Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01460/06.1BEPRT
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26352
Nº do Documento:SA22020091601460/06
Data de Entrada:01/31/2020
Recorrente:A............, SA E OUTROS
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO – DEPARTAMENTO MUNICIPAL JURÍDICO E DE CONTENCIOSO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

B………., SA, e A………….., SA, inconformados, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), datada de 2 de Setembro de 2019, que absolveu a ré da instância no processo de impugnação judicial em que pediram a declaração de nulidade ou a anulação do despacho de 25.05.2006 da Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO que indeferiu a reclamação graciosa deduzida em 18.07.2005 contra o despacho de 14.03.2005 da Directora Municipal de Finanças e Património que indeferiu o requerimento das impugnantes de 03.01.2003 no qual pedem o cancelamento do pagamento e a devolução dos montantes pagos a título de taxa de ocupação do domínio privado municipal alegando beneficiarem de isenção.

Alegaram, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1ª. O presente processo tem por objecto a impugnação do indeferimento de reclamação graciosa de acto tributário, que comportou a apreciação da legalidade de acto de liquidação, maxime dos pressupostos positivos e negativos de incidência do tributo em causa, ex vi do art. 97º/1/c) e d) do CPPT, pelo que é manifesta a adequação do presente meio processual e a respectiva tempestividade (v. arts. 68º/1, 70º/1 e 102º/2 do CPPT; cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Volume II, p.p. 53 a 56; Acs. STA de 2014.05.28, Proc. 01263/13, de 2012.02.29, Proc. 0441/11, e de 2005.02.02, Proc. 01171/04; e Ac. TCA Sul, de 2018.06.21, Proc. 1919/10.6 BESNT, todos in www.dgsi.pt) – cfr. texto nºs. 1 a 4;
2ª. Mesmo que assim não se entendesse, o despacho, de 2006.05.25 (v. fls. 16 a 22 dos autos), sempre seria susceptível de impugnação judicial, ainda que não tivesse sido apreciada a legalidade do acto de liquidação (v. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Volume II, p.p. 53 a 56; cfr. Ac. STA, de 2009.04.02, Proc. 0125/09 e Ac. TCA Norte, de 2012.03.14, Proc. 00139/09.7BECBR, ambos in www.dgsi.pt) – cfr. texto nº. 5;
3ª. As ora recorrentes nunca poderiam ser prejudicadas por terem intentado meio processual em conformidade com o que consta do teor da notificação da CM Porto, “quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas” (v. Ac. TCA Sul de 2018.05.03, Proc. 723/14.7BELRS, www.dgsi.pt) – cfr. texto nº. 6;
4ª. O âmbito e sentido normativo atribuído pela sentença recorrida às normas dos arts. 97º/1/a) e f), 99º e segs. e 134º e segs. do CPPT, rejeitando-se o meio processual instaurado em conformidade com o que consta do teor da notificação remetida pela entidade pública aos particulares lesados, é assim claramente inconstitucional, violando frontalmente os princípios da confiança e segurança jurídica, a garantia da impugnação judicial de actos tributários ilegais e o princípio da tutela judicial efectiva (v. arts. 2º, 9º, 20º, 204º e 268º/4 da CRP), traduzindo-se no “triunfo de uma justiça meramente formal sobre a justiça material” (v. Proc. 09B80280; cfr. Ac. STA de 2012.03.28, Proc. 07/12, ambos in www.dgsi.pt; Ac. TC nº. 473/1994, de 1994.06.28, in www.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto nºs. 6 e 7.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
A. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo e ora colocada em crise pelas Recorrentes é, a nosso ver, justa, bem fundamentada e inatacável, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas, pelo que deverá ser confirmado por V. Exas.
B. A impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contra actos tributários que comportem a legalidade de actos de liquidação, de fixação da matéria colectável, quando não dê origem a qualquer liquidação, e de determinados actos de fixação de valores patrimoniais.
C. Por sua vez, o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação, como sucede in casu, é o recurso contencioso de anulação.
D. O acto de indeferimento de pedido de isenção de taxa é um acto administrativo em matéria tributária, pelo que o pedido de anulação do mesmo só pode ser conhecido no âmbito de uma acção administrativa especial.
E. No caso em apreço, a convolação da impugnação judicial numa acção administrativa especial não é legalmente possível, uma vez que, como bem salienta a sentença recorrida, “à data da apresentação da p.i. – 09.06.2006 (cfr. fls. 50 do processo físico) –, haver já decorrido o prazo legal para impugnar o acto administrativo de indeferimento da isenção, pois que o mesmo é de três meses a contar da notificação do acto (cfr. artigos 58.º, n.º 1, alínea b), e 59.º, n.º 2, do CPTA), relativamente ao qual deduziu reclamação graciosa em 18.07.2005, datando o indeferimento da reclamação graciosa de 25.05.2006, considerando o disposto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA, com o que é manifesta a extemporaneidade da apresentação da p.i. em juízo”.
F. O tribunal a quo não teve outro caminho que não fosse absolver o ora Recorrido da instância, pelo que é entendimento do Recorrido que a sentença proferida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso pois entende que:
(…)Dos fundamentos atrás invocados resulta que a pretensão dos impugnantes é atacar os despachos supra referidos mas também discutir a legalidade das referidas taxas cujo pagamento lhes foi exigido, fundamento este que é de impugnação judicial nos termos do artigo 99º, al a) do CPPT.(…)”, e, “(…)Sendo de notar que se um dos fundamentos do pedido se apresenta inidóneo e outro ou outros adequados à forma processual em causa (no caso, a impugnação judicial), o tribunal não pode deixar de conhecer destes últimos (cfr. designadamente, douto Acórdão do TCA Sul de 18-12-2019, 2668/12.6BELRS)(…)”, tendo concluído, (…)Assim, a impropriedade de um dos fundamentos do pedido nunca poderá conduzir ao erro na forma do processo, com absolvição da entidade da instância, unicamente levando à improcedência desse concreto fundamento.(…)”.

