Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0332/15
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22522
Nº do Documento:SA2201711150332
Data de Entrada:03/19/2015
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal administrativo

Relatório
Não se conformando com a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a execução de julgados requerida por A…………. e outros vieram os exequentes dela interpor recurso para a Secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal administrativo formulando as seguintes conclusões:

A O Mº juiz a quo entendeu na sentença recorrida que nos casos, como o presente, em que o motivo de anulação do acto impugnado dimana de um vício procedimental ou de forma não haverá obstáculo a que a administração tributária pratique um novo acto de liquidação desde que observados os prazos de caducidade
B E ainda que se considerasse que tais novos actos tributários (de liquidação) entre o mais fossem nulos por ofensa ao caso julgado não seria a presente execução de julgado o meio processual adequado à apreciação dessa ilegalidade.
C Para julgar procedente a impugnação judicial considerou o Tribunal, em síntese, que o acto de liquidação do imposto carecia de fundamentação (formal) bastante bem como dos respectivos juros compensatórios não tendo ocorrido audiência dos interessados o que violava o princípio de participação ínsito no artigo 60 da LGT
D Ora os supostos novos actos tributários praticados, apenas repararam um desses vícios, efectivando uma audição prévia mas mantendo a falta de fundamentação relativamente à qual nada foi feito ou dito sobre o assunto como decorre da factualidade assente.
E Manifestamente os efeitos do julgado na parte não reparada não podem ser prejudicados pelo suprimento de apenas um dos vícios quando os outros existem.
F O limite objectivo do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos “seja no que respeita ao efeito preclusivo seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo determina-se pelos vícios que fundamentaram a decisão.
G Pelo que a eficácia do caso julgado anulatório se encontra circunscrita mas amarrada às ilegalidades que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando que a Administração emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberta daquelas mesmas ilegalidades
H Nessa medida o princípio do respeito do caso julgado não impede como se disse a substituição do acto anulado por outro idêntico desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação
I Assim sendo a decorrência normal do julgado anulatório será o exercício do poder decisório após prévia audição dos exequentes no âmbito do procedimento administrativo com a prática se assim fosse entendido de um novo acto que não repetisse de forma idêntica o anterior já que esse sofria do vício de falta de fundamentação e que nessa razão foi anulado transformando em caso julgado essa anulação.
J Temos pois que sobre a Administração impendia o dever de respeitar o julgado (efeito conformativo preclusivo ou inibitório da sentença) dever esse que proíbe a reincidência excluindo a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo Tribunal
L Ao não respeitar tal asserção o novo acto ficou definitivamente ferido de nulidade nos termos dos artigos 133 nº 2 al h) e i) do CPA
M Sempre que o particular alegue que o novo acto não passa de uma execução meramente formal ou aparente da sentença mas que na realidade mantém sem fundamento a situação ilegalmente constituída pelo acto anulado ele coloca uma questão que ainda é de inexecução da sentença e que como tal deve ser apreciada e decidida no processo de execução.
N É pois manifesto que quanto aos vícios não expurgados no novo acto não existe qualquer dúvida relativamente à sua apreciação em sede de execução de julgado pelo que mal seguiu a sentença ao estabelecer em sentido diverso.
O No actual regime do processo de execução de sentença de anulação de actos administrativos vêm entendendo alguns autores e jurisprudência que o objecto do processo de execução de julgados não se limita à estrita observância do dever de executar o julgado permitindo-se expressamente a formulação de pedidos que não têm a sua causa ou fundamento na decisão exequenda
P Os artigos 176 nº5 e 179 nº 2 do CPTA referindo-se à possibilidade de ser pedida e declarada a nulidade dos actos desconformes com a sentença e anulação dos que mantenha sem fundamento válido a situação ilegal mostram que o conteúdo do dever de executar extravasa o estrito cumprimento do caso julgado
Q No caso presente o acto renovado foi proferido com ofensa do caso julgado já que um dos fundamentos da anulação do primeiro se manteve no segundo
R Existindo ofensa do caso julgado havia que declarar a nulidade do novo acto e procedente o pedido de execução de julgado que foi formulado devendo ainda ser apreciadas as ilegalidades que também foram invocadas tudo em ordem à procedência do pedido o que não se verificou
Foi assim desconsiderado entre o mais o previsto nas seguintes normas
Artº 205 nº 2 da CRP
Artigo 100 da LGT
Arts 158/4 173/1 176/5 179/2 do CPTA
Artº 133 nº 2 al h) e i) do CPA
Deve dar-se provimento ao recurso revogar a sentença e condenar a AT nos termos do pedido formulado.

