projecto Limpar Portugal (PLP), no enquadramento da Portaria n.º 165/2010, de 16 de Março.
• Refugos e rejeitados de estações de valorização de resíduos quando depositados em aterro ou incinerados, e apenas enquanto a questão da fracção a associar e do montante a imputar à mesma, não forem objecto de clarificação por via legislativa, ou outros meios.
Desta forma, é nosso entendimento que a fracção referida por V. Ex.ª correspondente a 1.693,32 toneladas de resíduos encaminhados pelos munícipes para ecocentros e posteriormente depositados em aterro se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação da TGR.
Em complemento, e estando todos os resíduos depositados no aterro de V. Exª enquadrados na categoria de resíduos urbanos, registados nos formularias A.1 e A. 4 do Mapa de Registo de Resíduos Urbanos (MRRU) considera-se ainda ser sobre os mesmos aplicável o agravamento em 50% da taxa prevista para os resíduos correspondentes à fracção caracterizada como reciclável.
No que respeita às 199,5 toneladas de resíduos depositadas em aterro no âmbito do Projecto Limpar Portugal, e em resultado da referida observação ao formulário A.1 ter sido preenchida em data posterior ao apuramento da Informação, informa-se que a parcela da taxa correspondente será deduzida ao montante efectivo a pagar neste acerto de contas.
Reitera-se a disponibilidade desta Agência para qualquer esclarecimento complementar considerado necessário.
Cf. fls. 92 do PA apenso aos autos, que aqui se dá como integralmente reproduzido.
F) Na sequência da informação de 12/05/2011, a APA emitiu liquidação no valor de € 429.269,02 – Cf. fls. 87 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) Em 27/05/2011, a Impugnante, notificada da liquidação a que se alude no ponto antecedente, solicitou DUC no valor de € 376.630,06 para pagamento parcial do montante liquidado por pretender contestar o remanescente no valor de € 52.638,97 – Cf. fls. 81 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
H) Em 17/10/2011, a Impugnante reclamou graciosamente da liquidação da taxa de gestão de resíduos do ano de 2010 vinda a referenciar – Cf. fls. 69 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

I) Em 18/11/2011, o Sr. Director-Geral da APA indeferiu a reclamação graciosa – Cf. fls. 18 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão prévia: incompetência do Supremo Tribuna Administrativo, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso

O Ministério Público excepcionou a incompetência do Supremo Tribunal Administrativo, em razão da hierarquia, para o conhecimento do mérito do recurso, em consequência de controvérsia factual a dirimir, excludente do exclusivo fundamento do recurso em matéria de direito (ars 16º nº2 e .280º nº1 CPPT).
Invoca a alegação pela recorrente de facto não inscrito no probatório da sentença, do qual pretende extrair consequência jurídica relevante para a apreciação do mérito o recurso:
- refugos declarados em formulário identificado, com indicação da respectiva quantidade (conclusão Y)
O fundamento invocado deve ser refutado, na medida em que o facto alegado está inscrito no probatório da sentença, onde se transcreve o teor da informação prestada pela APA,IP na qual se consigna que o sujeito passivo preencheu os formulários A1 e A4 do MRRU, com indicação de 1693,32 toneladas de resíduos provenientes de ecocentros e depositados em aterros (aqueles que a recorrente considera refugos provenientes de unidades de valorização) (factos provados A) e E)
Neste contexto improcede a excepção de incompetência do Supremo Tribunal Administrativo, em razão da hierarquia, suscitada pelo Ministério Público.

