Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01484/13
Data do Acordão:01/22/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se a questão suscitada se reconduz, no essencial, à de aferir se o despacho de reversão em causa nos autos está ou não fundamentado, por referência a eventual ausência de factualidade atestante da gerência efectiva (de facto) da oponente.
Nº Convencional:JSTA000P16897
Nº do Documento:SA22014012201484
Data de Entrada:09/27/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 23/04/2013, no recurso que aí correu termos sob o nº 06260/12.

1.2. Alega e termina formulando as conclusões seguintes:
A) Quanto à questão de saber, para efeitos de reversão de dívida de sociedades comerciais contra o responsável subsidiário se, o despacho de reversão pode ser considerado como não fundamentado nos termos do artigo 23º e 77º da LGT e 125º do CPA, quando nele é mencionado o artigo (24º da LGT) onde estão tipificados os pressupostos enunciadores do direito de reversão, aplicáveis à situação e é enviado juntamente, na citação, os relatórios que fundamentam a decisão.
B) Uma vez que, tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.
C) Assim, tal questão assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros, tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica centrada na determinação de qual a fundamentação suficiente do despacho de reversão no sócio gerente, para responder pela dívida da sociedade, mas também, pelo facto de, face às inúmeras decisões desfavoráveis do TCA Sul, se mostrar assaz pertinente que o órgão de cúpula da justiça administrativa tributária., embora tendo em conta que a fundamentação do despacho de reversão sempre se há-de apurar em cada caso em concreto, contudo se pronuncie, de forma genérica, sobre se a fundamentação nos termos do artigo 23º e 77º da LGT são suficientes para assegurar a sua sustentabilidade.
D) Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria de interpretação complexa, acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro legal relativo à fundamentação do despacho de reversão, que pode interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos pendentes em Tribunal, pelo que, o presente recurso servirá para uma melhor e, a partir da pronúncia do STA, uniforme aplicação do direito.
E) Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do art. 125º do CPA e art. 23º e art. 24º e 77º da LGT aos factos, pelo que, não se deve manter.
F) De facto, considerou o Acórdão ora recorrido que, “apesar de, nos termos do art. 23º nº 4 LGT a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão ter de ser incluída na citação do responsável subsidiário, o despacho, enquanto decisão administrativa, que a declara, não pode ser privado da competente e integrante fundamentação, porque esta constitui condição, exclusiva, insubstituível, para assegurar a legalidade.”
G) Ora, nos termos da legislação aplicável supra mencionada, resulta que a fundamentação do despacho de reversão não tem de ser exaustiva ao ponto de reproduzir todos factos que consubstanciam a verificação dos pressupostos da reversão.
H) Isto porque, o Revertido é citado, e juntamente com esse despacho de reversão é junto o Relatório de inspecção que resulta do procedimento prévio de Inspecção ao devedor originário. Aliás, o revertido foi antecipadamente notificado para exercer direito de audição, o que lhe permite perceber as razões de facto e de direito que levaram o OEF a decidir como decidiu e a permite-lhe exercer cabalmente os seu direitos de defesa através dos meios de reacção judiciais ou administrativos à sua disposição.
I) Pelo que, em termos gerais, as disposições legais aplicáveis não devem ser interpretadas no sentido em que o despacho de reversão deve ser exaustivamente fundamentado.
J) Pelo que, nos parece mais adequado concluir que, o despacho de reversão fica devidamente fundamentado, quando enunciando os pressupostos legitimadores do direito à reversão através da menção dos dispositivos legais, que apesar de não mencionar exaustivamente toda a factualidade, junta os elementos que fundamentam quando é citado desse despacho de reversão.
K) Acresce que a suficiência da fundamentação deve aferir-se também pelo facto de o revertido ficar ou não devidamente habilitado a compreender todos os fundamentos da decisão tomada e a reagir judicial ou graciosamente contra essa decisão.
L) Note-se que, a ter acolhimento a tese defendida pelo Ac. recorrido de que, a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão ter de ser incluída na citação do responsável subsidiário, o despacho, enquanto decisão administrativa, que a declara, não pode ser privado da competente e integrante fundamentação, porque esta constitui condição, exclusiva, insubstituível, para assegurar a legalidade, deixaria a porta aberta para, de forma encapotada, nenhum gerente poder ser revertido e assim ser responsabilizado, de forma subsidiária, pelas dívidas da sociedade.
