Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0943/09
Data do Acordão:11/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
ISENÇÃO
CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE
Sumário:I - Nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, só é reconhecido o direito à dedução do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
II - Não é admitido o direito à dedução do IVA suportado constante de factura emitida por contribuinte já cessado, pois, contrariamente ao sujeito passivo isento, o contribuinte que haja cessado perde a natureza de sujeito passivo que detinha até então.
Nº Convencional:JSTA00066141
Nº do Documento:SA2200911250943
Data de Entrada:10/02/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART2 N1 C ART19 N1 A N2 A N6 ART35.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença da Mma. Juíza do TAF de Leiria que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…, com os sinais dos autos, contra as liquidações de IVA, e respectivos juros compensatórios, referentes aos anos de 1995 e 1996, apenas manteve as liquidações impugnadas na parte respeitante ao IVA constante das facturas emitidas por B…, anulando-as na parte remanescente, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A) A sentença sob recurso anula as correcções efectuadas, com referência ao IVA constante das facturas emitidas por dois contribuintes, em sede de cadastro de IVA, evidenciados como isento e cessado.
B) Entendendo a Mma. Juíza que, tanto para as situações de isenção, como de inactividade, independentemente de os sujeitos passivos que indevidamente liquidaram IVA cumprirem, ou não, as suas obrigações fiscais, o IVA pago pode ser deduzido pelo adquirente dos bens e serviços.
C) Deste modo, a sentença sob recurso não diferenciou as situações em causa, as quais teriam de ser diferentemente avaliadas e decididas.
D) O alicerce das correcções efectuadas pela AF e do corte no direito à dedução não foi a simulação das facturas, mas o facto de estas terem sido emitidas por sujeito passivo isento (art.º 53.º do CIVA) ou cessado (artigos 32.º e 33.º do CIVA).
E) Quando os sujeitos passivos isentos emitem factura com liquidação de IVA, ainda que indevidamente, estão obrigados à sua entrega nos termos do art.º 2.º/1-c) do CIVA.
F) Estes documentos conferem ao adquirente o direito à dedução, se emitidos sob a forma legal e devidamente discriminados (art.º 35.º do CIVA) e, ainda, se o cliente suportar este imposto para realizar operações tributadas (art.º 19.º, n.º 1-a), n.º 2-a) e n.º 6 em conjugação com o art.º 35.º, todos do CIVA).
G) Porém, na facturação emitida pelo sujeito passivo cessado, a situação é diametralmente diversa, não podendo nunca o IVA mencionado em tais facturas ser aceite como dedutível.
H) Tal como resulta da conjugação de duas disposições contidas no Código do IVA e que não foram consideradas na sentença sob recurso, viciando-a em definitivo.
I) O emitente de facturação que se encontre cessado perde, após a data da cessação, a natureza de sujeito passivo que detinha até então, sendo que, no caso dos autos, o emitente encontrava-se já cessado desde 1991.01.11 quando emitiu, em 1995.12.30, a factura em crise.
J) Ou seja, não se mostra observada a condição imposta pela alínea a) do n.º 1 do art.º 19.º do CIVA para o exercício do direito à dedução (“o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”).
K) Reforçando tal entendimento, afirma, claramente, o n.º 11 do art.º 22.º do CIVA que “Os pedidos de reembolso serão indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso”.
L) Pelo que a douta sentença sob recurso deveria ter decidido no sentido da manutenção das liquidações impugnadas, pelo menos, na parte respeitante ao IVA mencionado na factura emitida por C…, contribuinte cessado em IVA à data da respectiva emissão.
M) Não decidindo nesse sentido, a sentença sob recurso fez errada aplicação dos artigos 2.º/1-c), 19.º, n.º 1-a), n.º 2-a) e n.º 6, 22.º/11 e 35.º, todos do CIVA.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) O impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que incidiu sobre o exercício de 1995 e culminou com a elaboração do relatório de fls. 29 a 32 do apenso, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(…)
1.3 – Motivos ou fundamentos específicos da fiscalização:
A presente acção de fiscalização teve origem no facto de se ter efectuado uma análise sucinta à declaração modelo 2 do ano de 1995, tendo-se concluído que o Resultado Fiscal evidenciado era bastante baixo. Nesta conformidade procedeu-se à análise aos elementos de escrita do Sujeito Passivo.
