Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:09/22.3BALSB
Data do Acordão:11/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
REVISÃO OFICIOSA
Sumário:Sendo pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação ao abrigo do preceituado no artigo 78, nº 1 da Lei Geral Tributária (para além do prazo ordinário de reclamação graciosa ou impugnação) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que apenas em sede de impugnação, os juros indemnizatórios só são devidos, por força do regime consagrado no artigo 43.º, n.º 1 e 3, alínea c) da citada Lei, depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido de revisão, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada.
Nº Convencional:JSTA000P30225
Nº do Documento:SAP2022112309/22
Data de Entrada:01/25/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A………… - SGPS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a decisão arbitral proferida no processo n.º 334/2021-T, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), dela interpor recurso por alegada oposição com o decidido por Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em 11 de dezembro de 2019, no processo n.º 051/19.1BALSB, na parte referente à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação por iniciativa do contribuinte nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto parte da decisão arbitral proferida no processo n.º 334/2021-T, em 09-12-2021, com notificação elaborada em 10-12-2021, por Tribunal Arbitral em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

B. A decisão arbitral recorrida, no que respeita à condenação em juros indemnizatórios, colide frontalmente com a jurisprudência firmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pois tendo sido apresentado pedido de revisão oficiosa pelo contribuinte, a decisão arbitral recorrida decidiu contrariamente ao entendimento vertido no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 051/19.1BALSB, datado de 11-12-2019, e que constitui Acórdão fundamento dos presentes autos de recurso, nos termos da redação do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT.

C. Assim, a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto, em contradição total com o Acórdão fundamento, decidiu condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até à sua integral devolução.

D. Efetivamente os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, 3, alínea c) e 4 da LGT, nos casos em que houve procedimento de revisão oficiosa, decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, mesmo no caso de impugnação judicial do indeferimento expresso daquela revisão.

E. Existindo, assim, uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que se prende o pagamento de juros indemnizatórios.

F. Conforme decorre da factualidade dada como assente na decisão recorrida, encontra-se em apreciação na ação arbitral sub judice uma situação na qual estava em causa um pedido de revisão de atos tributários por iniciativa do contribuinte [cf. alíneas H), I), J) e K) da matéria de facto dada como assente na decisão arbitral recorrida].

G. Consequentemente, aplicando o disposto no artigo 43.º, da LGT, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse valorado corretamente o momento em que nestes casos passam os juros indemnizatórios a ser devidos, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, ou seja, um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa pelo contribuinte.

H. Tendo, assim, decidido erroneamente quando, enquadrando o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, concluiu serem tais juros devidos desde a data dos pagamentos efetuados até à sua integral devolução, contrariando a jurisprudência do acórdão fundamento assinalado supra.

I. Com efeito, no Acórdão fundamento respetivo, isto é, o proferido Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 051/19.1BALSB, datado de 11-12-2019 (também) se apreciou uma situação na qual estava em causa um pedido de revisão de atos tributários por iniciativa do contribuinte. [cf. mormente pontos v. a vii. da matéria de facto dada como provada neste acórdão].

J. E perante tal factualidade decidiu-se neste acórdão que:

«A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção (A título de exemplo, referimos os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 23 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 1201/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f10bab6bc3edec5a8025829d0033feb5; - de 24 de Outubro de 2018, proferido no processo n.º 99/18.3BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931//51a3fd190da40efa802583350054ae9a; - de 27 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 22/18.5BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a483fda3886e1bcd802583bd005456c9; - de 8 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 116/18.7BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bb965cb6aa7aa5f0802583fb003f0b80; - de 3 de Julho de 2019, proferido no processo com o n.º 4/19.0BALSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e141f64ca6e654dc80258435003abc7c).

Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.º 22/18.5BALSB:

«A leitura do disposto no art. 61.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações sendo que, tratando-se de entidade a quem compete decidir o pedido de revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, situação destes autos, tal entidade apenas pode reconhecer esse direito se não for cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios. Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art. 43.º, n.º 3, que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária». Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no n.º 3, al. c), do art. 43.º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário. Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação. O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir. A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.».

É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.

Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal.

Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art. 57.º, n.º 1)». No caso sub judice, as liquidações ocorreram e terão sido pagas entre Junho de 2014 e Junho de 2015 (cfr. pontos iv e v dos factos provados).

