Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0769/14.5BECBR
Data do Acordão:03/01/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24285
Nº do Documento:SA1201903010769/14
Data de Entrada:02/18/2019
Recorrente:UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Recorrido 1:A..............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A……………… intentou, no TAF de Coimbra, contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, a presente acção administrativa especial pedindo:
“A - A anulação da deliberação de 27/05/2014 do júri do concurso para provimento de um lugar de professor catedrático na área científica de geologia do departamento de ciências da terra (DCT) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) .... a qual deliberação classificou e ordenou os candidatos – a Autora em segundo lugar - e determinou, “por maioria, que fosse provido no lugar de professor catedrático posto a concurso o candidato ordenado em primeiro lugar, Doutor B…………………”.
B - A condenação da Ré Universidade de Coimbra a praticar o acto administrativo ...“através do qual ordene a abertura e a tramitação, até final, do mesmo concurso, nos termos legais, ou seja, expurgado o procedimento concursal dos vícios que o inquinam.”

Indicou como contra-interessados C……………….., D……..……. e E…………….

Aquele Tribunal julgou a acção procedente e anulou o acto impugnado.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou.

É desse acórdão que a Universidade de Coimbra recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O TAF anulou o acto impugnado por ter entendido que:
- “Considerados os factos provados, verifica-se que na data em que o CC da FCTUC aprovou a proposta de composição do júri (28/7/2010) .... estavam já aposentados os jurados F………….. e G……………….”, o que constituía violação do disposto no art.º 83º nº 4, al.ª a) (Que tinha a seguinte redacção:
“4 - Os professores aposentados, reformados ou jubilados podem, ainda, a título excecional, quando se revele necessário, tendo em consideração a sua especial competência num determinado domínio:
a) Ser membros dos júris dos concursos abrangidos pelo presente Estatuto, pelo Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico e pelo Estatuto da Carreira de Investigação Científica;”), do Estatuto da Carreira Docente Universitária determinante da anulação do acto, na medida em que ignorou “a regra da proscrição da intervenção de jubilados nos júris e/ou a iminência da jubilação daqueles docentes, tanto assim que, ao tempo, nenhuma justificação foi aduzida em harmonia com o citado artigo 83º. Assim, o erro da Ré e do Júri esteve não em ter o procedimento concursal prosseguido mas sim em ter prosseguido com a participação dos dois jubilados nas reuniões e nas deliberações.”
- “as reuniões preparatórias impostas pelo artigo 50º do ECDU (Segundo a al.ª b) do nº 3 do artigo 50ºas reuniões do júri de natureza preparatória da decisão final (…) podem, excecionalmente, por iniciativa do seu presidente, ser dispensadas sempre que, ouvidos, por escrito, num prazo por este fixado, nenhum dos vogais solicite tal realização e todos se pronunciem no mesmo sentido”.) não se podem destinar apenas a aprovar as candidaturas em mérito absoluto. Elas destinam-se, pelo que resulta do citado nº 3, a preparar a decisão final, melius, a decisão de avaliação e de graduação das candidaturas. .... Provado, que ficou, que um dos jurados se opôs expressamente, por escrito, à dispensa de reunião preparatória; que, ainda assim, o presidente dispensou tal procedimento prévio e que a decisão do júri, com vista à decisão final ... foi tomada numa única reunião – aliás – apenas mediante apreciação de cada candidatura por cada jurado individualmente, é forçoso concluir que foi violado o invocado normativo.”
- “improcede a alegação de violação dos princípios da igualdade de oportunidades dos concorrentes, de transparência e da imparcialidade da decisão do júri por via da natureza genérica ou vaga ou exemplificativa dos subcritérios enunciados no edital.”
- “ ... o Tribunal julga que da falta de fixação de critérios quantitativos para avaliação das candidaturas quanto aos subcritérios ali definidos não resulta, só por si, a violação dos princípios constitucionais e administrativos da transparência da imparcialidade e da igualdade e correspondentes direitos fundamentais.
-“... Com efeito é iniludível que, embora saibamos os fundamentos por que cada jurado propôs a sua individual ordenação de cada candidato – cumprindo com o que estava prevista no edital – o júri omitiu, de todo, a elaboração e aprovação coletiva dos documentos de apreciação fundamentada, do mérito científico, da capacidade pedagógica e outras atividades relevantes para a missão da Universidade, de cada candidato (cf. nº 6 al.ªs a) a c), o que tem como consequência que a graduação final das candidaturas não está fundamentada.”
- “Do pedido de condenação da Ré à “abertura e a tramitação, até final, do mesmo concurso, nos termos legais, ou seja, expurgado o procedimento concursal dos vícios que o inquinam”.
Trata-se de matéria de execução de sentença, cujos termos se respiga diretamente da Lei, ... sendo atribuição da Administração proceder espontaneamente à mesma execução (artigos 157º e sgs do CPTA), pelo que nada há a aqui, de útil, a determinar.”

