Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0399/18.2BESNT
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
ALEGAÇÕES
RECURSO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia não resulta da mera invocação, nas alegações de recurso, de factos vertidos no probatório mas do fim com que a Recorrente os invoca, pelo que, se a parte não questiona a factualidade apurada (por omissão, excesso ou erro na apreciação da prova que os suporta), nem discorda das ilações que dessa factualidade foram extraídas na sentença recorrida, antes, e exclusivamente, dissente da subsunção jurídica realizada é ao Supremo Tribunal Administrativo que compete conhecer o mérito do recurso jurisdicional.
II - A admissão de documentos com as alegações de recurso tem no ordenamento jurídico português natureza excepcional, estando limitada às seguintes situações: (i) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) quando a sua junção se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
III - Não se integra em qualquer uma das enunciadas hipóteses o pedido de junção de documentos (emails e notificações) de cujo teor se conclui terem sido produzidos em procedimentos posteriores e totalmente autónomos ao procedimento de liquidação sindicado nos autos.
IV - Incumbe ao Juiz o dever de apreciar e decidir todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, independente da sua pertinência ou viabilidade, excepto se o conhecimento de alguma dessas questões tiver ficado prejudicado pela solução que haja sido dada a outra anteriormente decidida (artigo 608.º do CPC).
V- A violação do dever referido em IV determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, que o Supremo Tribunal Administrativo não pode suprir atentas as competências que lhe estão legalmente cometidas, conforme, conjugadamente, artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d), e 684.º, n.º 1, ambos do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P28660
Nº do Documento:SA2202112090399/18
Data de Entrada:09/17/2021
Recorrente:A....................., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “A……………………., S.A. recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por aquela deduzida contra a liquidação da segunda prestação de 2017, da “Taxa de Segurança Alimentar Mais”, no valor de € 858.137,68.

1.2. Admitido o recurso, veio a Recorrente apresentar as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. O presente recurso é interposto contra Sentença proferida no dia 30 de Março de 2021, no âmbito dos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto da Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.° 399/18.2BESNT, que julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica do acto tributário impugnado, atinente à TSAM do ano de 2017.

B. Ora, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, na exacta medida em que manteve na ordem jurídica o acto tributário impugnado, o qual, como se demonstrará, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

C. Conforme melhor demonstrado na Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, não tendo a ora Recorrente sido notificada, nos termos previstos na alínea a) do n.° 1 do artigo 60.°, da LGT, em momento anterior ao da liquidação aqui em causa, para exercer o seu direito de audição sobre a mesma, verificou-se a violação do citado preceito legal, que, por si só, implica a anulação do acto de liquidação em causa, por preterição de formalidade legal essencial.

D. Perante a matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo entende que "(...) é possível verificar que em 2017, e para liquidação da TSAM, foi remetida declaração da impugnante, à DGV, onde declarou a área dos estabelecimentos, sendo também possível verificar, dos factos provados, que foi com base nesta declaração que foi emitida a liquidação.", para, de seguida, "(...) concluir que não ocorreu a omissão, ilegal, da notificação da impugnante para participar no procedimento administrativo tendente à liquidação, ora impugnada, pois aquela participação ocorreu na chamada da impugnante àquele procedimento, através do ofício de 21/02/2017, ao qual a impugnante respondeu", concluindo pela improcedência do mencionado vício de preterição de formalidade essencial por omissão para o exercício do direito de audição prévia.

E. Não pode, no entanto, a Recorrente aceitar tal argumentação, por a mesma ser contrária à lei e, bem assim, contrária à actuação, desde 2020, da própria DGAV, entidade responsável pela liquidação e cobrança da taxa, nos termos do artigo 9.°, n.° 1 da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho, como, de seguida, se demonstrará.

F. Antes de mais, refira-se que o n.° 4 do artigo 5.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho, impõe a obrigação declarativa aos sujeitos passivos da TSAM de comunicar à DGAV os elementos elencados no n.° 2 do mesmo artigo atinentes aos respectivos estabelecimentos comerciais, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do início da actividade ou de qualquer alteração que se verifique em relação aos elementos comunicados anteriormente.

G. Por seu turno, a liquidação da TSAM é efectuada, oficiosamente, pela DGAV e notificada aos sujeitos passivos, por via electrónica, para a caixa postal electrónica ou por carta registada, até ao final do mês de Março de cada ano, contendo a indicação do montante de taxa a pagar por cada sujeito passivo, atendendo à situação e às características dos respectivos estabelecimentos, verificadas a 31 de Dezembro do ano precedente (cfr. artigo 5.°, n.°s 1 e 3 da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho).

H. Na verdade, o direito de audição previsto no artigo 60.º n.° 1, alínea a), da LGT, é, assim, uma concretização do princípio do contraditório, consagrado no artigo 45.° do CPPT, que estabelece que “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão", decorrendo, também, da consagração constitucional do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe digam respeito (cfr. artigo 267.°, n.° 5 da CRP).

I. Assim, a consequência para a preterição de tais formalidades legais, que conduz ao vício de forma e à anulação do acto tributário, não pode deixar de ser a ilegalidade do próprio acto de liquidação, porquanto estamos perante a preterição de formalidades anteriores à prática do acto, essenciais à sua formação e descoberta da verdade material.

J. Com efeito, para que se dê integral e pleno cumprimento ao princípio do contraditório ínsito no artigo 45.° do CPPT, ao contribuinte tem que ser concedida a possibilidade de se pronunciar sobre todos os aspectos relevantes, razão pela qual, caso a DGAV pretenda promover a liquidação da TSAM, está obrigada a, em momento prévio a essa mesma liquidação, ouvir o contribuinte sobre os pressupostos da mesma.

K. Ora, de acordo com o referido na petição inicial, no caso vertente, a DGAV emitiu o acto de liquidação impugnado, sem que, em momento anterior, fosse concedida à Recorrente qualquer oportunidade de se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do mesmo.

L. Por esta razão, deveria a Recorrente ter sido notificada para se pronunciar sobre a liquidação em causa no momento previsto na alínea a) do n.° 1 do citado artigo 60.° da LGT, ou seja, antes da liquidação.

M. E não se diga, como se pode ler na Sentença objecto de recurso, que a DGAV se encontrava dispensada, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 60.° da LGT, de notificar a Recorrente em momento prévio à liquidação, por a mesma ter sido efectuada com base na declaração do contribuinte.