2.2.2. Questões decidendas:
Ilegalidade da liquidação da taxa de gestão de resíduos (TGR), por aplicação de diploma ilegal (Portaria nº 851/2009,7 agosto)
Violação do princípio do poluidor-pagador quanto à liquidação da TGR respeitante ao 1º trimestre 2010
Ilegalidade da aplicação da TGR a resíduos provenientes de ecocentros
Caducidade do direito à liquidação

2.2.2.1. Ilegalidade da liquidação da TGR, por aplicação de diploma ilegal (Portaria nº 851/2009,7 agosto)
A recorrente alega a ilegalidade do acto de liquidação da taxa com os seguintes fundamentos:
a) a aplicação das taxas agravadas da TGR a resíduos recicláveis de impossível valorização é desconforme com o regime constante do art.58º nºs 1 a 3 DL nº 178/2006, 5 de setembro (redacção do art.121º Lei nº 64- A/2008, 31 de dezembro);
b) os princípios estruturantes da TGR plasmados no art.58º DL nº 178/2006, 5 de setembro impõem o apuramento da base tributável da TGR por avaliação directa (pesagem efectiva de resíduos), impeditiva da determinação da base tributável do agravamento da taxa por aplicação de métodos indirectos, previstos na Portaria nº 851/2009, 7 de agosto (amostragem e estimativa)

Os fundamentos invocados devem ser refutados mediante convocação do seguinte argumentário:

O agravamento do valor da taxa em 50% é aplicável aos resíduos que, apesar de recicláveis, são dirigidos para instalações de incineração ou de co-incineração ou depositados em aterro, visando a desincentivação da eliminação de resíduos ainda susceptíveis de valorização (art.58º nº3 DL nº 178/2006, 5 de setembro; Portaria nº 851/2009,7 agosto).
A expressão resíduos recicláveis de impossível valorização utilizada pela recorrente é contraditória nos seus termos, na medida em que qualquer resíduo reciclável é susceptível de valorização (pela reciclagem).
O legislador aplicou a taxa agravada apenas a resíduos recicláveis mas que, apesar dessa susceptiblidade, foram objecto de menor valorização ao serem dirigidos para instalações de incineração, co-incineração ou aterros, com externalidades negativas na domínio da saúde humana e do ambiente superiores às resultantes da reciclagem, em violação dos princípios da prevenção e redução e da hierarquia das operações de gestão de resíduos (arts.6º e 7º DL nº 178/2006, 5 de setembro).
No caso concreto, resulta dos factos provados que os únicos resíduos de impossível valorização (refugos e rejeitados pelas estações de valorização de resíduos) foram excluídos da base tributável da TGR até definição da situação jurídica por via legislativa ou outros meios (factos provados A) e E..
Tal clarificação foi supervenientemente expressa no sentido de a TGR ser aplicável aos refugos e rejeitados (pelas estações de valorização de resíduos) depositados em aterros, incinerados ou co-incinerados, sendo devida a partir de 1 janeiro 2012 (artº 58º nº11 DL nº 78/2006,5 setembro na redacção do art.2º DL nº 73/2011,17 junho)
A determinação da quantidade de resíduos geridos pela recorrente, constitutiva da base de incidência da TGR liquidada, resultou exclusivamente da informação por ela prestada à Agência Portuguesa do Ambiente, IP (APA,IP) sobre a caracterização dos resíduos urbanos sob gestão, incluindo a sua composição física e os respectivos quantitativos, até 31 março 2010, através do Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA), com preenchimento dos formulários de modelo oficial (Portaria nº 851/2009, 7 de agosto nº4; factos provados A) e E).
Não foram utilizados métodos indirectos na determinação da base de incidência da TGR, na medida em que não foi violado qualquer dever de informação pelo sujeito passivo sobre o quantitativo de resíduos geridos que impossibilitasse a determinação directa da base de incidência (art.9º Portaria nº 72/2010, de 4 de fevereiro).
As amostras de resíduos urbanos não configuram o fundamento de presunções ou estimativas sobre a quantidade global de resíduos produzidos (base de incidência da TGR), a considerar numa eventual aplicação de métodos indirectos; o procedimento de amostragem tem como objectivo específico a sua prévia caracterização, para determinação da composição física média dos resíduos recicláveis, não obstante depositados em aterros, incinerados ou co-incinerados com violação do princípio da hierarquia das operações de gestão de resíduos, aos quais será aplicável o agravamento da TGR (Portaria nº 851/2009, 7 de agosto Preâmbulo, nº4 e Anexo 3.1/3.4; arts.7ºnºs 1 /2 e .58º nº3 DL nº 178/2006, 5 de setembro na redacção do art.21º Lei nº 64-A/2008,31 dezembro).