Termina pedindo que seja admitido o presente recurso de revista e, analisado o respectivo mérito, lhe seja dado provimento, revogando-se o acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer, nos termos seguintes:
«Recorre a Fazenda Pública do douto Acórdão do TCASul de 23.04.2013 que negou provimento ao recurso por ela interposto da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 18.07.2012, que havia julgado procedente a oposição deduzida por A……, anulando o acto de reversão, por falta de fundamentação.
O recurso de revista previsto no nº 1, do art. 150º do CPTA, consagrando um duplo grau de recurso jurisdicional fundado em critérios qualitativos, tem natureza excepcional, apenas sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (cfr., também, o art. 672º, nº 1 do novo C.P.Civil).
Ora, salvo melhor entendimento, não se vê que a questão suscitada, que se prende com suficiência ou insuficiência da fundamentação do acto de reversão assuma especial complexidade, interesse social significativo ou possua a relevância jurídica exigível para a admissibilidade da revista excepcional prevista no art. 150º do CPTA.
Com efeito, como é jurisprudência corrente deste Tribunal, e também do STJ, o requisito da “relevância jurídica” só se verifica quando a questão de direito implique, pela sua complexidade e novidade, assinalável exercício exegético na sua resolução, susceptível de gerar controvérsia na doutrina e de conduzir a decisões contraditórias, o que se entende não ser o caso uma vez que a questão suscitada, obedecendo em termos de enquadramento jurídico aos princípios consignados na CRP (art. 268º, nº 3), na LGT (23º e 77º) e no CPA (arts. 124º e 125º) só se tem por equacionável, no concreto, em função da situação singular em presença.
Não se vê, por outro lado, que a questão em apreço venha suscitando grandes dissonâncias interpretativas ao nível da doutrina e da jurisprudência que justifiquem o seu reexame em sede de recurso excepcional de revista, em ordem a uma melhor aplicação do direito e igualmente não se vê que as instâncias tenham tratado a matéria em questão de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável (cfr. o recente Ac do STA de 11.09.13 - P. 764/13-30).
Trata-se, para além disso, de um recurso que tem carácter excepcional e, por isso, sob pena da sua banalização, apenas poderá ser admitido nas situações excepcionais previstas na norma.
Nesta conformidade, por considerar que não se mostram preenchidos, no caso, os pressupostos do recurso de revista a que alude o nº 1 do art. 150º do CPTA, pronuncio-me no sentido da inadmissibilidade do recurso ora em apreço.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes [o constante da alínea m) do Probatório foi aditado pelo TCAS, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 1, al. a) do CPC (redacção à data)]:
a) - Em 22/03/2010, foi instaurada execução fiscal nº 1538201001004530 contra a sociedade “B………, Lda.”, a correr termos no Serviço de Finanças de Lourinhã, com execução fiscal nº 1538201001005782 apensa, por dívidas de IVA dos anos de 2006 e 2007 e IRC do ano de 2006, no montante total € 1.027.744,32 (cfr. fls. 1 a 37, 41 a 42 e 93 a 94 do processo administrativo apenso);
b) - As liquidações de IVA e IRC que deram origem aos processos de execução fiscal foram realizadas na sequência de uma acção de inspecção à sociedade executada (cfr. fls. 169 a 321);
c) - A oponente foi sócia gerente da sociedade executada desde a data da constituição da sociedade registada pela Ap. 15/20011219 até à data da cessão de quotas e renuncia ao cargo de gerência, inscrita e averbada na Conservatória do Registo Comercial da Lourinhã, pela “Menção - Desp. 230/2007-06-29” e Ap 2/20070629 (fls. 126 a 132);
d) No período referido na alínea anterior, eram sócios-gerentes da sociedade executada, C…….., D……… e A…….., obrigando-se a sociedade com a assinatura conjunta de dois gerentes, sendo sempre obrigatória a assinatura do gerente C…….. (fls. 126 a 132);
e) Pela Ap. 1/20070810 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade executada (fls. 126 a 132);
f) - O auto de diligências de 24/09/2010, elaborado no âmbito do processo de execução fiscal e apenso, identificado na alínea a), tem o seguinte teor «Por diligências efectuadas com recurso aos Sistemas Informáticos da DGCI onde constam os bens ou rendimentos penhoráveis dos devedores (cadastro predial, declaração anual, declaração moa. W, cadastro do imposto municipal sobre veículos, declarações modelo 13, 14, 15, 32, 33, 34 e 36), verifiquei que não constam nos sistemas informáticos consultados, bens penhoráveis do executado.
A dívida dos presentes autos diz respeito a IRC e IVA dos anos de 2006/7, e de acordo com a fotocópia da certidão de matrícula de fls. 52 a 57, são sócios-gerentes, A……., Nif …….., D…….., Nif …….. e C………, Nif ……. .
