Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01236/05
Data do Acordão:03/29/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:IRC.
CUSTOS DE EXERCÍCIO.
QUALIFICAÇÃO DE CUSTOS.
DEDUÇÃO DE ENCARGOS.
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO.
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO.
Sumário:I - Constituem custos fiscalmente dedutíveis, para efeitos do disposto no artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, os pagamentos feitos a restaurantes por uma empresa de construção civil como contrapartida do fornecimento de refeições tomadas por trabalhadores seus que desloca para obras situadas em vários locais.
II - O facto de a empresa pagar aos mesmos trabalhadores subsídio de refeição não configura uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade das despesas feitas nos restaurantes.
Nº Convencional:JSTA00062904
Nº do Documento:SA22006032901236
Data de Entrada:12/12/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23 N1 D ART26.
Referência a Doutrina:TOMAS DE CASTRO TAVARES DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS: ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS IN CTF N396 PAG7 - PAG177.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A..., LDA., com sede em Molelos, Tondela, recorre da sentença do Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que só parcialmente julgou procedente a impugnação da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao exercício do ano de 1995.
Formula as seguintes conclusões:
«1.
As despesas com alimentação são, na natureza, diferentes das ajudas de custos e dos subsídios de refeição e desde logo, não constituem duplicação de custos, pelo que devem ser aceites fiscalmente em conformidade com o Art.° 23° do CIRC;
2.
As despesas com alimentação, no montante de 2.447.085$00, são custos fiscais, ainda que em duplicação, cfr. Art.° 23° do CIRC;
3.
Por outro lado, existe excesso de pronúncia na parte da comprovação, na sentença, o que constitui nulidade, Art.° 125° do CPPT;
4.
Contudo, subsidiariamente o custo está comprovado, pelo que deve ser considerado para efeitos fiscais, cfr. Art.° 23° do CIRC.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada (...)».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Mmº. Juiz proferiu despacho de sustentação da sua sentença.
1.4. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento.
1.5. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2. A matéria de facto vem assim fixada:
«A)
A impugnante A..., L.DA, dedica-se à construção civil e obras pública, C.A.E. 45212 fls. 3 do processo administrativo apenso.
B)
Acha-se enquadrada no regime normal mensal de IVA, tem contabilidade organizada e os registos estão em dia, cfr. fls. 3 e 4 do processo administrativo apenso.
C)
A Administração Fiscal, com fundamento em “lucro fiscal inferior à média do sector, sem justificação aparente” e na sequência de “pedido de informação do S.I.V.A., oficio 57511 de 03/06/97, fiscalização cruzada a pedido de reembolso”, procedeu, entre 18/07/1997 e 31/07/1997, a exame à escrita/contabilidade da impugnante, e elaborou o relatório de fls. 2 e segs. do processo administrativo apenso, donde se destaca:
(...)
III – ANÁLISE CONTABILÍSTICO-FISCAL
1.- ANÁLISE DA ACTIVIDADE
Tratando-se de uma actividade com obras de carácter plurianual, o sujeito passivo seria obrigado a cumprir com o determinado no art° 19° do C.I.R.C. É de salientar que no ano em análise, estavam a ser construídos simultaneamente várias obras, nomeadamente:
1- ...
2- ...
3- ...
4- ...
5- ...
6- ...
7- ...
8- ...
9- ...
10- ...
11- ...
12- ...
Os documentos de custos em arquivo apenas permitem identificar as obras até Agosto de 1995. Após esta data, não possuem qualquer identificação que permita identificar o seu destino.
2- ANÁLISE DAS OPERAÇÕES REGISTADAS/DECLARADAS
–-CAIXA. 1995
Os saldos desta conta não oferecem credibilidade. Através do doc. N° 18 de Janeiro de 1995, é efectuado o Débito de 20.000 contos por contrapartida de fornecedores diversos. Anexo n° 1.
Este movimento contabilístico foi inverso ao efectuado em Dez/94, a fim de não apresentar um saldo inexistente.
2.2: BANCOS.1995
Não foram exibidos extractos bancários, que possibilitassem uma eficaz conferência a controle dos saldos ou proveniência a destino dos respectivos depósitos e levantamentos.