N. Com efeito, lendo-se o Ofício acima reproduzido, constante do ponto a) da matéria de facto dada como provada, constata-se que o mesmo foi enviado para a aqui RECORRENTE pelo facto de a “(...) lista elaborada pela DGAV, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, a partir dos elementos disponibilizados, entre outros pelas autoridades competentes", na sequência de protocolo celebrado entre a DGAV e a Direcção-Geral das Actividades Económicas, “(...) apresenta algumas insuficiências com reflexos diretos na liquidação, causando constrangimentos vários que nos obrigam, de forma reiterada a proceder à anulação da liquidação e emissão da respetiva nota de crédito (sublinhado e negrito da Recorrente).

O. Conclui, então, a DGAV, no sobredito Ofício, que “Apresentando-se esta metodologia de apuramento dos dados mais vantajosa para todos, esperamos o bom acolhimento de V. Exa(s), aguardando-se que nos enviem, até ao próximo dia 3 de março, as informações em apreço (...), de modo a que estas possam ser consideradas para efeitos da liquidação da TSAM de 2017.

P. Nessa sequência, a 3 de Março de 2017, veio a Recorrente, “(…) em resposta ao V/ Ofício supra referenciado, dando cumprimento à obrigação declarativa que resulta do disposto das disposições conjugadas da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho e da Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio (...)”, remeter à DGAV a lista dos seus estabelecimentos em funcionamento a 31 de Dezembro de 2016 (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada).

Q. Assim, entende a Recorrente que o mero envio de uma lista, a pedido da DGAV e ao abrigo do princípio da colaboração, não pode ser entendido como um acto que conduz à dispensa, nos termos da alínea a) do n.° 2 do artigo 60.° da LGT, da audição do contribuinte antes da emissão da liquidação, uma vez que, por um lado, os elementos patentes na lista enviada pelo contribuinte podem não ser, pelas mais diversas razões, aceites pela DGAV e, por outro, porque só com base na referida lista, o contribuinte não consegue saber, à partida, qual o valor da TSAM que terá que pagar nesse ano em particular.

R. Ademais, no caso concreto, aquando do envio da lista solicitada pela DGAV, que ocorreu a 3 de Março de 2017 (cfr. ponto b) da matéria de facto dada como provada), nem tão-pouco se sabia qual o valor da taxa que, nesse ano, seria fixada para o metro quadrado, e a partir da qual seria liquidada a TSAM, pois a Portaria através da qual esta é fixada só foi publicada no Diário da República de 14 de Março de 2017, in casu a Portaria n.° 107-A/2017, de 14 de Março, que fixou a taxa, para o ano de 2017, em €7 por metro quadrado.

S. E tanto assim é que, desde 2020, a DGAV sempre notificou a Recorrente para se pronunciar sobre o projecto de liquidação da TSAM, mesmo após já ter recebido uma lista idêntica à que a Recorrente enviou para a DGAV, em 3 de Março de 2017, para efeito de cálculo da liquidação da TSAM de 2017 (cfr. resulta dos Docs. n.°s 1 a 4 juntos com as presentes Alegações de Recurso).

T. Perante tal actuação consolidada e reiterada da entidade administrativa responsável pela liquidação e cobrança da TSAM, não pode a Recorrente considerar que a mesma não deriva da preocupação da DGAV em agir de acordo com a lei, em particular no que respeita às normas que definem o exercício do direito de audição dos sujeitos passivos da TSAM, para assim evitar decisões desfavoráveis no âmbito dos litígios que tenham por objecto as liquidações da TSAM por si emitidas.

U. Por fim, em abono da posição defendida pela aqui RECORRENTE, cumpre, ainda, aludir ao facto de a própria DGAV, por Despacho notificado através do Ofício n.° 017183, de 9 de Outubro de 2020, ter reconhecido, no âmbito da Reclamação Graciosa que a aqui Recorrente deduziu contra a liquidação da TSAM do ano de 2016, que, ao não notificar a RECORRENTE para se pronunciar em momento prévio à liquidação, violou o direito de audição prévia da Recorrente e decidiu, em consequência, deferir a Reclamação Graciosa apresentada pela Recorrente e anular o respectivo acto de liquidação da TSAM de 2016, com base em tal fundamento (cfr. DOC. N.° 5).

V. Em face do exposto, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 163.° do CPA, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea c), da LGT e artigo 2.°, alínea d), do CPPT, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por uma Sentença que determine a anulação da liquidação controvertida, com as necessárias consequências legais.

Se assim não se entender - o que não se admite e, por mero dever de ofício, se equaciona subsidiariamente, sempre se dirá o seguinte:

W. A Sentença proferida no âmbito dos presentes autos é nula na parte em que omitiu a devida pronúncia sobre um vício do acto impugnado, que fora invocado pela RECORRENTE na petição inicial que deu origem aos presentes autos, nos seus artigos 280.° a 300.° - depois repetida em sede de Alegações escritas - e que diz respeito à ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM, argumento inclusivamente sustentado por douto Parecer do Professor Casalta Nabais.

X. A Sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito e tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto.

Y. Nos termos do preceituado no artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.° segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.° segmento da norma).

Z. Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.°, n.°2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

AA. A nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

BB. No caso vertente, constata-se que na Sentença objecto de recurso não é escrita uma única palavra sobre a questão, suscitada pela Recorrente, da ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM, não sendo tão-pouco tal questão incluída pelo Tribunal a quo no rol de questões invocadas pela aqui Recorrente, resumidamente elencadas na parte do relatório da Sentença.

CC. Tal questão - ancorada inclusive num Parecer emitido pelo Professor Casalta Nabais sobre a matéria - integra a causa de pedir e o pedido formulado pela ora Recorrente na petição inicial da Impugnação Judicial que deu origem aos presentes autos, pelo que o Tribunal tinha o dever de se pronunciar sobre a mesma, o que não sucedeu.

DD. Em face do exposto, afigura-se óbvia a omissão de pronúncia perpetrada pelo Tribunal a quo na Sentença proferida, devendo ser concedido provimento ao recurso interposto e julgar verificada a invocada nulidade da Sentença, determinando, em consequência, a baixa dos presentes autos ao Tribunal de primeira instância para que se pronuncie sobre a acima mencionada questão.».

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da interposição do recurso e da sua admissão, veio, em contra-alegações, afastar qualquer censura ao julgado, alegando, em conclusão, que:

«I. A, ora, Recorrente, sem qualquer razão, vem recorrer da douta decisão do Tribunal a quo, por este ter mantido no ordenamento jurídico a liquidação da TSAM do ano de 2017, que lhe foi dirigida, alegando a Recorrente que este ato padece de ilegalidade e inconstitucionalidade;

II. Não concordamos com tal posição, pois, contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo, bem decidiu ao julgar improcedente a pretensão da, ora, Recorrente e, em consequência ter determinado a manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado, atinente à liquidação da TSAM referente ao ano de 2017 que incidiu sobre os estabelecimentos da Recorrente;

III. A Recorrente, pretende, nesta sede, a junção de 5 documentos, no entanto consideramos não lhe assistir qualquer razão;

IV. Como refere o Acórdão da Relação de Coimbra, de 18/11/2014, no Proc. 628.13.9TBGRD.C, “a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental”, conforme resulta da “articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código ….”.

