Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0572/17
Data do Acordão:05/09/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO
CORRECÇÃO TÉCNICA
Sumário:Se a fundamentação das correcções operadas pela AT e que determinaram as liquidações adicionais impugnadas, exprime, em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis, o critério legal e a motivação das mesmas, fica cumprida a dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais actos tributários e não ocorre insuficiência de fundamentação.
Nº Convencional:JSTA000P23269
Nº do Documento:SA2201805090572
Data de Entrada:05/18/2017
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……………, Lda., NIPC ……….., recorre da sentença proferida em 27/2/2017 no TAF de Castelo Branco, na qual se julgou improcedente a impugnação das liquidações adicionais de IVA, dos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, e respectivos juros compensatórios, no montante global de 100.939,85 euros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Sendo o contencioso tributário um contencioso de mera anulação e não constitutivo de efeitos tributários, cabe ao contribuinte apenas demonstrar o erro dos pressupostos de facto ou de direito considerados pela administração de que o acto possa sofrer.
2. É com base no quadro de facto fixado e não outro qualquer, que a causa de pedir da falta de fundamentação deve ser julgada, mesmo tratando-se a impugnante de uma sociedade que se dedica a actividades de contabilidade e auditoria e consultadoria fiscal mas não a actividades de adivinhação.
3. No domínio fiscal, o art. 77º da LGT dispõe que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração e concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
4. E o n° 2 do mesmo artigo acrescenta que a fundamentação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
5. Ora, não parece difícil de ler que a fundamentação deve sempre conter as disposições legais aplicáveis não se prevendo qualquer dispensa para sociedades que se dedicam a actividades de contabilidade e auditoria e consultadoria fiscal.
6. Constituindo um direito essencial dos administrados a defesa dos seus direitos a qual se traduz, duma banda, na participação activa na fase que conduz à produção do acto administrativo (ver art. 48º, n°1 e 2 e 268° n° 1 da CRP) e, doutra, pela possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios (art. 20º e 268° n° 4 da CRP) é inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância porquanto, face à fundamentação do acto é que se podem verificar a legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.
7. Mais se acrescenta que a improcedência do alegado não deixará de acarretar, em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268°, n° 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, a do artigo 77°, n° 2 da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação directa do rendimento, a fundamentação pode prescindir da indicação das disposições legais aplicáveis ao caso.
8. Nos casos de fundamentação por remissão, em face da exigência constitucional de que a fundamentação seja expressa, deverá referir-se explicitamente a concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, não cabendo ao Tribunal tal tarefa.
9. Mostram-se violadas as normas do art. 77º, n° 1 e n° 2 da LGT e as normas dos artigos 111º e 268°, n° 3 da CRP.
Termina pedindo a procedência do recurso e que, consequentemente, seja revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

1.3. A Autoridade Tributária contra-alegou terminando com a formulação das conclusões seguintes:
a) A ora recorrente não refere nem concretiza a insuficiente fundamentação dos actos tributários impugnados.
b) Limita-se a reproduzir o teor das normas constitucionais e da lei geral tributária, não se apreendendo de que modo ficaram prejudicados os direitos de defesa da impugnante, ora recorrente.
c) A ora recorrente impugnou os actos tributários, tendo demonstrado ter apreendido o iter cognoscitivo que presidiu ao procedimento inspectivo e subsequente liquidação dos tributos;
d) Por outro lado, o relatório de inspecção externa revela, com toda a evidência, que foram observados os princípios orientadores da verdade material, do contraditório e cooperação. Consignados nos arts. 6°, 8° e 9° do RCPITA e arts. 58° e 59° da LGT, tendo sido usadas no desempenho da função inspectiva e prática dos respectivos actos, as garantias e prerrogativas estabelecidas nos arts. 28° e 29° do RCPITA e art. 63° da LGT, sem qualquer tipo de oposição ou recusa de colaboração por parte da entidade inspeccionada, tendo em vista a análise e recolha de elementos relevantes para efeitos de fundamentar as correcções decorrentes de imperativo legal (técnicas) a que se procedeu.
e) O procedimento inspectivo foi acompanhado pelo representante legal da impugnante, pelo que a todo o momento podia e devia colocar as questões e dúvidas que o assaltaram.
f) Eventuais questões e dúvidas que, mais uma vez, podiam ser colocadas aquando da notificação do projecto de relatório de inspecção para exercício do direito de audição, não tendo suscitado qualquer reacção à ora impugnante — nomeadamente, evidenciando a aparência de compreensão das correcções à matéria tributável em causa.
g) As correcções, ora em causa, sempre apoiadas na contabilidade da impugnante e nos elementos recolhidos, que demonstraram a divergência dos valores constantes da contabilidade com os declarados à administração fiscal através das declarações periódicas de IVA entregues, procurando dessa forma defraudar ou diminuir os valores mensais de IVA a entregar nos cofres do Estado.