O TCA, para onde a Universidade de Coimbra apelou, manteve aquela decisão com um discurso jurídico de que se destaca:
- “É incontornável o estatuído no art. 83°, n° 4, al. a) do ECDU, ao referir que os professores jubilados só podem ser membros dos júris dos concursos abrangidos por aquele Estatuto a título excecional, e quando tal se revele necessário, tendo em consideração a sua especial competência num determinado domínio.
Não merece pois qualquer censura a afirmação feita pelo Tribunal a quo, quando refere que atenta a desligação de serviço que a aposentação envolve, não é apenas a nomeação para jurado que as normas invocadas proscrevem, mas também a intervenção, como jurado, do docente que, entretanto, tiver passado à aposentação/jubilação.
O facto do Júri do Concurso ter sido validamente constituído, não significa que a entretanto verificada jubilação de dois dos seus membros, não tenha comprometida a licitude da sua manutenção em funções.
Para que os membros do Júri entretanto jubilados pudessem ter participado válida e regularmente nas deliberações que o Júri tomou após as datas das respectivas jubilações, teria de ter sido justificada a excecionalidade da sua manutenção em funções, à luz do disposto na al. a) do n° 4 do art. 83° do ECDU, o que não ocorreu.”
-“... conclui, e bem, a Sentença recorrida que, considerando o método utilizado para a ordenação dos candidatos, não é possível reconstituir qual teria sido o resultado final da votação se nela os dois membros do Júri jubilados não tivessem participado, pela impossibilidade de mensurar a relevância argumentativa da intervenção dos mesmos, na votação realizada.
Não é pois possível reconstituir a votação, com e sem a intervenção dos dois jurados jubilados, pela impossibilidade de segmentar o peso da intervenção da cada um deles na discussão que necessariamente previamente se verificou.
Em face de tudo quanto se expendeu supra, é manifesto que o art. 50°, n° 3, al. b), do ECDU, assegura que o presidente do júri está obrigado a promover a realização das reuniões preparatórias da decisão final, sempre que haja pelo menos um dos jurados que, por escrito, solicite a realização ou se oponha à dispensa da realização de tais reuniões.
Assim, a decisão recorrida não merece, também neste aspeto, qualquer censura, não se vislumbrando a imputada violação do disposto no art. 50°, n° 3, al. b), do ECDU, em face do que se não verificou qualquer erro de julgamento.”
- “Não se vislumbram razões para divergir do entendimento do tribunal de 1ª instância, ao ter entendido que o ato objeto de impugnação padece de vício de falta de fundamentação, nos termos dos nºs 6 e 7 do art. 50° do ECDU.
Na realidade, o nº 5 do referido normativo refere que das atas das reuniões de júri devem constar os votos individuais emitidos por cada membro do júri e a respetiva fundamentação, em face do que, aceitando-se a interpretação da Recorrida, perderia razão de ser o estatuído no n° 6 do art. 50° do ECDU.
Em função de tudo quanto supra ficou explicitado, não se vislumbram razões que permitam divergir do entendimento adotado pelo tribunal a quo, ao entender que o ato objeto de impugnação padeceria de vício de falta de fundamentação, nos termos dos nºs 6 e 7 do art. 50° do ECDU.”

