Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0598/08
Data do Acordão:11/26/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário:I - O prazo de 4 anos, de caducidade do direito de liquidação, estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, é de aplicação aos factos tributários ocorridos a partir de 1-1-1998 – por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 389/98, de 17-12, que aprovou a Lei Geral Tributária (entrada em vigor no dia 1-1-1999, nos termos do artigo 6.º deste Decreto-Lei n.º 389/98).
II - Depois da redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».
III - A procrastinação do início de contagem do prazo traduz a fixação de um “prazo mais longo”, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil, pelo que se aplica ao prazo em curso o prazo mais longo, a contar pelo modo novo «desde o seu momento inicial».
IV - Como assim, não há produção da caducidade do direito de IVA «relativo ao período de Janeiro a Setembro de 1999», quando a notificação da respectiva liquidação haja tido lugar na data de 25-11-2003.
Nº Convencional:JSTA00065359
Nº do Documento:SA2200811260598
Data de Entrada:06/30/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART64 N1 ART65 N1 N4 ART66 N3 ART33 N1.
DL 389/98 DE 1998/12/17 ART5 ART6.
LGT98 ART45 N1 N4.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30 ART43.
CCIV66 ART297 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC65/02 DE 2003/05/07.; AC STA PROC1018/06 DE 2007/03/07.
Referência a Doutrina:ALFREDO DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO COMENTADO E ANOTADO 4ED PAG144.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG556.
BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG242-243.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…, SA” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou improcedente a presente impugnação judicial.
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
A) Após ter analisado a sentença proferida pelo tribunal a quo conforma-se a ora Recorrente com o entendimento sufragado pelo referido órgão jurisdicional concernente ao preenchimento do conceito de prestação de serviços previsto no artigo 4.° do CIVA, pelo que do mesmo não irá interpor recurso, não versando as presentes alegações sobre tal matéria;
B) Não obstante, discorda a ora Recorrente do sentido decisório perfilhado pelo tribunal a quo respeitante à aplicação do disposto no artigo 45.°, n.° 4, da LGT, na redacção da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, por força do preceituado no artigo 297.°, n.° 2, do CC, e, por conseguinte, no concernente à caducidade do direito à liquidação do imposto e ao pagamento de juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária, previsto no artigo 43.°, n.° 1, da LGT, rejeitando a argumentação jurídica aduzida no âmbito da sentença objecto dos presentes autos;
C) Em concreto, entende a ora Recorrente que o sentido decisório perfilhado pelo tribunal a quo deriva de uma errónea interpretação e aplicação dos artigos 297.°, n.° 2, do CC e 12.°, n.° 1, da LGT, redundando, em última instância, na violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da não retroactividade da lei fiscal e do Estado de Direito Democrático, respectivamente plasmados nos artigos 103.°, n.os 2 e 3, e 2.° da CRP, e, por conseguinte, padece de erro de julgamento e, desse modo, enfermam as liquidações de imposto e juros compensatórios impugnadas de manifesta ilegalidade;
D) A matéria objecto dos presentes autos, contrariamente ao disposto no artigo 297.°, n.° 2, do CC, não configura uma situação de sucessão temporal de normas em matéria de fixação de prazos, não pressupondo o alargamento superveniente dos prazos legalmente fixados, porquanto: i.) o artigo 45.°, n.° 4, da LGT não procede à fixação de qualquer prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, matéria que consta antes do n.° 1 do mesmo artigo; ii.) o artigo 45.°, n.° 4, da LGT regula, ao invés, as regras de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, mais precisamente o momento temporalmente relevante para o início do seu cômputo;