Contra alegou a ATA formulando as seguintes conclusões:
1 Deve manter-se a sentença recorrida e deve improceder o pedido de restituição dos montantes pagos acrescidos dos respectivos juros desde o termo do prazo de execução espontânea da sentença que veio a determinar a anulação das liquidações na medida em que não pode ser discutida em sede de execução de julgado nem o apuramento da falta de fundamentação dos actos de liquidação nem a preterição de formalidades legais das liquidações emitidas em substituição das liquidações anuladas por força de decisão judicial transitada em julgado.
2 É admissível, que, uma vez anuladas as liquidações consideradas ilegais tenham sido emitidas novas liquidações que sujeitas a cobrança coerciva por não terem sido pagas foram compensadas com créditos existentes
3 Ainda que com isso a AT não tenha procedido à restituição do imposto pago a coberto das liquidações anuladas
4 A eventual ilegalidade das segundas liquidações emitidas e compensadas em sede de execução fiscal só poderia ser discutida em sede de impugnação judicial não sendo a execução fiscal o meio próprio para se aferir se a segunda liquidação mantém ou não os vícios da primeira
5 Adicionalmente tendo ocorrido uma compensação de um crédito tributário neste caso o meio próprio para discutir a sua legalidade seria a acção administrativa especial
6 Por força do disposto no artigo 89 do CPPT que prevê que possa ser efectuada a compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária nada há a restituir em virtude das compensações efectuadas com os montantes provenientes da anulação das primeiras liquidações de imposto terem sido obrigatoriamente aplicadas em novas liquidações do mesmo montante que foram emitidas em substituição daquelas
7 Liquidações essas em cobrança coerciva e cuja legalidade não foi posta em causa em sede própria não se verificando por isso nenhum impedimento a que fosse efectuada a compensação.
8 Deve improceder o peticionado por nada haver a restituir não detendo nenhum dos exequentes qualquer crédito sobre a Administração Tributária
Deve julgar-se improcedente o recurso.
Tendo as partes sido notificadas para, querendo, se pronunciarem, no prazo fixado, sobre a eventual excepção da incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia em face do disposto no artigo 151 do CPTA por o valor da causa ser apens de € 299 638,03 vieram os recorrentes a folhas 200 dos autos pugnar pela competência deste STA para o recurso nos termos que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