Assim, afigura-se estarem reunidos os pressupostos para que seja efectuada a reversão contra os responsáveis subsidiários acima indicados (…)» (fls. 59 do processo administrativo apenso);
g) - Por despacho de 24/09/2010 do Chefe de Finanças de Lourinhã, que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi determinado, em face das diligência de fls. 52 a 58, a notificação à aqui oponente para exercício do direito de audição prévia, tendo em vista a reversão da execução fiscal, com fundamento nos normativos dos artigos 23º, nº4, 24º, nº 1, alínea b) e 60º da Lei Geral Tributária (fls. 60 a 62 e 63 do processo administrativo apenso);
h) - A execução foi revertida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lourinhã, de 12/10/2010 contra a aqui oponente, na qualidade de responsável subsidiário, pelas dívidas no montante total de € 1.027.744,32, que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 74);
i) - Em 18/10/2011 a oponente foi citada para os termos da execução, indicando-se como fundamentos da reversão o teor dos artigos 23º, nº 2 e 24º, nº 1, alínea b) da LGT e referindo-se ainda que constitui anexo da citação cópia dos títulos executivos e cópia do relatório da inspecção tributária, esta, disponível para levantamento no Serviço de Finanças da Lourinhã (cfr. fls. 55 e segs.);
j) No ponto III.2.2.1.3 do relatório de inspecção consta «A…….., nascida em 5 de Maio de 1931, contribuinte fiscal nº …….., (...) sócia gerente da empresa é mãe de C……..
Conjuntamente com E…….. em 24 de Maio de 2007 constituiu a sociedade F………., Lda. contribuinte nº …….., empresa para a qual foram transmitidos os bens do activo imobilizado da empresa B……….. LDA, antes da alienação das quotas a G…….. e H……. .
Entretanto A……… alienou a quota de € 20.000,00 que detinha na empresa F…… Lda a E………..
Não consta que tenha auferido quaisquer rendimentos que lhe tenham sido pagos pela empresa da qual foi sócia e gerente.» (cfr. fls. 183)
k) A oponente assinava cheques e outros documentos, na qualidade de sócia-gerente da sociedade executada (depoimento da testemunha C………..);
l) - A oposição deu entrada em 15/11/2010 (cfr. Carimbo aposto na petição de fls. 4 dos autos);
m) O despacho de reversão, referido em h), tem a seguinte redação (parcial):
Face às diligências de folhas, e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução contra na A…….. contribuinte nº …….., morador em AV ………….. CABEÇA GORDA - 2565-…….. CAMPELOS, na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do art.º 160º do C.P.P.T para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (nº 5 do art. 23º da L.G.T).

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT].
…, cfr. fls. 74 do PA apenso.

3.1. Aceitando-se que o recurso excepcional de revista previsto no art. 150º do CPTA é também aplicável no processo judicial tributário, importa, antes de mais, apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.2. Interpretando o nº 1 deste normativo, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.. )
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que:
- (i) só se verifica aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.3. No caso presente a recorrida deduziu oposição à execução fiscal invocando:
- (i) inexigibilidade da dívida exequenda por falta, na citação, de elementos essenciais da liquidação;
- (ii) vício (falta de fundamentação) do despacho de reversão;
- (iii) ilegitimidade da oponente (por inexistência de culpa na falta de pagamento das dívidas e por inexistência de gerência de facto da sociedade originariamente executada).
Na sentença proferida em 1ª instância, veio a julgar-se procedente a oposição, por se considerar que alegando a oponente que não exerceu a gerência de facto da sociedade executada, resultando do art. 24º da LGT que a responsabilidade é atribuída em função efectiva do cargo de gerente e reportada ao período em que é exercida e inexistindo presunção legal de gerência de facto nas situações em que se encontra demonstrada apenas a gerência de direito, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de demonstrar que o gerente de direito contra quem reverteu a execução fiscal exerceu de facto tais funções, no período a que a dívida respeita.
E no caso, negando a oponente que tenha exercido a gerência, da prova produzida resulta que a AT «nenhum facto menciona que ateste a gerência de facto da oponente, limitando-se a referir naqueles despachos a certidão da Conservatória do Registo Comercial e a citar as normas legais», pelo que «… o despacho de reversão não está fundamentado de facto e que as irregularidades cometidas têm relevância ao nível da validade do acto de reversão, o que implica a anulabilidade da reversão e a procedência da oposição.»