E) Em consequência, não se mostra aplicável ao presente caso o artigo 45.°, n.° 4, da LGT, na redacção decorrente da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, por força do disposto no artigo 297.°, n.° 2, do CC, na medida em que aquele preceito tão-somente regula o início da vigência do prazo do direito à liquidação de tributos, enquanto este preceito pressupõe a fixação superveniente - por via legal - de um novo prazo, de carácter mais alargado que o anterior;
F) Versando o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, de acordo com a sua epígrafe, sobre «prazos de prescrição e caducidade», e mandando tão-somente aplicar às situações de prescrição - e já não às situações de caducidade - o disposto no artigo 297.° do CC, o legislador pretendeu afastar do âmbito de aplicação deste preceito a contagem dos prazos de caducidade do direito à liquidação dos tributos;
G) Por força do disposto no artigo 12.°, n.° 1, da LGT, o artigo 45.°, n.° 4, da LGT, na redacção da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, não é aplicável aos presentes autos, uma vez que os factos tributários acima referidos ocorreram em datas anteriores (entre 27 de Janeiro e 24 de Setembro de 1999) ao momento da sua entrada em vigor (1 de Janeiro de 2003);
H) A redacção do artigo 45.°, n.° 4, da LGT introduzida pela Lei n.° 32- B/2002, de 30 de Dezembro possui carácter inovador - por contraposição ao carácter não inovador, por exemplo, das leis interpretativas, decorrente do disposto no artigo 13.°, n.° 1, do CC -, valendo, em consequência, tão-somente para o futuro;
I) Por força das regras de sucessão legislativa complementar previstas no artigo 2.° da LGT, mostra-se inadmissível aplicar ao presente caso o artigo 297.°, n.° 2, do CC, na medida em que da interpretação conjugada do normativo ínsito nos artigos 12.°, n.° 1 e 45.°, n.° 4, da LGT resulta inequivocamente ser a redacção originária deste último artigo a aplicável no âmbito dos presentes autos;
J) Estipulando o artigo 2.° da LGT normas de aplicação sucessiva, e ficando a presente situação resolvida mediante a aplicação conjugada dos artigos 12.°, n.° 1 e 45.°, n.° 4, da LGT, carecia o tribunal a quo de base legal para recorrer às regras do CC, mormente ao disposto no seu artigo 297.°, n.° 2. Pois, a sua correcta aplicação pelo tribunal a quo pressuporia a ocorrência de um vazio jurídico não resolúvel através da aplicação sucessiva da legislação elencada no referido artigo 2.° da LGT. O que manifestamente, e conforme ficou demonstrado, não aconteceu;
L) Por outro lado, a caducidade do direito à liquidação do imposto, prevista no artigo 45.°, n.° 1, da LGT, está dependente da ocorrência de um facto futuro e certo, correspondente à passagem do prazo de quatro anos legalmente estipulado no referido artigo;
M) Uma vez expirado o prazo - in casu, de quatro anos - legalmente estipulado, o poder tributário da Administração Tributária em matéria de liquidação de um dado tributo esgota-se, ficando os seus serviços impedidos de notificar o contribuinte de quaisquer actos tributários atinentes à mesma;
N) Perante o exposto, o sujeito passivo vê a sua situação tributária estabilizar, deixando, em última instância, de ser devedor de quaisquer montantes de imposto que ainda pudessem ser devidos. Na verdade, o contribuinte vê a sua situação tributária cristalizar na ordem jurídica, extinguindo-se o poder de actuação da Administração Tributária;
O) Não obstante o exposto, a plena aplicação da figura da caducidade e, por essa via, a salvaguarda do princípio da segurança jurídica que lhe está inerente, pressupõe que a formação jurídica reguladora das suas regras de funcionamento, designadamente a referente à contagem do seu prazo, se encontre pré-definida e não sofra mutações penalizadoras no decurso do seu cômputo;
P) Sendo certo que, a estabilidade do direito, enquanto expressão da segurança jurídica, além de determinar uma certa contenção no esforço de transformação social e na adopção de soluções repentinas ou de constantes mudanças dos critérios e soluções legais, envolve igualmente um problema em torno da dimensão temporal da projecção dos efeitos das novas normas: a segurança do direito, segundo a perspectiva da sua estabilidade, impõe a irretroactividade das normas jurídicas, pelo menos de todas aquelas que impõem sacrifícios ou proíbem comportamentos;