2.2.2.2. Violação do princípio do poluidor-pagador (liquidação da TGR respeitante ao 1º trimestre 2010)
A recorrente invoca a violação do princípio do poluidor-pagador com os seguintes fundamentos:
a) a Portaria nº 851/2009, 7 de agosto permitia às entidades responsáveis pela gestão de resíduos urbanos a prestação à APA, IP da informação relativa à sua caracterização, por forma a identificar e quantificar os resíduos recicláveis encaminhados para aterro, incineração ou co-incineração, até 31 março 2010;
b) o exercício desta faculdade implicou que no período compreendido entre 1 janeiro 2010 e o final de março 2010 não dispusesse do conhecimento da percentagem de resíduos recicláveis sujeita ao agravamento da taxa, impedindo a sua repercussão nas tarifas e prestações financeiras cobradas aos clientes

Os fundamentos invocados devem ser refutados mediante convocação do seguinte argumentário:

Sobre a dogmática do princípio do poluidor-pagador afirma doutrina qualificada:
O ponto de ligação essencial entre o direito fiscal e o direito do ambiente está no princípio do poluidor-pagador e na noção de que é possível e desejável usar instrumentos económicos para interiorizar as exterioridades ambientais, obrigando os indivíduos a suportar o custo que as suas escolhas pessoais trazem à sociedade.(…)
O princípio do poluidor-pagador, construído pela economia do ambiente como critério de eficiência económica, representa no contexto do direito fiscal um imperativo de igualdade tributária, reconduzindo-se ao tradicional princípio da equivalência, à noção de que certos tributos devem corresponder ao custo que o contribuinte traz à comunidade ou ao benefício que a comunidade lhe faculta (Sérgio Vasques Manual de Direito Fiscal Almedina 2ª edição 2018 pp.88/89)
Como aplicação do princípio do poluidor-pagador, (com a caracterização dogmática supra enunciada e expressão no princípio da equivalência.) a TGR é repercutida pelo sujeito passivo (entidade gestora de sistema de gestão de resíduos) nas tarifas e prestações financeiras cobradas aos seus clientes, produtores de resíduos (arts.10º e 58º nº5 DL nº 178/2006, 5 de setembro; art.7º Portaria 72/2010, de 4 de fevereiro)
A recorrente tinha conhecimento, desde data da publicação da Portaria nº 851/2009,7 agosto que :
- estava vinculada ao cumprimento da obrigação da caracterização dos resíduos sob a sua gestão;
- sobre a fracção reciclável iria incidir o agravamento da taxa, sujeita a necessária repercussão
A APA, IP (na qualidade de autoridade nacional dos resíduos), procede à liquidação definitiva da TGR e notificação aos sujeitos passivos até 15 maio de cada ano, com base na informação por aqueles prestada e registada no SIRAPA, até ao termo do mês de março, sobre a quantidade de resíduos gerida no ano antecedente (arts.1º, 2º e 3º Portaria nº 72/2010,4 fevereiro)
O sujeito passivo efectua o pagamento da TGR no prazo de 15 dias contados a partir da data de notificação para o pagamento (art.5º Portaria nº
72/2010,4 fevereiro)
Não estabelecendo a lei qualquer prazo preclusivo para a repercussão legal da taxa agravada em 50%, aplicável à fracção reciclável dos resíduos encaminhados para aterro, incineração ou co-incineração nada impedia o sujeito passivo de a efectuar ao longo do ano 2011 nas facturas apresentadas aos seus clientes, na medida em que a repercussão poderia ser efectuada por acerto de contas, após o pagamento da TGR do ano 2010, segundo os prazos legais até ao final do mês de maio de 2011 ((art. 58º nºs 2º als.a) b) e 3 DL nº 178/2006, 5 de setembro; arts.3º e 5º Portaria nº 72/2010, de 4 de fevereiro)

Neste contexto a ausência de repercussão da TGR pelo sujeito passivo recorrente não resulta de qualquer ilegalidade do acto de liquidação, antes de eventual renúncia ou negligência na sua cobrança imperativa aos clientes