Tendo a Fazenda Pública interposto recurso da sentença para o TCA Sul, veio ali a ser proferido o acórdão ora recorrido, onde se considerou, em suma, que a sentença acertou «ao julgar a matéria em apreço nos moldes coligidos, sinalizando a ausência, no despacho de reversão, de factualidade atestante da gerência efectiva (de facto) da oponente.»
E em face do assim decidido, a Fazenda Pública entende que se verificam os requisitos do recurso de revista excepcional dado que:
- o acórdão recorrido faz uma interpretação e aplicação erradas das normas constantes do art. 125º do CPA e dos arts. 23º, 24º e 77º da LGT, pois considerou que «apesar de, nos termos do art. 23º nº 4 LGT a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão ter de ser incluída na citação do responsável subsidiário, o despacho, enquanto decisão administrativa, que a declara, não pode ser privado da competente e integrante fundamentação, porque esta constitui condição, exclusiva, insubstituível, para assegurar a legalidade»;
- sendo que, para a recorrente Fazenda Pública, o que resulta daqueles normativos é que a fundamentação do despacho de reversão não tem de ser exaustiva ao ponto de reproduzir todos factos que consubstanciam a verificação dos pressupostos da reversão, visto que o revertido é citado, e juntamente com esse despacho de reversão é junto o Relatório de inspecção que resulta do procedimento prévio de Inspecção ao devedor originário (tendo o revertido sido antecipadamente notificado para exercer direito de audição, o que lhe permite perceber as razões de facto e de direito que levaram o OEF a decidir como decidiu e a permite-lhe exercer cabalmente os seu direitos de defesa através dos meios de reacção judiciais ou administrativos à sua disposição), pelo que parece mais adequado concluir que o despacho de reversão fica devidamente fundamentado quando, enunciando os pressupostos legitimadores do direito à reversão através da menção dos dispositivos legais e apesar de não mencionar exaustivamente toda a factualidade, são juntos, aquando da citação desse despacho de reversão, os elementos que a fundamentam;
- acrescendo que a suficiência da fundamentação deve aferir-se também pelo facto de o revertido ficar ou não devidamente habilitado a compreender todos os fundamentos da decisão tomada e a reagir judicial ou graciosamente contra essa decisão.

3.4. Afigura-se-nos, todavia, que não estão verificados os requisitos de admissibilidade do recurso.
Com efeito, por um lado, logo se vê que estamos perante uma questão muito concreta (que apela à forma e termos do próprio despacho de reversão) e que nem sequer se reveste de elevada complexidade (em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, em razão de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, com necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, em razão de análise que suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina), mas, por outro lado e diferentemente, não vê relevância social fundamental naquela mesma questão, tendo em vista a utilidade de decisão extravasando os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos e com um interesse comunitário significativo na respectiva resolução.
E também não se vê que esteja verificada a capacidade de expansão da controvérsia que legitime a admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática, pois que, como se disse, se trata de uma situação pontual que não substancia uma questão «tipo» que possa vir a repetir-se em número indeterminado de situações futuras; e também não estamos perante uma decisão ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou que suscite fundadas dúvidas.
Aliás, como aponta o MP, em matéria relativa a eventual presunção de gerência de facto decorrente de uma comprovada gerência de direito, também a jurisprudência do STA tem sido uniforme, como se constata do recente acórdão do STA, de 11/9/13, processo nº 0764/13, no qual se decidiu, referenciando o acórdão do Pleno, de 21/11/2012, no processo nº 0474/12, que «Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário» e que «Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência»; e também que «Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».
Pelo que, nesta vertente também a admissão da presente revista não é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ficando, assim, afastada a necessidade de este Tribunal intervir nesse quadro.
E daí, também, a irrelevância jurídica e social da questão que de novo se pretende equacionar e discutir neste recurso, já que não reveste a necessária relevância jurídica e social fundamental, assumindo, aliás, natureza casuística e dependendo, além do mais, da análise dos elementos de prova e da relevância e valor probatório que lhes foi dado pelo julgador para efeitos de apreciação da questão (de facto) relativa à fundamentação da reversão e à junção de determinados elementos documentais aquando do acto de citação na sequência dessa reversão.
Ou seja, não estamos perante questão em que se anteveja como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
E de todo o modo, ainda que existisse mero erro de julgamento sempre o mesmo ficaria afastado do âmbito deste recurso, que não visa - como acima se referiu – a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses.
Pelo exposto e porque se consideram não verificados os requisitos do art. 150º do CPTA, o presente recurso não pode ser admitido.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de Janeiro de 2014. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Valente Torrão.