2 – Caracterização da Empresa
2.1 – Constituição da firma e capital social:
Trata-se de um empresário em nome individual que se dedica à actividade de Construção Civil na modalidade de sub-empreitadas.
(…)
3 – Análise Contabilístico-Fiscal
3.1 – Descrição dos factos contabilístico-fiscais com relevância fiscal:
O contribuinte dedica-se à actividade de Construção Civil executando obras por empreitada.
Em matéria de meios humanos, não tem qualquer empregado ao seu serviço, recorrendo, para execução das obras de empreitada, à prestação de serviços externos, (sub-contratos), conforme fotocópias anexas a fls. 10 a 17-A.
(…)
Analisada a actividade do Sujeito Passivo bem como os seus elementos de escrita, verificou-se o seguinte:
a) Foi efectuado um teste-controlo através da facturação aos fornecimentos de matérias-primas, do qual se conclui que nem de todos os fornecimentos foi efectuado o correspondente registo.
A relação de matérias-primas adquiridas consta do anexo (…).
Através dela se conclui que a quase generalidade das matérias-primas foi destinada à localidade do seu domicílio, ou seja, Zambujais.
Existem ainda fornecimentos de matérias-primas para Coimbra, Pombal e outros locais que não constam das respectivas facturas.
Elaborámos também uma relação das facturas processadas pelo Sujeito Passivo anexa a fls. 20.
Através dela verificamos que a maioria das facturas foi processada à firma “E..., Lda.”, com sede em Lisboa.
Quanto aos fornecimentos de matérias-primas para Coimbra não existe qualquer factura.
b) Dado o Sujeito Passivo recorrer sistematicamente a Serviços Externos, procedemos a uma análise mais detalhada da rubrica “outras Despesas” onde estes serviços foram incluídos, tendo-se verificado o seguinte:
I – O prestador de serviços B… com o NIPC 814803334 (…) processou as seguintes facturas:
Documento Valor Líquido IVA
-Fact. n.º 7, 30.07.95 448.380$ 76.224$
-Fact. n.º 9,30.08.95 1.012.500$ 172.125$
-Fact. n.º 10, 02.09.95 1.158.000$ 196.860$
-Fact. n.º 12, 06.09.95 1.612.000$ 274.040$
-Fact. n.º 6, 04.10.95 720.000$ 122.400$
-Fact. n.º 11, 04.10.95 166.667$ 28.333$
-Fact. n.º 13, 25.10.95 528.500$ 89.845$
Totais 5.646.047$ 959.827$
Porém, as facturas processadas por este contribuinte e antes descritas são fotocópias de outras facturas não revestindo, por consequência, forma legal, contrariando assim o preceituado nos artigos 35.º do CIVA e 41.º, n.º 1, al. h) do CIRC, atenta e remissão constante do artigo 31.º do CIRS.
II – O prestador de serviços C… (…) processou a factura n.º 3, de 30.12.95, no valor líquido de 35.390$00 acrescido de IVA no valor de 6.016$00.
Pela consulta efectuada ao cadastro do IVA, verificamos que o mesmo cessou a actividade em 11.01.91, conforme anexo (…).
Pelos factos expostos, vamos proceder à liquidação do imposto em falta, por correcção técnica, relativamente ao contribuinte B… no montante de 959.827$00, em virtude de o mesmo ter processado facturas que não revestem a forma legal, como já antes foi dito.
Relativamente ao contribuinte D…, no montante de 436.543$00, dado o mesmo se encontrar no regime de isenção.
Relativamente ao contribuinte C…, no montante de 6.016$00, dado o mesmo se encontrar inactivo à data do processamento da factura.