V. O que de forma nenhuma se afigura com a junção dos documentos pretendida pelo recorrente, pois os documentos 1 a 4 correspondem a 2 e-mails da Recorrente para a DGAV a comunicar as áreas dos seus estabelecimentos relativamente a 31 de dezembro de 2019 e 2020, e a 2 ofícios da DGAV para a Recorrente a comunicar a liquidação da TSAM relativamente ao ano de 2020 e 2021, enquanto que, nos autos o ato posto em crise, o que está em causa é a liquidação da TSAM de 2017, com pressupostos e incidências diferentes;

VI. Porquanto, nos documentos agora trazidos à colação, o que está em causa são as liquidações da TSAM de 2020 e 2021 elaboradas muito posteriormente, mais não são, de todo, estes documentos que foram objeto de apreciação pelo Tribunal a quo mas sim os relativos à liquidação relativa TSAM de 2017;

VII. Pretendendo a Recorrente com a apresentação de tais documentos demonstrar que a própria DGAV reconhece que deve haver lugar à audiência prévia já que notifica a Recorrente para a mesma e que o Tribunal a quo motivou de forma diferente, mas não lhe assiste razão, pois, o Tribunal a quo, em nenhuma altura se pronunciou no sentido de não haver lugar à audiência prévia, antes pelo contrário o que o Tribunal a quo, fundamentou foi que, como a liquidação foi elaborada com dado (área dos estabelecimentos) fornecido pela Recorrente e sendo este dado a única variante pois o restante são coeficientes identificados nos normativos, a lei dispensa o seu cumprimento de acordo com o disposto no n.º 2 e 3 do art.º 60.º da LGT e, podendo mesmo degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do ato; entendimento sufragado também pela generalidade da jurisprudência firmada, vide entre tantos outros, os seguintes Acórdãos: de 13/07/89, no recurso nº 18270, in Apêndice ao D.R. de 30-4-91; de 17/12/97, no recurso nº 36001, in BMJ nº 472, pág. 246; de 20/11/97, no recurso n.º 41719, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 13, pág. 14; de 3/10/01, no recurso n.º 36037, in Apêndice ao D.R. de 23-10-03 e no rec. nº 01647/07 do TCA sul de 05/06/2007;

VIII. Por ultimo o documento n.º 5 – corresponde a um ofício da DGAV a comunicar que vai anular a liquidação, devido a não ter procedido à notificação do operador para efeitos de audiência de interessados, previamente à liquidação, no entanto também, aqui a factualidade a que reporta este documento não aproveita à Recorrente, porquanto, até 2016 a DGAV procedia à liquidação da TSAM recorrendo a métodos indiciários, quando os operadores não forneciam as áreas dos estabelecimentos a 31 de dezembro do ano anterior, apesar de a isso estarem obrigados por Lei, e neste particular deveria notificar os contribuintes para exercerem o direito de audiência prévia, o que não aconteceu. O que levou posteriormente à sua anulação e elaboração de nova liquidação precedida de audiência prévia.

IX. Mas, diferentemente do que aconteceu nos anos anteriores a 2016, a DGAV no início de 2017 solicitou aos operadores que comunicassem as áreas dos seus estabelecimentos para efeitos de liquidação da TSAM, tendo a Recorrente comunicado a sua área, pelo que a situação fáctico jurídica é distinta nas duas liquidações anteriores onde se inclui a de 2016, atendendo a que na liquidação de 2017 as áreas em causa foram fornecidas pela Recorrente, diferentemente do ano de 2016 em que as áreas foram calculadas através de métodos indiciários, pelo que o procedimento que deu origem a uma liquidação não pode ser extrapolado para a outra, contrariamente ao desiderato da Recorrente;

X. Assim, com o devido respeito, não se alcança que os documentos em causa sejam necessários em virtude do julgamento que se pretende «rever», na medida em que neste e com base na factualidade aportada aos autos pelas partes e entre elas a argumentação, de facto e de direito, que ora se pretende reforçar com fundamento nos citados documentos, o tribunal a quo se limitou a julgar as questões aí aportadas com os limites que as partes (máxime, a Impugnante) lhe traçaram, não aduzindo questão, facto ou argumento novo nem produzindo juízo inovatório que os ditos documentos pudessem contrariar;

XI. Como se escreve no douto aresto do Tribunal da Relação que citámos, pressupõe esta situação (a da parte final do art,º 651.º n.º 1), a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes, “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”].

XII. Ou, como se sumaria no douto Acórdão de 23/5/2017 também da relação de Coimbra: “A junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento, pressupõe que exista na decisão em recurso uma novidade que justifique a junção que se reclame como apta a modificar o julgamento, questão essa só revelada pela decisão, o que só acontece, pois, quando essa decisão não se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum”. Pelo que, igualmente neste particular, se mostra inadmissível, com a exceção a junção dos citados documentos os quais se deverão, por isso, mandar desentranhar dos autos;

XIII. Assim se não entendendo, todavia, admitindo-se os mesmos, sempre se dirá que não assiste razão à Recorrente quanto à pretendida anulação do ato impugnado devido à falta de notificação para audiência prévia à liquidação;

XIV. Porquanto, estabelece o n.º 5 do art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a atividade administrativa assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

XV. O direito de audiência constitui uma manifestação do princípio do contraditório pois que, dessa forma, não só se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do Administrado como também se permite que este requeira a produção de novas provas que invalidem, ou pelo menos ponham em causa, os caminhos que a Administração intenta percorrer.

XVI. E, porque assim, e porque a mesma constitui uma formalidade essencial a violação da referida norma procedimental ou a sua incorreta realização tem como consequência normal a ilegalidade do próprio ato final e a sua consequente anulabilidade, todavia, nem sempre assim acontece pois, em certos casos, a lei dispensa o seu cumprimento (vd. art.º 103.º do CPA e 2 e 3 do art.º 60.º da LGT) e, noutros, a mesma pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte ilegalidade determinante da anulação do ato;

XVII. Como também se pode ler no sumário do Acórdão do TCA sul de 05/06/2007, no rec. nº 01647/07, “1. Nos termos do art.º 60.º da LGT, na redacção da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, o exercício do direito de audição, ainda que não de forma cumulativa, deve, no entanto, ser facultado nas distintas fases elencadas nas als. a) a e), do seu n.º 1, sendo que, se o não tiver sido antes e de forma excludente, deve sê-lo, por princípio, antes da concretização do acto tributário de liquidação. 2. O não facultar o exercício de tal direito aos contribuintes, apenas pode ocorrer sem violação da ordem jurídica, se e na medida em que, ou ele seja dispensado nos termos do plasmado nos n.ºs 2 e 3 do referido art.º 60.º, da LGT, ou a lei prescreva em sentido diverso, tal como se contempla no seu n.º 1. 3. A preterição de tal formalidade, por princípio essencial, se converte em não essencial ou em mera irregularidade, sem implicação ao nível da estabilidade do acto decidido, se independentemente do exercício de tal direito, aquele acto sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.”