Q) No presente caso, a aplicação do artigo 45.°, n.° 4, da LGT, na redacção da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, na medida em que pressupõe a alteração das regras de contagem do prazo de caducidade que se encontrava em curso, constitui uma fonte de insegurança na esfera jurídica da ora Recorrente, agravada pelo facto da aplicação das novas regras pressupor o protelar no tempo do término do referido prazo de caducidade;
R) Acresce que, a sua aplicação possui carácter retroactivo, uma vez que nos momentos de ocorrência dos factos tributários em referência a referida redacção do artigo 45.°, n.° 4, da LGT não vigorava na ordem jurídica;
S) Nestes termos, a aplicação do artigo 45.°, n.° 4, da LGT, na redacção da Lei n.° 32-B/2002, de 30 de Dezembro mostra-se inadmissível, consubstanciando uma violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da não retroactividade da lei fiscal e do Estado de Direito Democrático, respectivamente plasmados nos artigos 103.°, n.os 2 e 3, e 2.° da CRP, padecendo, em consequência, o sentido decisório perfilhado pelo tribunal a quo de erro de julgamento;
T) Uma vez revogada por esse Douto Tribunal a sentença proferida pelo tribunal a quo e, consequentemente, anulada a liquidação adicional de imposto objecto da impugnação judicial acima identificada, não poderá deixar de ser reconhecida a nulidade das correspectivas liquidações adicionais de juros compensatórios, nos termos do artigo 133.°, n.° 2, alínea i), do CPA;
U) Perante o exposto, requer-se ainda a esse Douto Tribunal o reconhecimento do erro imputável aos serviços da Administração Tributária, o reembolso dos montantes indevidamente pagos e a satisfação do direito da ora Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal de 4% ao ano, computados sobre o montante global a restituir e contabilizados desde a data do seu pagamento indevido até à emissão da respectiva nota de crédito, em conformidade com o disposto nos artigos 43.°, n.° 1, da LGT, 61.°, n.° 3, do CPPT, e na Portaria n.° 291/2003, de 8 de Abril.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal que proceda à prolação de Acórdão que revogue a sentença proferida pelo tribunal a quo, julgando totalmente procedente o presente recurso e, em consequência:
i) Anule a liquidação adicional de IVA n.° 03349723, de 18 de Novembro de 2003, referente ao ano de 1999, no montante de EUR 273.102,08, com fundamento na caducidade da liquidação do imposto decorrente da redacção originária do artigo 45.°, n.° 4, da LGT, nos termos do artigo 135.° do CPA, sob pena de violação do artigo 12.°, n.° 1, da LGT e dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da não retroactivadade da lei fiscal e do estado de direito democrático plasmados nos artigos 103.°, n.os 2 e 3, e 2.° da CRP;
ii) Na medida da procedência do pedido supra formulado, declare a nulidade das liquidações adicionais de juros compensatórios 03349716, 03349717, 03349718, 03349719, 03349720, 03349721 e 03349722, de 18 de Novembro de 2003, referentes ao ano de 1999, respectivamente nos montantes de EUR 27.947,52, EUR 1.094,97, EUR 28.893,07, EUR 8.426,15, EUR 11.348,48, EUR 495,01 e EUR 2.842,90, nos termos do artigo 133.°, n.° 2, alínea i), do CPA;
iii) Na medida da procedência dos pedidos supra formulados, declare o erro imputável aos serviços da Administração Tributária na prolação das liquidações adicionais de imposto e juros compensatórios impugnadas e, concomitantemente, condene aquela ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 1, da LGT.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
A questão objecto do presente recurso consiste em saber qual a redacção do art° 45° n° 4 da Lei Geral Tributária aplicável ao caso em apreço: se a redacção originária se a redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
Alega a recorrente que no presente caso, a aplicação do artigo 45°, n° 4, da LGT, na redacção da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, na medida em que pressupõe a alteração das regras de contagem do prazo de caducidade que se encontrava em curso, constitui uma fonte de insegurança na sua esfera jurídica, agravada pelo facto da aplicação das novas regras pressupor o protelar no tempo do término do referido prazo de caducidade.
E que, a sua aplicação possui carácter retroactivo, uma vez que nos momentos de ocorrência dos factos tributários em referência a referida redacção do artigo 45.º, n.º 4, da LGT não vigorava na ordem jurídica.