2.2.2.3. Ilegalidade da aplicação da TGR a resíduos provenientes de ecocentros
A recorrente invoca a ilegalidade da liquidação da TGR com o seguinte fundamento: os resíduos provenientes de ecocentros devem ser considerados refugos ou rejeitados provenientes de unidades de triagem, sujeitos a tributação apenas após 1 janeiro 2012 (art.58º nº11 DL nº 178/2006,5 setembro, na redacção do art 2º Decreto-Lei nº 73/2011,17 junho)

O fundamento deve ser refutado, mediante convocação do seguinte argumentário:

Na nomenclatura legal:
- a valorização consiste numa operação de reaproveitamento de resíduos cujo resultado seja a sua transformação para servir um fim útil ou a preparação dos resíduos para esse fim;
- a triagem consiste no acto de separação de resíduos mediante processos manuais ou mecânicos, sem alteração das suas características, com vista à sua valorização ou a outras operações de gestão (art.3º als.gg) e hh) DL nº 178/2006, 5 de setembro)
Os ecocentros são locais de armazenamento temporário de resíduos urbanos onde os municípios entregam aqueles resíduos, designadamente recolhidos nos diversos ecopontos implantados na sua área territorial.
Os ecocentros não são unidades de valorização orgânica nem unidades de triagem: os resíduos aí armazenados são indiferenciados, devendo ser objecto de operações de gestão antes de poderem ser considerados refugos ou rejeitados.
Esta distinção foi consagrada em posterior nomenclatura legal, segundo a qual os ecocentros são centros de receção dotados de equipamentos de grande capacidade para deposição selectiva de materiais passíveis de valorização, tais como papel, cartão, embalagens de plástico, vidro, metal e madeira, aparas de jardim, objectos volumosos fora de uso, pequenas quantidades de resíduos urbanos perigosos ou outros materiais que venham a ter viabilidade técnica de valorização (Base I do Anexo ao DL nº 96/2014,25 junho)
Em consequência, não estão incluídos na previsão da norma constante do art.58º nº11 als a) e b) DL nº 178/2006, 5 de setembro (na redacção do art.2º DL nº 73/2011,17 junho) os resíduos sob gestão da recorrente em 2010, provenientes de ecocentros e depositados directamente em aterros, correspondentes a 1 693,32 toneladas (factos provados A)
Regista-se que a recorrente não impugnou a falta de inserção nos factos provados da sua alegação de que os ecocentros são unidades de valorização de resíduos ,a qual se deve considerar implicitamente desconsiderada na análise da questão jurídica constante da fundamentação da sentença (ao distinguir os refugos e rejeitados provenientes de unidades de valorização orgânica e de unidades de triagem dos resíduos provenientes de ecocentros, cf. sentença pp.17/18)

2.2.2.4. Caducidade da liquidação
A questão foi analisada no acórdão STA-SCT proferido em 6 dezembro 2017 (processo 0171/16) com fundamentação sólida e convincente que justifica a reprodução das proposições pertinentes do respectivo sumário:
(…)
II - O prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, de 4 de Fevereiro, não é um prazo de caducidade do direito à liquidação, mas tão-só um prazo meramente ordenador ou disciplinar
III - A liquidação da TGR, na ausência de regra especial, fica sujeita aos prazos de caducidade fixados pelo art. 45.º da LGT.