XVIII. Estatuindo o n.º 2 do art. 60.º da LGT que “É dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável” Temos que quando é a Declarante a comunicar à Administração os elementos que servem de base para a Liquidação, é dispensada a Audiência dos interessados;

XIX. No caso em apreço, como anteriormente referido foi a Recorrente que forneceu à Administração as áreas dos estabelecimentos, já com a área ponderada calculada, considerando que a área ponderada do estabelecimento comercial, ou a soma das áreas dos estabelecimentos de uma só entidade é o fator determinante para o cálculo da liquidação, tendo em atenção que tudo o resto são coeficientes indicados legalmente, como aliás vem explicitado/fundamentado na notificação efetuada à Impugnante;

XX. Dúvidas não subsistem que a liquidação foi efetuada com base nas declarações do contribuinte, estando assim, legalmente, dispensada a Audiência dos interessados, tendo sido esta a decisão do Tribunal a quo, defende-se que nada lhe há a apontar;

XXI. Quanto às inconstitucionalidades apontadas pela Recorrente, sempre se dirá que o Acórdão n.º 539/2015 do Tribunal Constitucional, onde foi decidida uma situação idêntica àquela que se encontra em discussão nos presentes autos, com efeito, ali, como aqui, estamos perante o mesmo tributo aplicado a um contribuinte que prossegue atividade rigorosamente idêntica à da Recorrente - retalhista do comércio alimentar e não alimentar, foi decidido que as normas que instituem a TSAM são CONFORMES À CONSTITUIÇÃO, pelo que bem decidiu o Tribunal a quo;

XXII. No entanto, alega a Recorrente existir uma suposta “ilegalidade abstrata e inconstitucional (indireta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do ato de liquidação da TSAM, mas, mais uma vez, sem razão;

XXIII. Nos termos da alínea g) do art.º 161.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), compete à Assembleia da República, no âmbito da sua competência política e legislativa, aprovar o Orçamento de Estado sob proposta do Governo, pois “se é certo que é ao Governo que compete conduzir a política geral do País (artigo 182.º da CRP), ele só o pode fazer através do orçamento, sem o qual não pode cobrar receitas nem realizar despesas”;

XXIV. O Orçamento de Estado constituiu “uma autorização política que visa (…) a garantia dos direitos fundamentais … [e] a garantia do equilíbrio e da separação de poderes”, sendo este “Um elemento fundamental para a definição e execução das políticas financeiras, conseguindo-se por meio dele conhecer a política económica global do Estado, ou pelo menos muitos dos seus caracteres essenciais”.

XXV. Dispõe o n.º 1 do art.º 106.º da CRP que “a lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento”, significando que “Quando a Constituição remete para a lei de enquadramento … trata-se … de entregar a uma lei específica a definição … [do] grau de especificação do orçamento, organização dos mapas orçamentais, tempo de discussão, forma de votação do articulado, etc.”;

XXVI. Concomitantemente, nos termos da alínea b) do art.º 199.º da CRP, compete ao Governo, no exercício das suas funções administrativas, “executar, ele mesmo, o orçamento, na parte respeitante à administração direta do Estado”, pois “[A] execução do orçamento … não se limita à prática de simples atos ou regulamentos de natureza administrativa, podendo implicar a emissão de atos legislativos (decretos-leis), quando tal se torne necessário para assegurar a [sua] execução”;

XXVII. Nessa medida, fazendo uso dessa atribuição constitucional, o Governo desenvolve atos necessários à execução do Orçamento de Estado, por decorrência do art.º 1.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro (Lei de Enquadramento Orçamental, de ora em diante designada por LEO).

XXVIII. Por forma a, aplicar as regras orçamentais [alínea a)] e desenvolver um regime de contabilidade pública [alínea b)] para o setor das administrações públicas – art.º 14.º da LEO - constituindo ambos, “uma limitação jurídica da Administração, diversa e mais forte que a do Direito Administrativo … [devendo] os seus poderes financeiros ser autorizados anualmente”;

XXIX. No que concerne à aplicação das regras orçamentais, como forma de limitação dos poderes financeiros das administrações públicas, a aplicação da regra da especificação, tal como prescreve a alínea a) do n.º 1 do art.º 105.º da CRP, determina que “o Orçamento de Estado contém: a discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, querendo com isto significar que, “O Orçamento de Estado … deve conter a discriminação das receitas e das despesas respetivas … [constituindo] … esta a dimensão horizontal do âmbito orçamental”, “mas além disso o orçamento deve apresentar as receitas e as despesas globais suficientemente desagregadas … é a dimensão vertical do âmbito orçamental.” contudo, “até que grau de desagregação é que as receitas devem ser discriminadas – eis o que a Constituição não diz diretamente … compet[indo] à lei de enquadramento definir (artigo 106.º n.º 1 da CRP).”

XXX. Nessa medida, o n.º 2 do art.º 17.º da LEO, com a epígrafe “especificação” define que “as receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento” e o n.º 4 do referido preceito que “a estrutura dos códigos dos classificadores orçamentais é definida em diploma próprio, por outras palavras, “(…) as classificações a que obedece a especificação de receitas obedecem a um princípio de tipicidade legal”, i.e

XXXI. A inscrição das receitas no Orçamento de Estado, por forma a, cumprir a regra da especificação e o princípio da tipicidade legal, seguem as regras prescritas pelo Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC - AP) - Decreto-Lei n.º 192/2015 de 11 de setembro, o qual refere, no n.º 2 do art.º 4.º, que o SNC - AP tem por objetivo “permitir um registo pormenorizado do processo orçamental”.

XXXII. Por sua vez, o SNC – AP, é complementado pelo Regime jurídico dos códigos de classificação económica das receitas e das despesas públicas (Regime jurídico dos códigos de classificação económica) - Decreto-Lei n.º 26/2002, o qual menciona no Preâmbulo que “Constituíram, desde sempre, os pilares essenciais da aprovação dos diversos códigos de classificação económica das receitas e despesas públicas, a observância de princípios fundamentais da contabilidade pública, como sejam a legalidade e a transparência na aplicação dos recursos públicos financeiros, visando a concretização das prioridades de política económica e social”.