Conclui sustentando que a aplicação do artigo 45.º, n° 4, da Lei Geral Tributária, na redacção da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro mostra-se inadmissível, consubstanciando uma violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da não retroactividade da lei fiscal e do Estado de Direito Democrático, respectivamente plasmados nos artigos 103°, ns.° 2 e 3, e 2.° da Constituição da República.
Afigura-se-nos que carece de razão.
O artigo 43° da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro veio dar nova redacção ao artigo 45° n°4 da LGT, dispondo o mesmo que: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto em imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que verificou a exigibilidade do imposto”.
A Lei n 32-B/2002, de 30 de Dezembro entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2003.
Dispunha a anterior redacção daquele normativo que o prazo de caducidade se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
Trata-se pois de um problema de alteração de prazos, nomeadamente do início do prazo de caducidade, já que como é sabido, o IVA é um imposto de obrigação única – vide neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-05-2003, recurso n.º 65/02.
À situação sub judice será assim aplicável o disposto no artº 297º, nº 2 do Código Civil que dispõe que «a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».
Como ensina Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador pág. 243 «achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova», e isto porque «é na vigência desta que a constituição (ou seja, o facto constitutivo ‘completo’) se vem, verificar».
Não se verifica pois, como demonstra aquele autor, qualquer retroactividade já que é na vigência da lei nova que se vem a verificar o facto constitutivo, ou seja, o decurso e o termo do prazo de caducidade (mesmo computado segundo o anterior regime).
De resto a norma do artº 297, nº 2 está de acordo com as regras gerais de aplicação da lei no tempo, prevendo a hipótese especial de alteração de prazos como decorre da sua epígrafe, não prevista na LGT.
Daí que se entenda que nada impede a sua aplicação subsidiária à luz do artº 2º da Lei Geral Tributária.
Ora à data da entrada em vigor da referida Lei 32-B/2002 ainda não se tinha esgotado, face à redacção inicial do art. 45º, nº 4, da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA dos meses de Janeiro a Setembro de 1997 de 1999, pelo que será aplicável no cômputo de tal prazo, nos termos do artº 297º, nº 2 do Código Civil, a lei nova, como bem se decidiu na decisão recorrida.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo ser confirmado o julgado recorrido.
1.5 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Para se ter decidido pela improcedência da impugnação judicial, a sentença recorrida estribou-se, além do mais, em que «todos os montantes recebidos (…) são onerosos»; que, «assim sendo, estão sujeitos a IVA»; e que, «sendo as liquidações correctas, não há que declarar que houve qualquer culpa dos serviços na efectivação das mesmas». E foi, nos seus próprios termos, «por tudo quanto vem de ser exposto» que a sentença recorrida julgou «os presentes autos de impugnação deduzidos por A…, S.A., não provados e improcedentes». E o que é certo é que, como se vê das conclusões da alegação do recurso, a impugnante, ora recorrente, não põe em causa a sentença recorrida quanto ao fundamento, que a mesma também apresenta, de que «todos os montantes recebidos (…) são onerosos»; e que, «assim sendo, estão sujeitos a IVA»; e que «sendo as liquidações correctas, não há que declarar que houve qualquer culpa dos serviços na efectivação das mesmas». Ao contrário: «conforma-se a ora Recorrente com o entendimento sufragado pelo referido órgão jurisdicional concernente ao preenchimento do conceito de prestação de serviços previsto no artigo 4.º do CIVA, pelo que do mesmo não irá interpor recurso, não versando as presentes alegações sobre tal matéria» [conclusão A) do presente recurso]. Assim, a questões – de que «todos os montantes recebidos (…) são onerosos» e que «estão sujeitos a IVA», e que, «sendo as liquidações correctas, não há que declarar que houve qualquer culpa dos serviços na efectivação das mesmas» – não podem ser conhecidas no presente recurso, uma vez que, apesar de terem sido objecto de julgamento na sentença recorrida, as mesmas questões não se encontram incluídas (bem ao invés) nas conclusões da alegação de recurso da ora recorrente. E, então, em face da não impugnação de fundamentos em que a sentença recorrida também se suporta, essas questões devem ser consideradas terminantemente julgadas no Tribunal a quo.
