Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0664/11
Data do Acordão:02/23/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ALÇADA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Sumário:I – A admissibilidade do recurso de decisões dos tribunais tributários com fundamento em oposição de julgados, previsto no art. 280.º, n.º 5, do CPPT, depende de a decisão recorrida perfilhar solução oposta, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
II – A questão da constitucionalidade da responsabilidade subsidiária prevista no n.º 3 do art. 8.º do RGIT não é idêntica à questão da constitucionalidade do n.º 1 do mesmo artigo.
Nº Convencional:JSTA00067428
Nº do Documento:SA2201202230664
Data de Entrada:07/05/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESP RELATOR
Decisão:INDEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:ETAF84 ART10
LGT98 ART105
CPPTRIB99 ART280 N4 N5
RGIT01 ART3 B D ART8 N1 N3
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…… apresentou reclamação para a conferência do despacho da Senhora Conselheira Relatora que julgou findo o recurso que interpôs de uma sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em processo de contra-ordenação fiscal.
No referido despacho entendeu-se, em suma, que seria inútil efectuar convolação do recurso que o Recorrente interpôs, em processo de valor inferior à alçada dos tribunais tributários, por ele só poder ser admitido com fundamento em oposição de julgados, ao abrigo do n.º 5 do art. 280.º do CPPT e, no caso em apreço, a convolação do recurso interposto em recurso com fundamento em oposição de julgados seria inútil.
Essa inutilidade, na perspectiva do despacho reclamado, resulta de não existir contradição entre a sentença recorrida e os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional indicados relativamente à questão da possibilidade de reversão de coimas contra gerentes e ser indicada apenas uma sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (e não mais de três sentenças de Tribunais de 1.ª instância ou um acórdão de Tribunal Superior, como se exige no n.º 5 do art. 280.º do CPPT) em oposição com a decisão recorrida sobre a questão do ónus da prova da culpa na insuficiência do património social ou falta de pagamento.
Na presente reclamação, o Recorrente afirma, em suma, que existe contradição entre a sentença recorrida e jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, que indica.
2 – O art. 10.º do ETAF de 1984 estabelece que «os tribunais administrativos e fiscais não têm alçada».
No entanto, a LGT, de 1998, veio estabelecer, no seu art. 105.º, que «a lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito».
Como resulta do texto desta norma, a LGT não fixou directamente qualquer alçada, relegando para outras leis tal fixação.
A execução desta directiva da LGT foi concretizada pelo CPPT no seu art. 280.º, que estabelece o seguinte:
Artigo 280.º
Recursos das decisões proferidas em processos judiciais
1 – Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
2 – Das decisões do Tribunal Central Administrativo cabe recurso, com base em oposição de acórdãos, nos termos das normas sobre organização e funcionamento dos tribunais administrativos e tributários, para o Supremo Tribunal Administrativo.
3 – Considera-se vencida, para efeitos da interposição do recurso jurisdicional, a parte que não obteve plena satisfação dos seus interesses na causa.
4 – Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância.
5 – A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.
Como resulta do texto do n.º 4, a alçada criada pelo CPPT foi estabelecida apenas para os processo de impugnação judicial ou de execução fiscal, sendo a essas situações que se reporta o n.º 5, abrindo excepções à regra da irrecorribilidade que a fixação da alçada implica.
Os processos de contra-ordenação fiscal não foram regulados pelo CPPT, como evidencia não só o seu texto, em que não há qualquer referência a processos contra-ordenacionais, mas também o art. 3.º do DL n.º 433/99, de 26 de Outubro (que aprovou o CPPT) em que se mantêm em vigor todas as normas do Código de Processo Tributário que se reportavam a contra-ordenações tributárias, «até à revisão do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro».
Estas constatações permitem concluir com segurança que o n.º 5 do art. 280.º do CPPT não é aplicável directamente a processos de contra-ordenações fiscais, pois pretendeu legislativamente não lhes aplicar qualquer norma desse Código.