No encerramento do Mês de Janeiro a conta 12 Dep. à Ordem apresentava um saldo Credor de 22 956 315$.
O Saldo de Caixa na mesma data era de 18.385.169$, Devedor, ANEXO 1-A
–- FORNECIMENTOS E SERVIÇOS EXTERNOS
–- DESPESAS DE DESLOCAÇÕES E ESTADIAS.
Esta conta teve um movimento total a Débito de 9.328.607$. Após a análise efectuada verificou-se que a mesma, suporta duas componentes distintas:
a) Despesas de Km, efectuadas alegadamente em viaturas de funcionários a sócios da empresa, documentadas com mapas de Km, entre as várias obras.
b) Despesas de alimentação documentada com facturas de restaurantes, respeitantes aos empregados da empresa:
KM 6 881 522$
Alimentação 2 447 085$
Quanto à Segunda verba não a iremos considerar como custos da actividade, nos termos do ART° 23° do C.I.R.C, pelos seguintes motivos:
a) A firma processa mensalmente mapas de Ajudas de Custo, a empregados deslocados, cujo montante totalizou no ano em análise: 19 723 600$.
b) Os recibos de vencimentos revelam ainda a atribuição de subsídio de refeição, no montante anual de 4.835.832$
2.4. - COMPRAS MATÉRIAS PRIMAS
A factura 12704 de 31/10/95, da ..., revela a aquisição de uma Cozinha Rústico Alemão, com complemento de electrodomésticos, cujo valor de aquisição foi de 2.197.300$ mais I.V.A. ANEXO N°2
Esta cozinha foi fornecida a um cliente, Dr. ..., que adquiriu um apartamento construído por esta empresa à ...
Não foi facturado à ...nem se encontra em E. Finais “Obras em Curso”, no imóvel onde foi colocada.
Não foi facturada ao cliente da ....
Assim e nos termos do Art. 23° do C.I.R.C, não consideraremos custos da actividade, já que não concorreu para a formação dos proveitos ou ganhos.
–- EXISTÊNCIAS
2.5.1. - PISCINAS TONDELA
Feita análise aos inventários “ Obras em Curso”, verificou-se que a obra das Piscinas de Tondela, estava inventariada pelo montante de 719.476$:
Através do ANEXO N° 3, conta final da obra da CÂMARA MUNICIPAL DE TONDELA, verificámos que no ano em análise foram OMITIDOS os montantes correspondentes aos seguintes autos de medição, que não tendo sido facturados até 31 de Dezembro, deveriam ter transitado como obras em Curso:
AUTO 17C – 01/08/95 5 653 582$
AUTO 1817/10/95 1 941 547$ 7 595 129$
2.5.2. - RESERVATÓRIO DE ÁGUA DA ZONA INDUSTRIAL DE TONDELA
Através do ANEXO N° 4, verifica-se que o sujeito adquiriu serviços e materiais destinados a esta obra no montante:
Fact. 311 de 23/11/95 ...1 354 000$ I.V.A 230 180$
Fact. 625 de 14/06/95 ...Lda 1 050 000$ I.V.A 178 500$
TOTAL 2 404 000$
Estes serviços não foram facturados no corrente exercício, e foram OMITIDOS às OBRAS EM CURSO.
2.5.3. - VARIAÇÃO DE PRODUÇÃO
Face ás inexactidões verificadas vamos de seguida proceder ao seu cálculo
OBRAS EM CURSO
E. INICIAIS 12 385 000$
E. FINAIS
Declaradas 27 005 000$
A Acrescer:
Pisc. Tondela Auto n° 17 C 5 653 582$
Auto n° 18 1 941 547$
Reserv. Água 2 404 000$ 37 004 129$
VARIAÇÃO DE PRODUÇÃO (CORRIGIDA) 24 619 129$
3. - I.V.A
S. Passivo deduziu o I.V.A das Facturas em ANEXO N° 5 que não se encontram processadas de forma legal contrariando-o a alínea b) do n° 5 do Art. 35° do C.I.V.A.
Imposto desta forma Indevidamente deduzido foi no montante de 1.857.363$
ANEXO N°5.