Diga-se também que o pedido formulado na presente impugnação judicial inclui «a anulação das liquidações de imposto e de juros compensatórios supra identificados, por vício de violação de lei, já que a situação fáctica apresentada não é subsumível a uma prestação de serviços nos termos do Código do IVA» – pelo que a sentença ora em crise, de improcedência da impugnação judicial, abrange tanto a impugnação da liquidação de imposto quanto a liquidação dos correspondentes juros compensatórios.
Aliás, quer a «nulidade das liquidações adicionais de juros compensatórios», quer o «pagamento de juros indemnizatórios» [cf. ii) e iii)] só vem aduzidos nas conclusões da alegação do presente recurso, «na medida da procedência do pedido supra formulado» [que é o pedido de anulação da liquidação, por caducidade, formulado em i)].
Como assim, em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a única questão que aqui se coloca – ficando prejudicado o conhecimento de qualquer outra em caso de resposta negativa a esta – é a de saber se se verifica a caducidade do direito de liquidar em relação à liquidação em causa: «a liquidação adicional de IVA n.º 03349723, de 18 de Novembro de 2003, referente ao ano de 1999».
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização ao exercício de 1999, por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, que deu origem às liquidações de IVA n.° 03349723, e de Juros Compensatórios n.°s 03349716, 03349717, 03349718, 03349719, 03349720, 03349721. 03349722 - Doc. Fls. 128 e ss do PAT e 47 a 62 dos autos.
2. As liquidações em causa foram notificadas à impugnante em 25/11/2003 - Doc. Fls. 47 a 62 dos autos e 119 a 125 do PAT.
3. As liquidações em causa decorrem do facto de a Administração Tributária ter considerado que os subsídios contabilizados pela impugnante na conta 741 - Subsídios à Exploração - Do Estado e Outras Entidades Públicas, correspondiam a prestações de serviços enquadráveis no art. 4º do CIVA - Doc. Fls. 128 e ss do PAT.
4. Dos contratos subjacentes a estes subsídios constam obrigações para a impugnante (Fls. 153 a 175 e 191 a 194 dos autos):
A) Para com a Região de Turismo do Algarve, consta na Clausula 7 que:
“1. Todos os contactos com a comunicação social, nomeadamente, conferências de imprensa, press-releases, brochuras e outros suportes de comunicação terão que obrigatoriamente conter menção explícita de que se trata de uma prova patrocinada pela RTA.
2. Todos os veículos publicitários terão que ser apreciados pela RTA e este organismo terá que estar presente em todas as conferências de imprensa. - Doc. Fls. 157.
B) Para com o Governo Regional da Madeira, consta na clausula 4ª que se compromete a:
“a) realizar os torneios anuais, designados Madeira Open (...)
b) assegurar a cobertura do torneio pelos meios de comunicação nacionais e estrangeiros, em especial a televisão, produzindo e difundindo um resumo para a televisão dos momentos mais importantes de cada Open, com cerca de 50 segundos de duração” - Doc. Fls. 161.
C) Para com a Junta de Turismo da Costa do Estoril, constam na cláusula 7ª as seguintes obrigações:
“Manter no título das provas a designação de “Estoril”; Assegurar no mínimo 2 (dois) painéis publicitários alusivos à Costa do Estoril ou à Junta de Turismo da Costa do Estoril no court central;
Garantir o logótipo da JTCE em algum do material promocional;
Garantir a difusão televisiva nacional das provas desportivas e cobertura de imprensa nacional e internacional; Convidar jornalistas estrangeiros da especialidade durante a realização dos eventos para a respectiva cobertura mediática internacional.” - Doc. Fls. 169
D) Para com a Junta de Turismo da Costa do Estoril, constam na cláusula 7ª as seguintes obrigações:
A JTCE “tem direito a colocar, no mínimo 9 placards com a marca Costa do Estoril ao longo do percurso, em locais do campo com boa visibilidade televisiva, para promover a Costa do Estoril;”
E ainda a obrigação de referenciar o apoio da JTCE “em todos os meios impressos e escritos utilizados na divulgação do “Estoril Open” - Doc. Fls. 174.