XXXIII. Tal como é prescrito no n.º 1 do artigo 1.º daquele diploma, “são aprovados, … os códigos de classificação económica das receitas e das despesas públicas, que constam, respetivamente, dos anexos I e II ao presente diploma, bem como as respetivas notas explicativas, que constam do anexo III ao presente diploma e dele fazem parte integrante” explicitando ainda que, estes “são aplicáveis aos serviços integrados do Estado [e] aos serviços e fundos autónomos” – n.º 1 do art.º 2.º.

XXXIV. Nessa medida, nos termos do n.º 2 do art.º 3.º “o código de classificação económica das receitas públicas constante do anexo I procede à sua especificação por capítulos, grupos e artigos”,

XXXV. Confirmando o Anexo III “Notas explicativas ao classificador económico”, na parte relativa à Receitas Públicas, que “As receitas mantêm a desagregação entre «Receitas correntes» e «Receitas de capital», assentando em três níveis principais de componentes:

Capítulos; Grupos; Artigos”.

XXXVI. Dessa forma, consultado o Anexo I do Regime jurídico dos códigos de classificação económica, o qual remete para o Anexo I do Decreto-Lei n.º 26/2002 de 14 de Fevereiro (diploma anterior), verificamos que a receita pública à qual a TSAM diz respeito, é reconduzível ao capítulo 04, no grupo 01 e ao artigo 99º, com a designação “taxas diversas” e, quando verificado o Mapa VI “Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por Classificação Económica” da Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro (Orçamento de Estado para 2018), é possível confirmar que a TSAM se encontra inscrita no capítulo 04, no grupo 01 e no artigo 99º, com a designação “taxas diversas”, respetivamente,

XXXVII. Ou seja tal como referido supra, as receitas públicas são descritas de um ponto de vista genérico, uma vez que todos os anos, através da lei que aprova o Orçamento do Estado, o Governo é autorizado a cobrar as contribuições e impostos constantes dos códigos e demais legislação tributária em vigor;

XXXVIII. Ora, nos termos do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais (FSSAM) “constitui um património autónomo, sem personalidade jurídica e dotado de autonomia administrativa e financeira”, mas “O seu orçamento privativo não está separado do OE (desenvolve-o, depende dele ou justapõem-se-lhe parcialmente) [sendo que] a aprovação do seu orçamento tem cabido ao Governo i.e. aos Ministros das Finanças e da Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento Rural.”

XXXIX. Razão pela qual, o orçamento do FSSAM vem inscrito no Mapa V “Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por Classificação Orgânica, com Especificação das Receitas Globais de cada Serviço e Fundo” do Orçamento de Estado para 2018, com a designação “16 – Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural”.

XL. Constituindo a receita da TSAM, parte integrante deste Fundo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto;

XLI. Assim, a inscrição das receitas constantes do orçamento do FSSAM (classificação orgânica), e da receita da TSAM (classificação económica), é efetuada nos Mapas V e VI do Orçamento de Estado para 2018, respetivamente;

Significando que a sua correta inscrição respeita as regras prescritas pela contabilidade pública e, por conseguinte, o integral cumprimento da regra da especificação e do princípio da tipicidade legal, permitindo assegurar a conformidade da execução com as autorizações orçamentais concedidas pela Assembleia da República;

XLII. Razão pela qual, liquidação e cobrança da TSAM cumpre o princípio da legalidade, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP e, o princípio da tipicidade legal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 105.º da CRP e n.º 2 do art.º 17.º da LEO;

XLIII. Do que só se pode concluir, ter sido a receita da TSAM corretamente inscrita no Orçamento de Estado. Não estando ferida de qualquer ilegalidade, por respeitar a classificação económica respetiva, e por maioria de razão, foram, igualmente cumpridas, nos termos do art.º 105.º da CRP e do art.º 9.º da LEO, a regras da unidade e universalidade orçamental;

XLIV. Tal como ficou exposto e provado que o efetivo cumprimento dos princípios da legalidade e da tipicidade legal na inscrição da receita da TSAM no Orçamento de Estado, permitiu o escrutínio da racionalidade e transparência na afetação dos recursos e sua obtenção no momento da aprovação do Orçamento de Estado, pela Assembleia da República;

XLV. Sendo, o mesmo raciocínio, válido para a efetiva aplicação da regra da transparência orçamental, nos termos do art.º 19.º da LEO.

XLVI. Improcedem, assim, totalmente as alegações da Recorrente por inexistir qualquer inconstitucionalidade na sua liquidação e cobrança, pois “Da regra da especificação decorre ainda que as classificações a que obedece a especificação de receitas obedecem a um princípio de tipicidade legal … cuja violação determina a inconstitucionalidade, no caso das classificações funcionais e orgânicas – in genere – e ilegalidade, no caso das mesmas classificações in specie e da classificação económica [receitas e despesas correntes e de capital e suas espécies]”, incorrendo, aliás a Recorrente num grosseiro erro, confundindo os conceitos de inconstitucionalidade com mera ilegalidade de um tributo;

XLVII. Por outro lado, a previsão e o cálculo da TSAM para o ano de 2018, foi efetuado e inscrito nos referidos Mapas V (classificação orgânica) e VI (classificação económica) do Orçamento de Estado para 2018, assim como, foi efetuada a sua especificação i.e. descrito o montante correspondente à previsão da sua receita, nos referidos Mapas. Dando cumprimento, tal como ficou exposto supra, ao estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 105.º da CRP, no n.º 2 do art.º 17.º da LEO e no n.º 2 do art.º 3.º do Regime jurídico dos códigos de classificação económica.

XLVIII. Nesta conformidade só se pode concluir, ex vi da conjugação do n.º 5 do art.º 2.º e n.º 1 do art.º 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e do art.º 55.º da Lei Geral Tributária, ter, o procedimento orçamental de inscrição da receita da TSAM no Orçamento de Estado, cumprido integralmente o princípio da legalidade;

XLIX. Assim, a pretensão da Recorrente só pode ser considerada totalmente improcedente, por não se mostrarem violados os princípios da legalidade e da tipicidade legal do procedimento orçamental de especificação da receita da TSAM;

L. Não sendo, de todo, pois, passível de qualquer censura a douta sentença recorrida».

1.4. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da incompetência hierárquica deste Supremo Tribuna Administrativo para apreciar o mérito do recurso, sustentando que, tendo a Recorrente convoca várias alíneas dos factos apurados nas suas conclusões de recurso e pretendendo, por essa via, questionar a suficiência dos factos apurados e as conclusões deles extraídas, é competente para apreciar e decidir as questões colocadas o Tribunal Central Administrativo Sul.