3.1. - Oficio do S.A.I.V.A
A acompanhar o oficio encontra-se fotocópia da factura n° 1319 de 10/07/96, que revela o total de S. Prestados de 2 828 742$ e o I.V.A de 408 886$, quando o I.V.A. correspondente seria de: 2 828 742$ * 17% = 480 880$
Muito embora exista erro de cálculo do I.V.A, a Fazenda Nacional não saiu prejudicada porquanto, o sistema informático usado na contabilização dos documentos, assumiu a correcta liquidação, do I.V.A. no montante de 480 880$, conforme se pode verificar, pelo extracto do Diário Vendas, bem como pela conta I.V.A. Liquidado taxa 17%, de que se juntam as respectivas fotocópias ANEXO N° 6.
V – INFRACÇÕES VERIFICADAS
(...)
VI – CONCLUSÕES
Que a declaração mod.22, não traduz o Resultado efectivamente obtido, pelos motivos que em Síntese são:
• Falta de cumprimento do art 19º do C.I.R.C.
• Custos de alimentação não considerados nos termos do art. 23° do C.I.R.C.
• Custos de mobílias não considerados nos termos do art. 23° do C.I.R.C.
• Omissão de valores em Obras em Curso
• Não especialização dos exercícios (Art. 18° do CIRC)
VII – PROPOSTAS
Face ao exposto a às inexactidões encontradas, verifica-se que os elementos de escrita não traduzem a verdadeira situação patrimonial do contribuinte nem os resultados efectivamente obtidos, pelo que, vamos de seguida proceder às correcções já descritas a de novo determinar o Lucro Fiscal
1.1 - Exercício de 1995
APURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
1995
VALORES DECLARADOSVALORES CORRIGIDOS
Serv. Prestados
272 490 976$
272 490 976$
Variação de produção
14 620 000$
24 619 129$
Out Prov. Ganhos Oper
134 805$
134 805$
Prov. Ganhos Financ
796 591$
796 591$
Prov. Ganhos Extra.
272 344$
272 344$
TOTAL PROVEITOS
288 314 716$
298 313 845$
CEVMC
98 803 777$
96 606 477$
F. S. Externos
82 348 341$
82 348 341$
Deslocações e Estadias
9 328 607$
6 881 522$
Outros Custos
90 774 826$
90 774 826$
Total dos Custos
281 255 551$
276 611 166$
RESULT. ANTES IMPOST
7 059 165$
21 702 679$
Variac. Patrim Ne
2 000 000$
2 000 000$
SOMA
5 059 165$
19 702 679$
A ACRESCER
Donativos Art. 39º a 40°
250 000$
250 000$
Multas e penalidades
313 470$
313 470$
Out. Custos e perdas Extra
34 645$
34 645$
Correc. Exerc. Anter
15 288$
15 288$
A DEDUZIR
Rest. Impost. dedutíveis
1 257$
1 257$
SOMA
5 671 311$
20 314 825$
Lucro tributável
5 671 311$
20 314 825$
(...)
D)
A Administração Fiscal elaborou Liquidação n.° 8 310 025 374, de IRC, no montante de 6 312 711$00, sendo de IRC 5 271 665$00 e de Juros Compensatórios 1 041 046$00, referente ao exercício económico de 1995, cfr. fls. 14 destes autos.
E)
O prazo para pagamento voluntário terminou em 14/01/1998 — fls. 14.
F)
A petição inicial da presente impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de Tondela em 09/03/1998, conforme carimbo aposto a fls. 2.
G)
A factura n.° 12704, de 31/10/1995, de aquisição da cozinha rústica foi devidamente contabilizada nas respectivas contas, conforme classificação anotada no próprio documento cfr. artigo 25 da PI, informação de fls. 28 e doc. de fls. 30.
H)
O Auto de Medição anexo à factura n° 1289 de 12/2/96 no valor de 15.100.000$00, inclui uma verba de 2.200.000$00 (s/IVA), com a indicação de “rectificação de móveis de cozinha (cozinha rústica alemã)” — relatório pericial de fls. 50.
I)
A impugnante reconhecia sempre os proveitos na data da facturação — fls. 48».