E) Para com o ICEP:
“Participação de representantes do ICEP na entrega dos prémios
Integração de individualidades do ICEP na Comissão de Honra
1 camarote de 6 lugares no court central
4 painéis de campo cm logo de Portugal no court central
30 convites de 2ª a 6 feira
15 convites de Sábado a Domingo
referência no painel dos patrocinadores” - Doc. Fls. 191
Utilização das seguintes contrapartidas:
“stand de 18 m2 na Aldeia das Tendas”
“Espaço no Catálogo Oficial da Prova para 1 inserção publicitária e mensagem do Presidente do ICEP”
“Aposição do logótipo de Portugal no Quadro de Resultados, Painel de Imprensa e no material gráfico da prova” - Doc. Fls. 192.
5. A impugnante apresentou garantia bancária no montante de € 464.730,01 no Serviço de Finanças de Lisboa - 7 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.° 3239200401, referente à divida em causa nos autos. - Doc. Fls. 111 do PAT.
2.2 A impugnação dos actos tributários poderá ter por fundamento qualquer ilegalidade, mormente a incompetência, vício de forma, e inexistência dos factos tributários. Por isso, integra também ilegalidade, fundamento de impugnação judicial, a caducidade do direito à liquidação, ou seja, o facto de esta haver sido efectuada para além do prazo legal previsto para o efeito.
Por outro lado, a liquidação (ou a correcção dela), como acto de eficácia externa que é, tem que ser notificada aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, «na forma prevista na lei», de acordo com a imposição do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, e essa falta tem como consequência legal a sua ineficácia – cf. Gomes Canotilho, e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, 3.ª edição revista, em anotação IV. ao artigo 268.º.
Aliás, o n.º 1 do artigo 64.º do Código de Processo Tributário – em concretização deste imperativo constitucional – preceitua que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam notificados.
De resto, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, o n.º 1 do artigo 65.º do Código de Processo Tributário impõe que as notificações sejam feitas por carta registada com aviso de recepção – quando não por mandado pessoal (cf. o n.º 4 deste artigo 65.º). Os «actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes» são, desde logo, actos tributários como a correcção ou a fixação da matéria colectável, e a liquidação de impostos – cf. Alfredo de Sousa, e Silva Paixão, no Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 1998, em anotação 4. ao artigo 65.º.
Portanto – segundo entendemos – a liquidação adicional de IVA, por exemplo, terá de ser notificada ao contribuinte (quando não pessoalmente através de mandado), ao menos por meio de carta registada com aviso de recepção. E, havendo aviso de recepção – reza o n.º 3 do artigo 66.º do Código de Processo Tributário –, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado pelo destinatário ou por pessoa que o possa fazer nos termos do regulamento dos serviços postais.
Nos termos do n.º 1 do artigo 33.º do Código de Processo Tributário (entrado em vigor em 1 de Julho de 1991, segundo o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, que aprovou este Código), «o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca, se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.»
No dia 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 389/98, de 17 de Dezembro – cf. artigo 6.º deste Decreto-Lei.
O artigo 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária veio estabelecer que «O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
E «O novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998», por força do n.º 5 do artigo 5.º do dito Decreto-Lei n.º 389/98, de 17 de Dezembro, que aprovou a Lei Geral Tributária.
Segundo o n.º 4 do citado artigo 45.º da Lei Geral Tributária, «O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Conforme é jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo (cf., a este respeito, por todos, o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 7-5-2003, proferido no recurso n.º 65/02; e também os acórdãos desta Secção, de 17-1-2007, e de 7-3-2007, proferidos nos recursos n.º 963/06, e n.º 1018/06), o IVA, para o efeito de caducidade do direito de liquidação, deve ser qualificado como imposto de obrigação única, e não como imposto periódico, pois que incide sobre factos tributários de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticados, não relevando, para tal qualificação, que o sujeito passivo exerça continuada ou só ocasionalmente a respectiva actividade.