Todavia, o pedido de revisão da liquidação só foi apresentado em 20 de Junho de 2018 (cfr. ponto vi dos factos provados) e, nesta circunstância, os juros só podem ser contados a partir de um ano depois, isto é, a partir de 20 de Junho de 2019.

Assim sendo, não pode deixar de ser revogada a vertente da decisão arbitral que fixou o termo inicial dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto, e de se julgar que esse termo inicial só ocorreu em 20 de Junho de 2019, nesta medida se concedendo provimento ao recurso.»

K. Concluindo que:

«Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão: Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT]».

L. Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito na decisão arbitral recorrida e no Acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, foi decidida em idêntica situação de facto a mesma questão de direito, que se prende com a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa de ato tributário por iniciativa do contribuinte.

M. Questão esta que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova decisão que condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde 30-01-2020, um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.

N. A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a decisão arbitral recorrida viola o disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.

O. Repita-se que estando-se perante uma situação de pedido de revisão oficiosa prévio apresentado pelo contribuinte, aplicando o disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c) e 4 da LGT, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse valorado corretamente o momento em que nestes casos passam os juros indemnizatórios a ser devidos, isto é, um ano após o pedido de revisão, ou seja, desde 30-01-2020, um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.

P. Nunca a partir da data de pagamento do imposto, como erroneamente decidiu a decisão arbitral recorrida.

Q. Por todo o exposto, resta concluir que a decisão arbitral recorrida, no que respeita à condenação em juros indemnizatórios, incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada no acórdão fundamento, devendo ser substituída por nova decisão que julgue procedente o presente recurso nos termos acima já identificados.

R. Mais se peticionando, por fim, nos termos legais e constitucionais supra expostos, dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada parcialmente a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido do conhecimento do mérito do recurso e, quanto ao mérito, no sentido do respectivo provimento, anulando-se a decisão arbitral no segmento recorrido e determinando-se que apenas são devidos juros indemnizatórios desde 30.01.2020, ou seja, após um ano contado desde a data do pedido de revisão oficiosa.

4 - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

5 – Matéria de facto:

5.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

A) A A…………- SGPS, S.A, à data dos factos que relevam para a decisão da causa, era uma sociedade gestora de participações sociais, que se encontrava regulada pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, e estava domiciliada em Portugal;

B) No âmbito da sua atividade, a A………… SGPS recorreu a financiamento junto de instituições de crédito, tendo celebrado contratos de crédito com o B……… – a que sucedeu o ……… -, com a Caixa Económica ……… (CE……), a que se referem os documentos n.ºs 10, 11 e 12 juntos com o pedido arbitral;

C) A A………… SGPS celebrou um outro contrato de crédito com a CE……, a CGD e o ………, a que se refere o documento n.º 17 junto com o pedido, tendo aquela última entidade funcionado como banco agente;

D) O contrato de crédito celebrado com a CE…… foi objeto de um acordo de reestruturação da dívida do grupo ………, a que se refere o documento n.º 13 junto com o pedido arbitral, tendo a Requerente, no âmbito desse acordo, contraído um financiamento adicional com o ………;

E) A B………… SGPS, S.A., sociedade integrante do Grupo ……… celebrou um contrato com o B…… em 16 de novembro de 2010, a que se refere documento n.º 18 junto com o pedido;

F) Em Dezembro de 2015, a B………… SGPS, S.A foi incorporada, por fusão, na Requerente, no âmbito de uma organização societária e financeira definida pelo grupo ………, e, na sequência da reestruturação da dívida do grupo, a Requerente assumiu a posição contratual da sociedade incorporada no contrato de crédito a que se refere a antecedente alínea E);

G) As instituições bancárias mutuantes acima identificadas encontram-se domiciliadas em Portugal.

H) As instituições de crédito liquidaram e entregaram ao Estado imposto de selo incidente sobre as operações de crédito, no período de maio de 2015 a janeiro de 2017, no montante total de € 358.200,28, de acordo com o quadro abaixo descrito: (Quadro)

I) As instituições de crédito fizeram repercutir o imposto de selo liquidado na esfera jurídica da entidade mutuária, que suportou integralmente o imposto.