1.5. Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a excepção suscitada pelo Ministério Público, apenas a Recorrente o veio fazer, opondo-se à sua confirmação. Em síntese, por não ser admissível extrair das alegações e conclusões de recurso que questione o probatório ou lhe impute erro de julgamento, por excesso ou insuficiência, que tendo-se limitado a defender que há um erro de julgamento de direito por os factos e as conclusões de facto, que não questiona nem pretende questionar, demonstrarem que não foi observado o dever de audição prévia, que a Administração Tributária, está vinculada a cumprir, nos termos em que este se mostra disciplinado nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), 45.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 267.º, n.º 5 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).

1.6. Colhidos os vistos dos Conselheiros Adjuntos, cumpre agora decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência as conclusões formuladas e a delimitação da nossa competência, são quatro as questões a decidir:

(i) Da excepção de incompetência hierárquica deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do mérito do presente recurso por estarem em causa a apreciação e decisão de questões de facto;

(II) Da admissibilidade de junção aos autos dos documentos juntos com as alegações de recurso por estes apenas se terem revelado necessários pelo julgamento proferido em 1ª instância;

(iii) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por não ter sido apreciada a questão da ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e a consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM, alegadamente suscitada pela Recorrente na petição inicial;

(IV) Do erro de julgamento relativamente às questões da falta de fundamentação, de violação do direito de audição, que a Recorrente defende que o Tribunal não deu, mal, como verificados, com o consequente erro quer no que respeita à restituição do valor pago pela Recorrente quer no que concerne ao indeferimento do pedido de conenação no pagamento de juros indemnizatórios peticionados.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

a) A 21/02/2017, foi emitido ofício dirigido à impugnação, onde se lê (cfr. documento de fls. 42 do PAT incorporado no SITAF):

«Como é do v/conhecimento, a liquidação da taxa de segurança alimentar mais, de ora em diante designada por TSAM, é realizada, nos termos do n.° 2 do artigo 5,° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de julho, a partir de uma lista elaborada pela DGAV, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, a partir dos elementos disponibilizados, entre outros, pelas autoridades competentes.

Como tal, dando cumprimento ao n.° 2 do artigo 9.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de julho, foi celebrado protocolo entre a DGAV e a Direção-Geral das Atividades Económicas.

Temos todavia vindo a consultar a lista que nos tem sido disponibilizada, no âmbito do protocolo supramencionado, apresenta algumas insuficiências com reflexos diretos na liquidação, causando constrangimentos vários que nos obrigam, de forma reiterada a proceder à anulação da liquidação e emissão da respetiva nota de crédito.

Atento o exposto, tendo em vista criar a lista a que se refere o n.° 2 do artigo 5º da portaria supracitada e obviar a existência de incorreções na liquidação, solicitamos os bons ofícios de V. Exa(s) no sentido de nos disponibilizarem as seguintes informações:

Apresentando-se esta metodologia de apuramento dos dados mais vantajosa para todos, esperamos o bom acolhimento de V. Exa(s), aguardando-se que nos enviem, até ao próximo dia 3 de março, as informações em apreço, sob a forma de tabela, através de correio eletrónico, para o endereço fssam.dgav@dgav.pt, de modo a que estas possam ser consideradas para efeitos da liquidação da TSAM de 2017.

Antecipadamente gratos pela colaboração.

Com os melhores cumprimentos,

O Diretor do Fundo de Segurança Alimentar Mais».

b) A 03/03/2017, a impugnante remeteu missiva dirigida ao Fundo de Segurança Alimentar Mais, onde se lê (cfr. documento de fls. 44 do PAT incorporado no SITAF):

«Exmo. Sr. Director Geral,

A………………., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., titular do número único de pessoa colectiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa ……………., com sede na Rua ………………., n.° …, ……………., ……, união de freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, entidade que se dedica à exploração dos estabelecimentos de supermercado com as insígnias “……….” e "…….”, vem, em resposta ao V/Ofício supra referenciado, dando cumprimento à obrigação declarativa que resulta do disposto das disposições conjugadas da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho e da Portaria n.° 200/2013, de 31 de Maio, e tendo por referência os estabelecimentos em funcionamento à data de 31 de Dezembro de 2016, comunicar a V. Exas. o seguinte:

A área de venda com o coeficiente ponderado dos estabelecimentos da ora Requerente nos termos definidos no artigo 1, n°1, alínea i) da Portaria 200/2013, corresponde a 122.591,10 m2, conforme se encontra melhor especificado (individualizado por estabelecimento) na listagem que se remete em anexo.

Mantemo-nos à disposição de V. Exas. para qualquer esclarecimento que entendam necessário ou conveniente.

Com os nossos melhores cumprimentos,

A……………………….,

SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA».

c) À missiva a que respeita a alínea anterior, encontra-se anexo que se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento de fls. 44 e ss. do incorporado no SITAF);

d) A 27/04/2017, foi emitida a factura n.°2017F/000166, onde se lê (cfr. documento de fls. 56 do PAT incorporado no SITAF):

[IMAGEM]

e) A 27/04/2017, foi emitida a factura n.º2017F/000167, onde se lê (cfr. documento de fls. 57 do PAT incorporado no SITAF):

[IMAGEM]

f) A 27/04/2017, foi remetido ofício, dirigido à impugnante, onde se lê (cfr. documento de fls. 54 do PAT incorporado no SITAF):

«Como é do conhecimento de V.Ex.a. o Decreto-Lei n.° 119/2012, de 15 de Junho, criou, a Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n.° 1 do artigo 9.° do mencionado diploma.

Nos termos do n.° 3 do artigo 5.° da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.

Tendo aquela taxa sido fixada em 7€, através da Portaria n.° 107-A/2017, de 14 de março, importa, agora proceder à respetiva liquidação. Para proceder à liquidação, implica em primeiro lugar determinar a área do estabelecimento. Para o efeito, esta Direção Geral, solicitou aos operadores económicos as informações(¹) necessárias, pelo que a presente liquidação suporta-se nos dados que nos foram remetidos por V. Exa.

Assim, fica V.Ex.ª notificado(a) que, o montante devido pela TSAM do ano de 2017 é de €858.137,68 (oitocentos e cinquenta e oito mil, cento e trinta e sete euros e sessenta e oito cêntimos), dividido em duas prestações, conforme faturas n.° 166/F e 167/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação daquela taxa fixada no artigo 1.° da Portaria n.° 107- A/2017, de 14 de março, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas do n.° 1 do artigo 2.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1.° da Portaria n.° 200/2013, de 31 de maio, sendo os cálculos para a determinação do valor da liquidação da TSAM os seguintes:

Somatório da Área Bruta de 136.212,33 estabelecimentos X Coeficiente de ponderação aplicado a cada uma das áreas dos 305 estabelecimentos (n.º 1 do art.º da Portaria n.° 200/2013 de 31 de maio) = Somatório da Área Ponderada de 122.591,10 estabelecimentos (nº 1 do art.° 1º da Portaria nº 200/2013 de 31 de maio).

e

Somatório da Área Ponderada de 122.591,10 estabelecimentos (n.° 1 do art.° 1.° da Portaria n.° 200/2013 de 31 de maio) X Valor da TSAM para 2017 (art.º 1.º da Portaria n.° 107-A/2017 de 14 de março -7€) = Montante da TSAM para o ano de 2017.