O montante de IVA objecto de correcção técnica efectuada pelos motivos aduzidos ascende a 1.042.386$00 e corresponde aos períodos das mesmas facturas a seguir discriminadas:
Ano de 1995
1.º Trimestre -$-
2.º Trimestre -$-
3.º Trimestre 719.249$00
4.º Trimestre 683.137$00
Total…………………… 1.042.386$00
(…)».
B) Consequentemente, foi elaborada a Nota de Apuramento Mod. 382, de fls. 30, que se dá por integralmente reproduzida.
C) Bem como as liquidações de IVA e juros compensatórios de fls. 14 a 17, que também se dão por integralmente reproduzidas.
D) Contra as sobreditas liquidações foi deduzida reclamação graciosa, conforme requerimento de fls. 1 a 6 do apenso.
E) No âmbito do procedimento de reclamação, foi elaborada a informação de fls. 19 a 21 do apenso, que se dá por integralmente reproduzida.
F) A reclamação graciosa foi objecto de indeferimento, através do despacho de fls. 35 do apenso que também se dá por integralmente reproduzido.
G) As liquidações de IVA e juros compensatórios objecto dos autos foram pagas em 26/11/97 – fls. 97 a 100.
Com interesse para a decisão recorrida, consignou-se nesta ainda que não se provou que:
a) As facturas de fls. 36 a 48 não são fotocópias das facturas originais e contêm erros de impressão.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença da Mma. Juíza do TAF de Leiria no segmento em que esta julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação do IVA constante da factura emitida por C…, ordenando, em consequência, a sua anulação, com fundamento em a situação deste (inactivo à data da emissão da factura em causa) ser equiparável à dos sujeitos passivos isentos que indevidamente liquidaram IVA, o qual pode ser deduzido pelo adquirente dos bens ou serviços.
Sustenta a recorrente que a sentença sob recurso não diferenciou as situações em causa, as quais, em seu entender, teriam de ser diferentemente avaliadas e decididas.
E, efectivamente, a recorrente tem razão.
Vejamos. A liquidação impugnada teve origem na emissão de facturas por sujeito passivo isento ou cessado.
Quando os sujeitos passivos isentos emitem facturas com liquidação de IVA, ainda que indevidamente, estão os mesmos obrigados à sua entrega, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.
E essas facturas, se emitidas sob a forma legal, conferem, sem dúvida, o direito à dedução do imposto suportado, nos termos conjugados dos artigos 19.º, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a) e 6, e 35.º do CIVA.
Todavia, tal situação não é equiparável às facturas emitidas por contribuintes que hajam cessado a sua actividade.
Desde logo, porque, contrariamente ao sujeito passivo isento, o contribuinte que haja cessado perde a natureza de sujeito passivo que detinha até então.
E, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, só é reconhecido o direito à dedução do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
No mesmo sentido, também no n.º 11 do artigo 22.º do CIVA se estabelece que «os pedidos de reembolsos serão indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso».
Daí que, relativamente ao IVA mencionado na factura emitida em 30/12/2005 por C…, contribuinte que já cessara a sua actividade desde 11/01/1991, a Mma. Juíza a quo deveria na sentença sob recurso ter decidido no sentido da manutenção da liquidação impugnada, por não se mostrar observada a condição imposta pela alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA para o exercício do direito à dedução do imposto, ou seja, imposto pago pela aquisição de bens ou serviços a outro sujeito passivo.
Não tendo, assim, procedido, fez a Mma. Juíza a quo errada interpretação do preceito legal em causa, razão por que a sentença recorrida se não possa manter nesse segmento.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento em que julga procedente a impugnação respeitante ao IVA constante da factura emitida por C…, e, em consequência, julgar a impugnação judicial deduzida também improcedente nesta parte, mantendo-se a liquidação respectiva referente a tal imposto.
Custas pelo impugnante pelo seu decaimento, apenas na 1.ª instância, já que não contra-alegou neste Tribunal.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009. – António Calhau (relator) – Casimiro GonçalvesLúcio Barbosa.