J) A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação de imposto do selo, que foi objeto de indeferimento por despacho do Subdiretor-geral, de 20 de novembro de 2019, ao abrigo de subdelegação de competências;

K) Na sequência, a Requerente apresentou recurso hierárquico, que foi indeferido por despacho da Diretora Geral da Autoridade Tributária, de 6 de fevereiro de 2021, com base na informação dos serviços, que consta do documento n.º 4 junto com o pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido;

L) Na informação de serviço que serviu de base ao indeferimento do recurso hierárquico conclui-se o seguinte:

IV APRECIAÇÃO

4. Sinteticamente, no entender da Recorrente, o tipo de atividades por si desenvolvidas – e independentemente do mercado em que se insere – não pode deixar de relevar para efeitos do seu enquadramento no conceito de “instituição financeira” previsto na legislação comunitária e, consequentemente, para o acesso à isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

Vejamos,

5. Como nota inicial cumpre-nos afirmar que discordamos do entendimento expresso e que reiteramos tudo o que foi escrito na decisão aqui em crise, não deixando, no entanto, de tecer os seguintes considerandos:

6. Conforme se disse em sede de revisão oficiosa, da conjugação do ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva (UE) 2013/36/UE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (Diretiva 2013/36), com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 575/2013, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (Regulamento 575/2013), não se extrai da definição de “instituição financeira” neste contida que as SGPS integrem o conceito fornecido pela legislação comunitária.

7. Com efeito, não é pelo facto de o legislador comunitário ter delimitado a definição de “instituição financeira”, dela excluindo expressamente as empresas que não sejam instituições de crédito ou empresas de investimento e as “sociedades gestoras de participações no setor dos seguros e as sociedades gestoras de participações de seguros mistas, na aceção do artigo 212.º, n.º 1, ponto g) da Diretiva 2009/138/CE”, que se pode concluir que desta definição, conjugada com o Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (RJSGPS), as SGPS cabem no conceito de “instituição financeira” previsto no Regulamento (UE) n.º 575/2013.

8. A Diretiva 2013/36 (e já assim era, com as devidas adaptações, na revogada Diretiva 2006/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício) visou harmonizar no espaço europeu o acesso à atividade e a supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, constituindo, em conjunto com o Regulamento (UE) n.º 575/2013, o enquadramento legal que rege o acesso à atividade, os poderes e instrumentos de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento, e estabelece a uniformização dos requisitos prudenciais gerais aplicáveis às instituições sujeitas à supervisão ao abrigo da Diretiva (1), que estão estritamente relacionados com o mercado bancário e o mercado de serviços financeiros.

9. Com efeito, lê-se por exemplo no Considerando (2) da Diretiva 2013/36 que “ [a] presente diretiva deverá, nomeadamente, conter as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, as competências das autoridades de supervisão dos Estados-Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições de crédito e das empresas de investimento. A presente diretiva tem como principal objetivo e objeto a coordenação das disposições legais nacionais relativas ao acesso à atividade das instituições de crédito e das empresas de investimento, às modalidades do seu governo e ao seu regime de supervisão. As Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE incluíam igualmente requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento. Esses requisitos deverão ser regulados no Regulamento (UE) n.º 575/2013 que estabelece requisitos prudenciais uniformes e diretamente aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento, uma vez que tais requisitos estão estreitamente relacionados com o funcionamento dos mercados financeiros no que diz respeito a uma série de ativos detidos pelas instituições de crédito e pelas empresas de investimento. A presente diretiva deverá, por conseguinte, ser interpretada em conjunto com o Regulamento (UE) n.º 575/2013 e deverá, em conjunto com o mesmo regulamento, constituir o enquadramento legal que rege as atividades bancárias, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento”;

10. E nos seguintes Considerandos do Regulamento (UE) n.º 575/2013, com a qual se entrecruza e complementa: “(5) Conjuntamente, o presente regulamento e a Diretiva 2013/36/UE deverão constituir o enquadramento jurídico que rege o acesso à atividade, o quadro de supervisão e as regras prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento (…). Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser interpretado em conjunto com a referida diretiva. (6) A Diretiva 2013/36/EU (…) deverá, nomeadamente, conter as disposições relativas ao acesso à atividade das instituições, às modalidades do seu governo e ao seu quadro de supervisão, tais como as disposições que regem a autorização da atividade, a aquisição de participações qualificadas, o exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade de prestação de serviços, aos poderes das autoridades competentes dos Estados-Membros de origem e de acolhimento nesta matéria e as disposições que regem o capital inicial e a supervisão das instituições. (7) O presente regulamento deverá, nomeadamente, conter os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições que estão estritamente relacionados com o funcionamento do mercado bancário e do mercado de serviços financeiros e que se destinam a garantir a estabilidade financeira dos operadores nesses mercados, bem como um elevado nível de proteção dos investidores e dos depositantes. (…).”

