Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0503/03
Data do Acordão:06/18/2003
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO.
PRAZO.
RECURSO JURISDICIONAL.
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO.
Sumário:I - O disposto no artº 73º nº 2 do RGCO é aplicável subsidiariamente ao Regime Geral das Infracções Tributárias.
II - Aquele nº 2 compreende as decisões concretizadas tanto por sentença, como ali expressamente se refere, como pelo despacho referido no seu artº 64º.
III - A expressão, "melhoria da aplicação do direito", dali constante, não deve restringir-se, ao contrário do que parece resultar da sua letra, a casos em que estejam em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica, propriamente ditas.
IV - Mas, antes, servindo de válvula de segurança do sistema, deve compreender também casos de erros claros na decisão judicial, nomeadamente de manifesto lapso na contagem ou cálculo do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.
V - Tal prazo é de cinco anos, contados a partir da prática do facto - artº 34º do CPT, 119º da LGT e 33º do RGIT -, começando a correr novo prazo, com o limite imposto pelo artº 121º nº 3 do Cód. Penal - seu nº 2 - estando, assim, já prescrito o procedimento relativo a infracção cometida em 31Out95.
Nº Convencional:JSTA00060131
Nº do Documento:SA2200306180503
Data de Entrada:03/05/2003
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:DL 433/82 DE 1982/10/27 ART73 N2.
RGIT01 ART64 N2.
CP95 ART121 N3
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 2ED PAG490 PAG506.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
Vem o presente recurso jurisdicional, interposto pelo MP, do despacho do TT de 1ª Instância de Lisboa, proferido em 06-01-03, que declarou prescrito "o procedimento contra-ordenacional relativamente às infracções imputadas ... a "A...", ordenando, em consequência, o arquivamento dos autos.
Fundamentou-se a decisão em terem decorrido mais de 8 anos, "desde o momento da prática dos factos".
O MP recorrente formulou as seguintes conclusões:
"A - A arguida está acusada pela prática, em autoria material, da contra-ordenação p.p. pelas disposições conjugadas dos arts. 26º/1 e 40º/1/a) do CIVA e 29º/2/9 do RJIFNA.
8 - A Contra-ordenação, consumou-se em 31 de Outubro de 1995.
C - O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de 5 anos, nos termos do estatuído no artº 35º do CPT.
B - Com a notificação da arguida, em Janeiro de 2000, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 199º e 200º do CPT interrompeu-se a prescrição, tendo começado a correr novo prazo a partir de tal data.
C - Inexistem factos suspensivos do prazo prescricional.
D - Nos termos do disposto no artº 121º/3 do C. Penal, a interrupção ocorrerá, inexoravelmente, a partir do momento em que desde o início - 31 de Outubro de 1995 - tiverem decorrido sete anos e meio.
F - A verdade é que desde o início, apenas, decorreram sete anos e 3 meses e não 8 anos, conforme erroneamente, se diz na decisão recorrida.
F - Pelo que é manifesto que, ainda, não ocorreu a prescrição do procedimento contra-ordenacional.
G - A decisão recorrida tirou conclusões erradas da factualidade provada, dessa forma tendo violado o normativo inserto no artº 121º/3 do C.Penal.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Ex.as, doutamente, suprirão, deve a ilegal decisão recorrida ser revogada".
E, atenta a coima aplicada - 200 Euros -, requereu a aceitação do recurso nos termos dos artºs 73º nº 2 e 74º nº 2 do RGCO, já que "a decisão sindicada decidiu em contrário dos pressupostos de facto e contra-legem" pois, no caso, não decorreram sequer os sete anos e meio necessários à consumação da prescrição do procedimento - artº 121º nº 3 do Cód. Penal -, mostrando-se, assim, o recurso "manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito".
Ao que a arguida, em resposta, retorquiu não se verificar o dito pressuposto legal pois que apenas está em causa um erro nas "operações de cálculo dos anos decorridos".
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
"1)- Com data de 15.03.1997, foi levantado auto de noticia, porquanto A... "não entregou, simultaneamente com a declaração periódica que apresentou fora do respectivo prazo legal, na data e para o período referido" (9508) [fls. 4].
2)- Em 4.01.2000, foi proferido despacho pelo Chefe da Repartição de Finanças de 3º Bairro Fiscal de Lisboa ordenando a notificação do arguido para os efeitos dos artºs 199º e 200º, ambos do CPT, para conhecimento dos factos e para, querendo apresentar defesa e juntar elementos probatórios [fls. 5].
3)- Tal notificação foi enviada através de carta registada com A/R em 04.01.2000 [fls. 6].