O pagamento da taxa respeitante a 2017, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no n.° 1 do artigo 6.°, poderá ser efetuado, de acordo com o disposto no n.° 4 do artigo 10.° da Portaria n.° 215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo aquele ser realizado no prazo de 60 dias úteis, para a 1ª prestação a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do n.° 3 do artigo 5.° e n.° 2 do artigo 6.° do mesmo diploma, sendo o pagamento da 2a prestação até 31/10/2017.

Alerta-se que, nos termos do n.° 1 do artigo 7.° da referida portaria, a falta de pagamento da taxa no prazo estabelecido constitui o devedor em mora, sendo devidos juros legais desde a data do vencimento.

Por último, informa-se que a presente notificação poderá ser objeto de impugnação nos termos dos artigos 99.° e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para o respetivo pagamento».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. A Recorrente não se conforma com o julgamento do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Por entender que não conheceu de questão que lhe cumpria apreciar e decidir, a saber, a suscitada inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e consequente inexistência do acto de liquidação da TSAM, do que resulta a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Porque errou no julgamento de direito, persistindo em defender que não foi observado o seu direito de audição prévia, o que determina a anulação da liquidação, a devolução do valor liquidado e, bem assim, o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios em que a Recorrida devia ter sido condenada.

3.2.2. Considerando a diversa natureza das questões colocadas, e a repercussão que cada uma destas pode vir a ter nas demais, impõe-se desde já dizer que serão apreciadas pela precisa ordem porque ficaram enunciadas na delimitação do objecto do litigio, que teve já subjacente essa natureza e precedência lógica. Assim, este Supremo Tribunal começará por aferir da sua própria competência. Ficando firmada esta, prosseguiremos com a apreciação e decisão sobre a questão admissibilidade da junção dos documentos apresentados em juízo em sede de recurso jurisdicional e, por fim, resolveremos a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia e, sendo caso disso (uma vez que, sendo julgada procedente a referida nulidade, se imporá a determinação da baixa dos autos para apreciação da questão omitida), concluiremos com o julgamento dos invocados erros de direito imputados à sentença recorrida.

3.2.3. Da competência hierárquica da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal administrativo para conhecer do mérito do recurso

3.2.3.1. A Exma. Procuradora - Geral Adjunta invocou no seu parecer a excepção de incompetência desta Secção e Tribunal para conhecer do mérito do recurso, questão que, por ser de ordem pública, prioritária em relação a qualquer outra, de conhecimento oficioso e susceptível de ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final sempre se imporia eu enfrentássemos independentemente de tal arguição [cfr. artigos 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].

3.2.3.2. Nesse sentido, realçamos antes de mais que, nos termos do disposto nos artigos 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, pertence à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos Tribunais Centrais Administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º».

3.2.3.3. Como é pacífico, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas. Ou, pelo contrário, se a sua decisão implica a necessidade de dirimir questões de facto, divergências do juízo ou de ilações retiradas pelo julgador da factualidade que se encontra fixada ou em face da formulação pelo Recorrente de um juízo ou ilação de facto a extrair de factualidade que considera que devia ter sido dada como provada.

3.2.3.4. No caso concreto, salvo o devido respeito, concordamos com a Recorrente quanto a estar exclusivamente em causa uma questão de direito.

3.2.3.5. Efectivamente, não obstante a Recorrente ter invocado o probatório, fê-lo, tão só, para discordar que do mesmo resultem preenchidos os pressupostos conducentes à conclusão de que o direito de audição prévia, consagrado nos artigos 60.º da LGT, 45.º do CPPT e 267.º da CRP, foi respeitado. Ou seja, tal como foi alegado e, posteriormente confirmado pela Recorrente no momento em que foi chamada a exercer o direito do contraditório na sequência do parecer emitido pelo Ministério Público, há, no caso uma aceitação expressa do probatório (que em determinados pontos é transcrito para facilidade de exposição da argumentação de direito), limitando-se a Recorrente a pôr em causa a interpretação e aplicação das normas jurídicas invocadas.

3.2.3.6. Em suma, a Recorrente não ataca o julgamento de facto (por omissão, excesso ou errada valoração da prova), nem discorda das ilações de facto que a Meritíssima Juiz extraiu. Com o que a Recorrente se não conforma é com a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo fez das normas legais, com a dimensão jurídico-normativa que lhe atribuiu, em suma, com o julgamento de direito que, por via deste recurso, censura.

3.2.3.7. Donde, estando colocada em recurso, nesta parte, exclusivamente uma questão de direito, é, como começamos por adiantar, esta Secção e Supremo Tribunal Administrativo hierarquicamente competente para conhecer o mérito do presente recurso.

3.2.4. Da admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso tendo em vista a apreciação e decisão do erro de julgamento imputado à sentença recorrida

3.2.4.1. Com a interposição do presente recurso, a Recorrente requereu a junção aos autos de cinco (5) documentos, alegando, tendo em vista essa admissão, que desde 2020, inclusive após a DGAV ter recebido uma lista idêntica à que a Recorrente enviou para a DGAV a 3 de Março de 2017 (para efeito de cálculo da liquidação da TSAM de 2017 que ora impugna), tem vindo a ser notificada para exercer o direito de audição prévia (documentos junto sob os n.ºs 1 a 4) e que a Autoridade Tributária e Aduaneira já reconheceu em procedimento gracioso que essa audição legalmente se impõe, tendo procedido à anulação de uma liquidação com esse fundamento (documento junto sob o n.º 5).

3.2.4.2. A Recorrida opõe-se à junção dos mencionados documentos, por, em síntese, não estar verificado o circunstancialismo de direito exigido pelo legislador para a admissão de documentos com a apresentação das alegações de recurso, citando no sentido que professa abundante jurisprudência.

3.2.4.3. Vejamos, pois, adiantando de imediato que é à Recorrida que assiste razão, como passamos a demonstrar.

3.2.4.5. Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo repetidamente a dizer, inclusive após a reforma processual introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que a “lei permite, excepcionalmente, a apresentação de documentos com as alegações de recurso nos seguintes casos: (i) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (arts. 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC).» (cfr., a título meramente exemplificativo, acórdão proferido a 27-5-2015, processo n.º 570/14, integralmente disponível, como múltiplos outros no mesmo sentido, em www.dgsi.pt).