11. Ora, a Recorrente não é uma entidade financeira, não opera nem integra o sistema financeiro em nenhum dos seus mercados, não exerce nenhuma atividade bancária, nem tão-pouco atua no mercado dos serviços e produtos financeiros.

12. Com efeito, uma simples consulta ao seu CAE permite confirmar que não exerce, porque lhe vedada face ao quadro legal referido, qualquer atividade estritamente relacionada com o mercado bancário e/ou o mercado de serviços financeiros.

13. Efetivamente, a Recorrente é uma SGPS, cujo CAE 64202 do Código das Atividades Económicas, Rev.3, respeita a atividades das sociedades gestoras de participações sociais não financeiras que compreende as atividades das sociedades gestoras de participações sociais, que através de participações controlam uma ou mais sociedades não financeiras. Estas sociedades não administram, não supervisionam e nem gerem outras unidades da empresa ou empresas das quais detêm o controlo.

14. Perante uma atividade tão fortemente regulamentada, cujo acesso aos mercados financeiros é fortemente condicionado por um específico e rigoroso quadro regulatório, sancionatório e de supervisão imposto pelas respetivas autoridades de supervisão financeira em geral, e bancária em particular, forçoso é concluir que a Requerente não pode ser enquadrada no conceito de “instituição financeira” presente na legislação comunitária.

15. Assim sendo, rejeita-se liminarmente a tese da Recorrente que defende que o releva para o acesso à isenção é o tipo de atividade e não o mercado em que a mesma se insere.

16. Acresce que, considerando o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do RJSGPS, as SGPS qualificam-se como holdings de direção, cuja atuação no mercado, por um lado, não se reconduz à realização de investimentos financeiros; nem, por outro lado, ao exercício direto de uma atividade económica. Ou seja, nas palavras do legislador “a gestão de participações sociais” é uma “forma indireta de exercício de atividades económicas” (cf. n.º 1 do artigo 1.º e n.º 2 do artigo 2.º do RJSGPS).

17. A dicotomia entre as expressões “aquisição de participações” [ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013] e “gestão de participações sociais” (n.º 1 do artigo 1.º do RJSGPS) não é, assim, meramente aparente.

18. Ainda que a utilização da palavra comum “participações” pudesse sugerir a existência de uma “dúvida”, ela é imediatamente dissipada quando se analisa a transposição da Diretiva n.º 2013/36 para o direito interno (2). Isto é, só as SGPS referidas na subalínea i) da alínea z) do artigo 2.º - A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) podem ser definidas como “instituições financeiras.” (3)

19. E em caso de incerteza sobre o que são “sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de Portugal” ela é imediatamente dissipada pela simples leitura do artigo 117.º do RGICSF.

20. Esta interpretação é consentânea com o que se disse nos parágrafos anteriores; isto é, só as SGPS que, através da “gestão de participações sociais”, exerçam de forma indireta uma atividade típica de uma instituição de crédito ou sociedade financeira devidamente regulamentada e autorizada é que podem ficar abrangidas pelo conceito de “instituição financeira” previsto no ponto 22) do n.º 1 do artigo 3.º da Diretiva n.º 2013/36, conjugado com o ponto 26) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento n.º 575/2013.

21. Esta constatação harmoniza-se ainda com o disposto no n.º 5 do artigo 10.º RJSGPS que sujeita as SGPS a registo especial e à supervisão do Banco de Portugal quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 117.º do RGICSF, equiparando-as, ainda, a sociedades financeiras para efeitos do disposto no título XI do mesmo regime legal.

22. Ou seja, o próprio RJSGPS destrinça as SGPS ditas “normais”, que ficam sob a alçada da Inspeção-Geral das Finanças, das SGPS que também funcionam sob a alçada do Banco de Portugal, Autoridade Nacional de Supervisão, integrada no Mecanismo Único de Supervisão, em conjunto com o Banco Central Europeu.