Para melhor compreensão da solução da questão jurídica transcrevem-se excertos relevantes da fundamentação do aresto:
Os prazos de caducidade do direito à liquidação dos tributos estão previstos na Lei Geral Tributária (LGT), cujo art. 45.º, n.º 1, estabelece que «[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada o contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
(…)
Desde logo, devemos ter presente que a caducidade dos tributos é uma matéria que se refere à relação jurídica tributária e que, porque contende com as garantias dos contribuintes, fica sujeita ao princípio da legalidade. Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa (CRP), de modo expresso, concretiza que, tal como a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes são determinados pela lei (art. 103.º, n.º 2). E o art. 8.º da LGT, depois de no seu n.º 1 fazer eco daquela norma constitucional, na alínea a) do seu n.º 2 dispõe: «Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade
(…)
Em resumo, se, embora com dúvidas, se pode entender que, após a revisão constitucional de 1997, nada obsta à criação de taxas por decreto-lei, desde que devidamente autorizada, já se nos afigura dificilmente sustentável que a fixação do regime da caducidade da respectiva liquidação possa ser remetida para portaria.
Seja como for, a nosso ver, o n.º 6 do art. 58.º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, na redacção aplicável (Que é a que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2009). ) – que diz: «A liquidação e o pagamento da taxa de gestão de resíduos são disciplinados por portaria do ministro responsável pela área do ambiente» –, limitou-se a relegar para a portaria do ministro responsável pela área do ambiente a disciplina dos procedimentos de liquidação e pagamento da TGR; essa norma não autoriza de modo algum que por esse modo pudesse ser alterado o regime da caducidade da TGR, designadamente quanto aos prazos para a sua verificação, com a consequente perempção do direito de liquidar, que, na ausência de norma especial que fixe um regime próprio (e que nunca poderia ser criada por portaria), não é outro senão o consagrado no art. 45.º da LGT. Depois, porque, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o art. 45.º da LGT não se refere exclusivamente às liquidações adicionais ou oficiosas; refere-se, na ausência de expressa restrição nele consagrada, a todas as liquidações, inclusive às que são efectuadas com base nas declarações dos contribuintes. Se fosse intenção do legislador deixar de fora estes últimos actos – que são, seguramente, os mais numerosos no universo de todas as liquidações no actual modelo de «privatização da administração tributária»
(Expressão cunhada por CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 5.ª edição, págs. 159 e 359.) –, por certo não teria deixado de o dizer expressamente (cfr. art. 9.º, n.º 3, do CC).
Aliás, a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é uniforme no sentido de que as disposições legais que nos diversos códigos fiscais fixam os prazos para a AT proceder à liquidação na sequência da oportuna apresentação da declaração pelo sujeito passivo não são prazos de caducidade do direito à liquidação; ao invés, são meros prazos ordenadores (do procedimento) ou disciplinares e, por isso, dirigidos aos serviços da administração a quem esteja cometida a liquidação, destinando-se a permitir que eventuais correcções a efectuar nesse acto (com a consequente liquidação adicional ou reforma da liquidação) possam respeitar os prazos da caducidade do direito de liquidar previstos no art. 45.º da LGT
(…)
Por outro lado, se dúvidas houvesse quanto a essa natureza meramente ordenadora ou disciplinar do prazo fixado pelo art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, as mesmas deverão considerar-se dissipadas pela intervenção do legislador, que no art. 6.º da Portaria n.º 278/2015, de 11 de Setembro (…) que sucedeu à Portaria n.º 72/2010,(…) veio deixar registado que «A APA, I. P., verifica a informação anual prestada pelos sujeitos passivos e procede à liquidação definitiva da TGR, notificando-os até 30 de Junho do ano seguinte, por via electrónica, sem prejuízo do prazo de caducidade previsto na Lei Geral Tributária e do disposto nos artigos seguintes» (sublinhado nosso).
Nem se diga que esta disposição legal (o art. 6.º da Portaria n.º 278/2015), relativamente ao anterior art. 3.º da Portaria n.º 72/2010, assume natureza inovatória. Na verdade, com excepção de alguns pormenores, designadamente o alargamento do prazo para a liquidação definitiva, os procedimentos de liquidação e pagamento da TGR mantêm idêntica disciplina. Por outro lado, caso se tratasse de uma alteração do regime da caducidade da TGR – que vimos já não ser possível ser efectuada por mera portaria – por certo o Preâmbulo da Portaria não deixaria de aludir a uma tão importante e radical alteração

Neste contexto, não se verifica a alegada caducidade do direito porque o sujeito passivo foi notificado da liquidação da TGR respeitante ao ano 2010 no ano 2011, antes do termo final do prazo de 4 anos para o seu exercício pela APA, IP (factos provados F) e G)

3.DECISÃO
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo - Secção de Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida
Custas pela recorrente (art.527º nºs 1 /2 CPC)

Lisboa, 15 de julho de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.