4)- Em 20.02.2002, foi proferido despacho, pelo Senhor Chefe do 3º Serviço de Finanças de Lisboa, que decidiu aplicar à arguida uma coima de Euros 200,00 [fls. 9].
5)- Tal decisão foi notificada através de carta registada com A/R devolvido, devidamente assinado, em 25.02.2002 [fls. 10 e 11].
6)- Em 04.03.2002, a arguida apresentou recurso daquela decisão [fls. 12 a 20].
7)- Em 31.05.2002 foi proferida decisão, pelo Mmº Juiz de Direito do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa declarando nula a decisão proferida pelo Chefe do 3º Serviço de Finanças de Lisboa (fls 31 a 33).
8)- Em 29.08.2002, foi proferido despacho, pelo Senhor Chefe do 3º Serviço de Finanças de Lisboa por delegação de competências do Director da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, que decidiu aplicar à arguida uma coima de Euros 200,00 [fls. 38].
9)- Tal decisão foi notificada através de carta registada com A/R devolvido, devidamente assinado, em 03.09.2002 [fls. 39 e 40].
10)- Em 23.09.2002, a arguida apresentou recurso daquela decisão [fls. 41 a 46]."
Vejamos, pois:
O artº 73º nº 2 do RGCO - aplicável ao caso por força do artº 3º al. b) do RGIT - prevê a aceitação do recurso da sentença, a requerimento do arguido ou do MP, "quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência".
Na verdade e uma vez que a não admissibilidade do recurso, em matéria contra-ordenacional, suscita fundadas dúvidas de constitucionalidade, tal inciso normativo concretiza “uma válvula de segurança do sistema de alçadas que permita assegurar a realização da justiça”.
Cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, RGIT, Anotado, 2ª edição, pág. 506.
Por outro lado, tal admissibilidade deve estender-se igualmente aos "despachos" substitutivos ou alternativos à sentença, única peça processual ali referida.
É que não existe nenhuma diferença de natureza entre as duas decisões.
O artº 64º nº 2 do RGIT - aplicável por força da referida disposição legal remissiva - prevê a decisão por despacho quando o juiz "não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido e o MP não se oponham."
Assim, parece que os casos em que o juiz deve decidir por despacho são aqueles em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
É o caso da existência de excepções, em que a questão a decidir seja apenas de direito ou o processo forneça já os elementos necessários à decisão.
Cfr. cit. pág. 490.
Quer dizer: a alternativa da decisão por despacho ou sentença não radica na complexidade das questões a decidir pelo que aquele nº 2 do dito artº 73º se deve aplicar indiferentemente a ambas as decisões.
Refere-se tal inciso normativo à necessidade manifesta do recurso para melhoria da aplicação do direito.
E, dado o escopo referido - válvula de segurança do sistema - ele não deve restringir-se, ao contrário do que parece resultar da sua letra, aos casos em que apenas estejam em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica, propriamente ditas.
Antes deve admitir-se em termos de "permitir o controle jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica" ou em que "se esteja perante uma manifesta violação do direito".
Cfr., cit, pag. 506.
É, assim, de aceitar o recurso.
Ora, não há dúvida que, à data da prolação do despacho recorrido - em 06/01/03, como se disse - não tinham decorrido "mais de 8 anos", "desde o momento da prática dos factos".
Trata-se efectivamente de manifesto lapso na contagem ou cálculo do tempo decorrido.
Na verdade, como resulta do probatório, os factos referem-se à falta de apresentação da declaração jurídica mensal do IVA, de Ago/95 e respectivo meio de pagamento, que devia ter tido lugar até 31-10-95.
Pelo que a eventual infracção se consumou nesta última data.
Ora, entre 31Out95 e 06-01-03 não decorreram patentemente os ditos oito anos que só se completarão em 31Out03.
Mais: dado o tempo até então decorrido - precisamente sete anos, 2 meses e seis dias - não se tinha ainda, à data, consumado o prazo de prescrição - sete anos e meio - artº 121º e nº 3 do Cód. Penal: prazo normal da prescrição - cinco anos - acrescido de metade.
Tal prazo tem, todavia, de equacionar-se em relação à presente data.
Pelo, que, efectuado o respectivo cômputo, verifica-se ter-se o mesmo concretizado em 30ABR passado.
Pelo que o procedimento contra-ordenacional em causa está efectivamente prescrito.
Termos em que se acorda, com a presente fundamentação, negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Junho de 2003
Brandão de Pinho – Relator – Vítor Meira – Baeta de Queiroz –