23. O que não é o caso, pois a comprovação de que a SGPS, ora Recorrente, não é uma “instituição financeira” pode obter-se pela simples verificação de que não se encontra sob a supervisão de nenhum Banco Central, nomeadamente o Banco de Portugal. (4)

24. Já no que respeita às orientações administrativas referidas sobre a isenção consagrada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, cumpre relembrar, uma vez mais, que elas foram proferidas a propósito de situações concretas e específicas que nada têm a ver com o caso sub judice, como bem sabe e reconhece a Recorrente. No Parecer 25/2013 do CEF estavam em causa SCR e FCR e a sua qualificação como “instituição financeira”; já as informações vinculativas debruçaram-se, concretamente, sobre organismos de investimento coletivo (OIC).

25. Acresce que, não corresponde à verdade a afirmação que a AT, baseada na atividade principal desenvolvida (e não nos mercados em que se inserem) chegou à conclusão de que sociedades que não operam no sector bancário ou financeiro, como é o caso dos FCR e os FII, se qualificam como uma “instituição financeira”.

26. Pelo contrário, quer os FCR quer os FII estão integrados no sistema financeiro, em concreto no segmento ou mercado dos instrumentos financeiros, estando igualmente sujeitos a um específico e rigoroso quadro regulatório, sancionatório e de supervisão financeira, que se entrecruza e complementa com o do sector bancário, exercido, em Portugal, pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), e na União Europeia, pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA).

27. Ou seja, são entidades financeiras que, tal como as “instituições financeiras”, antes de poder exercer as suas atividades e serviços de investimento no mercado de instrumentos financeiros onde se inserem, necessitam de ser previamente regulamentadas e autorizadas pelas respetivas autoridades de supervisão.

28. Em complemento ao que se disse importa mencionar que a classificação dos FCR e dos FII como “instituições financeiras” é assumida pelo próprio Banco Central Europeu, que os qualifica e inclui na lista das instituições financeiras.

29. Lista de que, como previsível, face ao seu objeto e mercados onde pode atuar, à data dos factos tributários aqui em crise, a Recorrente não faz parte. (5)

30. Pelo que, em face de todo o exposto, somos a concluir que a SGPS, ora Recorrente, não se qualifica, face à legislação comunitária referida, como uma “instituição financeira”, não preenchendo, por esse motivo, o pressuposto subjetivo da isenção previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

31. Nesta decorrência, soçobrando o pressuposto subjetivo de que depende o preenchimento da isenção, continua a inexistir fundamento para a admissão pedido de revisão oficiosa aqui recorrido, sendo de manter a decisão proferida.

M) O despacho de indeferimento do recurso hierárquico foi notificado por ofício enviado por correio postal em 9 de abril de 2021;

N) O pedido arbitral deu entrada em 2 de junho de 2021.

5.2 Por sua vez, no Acórdão-fundamento – Acórdão do Pleno da Secção do STA de 11 de dezembro de 2019, processo n.º 051/19.1BALSB estavam fixados os seguintes factos:

i. O Requerente encontra-se constituído como um fundo de investimento imobiliário fechado, com autorização da CMVM em 06/07/2005 tendo iniciado a sua actividade em 15/07/2005, a que corresponde o código CAE “64300 - Trusts, fundos e entidade financeira similares” e, como CAE secundária “6810- Compra e venda de bens imobiliários”,

ii. O depositário dos seus activos e a sua entidade comercializadora é o “Banco ……., S.A.”, encontrando-se registado na CMVM, como intermediário financeiro desde 29/07/1991,

iii. O FUNDO tem recorrido a financiamentos juntos do “Banco ………., S.A.” a coberto de um “contrato de abertura de crédito por conta corrente”, celebrado em 20/03/2013 e aditado em 23/12/2014,

iv. Entre Junho de 2014 e Junho de 2015, o Requerente contraiu financiamentos bancários junto do referido banco,

v. Relativamente a esse período o “Banco …………., S.A.” liquidou o imposto do selo devido por tais operações ao abrigo do disposto na verba 17 da TGIS, tendo-o repercutido ao Requerente,

vi. Em 20/06/2018 o Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira pedido de revisão oficiosa, com vista à anulação dos actos tributários de liquidação do imposto do selo com referência à verba 17 da respectiva tabela anexa ao CIS, tendo-se sobre o mesmo formado indeferimento tácito,

vii. Em 2018-12-21, o Requerente através do seu representante legal “…………- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário” dirigiu ao CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral que originou o presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

8 – Decidindo

8.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».

Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso dos autos.