Fundamentação
De facto:
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
1 Em 14 05 2002 foi outorgado o “termo de declaração constante de folhas 82 e 83 do Processo de impugnação judicial nº 23/03 G -1 mediante a qual vinha declarado que no dia 08 02 2002 faleceu B………….. e cujos termos se dão aqui por reproduzidos
2 Em 26 02 2003 foi emitida a liquidação de folhas 138 do processo de impugnação judicial com o nº 23/03 G-1 cujo teor se dá por reproduzido.
3 Mediante os ofícios nº 11614, 1615 e 1616 datados de 13 05 2003 foram C………… “Herança Indivisa” de D………… e A………….. notificados da liquidação de imposto sobre sucessões e doações cfr folhas 10 a 12 do processo de impugnação judicial nº 23/03 G-I cujo teor se dá por reproduzido
4 Em 30 06 2003 foram pagas todas as liquidações mencionadas no ponto anterior cfr folhas 13 a 15 do processo de impugnação judicial nº 23/03 G.I
5 Em 25 08 2003 deu entrada no Tribunal Tributário da Guarda impugnação judicial apresentada por A…………. C………… e “Herança Indivisa” respeitante a D…………. contra as liquidações de Imposto Sucessório relativo à herança de B………… invocando que as liquidações mencionadas em 2 padeciam de violação do direito de audição prévia dos interessados e falta de fundamentação legal folhas 2 a 9 do processo de impugnação judicial nº 23/03 G.I
6 Em 28 05 2007 foi proferida sentença no processo mencionado na alínea anterior a julgar procedente a impugnação por ter sido julgado provado que as liquidações em causa padeciam dos vícios imputados pelos impugnantes (falta de fundamentação e de vício de violação do direito de audição prévia cfr folhas 58 a 61 do processo de impugnação judicial nº 23/03 G.I.
7 Objecto de recurso para o TCA Sul foi o mesmo distribuído sob o nº 2223/08 e em 30 04 2008 proferido acórdão decidindo negar provimento ao recurso e confirmando a sentença recorrida cfr folhas 160 a 163 do processo de impugnação judicial nº 23/03 G-I
8 Pelos ofícios nº 2425, 2428 2429 e 2430 datados de 23 07 2008 foram expedidas missivas para o exercício do direito de audição prévia à emissão de novas liquidações dirigidas respectivamente ao advogado dos exequentes, a C…………., a A…………. é à cabeça de casal da herança de D………… cfr folhas 54 a 58 dos autos.
9 Em 10 10 2008 foram efectuadas novas liquidações de imposto sucessório que constam de folhas 61 a 64 os autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
10 Tendo sido expedidas notificações para C…………, A………… e D………….. afim de notificar das liquidações mencionadas no ponto anterior tendo as dirigidas aos dois primeiros sido recepcionadas em 20 10 2008 na pessoa de ………….. cfr folhas 65 a 70 dos autos.
11 A carta expedida para notificação da liquidação dirigida a D…………… veio devolvida tendo sido expedida nova missiva por correio registado em 20 10 2008 cfr folhas 71 a 75 dos autos
12 Em 29 01 2009 foram extraídas certidões de dívida constantes de folhas 76 a 81 dos autos cujo teor se dá aqui por reproduzido por falta de pagamento voluntário das liquidações referidas em 9) afim de serem exigidas em processo de execução fiscal
13 Em 06 02 2009 foram operadas as compensações do montante a restituir por ordem de decisão transitada em julgado proferida pelo Tribunal no âmbito da impugnação judicial nº 23/03 G-I com aquele outro que foi apurado nas liquidações referidas em 9) cfr folhas 84, 89 a 95 do autos.
14 Por ofício datado de 06 04 2009 remetido a este TAF veio o SF de Seia a produzir a informação constante deste nº 14 do probatório da sentença recorrida cujo teor se dá aqui por produzido

De direito:
Perante a factualidade dada como provada o mº juiz “a quo,” muito embora considerasse que a decisão anulatória no processo de impugnação judicial nº 23/03 G-I, transitara em julgado e que os impugnantes haviam pago o imposto sucessório devido, considerou, também, que tendo a AT procedido à anulação das liquidações impugnadas dera cumprimento dessa forma ao julgado anulatório.
É que tendo a recorrida, no prazo da caducidade, emitido novas liquidações e não tendo os impugnantes procedido ao pagamento do imposto, determinando a AT a ter que instaurar contra eles os respectivos processo de execução fiscal, tendo no âmbito destes procedido à compensação do montante de imposto apurado com o imposto que por força da decisão anulatória estava obrigada a restituir, o Mºjuiz considerou justificada tal actuação e dessa forma cumprido o julgado.
Por tal razão julgou improcedente a execução de julgado.
É contra esta decisão a que se insurgem os recorrentes que como se vê do teor das conclusões de recurso sustentam que tendo transitado em julgado a sentença que na impugnação judicial anulou as liquidações impugnadas com fundamento nas ilegalidades de falta de fundamentação e preterição da audição prévia à emissão das liquidações e determinou a restituição do imposto pago, embora tal não fosse impeditivo da emissão de novas liquidações pela AT no prazo da caducidade o certo é que esses novos actos tributários teriam de em obediência ao decidido ser fundamentados e não o foram.
Por tal razão as recorrentes defendem que dado os novos actos de liquidação estarem feridos de nulidade nos termos do preceituado no artigo 132 nº 2 alíneas h) e i) do CPA estava o Tribunal “a quo” obrigado a conhecer de tal nulidade nos termos do artigos 176 nº 5 e 179 nº 2 do CPTA.
E considerando que não o tendo feito a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 206 nº 2 da CRP, 100 da LGT 158/1, 173/1 176/5 179/2 e 133/2 als. h) e i) do CPA pedem a revogação da sentença e a condenação da AT no pedido formulado.
A Fazenda Pública, por sua vez, pugna pela manutenção do decidido sustentando ter dado cumprimento à sentença anulatória na medida em que anulou as liquidações em causa.
Todavia dado que tendo procedido a novas liquidações e procedido notificação das mesmas os recorrentes não efectuaram o pagamento do imposto a elas atinente, determinando a instauração das consequentes execuções fiscais a AT procedeu ao abrigo do artigo 89 da LGT à compensação entre o montante que por força da sentença estava obrigada a restituir com o montante do imposto apurado nas novas liquidações.
Considera por isso que a sentença é de manter até porque a sede própria para discutir as eventuais ilegalidades de que enfermariam as novas liquidações e designadamente para apurar se mantêm ou não os vícios das liquidações anuladas sempre seria o processo de impugnação judicial.
Sendo que não seria também o processo de execução de julgados o meio próprio para apurar da legalidade da compensação efectuada pela AT, mas sim a acção administrativa especial.