No entanto, o RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, apesar de não indicar o CPPT como legislação subsidiária geral, em matéria de contra-ordenações e respectivo processamento, determina a sua aplicação subsidiária à execução de coimas [art. 3.º, alíneas b) e d) do RGIT].
No caso em apreço, está-se perante um recurso interposto em processo de oposição à execução fiscal, instaurado para execução de coimas, pelo que lhe é aplicável o regime do CPPT, inclusivamente o referido n.º 5 do art. 280.º, que é aplicável a processos de execução fiscal.
3 – Esclarecida a aplicabilidade do n.º 5 do art. 280.º do CPPT ao presente processo, resta apreciar se se verificam os requisitos aí indicados.
Não sendo indicadas mais de três sentenças de qualquer tribunal tributário sobre qualquer das questões colocadas no recurso jurisdicional, a admissibilidade do recurso depende da existência de contradição entre a sentença recorrida e alguma sentença de um Tribunal Superior.
No caso, o Recorrente indicou como jurisprudência contrária à decisão recorrida os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 8-9-2010, proferido no processo n.º 0186/10, e de 19-5-2010, proferido no processo n.º 055/10, em cuja fundamentação se citam outros acórdãos no mesmo sentido. (O acórdão que o Recorrente indica como sendo de 5-5-2010, processo n.º 0186/10 não existe, sendo o acórdão proferido no processo n.º 193/10 o único daquela data que se reporta à questão da responsabilidade subsidiária por dívidas de coimas.)(O Recorrente indica também um acórdão do Tribunal Constitucional como estando em oposição com a sentença recorrida, mas não pode ser considerado relevante para o efeito previsto no n.º 5 do art. 280.º, pois reporta-se a tribunais «de hierarquia superior», o que tem o alcance de referenciar a hierarquia da jurisdição administrativa e fiscal, em que não se insere o Tribunal Constitucional.
De resto, nem se compreenderia a aplicação desta norma nos casos de divergência entre as decisões dos tribunais tributários e o Tribunal Constitucional, necessariamente sobre questões de constitucionalidade, pois há sempre recurso para este Tribunal, independentemente do valor da causa, nos termos do art. 280.º, n.º 1, da CRP e 70.º, n.º 1, alíneas a), b), g) e h), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (alterada pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.)
Porém, como se refere no despacho reclamado, nenhum dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que o Reclamante indica fez aplicação do n.º 3 do art. 8.º do RGIT, mas sim do seu n.º 1, e foi aquele n.º 3 que foi interpretado e aplicado na sentença recorrida.
Por outro lado, a questão da constitucionalidade que se pode suscitar em relação ao n.º 3 do art. 8.º não é idêntica à que foi apreciada nos acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo invocados pelo Recorrente, pois no caso daquele n.º 3 a responsabilidade subsidiária depende de a contra-ordenação ser imputável a actuação do gestor da pessoa colectiva, como resulta da parte final desta norma ao afastar a responsabilidade quando seja efectuada a comunicação aí prevista e o atraso ou a falta de entrega da declaração não lhe seja imputável a qualquer título.
Isto é, enquanto na situação prevista no n.º 1 se está, no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, perante uma transmissão para gestor da responsabilidade pelo pagamento de coimas, independentemente de a infracção lhe ser imputável, na hipótese prevista a responsabilidade subsidiária tem como pressuposto que a infracção lhe é imputável, o que consubstancia uma situação essencialmente diversa, para efeitos da questão da transmissão da responsabilidade por coimas, já que nas situações enquadráveis no n.º 3 o gestor responsável subsidiariamente é comparticipante na infracção.
Por isso, na merece censura o despacho reclamado ao ter entendido que não ocorre a invocada oposição de julgados.
Termos em que acordam em indeferir a reclamação e manter o despacho reclamado.
Custas pelo Reclamante, com taxa de justiça de 2 (duas) UC.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012. – Jorge de Sousa (relator) – Ascensão LopesFernanda Maçãs.