A decisão arbitral recorrida, no segmento impugnado – o respeitante aos juros indemnizatórios peticionados pelo requerente - julgou que na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (…). Consta do probatório fixado – cfr. as suas alíneas H), J), K), M), e N) – que o imposto em causa – Selo incidente sobre operações financeiras respeitante ao período maio de 2015 a janeiro de 2017 -, foi liquidado, pago e repercutido integralmente na esfera jurídica da recorrida, tendo esta deduzido pedido de revisão oficiosa da liquidação, que foi indeferido, e deste indeferimento recorreu hierarquicamente, sendo o recurso hierárquico igualmente indeferido e tendo recorrido finalmente à arbitragem, que veio a anular a liquidação de imposto. Não consta do probatório a data em que o pedido de revisão foi deduzido – cfr. a sua alínea J) -, apenas a data do respectivo indeferimento expresso.

O Acórdão fundamento, por seu turno, do Pleno da Secção, após ter julgado verificada oposição juridicamente relevante entre as decisões em confronto, considerando que as liquidações ocorreram e terão sido pagas entre Junho de 2014 e Junho de 2015 (cfr. pontos iv e v dos factos provados). E que (…) o pedido de revisão da liquidação só foi apresentado em 20 de Junho de 2018 (cfr. ponto vi dos factos provados) e, nesta circunstância, os juros só podem ser contados a partir de um ano depois, isto é, a partir de 20 de Junho de 2019, pois Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].

Os arestos em confronto deram, pois, resposta divergente à mesma questão fundamental de direito – a de saber qual o termo inicial de pagamento de juros indemnizatórios no caso de ter sido deduzido pedido de revisão, não se revelando como essenciais as diferenças factuais verificadas num caso e noutro (o facto de ter havido indeferimento expresso do pedido de revisão e posterior recurso hierárquico também tacitamente indeferido no caso da decisão recorrida e mero indeferimento tácito do pedido de revisão no caso do Acórdão recorrido), pois que em ambos o pedido de revisão terá sido formulado para além dos prazos gerais de reclamação administrativa/impugnação, o imposto foi pago e a anulação, apenas ocorrida em via arbitral, teve lugar para além de um ano após o pedido.

Também não é de ponderar como obstáculo à admissão do recurso que a orientação perfilhada pela decisão arbitral esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que essa jurisprudência, como veremos adiante, é de sentido contrário à perfilhada naquela decisão.

Passemos, pois, ao conhecimento do mérito do recurso.

8.2 Do mérito do recurso

Constitui jurisprudência reiterada, uniforme e pacífica do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA que, sendo anulada liquidação de imposto por erro imputável aos serviços na sequência de pedido de revisão oficiosa da liquidação deduzido para além dos prazos de reclamação graciosa ou impugnação judicial, ao termo inicial dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária aplica-se a norma especial prevista na alínea c) do n.º 3 do preceito legal, ou seja, estes são devidos a contar, não da data do pagamento do imposto, mas apenas um ano após o pedido de revisão.

A decisão arbitral não o entendeu assim, daí que não possa manter-se.

Acolhendo a jurisprudência deste STA sobre a questão e remetendo, por mais recentes, para os três Acórdãos do Pleno da Secção do passado dia 29 de setembro (processos n.ºs 51/22.4BALSB, 112/21.7BALSB e 50/22.6BALSB) que, por unanimidade, mais uma vez reiteraram o entendimento segundo o qual sendo pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação ao abrigo do preceituado no artigo 78, nº.1 da Lei Geral tributária e sendo o acto anulado, mesmo que apenas em sede de Impugnação Judicial, os juros indemnizatórios só são devidos, por força do regime consagrado no artigo 43.º, n.º 1 e 3, alínea c) da citada Lei, depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, haverá que anular a decisão arbitral no segmento recorrido e julgar que os juros devidos têm como termo inicial um ano após o pedido de revisão, pois mas o pedido de revisão terá sido deduzido para além do prazo ordinário de reclamação administrativa e não obteve decisão favorável dentro do prazo de um ano.

Não tendo o probatório da decisão arbitral recorrida fixado a data em que o pedido de revisão foi efectuado – e julgamos que devia tê-lo feito -, haverá que, em execução do presente julgado, confirmar a data em que teve lugar o pedido de revisão oficiosa da liquidação.

O recurso merece provimento.


- Decisão -

9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral no segmento recorrido e declarar que os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.

Custas pelo recorrida, que não paga taxa de justiça pois não contra-alegou.

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Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 23 de novembro de 2022. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.