Questão prévia.
Da incompetência do STA em razão da hierarquia.

No caso dos autos trata-se de um recurso que recai sobre uma decisão em processo de execução de sentença.
A execução de sentenças proferidas nos tribunais tributários é como já tem sido por várias vezes decidido nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo regulada pelas normas do Código de Processo Administrativo por força do disposto no artigo 102/1 da LGT que assim prescreve:
“A execução de sentenças dos tribunais administrativos e aduaneiros segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos”.
O regime da execução de sentenças dos tribunais administrativos é regulado no CPTA nos artigos 157 e segs.
O recurso dos actos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário em processo tributário e em processo de execução fiscal são regulados nos termos dos artigos 279 e segs do CPPT.
E o nº 2 do mesmo artigo 279 estipula que os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
Constituindo a execução de julgados um meio comum à execução administrava e tributária é forçoso concluir que são as regras do CPTA que deverão regular este processo.
Perante este entendimento foi por nós suscitada a excepção da incompetência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo.
E tendo presente o disposto no artigo 151 do CPTA concluiu-se não se mostrarem preenchidos os requisitos aí previstos que possibilitem a admissão deste recurso.
Sucede também que este entendimento tem sido sufragado em vários arestos deste Supremo Tribunal e entre eles nos acórdãos de 12 02 2014 e de 15 01 2014 nos processos nº 01847/13 e 01495/12 e mais recentemente nos acórdãos de 09 07 2014 nos recursos 0165/14 e 01007/12 que subscrevemos.
Entendimento que agora também perfilhamos seguindo muito de perto o que se deixou escrito no acórdão de 19 11 2014 no processo 0526/14 dado que se o artigo 151 do CPTA consagre agora como valor da alçada €500.000,00 o valor desta execução de julgados é apenas de € 299.638,03.
Sendo o recurso interposto da sentença que julgou improcedente a acção está o mesmo sujeito às regras do artigo 151 do CPTA ex vi do disposto no artigo 279 do CPPT.
Nos termos do disposto no artigo 151 nº 1 do CPTA o recurso “per saltum” para o Supremo Tribunal Administrativo só pode ter lugar “quando o valor da causa seja superior a €500.00,00”.
E não se diga que não é caso de aplicação do artigo 151 do CPTA por a distribuição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos dever ser no que se refere ao contencioso Tributário efectuada nos termos dos artigos 26 e 38 do ETAF. Razão pela qual competiria à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito cfr alínea n) do artigo 26 b) do ETAF se faz em regra de acordo com o disposto nos artigos 26 al b) e 38 do ETAF nada obsta a que outras normas, de igual posição hierárquica regulem de modo diferente.
É o caso do artigo 151 do CPTA quando aplicável no contencioso tributário ex vi do disposto no nº 2 do artigo 279 do CPPT.
Este STA é assim incompetente em razão da hierarquia para conhecer deste recurso sendo competente o Tribunal Central Administrativo SUL.

Decisão:
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em declarar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer deste recurso e ordenar a baixa dos autos ao TCA SUL (Secção do Contencioso Tributário) para que o recurso aí seja julgado como apelação ex vi do disposto no nº 3 do artigo 151 do CPTA.
Custas pela recorrente com taxa de justiça em 1 UC.

Lisboa, 15 de Novembro de 2017. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.