h) O sujeito passivo não contraria, nem rebate, objectivamente e em concreto, qualquer elemento de facto ou de direito constante do relatório de inspecção, não apresentando, na realidade e expressamente, dados novos e relevantes sobre quaisquer factos tributários, documentos de prova, valores apurados de imposto e matéria tributável e sua forma de cálculo, normativos legais invocados, absolutamente nada, susceptível de colocar em causa o iter cognoscitivo e as conclusões da acção inspectiva.
i) Os actos tributários cumprem na sua plenitude, o disposto no art. 77º da LGT, dado que se encontram expostas com clareza, precisão, congruência e suficiência as razões de facto e de direito que os motivaram, tendo sido enunciados os elementos e fundamentos concretos e relevantes que foram apurados e as respectivas disposições legais aplicáveis, arts. 21 n° 1 a), 27°, n° 1 (e 19° a 26°) e 41° do CIVA, os artigos punitivos (artigo 114° n° 1 e 26° n° 4 do RGIT), a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto, em sede do IVA, de modo a poderem determinar-se sem equívocos o sentido e alcance do acto e os seus efeitos, ao invés do que é invocado.
j) Sendo que o contribuinte não concretiza em momento algum da sua exposição por que razão o facto tributário padece de vício de forma por falta de fundamentação, aliás, socorrendo-se de argumentos que são atinentes à avaliação indirecta da matéria tributável.
Termina pedindo a improcedência do recurso, com a consequente confirmação do julgado recorrido.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recorrente: A…………., Lda.
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IVA (exercícios de 2005 a 2008) no montante global de € 100.939,85
FUNDAMENTAÇÃO
1. No domínio da fundamentação do acto administrativo é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material:
- à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo;
- à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Na síntese impressiva de autor conceituado:
«...o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (Vieira de Andrade O dever de fundamentação expressa de actos administrativos Almedina, 2003, p.231).
2. O princípio constitucional da fundamentação formal dos actos administrativos (art. 268° n° 3 CRP) foi densificado nos arts. 124° e 125° CPA e no art. 77° n°s 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário).
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência;
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa.
Segundo ensinamento pacífico da doutrina e da jurisprudência a fundamentação do acto administrativo há-de ser:
- expressa, traduzida na exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
- clara, permitindo que pela leitura do seu teor se apreendam com precisão os factos e as normas jurídicas conducentes à decisão;
- suficiente, permitindo um conhecimento concreto da motivação da decisão;
- congruente, por forma a que a decisão seja a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
As características enunciadas são exigência da fundamentação formal do acto tributário; sendo distintas da chamada fundamentação substancial, a qual deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Sob pena de perversão das funções endógena e exógena de controlo da legalidade (supra assinaladas,) a fundamentação deve ser contextual e integrante do acto tributário, sendo irrelevante qualquer fundamentação a posteriori que pretenda suprir lacuna posteriormente detectada.
2. Análise do caso concreto:
A inspecção tributária procedeu a correcções meramente aritméticas nos montantes de IVA em dívida, resultantes de divergências entre os valores inscritos nas declarações periódicas como IVA dedutível e os valores registados na contabilidade do sujeito passivo (exercícios de 2005 a 2007); entre os valores inscritos nas declarações periódicas como IVA dedutível e como IVA liquidado e os valores constantes das respectivas facturas de suporte emitidas e registadas na contabilidade (exercício de 2008; factos provados al. d).
Neste contexto a fundamentação das correcções efectuadas, determinantes das liquidações adicionais de IVA, exprime com clareza, suficiência e congruência a motivação dos actos tributários praticados, cumprindo cabalmente a dupla função de controlo endógeno e exógeno enunciada nas considerações doutrinárias (supra n° 1).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
a) A impugnante foi alvo de inspecção, em sede de IRC, relativa aos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, em execução das OI200900347, OI200900556 e OI200900347 (cfr. ponto II do relatório de inspecção, de fls. 22 e ss. dos autos);
b) A inspecção decorreu entre 01/07/2009 e 29/07/2009 (cfr. ponto 1. do relatório de inspecção, de fls. 22 e ss. dos autos);
c) A impugnante dedica-se a actividades de contabilidade e auditoria e consultoria fiscal, desde 08/01/2002 (cfr. ponto 11.3 do relatório de inspecção, de fls. 22 e ss. dos autos);
d) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. ponto 11.3 do relatório de h de fis. 22 e ss. dos autos):






e) O relatório de inspecção foi sancionado, por despacho de fls. 18 dos autos, aí se lendo que foram elaborados os respectivos documentos de correcção;
f) A 07/10/2009 foram emitidas as liquidações de IVA, aqui impugnadas, que se dão aqui por integralmente reproduzidas (cfr. documentos de fls. 30 a 62 dos autos), e onde se lê além do mais:
Quanto às liquidações de juros compensatórios: Juros compensatórios liquidados nos termos do n° 1 do art. 96º do CIVA e do art. 35º da LGT, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo, indicando-se o imposto em falta, o período a que se aplica a taxa de juro e a taxa de juro aplicável e por fim o valor liquidado;
Quanto às liquidações adicionais: “Liquidação adicional efectuada nos termos do art. 87º do CIVA em resultado do processamento da declaração correctiva e relativamente ao período de imposto com o qual já tinha sido enviada declaração periódica. Mais se indicando o valor da declaração correctiva, da declaração substituída e da liquidação.
g) Do relatório de inspecção, constam como anexos extractos de conta das contas de IVA, que se dão por reproduzidos (cfr. documentos de fls. 39 a 26 dos autos).