O que é certo, porém, é que, após a redacção dada ao n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003), aquele prazo de caducidade de quatro anos conta-se «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou (…) a exigibilidade do imposto (…)».
Assim, o termo inicial do prazo (de 4 anos) extintivo do direito da Administração Fiscal à liquidação do IVA – que, à luz do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na sua redacção originária, se fixava «a partir da data em que o facto tributário ocorreu» –, passou a ser fixado «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto», após a redacção dada ao n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
Ora, esta alteração, protelação ou delonga do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação de imposto traduz-se objectivamente em uma alteração desse prazo para “mais longo” – cf., situação análoga, em Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, I vol., p. 556, nota 3.
Sob a epígrafe “Alteração de prazos”, o artigo 297.º do Código Civil, preceitua, no seu n.º 2, que «A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».
O artigo 297.º do Código Civil resolve, assim, um problema de sucessão de leis no tempo. Quando a lei nova altera o momento, o dies a quo um prazo se começa a contar, se esse momento é dilatado ou ampliado, deve aplicar-se a regra do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil: a lei nova aplica-se imediatamente aos prazos em curso, computando-se no novo prazo todo o tempo decorrido desde o termo inicial segundo a lei nova.
Com efeito, tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento de início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova» – cf. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 242/243.
Não se trata de aplicação retroactiva da lei, mas de simples aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, de que a lei vale para o futuro.
2.3 No caso sub judicio, «o IVA em causa nos autos é relativo ao período de Janeiro a Setembro de 1999» e «as liquidações em causa foram notificadas à impugnante em 25/11/2003» – consoante consta da sentença recorrida.
À data de entrada em vigor da redacção dada ao n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003) – em que o prazo de caducidade de quatro anos se conta «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto» – ainda estava em curso, pois que não se tinha completado, o prazo de quatro anos sobre Janeiro de 1999, contado à luz do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na sua redacção originária, «a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Como assim – e porque a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, pela procrastinação do início da sua contagem («a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto»), contempla um prazo mais longo que o anterior ainda em curso na situação em causa –, a “lei nova” é aplicável ao caso, computando-se «todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial», nos termos do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil.
E, então, é bem certo que, desde 1 de Janeiro de 2000 (início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto) até 25-11-2003 (data da notificação das liquidações em causa) não se completaram os quatro anos de caducidade do direito de liquidar IVA.
Pelo que – tendo considerado que, «atento o facto de que o IVA em causa nos autos é relativo ao período de Janeiro a Setembro de 1999», «não havia ocorrido a caducidade do direito à liquidação em 25/11/2003, data da respectiva notificação» –, goza de acerto a sentença recorrida, a qual, fazendo correcta aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, de que a lei vale para o futuro, não faz aplicação retroactiva da lei, nem afronta os princípios constitucionais «da legalidade tributária, da não retroactividade da lei fiscal e do Estado de Direito Democrático», apontados pela ora recorrente na conclusão C) do presente recurso.
Estamos deste modo a dizer, em resposta ao thema decidendum, que não se verifica a caducidade do direito de liquidar em relação à liquidação em causa: «a liquidação adicional de IVA n.º 03349723, de 18 de Novembro de 2003, referente ao ano de 1999».
Assim, havemos de concordar, em súmula, que o prazo de 4 anos, de caducidade do direito de liquidação, estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, é de aplicação aos factos tributários ocorridos a partir de 1-1-1998 – por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 389/98, de 17-12, que aprovou a Lei Geral Tributária (entrada em vigor no dia 1-1-1999, nos termos do artigo 6.º deste Decreto-Lei n.º 389/98).
Depois da redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».
A procrastinação do início de contagem do prazo traduz a fixação de um “prazo mais longo”, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil, pelo que se aplica ao prazo em curso o prazo mais longo, a contar pelo modo novo «desde o seu momento inicial».
Como assim, não há produção da caducidade do direito de IVA «relativo ao período de Janeiro a Setembro de 1999», quando a notificação da respectiva liquidação haja tido lugar na data de 25-11-2003.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 26 de Novembro de 2008. – Jorge Lino (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.