3. A Universidade de Coimbra não se conforma com essa decisão pedindo a admissão desta revista para o que, entre outras, formula as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão do Venerando TCA Norte, de 26.10.2018, apenas no segmento em que decidiu confirmar a sentença recorrida na parte em que julgou que o acto objecto de impugnação padece do vício de falta de fundamentação, nos termos dos n.ºs 6 e 7 do art. 50.º do ECDU.
2.ª O objecto do presente recurso e a questão à qual cumpre dar resposta incide exclusivamente na questão jurídica de aquilatar se as votações nominais fundamentadas dos elementos do júri, que decorrem da aplicação dos critérios de selecção adoptados num procedimento de recrutamento de professores catedráticos, associados e auxiliares .... e que são anexadas à deliberação final de ordenação dos candidatos, cumprem a exigência da apreciação fundamentada, por escrito, do desempenho científico, da capacidade pedagógica e do desempenho de outras actividades relevantes para a missão da instituição de ensino superior, prevista nos n.ºs 6 e 7 do art. 50.º do ECDU, ou se essa exigência apenas se cumpre, como confirmado pelo Tribunal a quo, com a elaboração, pelo órgão colegial, de uma justificação colectiva na qual aprecia fundamentadamente cada candidatura admitida.
3.ª No caso de este Supremo Tribunal concluir que o júri do concurso, enquanto órgão colegial, tem o dever de elaborar uma justificação colectiva, na qual aprecia fundamentadamente cada candidatura admitida, o que não se admite mas se equaciona como mera hipótese de trabalho, afigurar-se-á essencial esclarecer em que moldes ela deve ser produzida, considerando que é inevitável, e a experiência assim o demonstra, que existam divergências significativas nas opiniões expressas individualmente pelos membros do júri.
Consequentemente afigura-se também necessário determinar a forma de votação dessa justificação colectiva, e em que medida o resultado dessa votação se reflecte na deliberação de ordenação final dos candidatos.
4.ª Justificando-se a intervenção do STA apenas em matérias de maior importância, na óptica da ora Recorrente é de extrema necessidade a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito, dada a importância inegável da questão jurídica aqui trazida, e a necessidade imperiosa de obter uma interpretação conjugada das normas vertidas na al. a) do n.º 1, e nos n.ºs 5, 6 e 7 do art. 50.º do ECDU sobre a fundamentação das decisões do júri nos procedimentos de recrutamento de professores catedráticos, associados e auxiliares, que são uma realidade constante na Universidade de Coimbra ....

4. O Acórdão recorrido manteve a decisão do TAF que anulou o acto impugnado por ter entendido que este julgara acertadamente quando considerara que aquele violara o estatuído (1) no art. 83°/4, al. a) do ECDU – por o Júri ter sido integrado por professores jubilados sem que tenha havido justificação para a excepcionalidade dessa medida – (2) no art. 50°/3, al. b), do mesmo Estatuto - por o presidente do júri não ter promovido a realização de reuniões preparatórias da decisão final – e (3) nos nºs 6 e 7 daquele art. 50° - por falta de fundamentação.
A Recorrente restringe o âmbito desta revista ao segmento do Acórdão em que ele confirmou a sentença “na parte em que julgou que o acto objecto de impugnação padece do vício de falta de fundamentação, nos termos dos n.ºs 6 e 7 do art. 50.º do ECDU” por entender que essa é uma questão jurídica da maior importância, pelo que é “de extrema necessidade a admissão do presente recurso para uma melhor aplicação do direito”.
O que significa que, mesmo que o recurso fosse admitido e lhe fosse concedido provimento, a decisão de anulação do acto impugnado manter-se-ia uma vez que essa decisão foi justificada com a circunstância daquele não só estar ferido por aquele vício mas também por estar ferido por dois vícios de violação de lei. Deste modo, ainda que a questão que a Recorrente quer ver, novamente, submetida a juízo tenha a relevância que a mesma lhe empresta, certo era que a procedência do erro que a Recorrente imputa ao Acórdão era inconsequente.
Ora, este tipo de recurso visa a revogação da decisão recorrida e não a resolução académica de questões jurídicas por maior que seja a sua importância.

DECISÃO.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 1 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.