Cumpre decidir.

A “ questão decidenda” a apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao considerar não ser a impugnação judicial o meio processual adequado mas sim a acção administrativa especial.
É certo que foi intentado um processo que as recorrentes denominaram de “impugnação Judicial” e com o mesma pretenderam atacar o despacho da Directora Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal do Porto de 14.03.2005, consubstanciado no despacho Directora do Departamento Municipal Jurídico e de Contencioso da Câmara Municipal do Porto, datado de 25.05.2006, pedindo a declaração de nulidade ou anulação de tal despacho.
Pretendem as recorrentes o não pagamento/isenção/anulação de taxas municipais pela ocupação de domínio privado Municipal com estaleiro de obras.
Na sentença recorrida decidiu-se: A impugnação judicial serve para reagir contra actos tributários que comportem a legalidade de actos de liquidação, de fixação da matéria colectável, quando não dê origem a qualquer liquidação, e de determinados actos de fixação de valores patrimoniais – cfr. artigos 97.º, n.º 1, alíneas a) a f), 99.º e ss. e 134.º do CPPT.
De acordo com o artigo 97.º, n.ºs 1, alínea p), e 2, do CPPT, o meio processual adequado para reagir contra actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação é o recurso contencioso de anulação. Atendendo ao disposto no artigo 191.º do CPTA, as remissões do CPPT para o regime do recurso contencioso de anulação consideram-se feitas para o regime da acção administrativa especial – cfr. artigos 46.º e 78.º e ss. deste Código.
O acto de indeferimento de pedido de isenção de taxa é um acto administrativo em matéria tributária, pelo que o pedido de anulação do mesmo só pode ser conhecido no âmbito de uma acção administrativa especial, prevista nos artigos 46.º, n.º 2, alínea b), e 66.º e ss. do CPTA, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, considerando que a p.i. foi remetida antes da entrada em vigor da nova redacção.
Assim, a apreciação da legalidade de tal acto – bem como do acto que indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra aquele – só pode ter lugar no âmbito de acção administrativa especial.

Porém, lido atentamente o despacho que vem impugnado aí se refere expressamente:
Com a presente exposição vem a reclamante novamente solicitar a anulação do acto de liquidação [anteriormente refere que …têm sido liquidadas mensalmente…as taxas correspondentes…] por entender que deveria estar isenta da taxa de ocupação do terreno municipal…
Ora, conforme se verifica no caso em apreço, de acordo com a factualidade descrita, o requerente efectuou através do requerimento n.º 20996/02, o pedido que ora peticiona com os mesmos fundamentos da presente reclamação, ou seja requereu a anulação do acto tributário e consequentemente a devolução das taxas pagas, por entender estar isento da mesma.
Da leitura deste excerto do despacho recorrido não há dúvida que o que se discute é a legalidade da liquidação de taxas municipais, que inclusivamente foram pagas, presume-se nos prazos legais de pagamento e, portanto, o que se pretende, o que as recorrentes pretendem neste litigio que as opõe à recorrida, sempre foi a anulação dessas taxas, da respectiva liquidação dessas taxas, e a devolução das quantias pagas a esse propósito.
E sendo a anulação de tais liquidações que está em causa, independentemente de se saber quais os fundamentos ou razões que as recorrentes elegem para essa anulação, se uma pretensa isenção das referidas taxas ou vícios de invalidade, não há dúvida que o processo de impugnação judicial é o adequado, cfr. artigo 97º, n.º 1, al. a) do CPPT, a obter o desiderato pretendido.
Concluímos, assim, que tal como vem desenhada a petição inicial, face ao concreto despacho que apreciou a “legalidade” das liquidações em causa, o processo de Impugnação Judicial é o adequado à satisfação da pretensão das recorrentes, pelo que a sentença recorrida não se pode manter.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que o mesmo aí siga a sua tramitação normal, se não houver qualquer outra causa que obste a tal prosseguimento.
Custas pela recorrida.
D.n.
Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Nuno Bastos – Gustavo Lopes Courinha.