3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se ocorre a ilegalidade decorrente do invocado vício de insuficiente fundamentação (na alegação da recorrente ocorre violação do disposto no art. 77º da LGT porquanto a fundamentação dos actos impugnados não permite a um destinatário normal, conhecer o iter cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo autor desses actos) a sentença respondeu negativamente. Considerou-se, no essencial, que constando dos fundamentos do relatório da inspecção que as correcções aritméticas aqui em causa resultam de os valores inscritos nas diversas declarações periódicas (relativas aos exercício de 2005 a 2007) a título de IVA dedutível, não se encontrarem na totalidade contabilizados (sendo que em relação a 2008, a discrepância entre os valores declarados existe tanto quanto ao IVA dedutível como quanto ao IVA liquidado), e uma vez que, como de forma clara resulta do apontado relatório, a AT apenas corrigiu tal IVA na medida dessa discrepância (tanto no que respeita ao IVA dedutível, como no que respeita ao IVA liquidado), então não se verifica a invocada insuficiência de fundamentação da liquidação, sendo que apesar de a impugnante exercer actividade de prestação de serviços de contabilidade, auditoria e fiscalidade, a análise do relatório da inspecção e o respectivo confronto com os extractos de conta e balancetes da sociedade, permite concluir que o que está vertido nesse relatório são, de facto, os fundamentos que estiveram na base da decisão da AT.

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente, que continua a imputar à sentença erro de julgamento no que se refere ao vício de forma por alegada insuficiência de fundamentação das liquidações do imposto.
Vejamos.
É sabido que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário).
E como já se exarou em outros arestos (cfr., v. g. o acórdão de 14/3/2018, no proc. nº 0512/17, cujo texto passaremos a seguir), «este dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função: endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência; exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa (cfr. o ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05). Daí que essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Ou seja, a fundamentação formal do acto tributário é distinta da chamada fundamentação substancial, devendo esta exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico.
Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13). De referir, porém, que para a suficiência da fundamentação de direito da decisão do procedimento tributário ou do acto tributário não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência a princípios jurídicos ou a um regime jurídico que definam um quadro legal perfeitamente conhecido ou cognoscível por um destinatário normal, colocado na posição do destinatário real (cf. acórdão do STA, de 17/11/2010, proc. nº 1051/09 e jurisprudência nele citada).
Não devendo, ainda, esquecer-se que as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico. É que, neste domínio da fundamentação do acto, é relevante a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto.
Sendo que, no ensinamento de Vieira de Andrade,(O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, p. 231.) o dever formal cumpre-se «... pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (fim de citação).
Ora, no caso vertente, nas notas de liquidação logo se menciona tratar-se de liquidações adicionais efectuadas nos termos do art. 87º do CIVA em resultado do processamento da declaração correctiva e relativamente ao período de imposto com o qual já tinha sido enviada declaração periódica.
E na verdade, como refere a sentença e bem sublinha o MP, estas liquidações de IVA aqui em questão fundamentam-se nas correcções aritméticas (correcções técnicas) dos montantes de IVA em dívida, resultantes: (i) no que respeita aos exercícios de 2005 a 2007, de divergências entre os valores inscritos nas declarações periódicas como IVA dedutível e os valores registados na contabilidade do sujeito passivo, e resultantes; (ii) no que respeita ao exercício de 2008, de divergências entre os valores inscritos nas declarações periódicas como IVA dedutível e como IVA liquidado e os valores constantes das respectivas facturas de suporte emitidas e registadas na contabilidade. Tudo conforme foi apurado e constatado na acção inspectiva levada a cabo pela AT (tendo as correcções sido especificadas por cada um dos anos e respectivos períodos trimestrais, no respectivo relatório).
Daqui resultando, portanto, que a fundamentação das correcções operadas pela AT e que determinaram as impugnadas liquidações adicionais de IVA, exprime em termos claros, suficientes, congruentes e inteligíveis o critério legal e a motivação das mesmas (cfr. d) a g) do Probatório e o art. 77º da LGT) cumprindo a supra apontada dupla função de controlo endógeno e exógeno da legalidade de tais actos tributários.
Não ocorrendo, assim, a invocada insuficiência ou falta de fundamentação das liquidações.
Improcedem, portanto, as Conclusões do recurso, não se vislumbrando que a sentença recorrida haja violado o disposto nos invocados arts. 111º e 268°, n° 3 da CRP e 77º, n° 1 e n° 2 da LGT.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Maio de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Pedro Delgado – Aragão Seia.