3.2.4.6. Ora, no caso concreto, a situação em apreço não se enquadra em nenhuma dessas situações, já que os documentos cuja junção vem requerida, como se constata da sua apreciação, reportam-se a informações prestadas pela Recorrente quanto a áreas de supermercados (documentos n.ºs 1 e 3) que não tem qualquer relação com a liquidação em apreço ou a notificações para audição prévia relativamente a liquidações dos anos de 2020 e 2021 efectuadas no âmbito de procedimentos que nenhuma relação tem com o que antecedeu a liquidação dos autos (documentos 2 e 4), e, se bem vemos, a uma decisão proferida em execução de sentença de uma intimação para um comportamento em que foi relevada a jurisprudência alegadamente uniforme dos Tribunais Superiores em condicionalismos de facto e de direito distintos dos objecto de análise nos presentes autos (documento n.º 5).

3.2.4.7. Em suma, os documentos ora juntos não se destinam a provar factos posteriores aos articulados e que com estes estejam numa relação directa, a sua junção não se mostra determinada pela necessidade de provar factos posteriores aos articulados e correlacionados directamente com os factos em apreço, cuja prova importava realizar, nem a sua apresentação se revelou necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância, porque a questão cujo julgamento a Recorrente pretende que seja reapreciada - ter sido ou não observado o direito de audição previamente à liquidação impugnada - só o pode ser no quadro do actos praticados no procedimento que lhes respeita e não à luz de factos ou actos praticados noutros procedimentos e que deram origem a outras liquidações.

3.2.4.8. Há, pois, neste contexto, que concluir pela inexistência de fundamento legal para que seja admitida a junção aos autos dos documentos apresentados com as alegações de recurso, os quais, em conformidade, serão desentranhados nos autos, bem como a apresentante condenada nas custas do incidente a que deu causa, nos termos do artigo 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

3.2.5. DA NULIDADE POR EXCEPÇÃO DE PRONÚNCIA

3.2.5.1. Alega ainda a Recorrente que a sentença não se pronunciou sobre todas as questões suscitadas na petição inicial, deixando por apreciar a invocada questão da ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM, a que se reportam os artigos 280.º a 300 daquele articulado, mais sublinhando que, inclusive, fez juntar aos autos com a mesma peça processual um Parecer Jurídico que convocou em abono da sua argumentação.

3.2.5.2. A Recorrida, nas suas alegações e contra-alegações, pronunciou-se abundantemente sobre a referida inconstitucionalidade, defendendo de forma exaustiva a sua não verificação (conforme se vê, designadamente, do percurso argumentativo compreendido entre as alíneas XXII a XLIX. das conclusões das contra-alegações oferecidas ao recurso), sem, no entanto, em momento algum ter afirmado, pelo menos expressamente, que essa questão não foi suscitada pela Impugnante na petição inicial ou que essa questão foi apreciada e decidida pelo Tribunal a quo.

3.2.5.3. A Meritíssima Juíza, no despacho proferido nos termos do artigo 617.º, n.º 1 do CPC, veio afirmar que a nulidade por omissão de pronúncia não se verifica «visto que a questão em causa encontra resposta, quer pela solução a que o Tribunal chegou, quer na jurisprudência citada».

3.2.5.4. Não cremos, porém, que seja correcta a interpretação que no despacho de sustentação é realizada sobre a sentença recorrida

3.2.5.5. Na verdade, a nulidade por omissão de pronúncia, prevista no n.º 1 do art. 125.º do C.PPT (e na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), está directamente relacionada coma imposição que recai sobre o juiz de apreciar e decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 608.º, n.º 2 do CPC).

3.2.5.6. - Não sendo questionável que a ora Recorrente suscitou perante o Tribunal a quo a questão da ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM, - por a tanto se reportarem expressamente as alegações vertidas nos artigos 280.º a 300 da petição inicial em que deixou explicitadas as razões de facto e direito do entendimento que defende e de cuja decisão, indubitavelmente, pretende que sejam extraídos efeitos no sentido do acolhimento da sua pretensão anulatória - nem sendo discutível que estamos perante uma verdadeira questão (e não mero argumento), há que concluir que o Tribunal a quo não podia ter deixado de apreciar e decidir, por força do já citado artigo 608.º, do Código de Processo Civil.

3.2.5.7. Ora, como se constata da leitura da sentença objecto de recurso, a referida questão - ilegalidade abstracta e inconstitucionalidade (indirecta) por vício de não discriminação orçamental e da consequente inexistência do acto de liquidação de TSAM - não foi, directa ou indirectamente, objecto de apreciação e decisão. De facto, nem a Meritíssima a equacionou como relevante (como a Recorrente bem diz, nem sequer se encontra incluída no rol das questões identificadas na sentença como tendo sido suscitadas pela então Impugnante), nem (independentemente dessa ausência de indicação especificada) a Meritíssima Juíza a resolveu, não se mostra apreciada ou decidida em qualquer um dos acórdãos do Tribunal Constitucional citados (e transcritos) no julgamento de direito, nem, por fim, se encontra fundamento para se concluir, atenta a autonomia formal e material da questão em apreço, que resulta implicitamente decidida ou prejudicada pela resposta dada a outras questões que tenham sido apreciadas e decididas, incluindo as demais inconstitucionalidades concretamente julgadas.

3.2.5.8. Impõe-se, pois, a anulação da sentença por omissão de pronúncia e o regresso dos autos à 1.ª instância - uma vez que, actuando o Supremo Tribunal Administrativo na qualidade de tribunal de revista não pode, na sequência da declaração de nulidade da sentença, conhecer em substituição de questões sobre as quais não foi emitida pronúncia - para que aí se proceda à reforma da sentença nos termos previstos nos artigos 679.º e 684.º, n.º 2, do CPC.

3.2.6. Custas pela Recorrida, sem prejuízo da dispensa do remanescente da taxa de justiça, atenta a relativa complexidade das questões apreciadas, o comportamento que as partes assumiram do ponto de vista processual, ambos as vertentes ora equacionadas reveladoras do preenchimento dos pressupostos revistos no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e, bem assim, o preciso fundamento que conduziu à anulação do julgado.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo:

- Ordenar o desentranhamento dos autos dos cinco (5) documentos apresentados pela Recorrente com as alegações do presente recurso jurisdicional;

- Conceder provimento ao recurso, declarar nula a sentença por omissão de pronúncia e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que proceda à sua reforma nos termos supra expostos.

A Recorrente suportará as custas do incidente a que deu causa, que se fixam em 1 UC.

A Recorrida suportará as custas devidas pela interposição do Recurso, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Registe, notifique e, transitado o presente acórdão, remeta os autos ao Tribunal Tributário de Lisboa.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021- Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.