***
3.1. Importa começar pela questão suscitada na conclusão nº 3, aonde se lê:
«(…) existe excesso de pronúncia na parte da comprovação, na sentença, o que constitui nulidade, Art.° 125° do CPPT».
Pretende a recorrente que a sentença incorreu em nulidade ao apreciar questão de que não podia conhecer.
E essa questão é a da comprovação dos custos, que a Administração não invocara aquando das correcções introduzidas, fazendo-o a posteriori, o que constitui fundamentação sucessiva, que a lei não permite.
Na verdade, a suposta falta de comprovação de custos não serviu de fundamento ao acto que introduziu correcções à matéria colectável. Pelo contrário, no relatório da fiscalização diz-se que a despesa desconsiderada como custo está «documentada com facturas de restaurantes».
No entender da recorrente, a falta de comprovação de custos é um fundamento do acto acrescentado na informação prestada nos termos do artigo 129º nº 2 alínea b) do Código de Processo Tributário (CPT) para efeitos do disposto no artigo 130º nº 1 do mesmo diploma (hoje, artigos 110º e 111º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT).
Mas, a ser assim, isto é, tendo a afirmação sido proferida naquelas circunstâncias, não estamos perante uma fundamentação a posteriori do acto – nem isso aqui seria relevante, por não estar em causa vício de forma relativo à fundamentação.
Porém, o que se diz naquela informação nada tem a ver com a falta de documentação das despesas questionadas; escreveu-se que «a firma não tem elementos que demonstrem que a despesa referida no ponto anterior, não foi despendida com as mesmas pessoas a quem foram pagas as ajudas de custo e subsídio de refeição». Não se põe em crise a documentação das despesas com alimentação – apenas se afirma não haver documentos que permitam apurar que essas despesas foram feitas por empregados da recorrente a quem não foram pagos ajudas de custo e subsídio de refeição.
Foi na sentença que se introduziu o termo «requisito da comprovação», a nosso ver com pouca felicidade, por o conceito não ser ajustado ao caso. A comprovação refere-se à realização da despesa e não à sua indispensabilidade, que há-de resultar de um juízo assente nessa realidade – que a despesa teve, efectivamente, lugar.
A sentença, ao julgar que, além dos requisitos em falta apontados pela Administração Tributária para considerar as faladas despesas como custos fiscais, faltava um outro – o da comprovação dos custos –, incorreu em mera incorrecção terminológica, pois a afirmação entende-se, no contexto, como respeitando à não comprovação da indispensabilidade dos custos. Não caiu em excesso de pronúncia, pois não extravasou do campo das questões que no processo estavam colocadas; além de a pronúncia ser irrelevante, em termos de sorte da demanda, pois já a constatação de que faltavam os requisitos inicialmente invocados pela Administração importava a manutenção do acto.
3.2. Quanto ao vício substancial, lê-se na sentença:
«A Administração Fiscal não considerou como custos da actividade desenvolvida pela impugnante as despesas de alimentação documentadas com facturas de restaurantes, respeitantes aos empregados da empresa, pelos seguintes motivos:
“a) A firma processa mensalmente mapas de Ajudas de Custo, a empregados deslocados, cujo montante totalizou no ano em análise: 19.703.600$.
b) Os recibos de vencimentos revelam ainda a atribuição de subsídio de refeição, no montante anual de 4.835.832$”
(…)
Da prova produzida resulta o seguinte:
— A primeira testemunha (fls. 61) disse que recebia “mensalmente um vencimento e subsídio de refeição” e quando tinha “de se deslocar a alguma obra localizada fora de Tondela é-lhe atribuída uma ajuda de custo no fim do mês fixada globalmente em função da distância e do n° de dias deslocado”.
“Quanto aos demais trabalhadores (serventes, pedreiros, carpinteiros...) e dada a dificuldade em arranjar mão-de-obra a empresa paga-lhes a refeição quando estão deslocados, sem prejuízo do direito ao subsídio de refeição que mantêm”.
— A segunda testemunha (fls. 62) referiu que “enquanto esteve ao serviço da impugnante recebia além do vencimento um subsídio de refeição e, quando se encontrava deslocado fora de Tondela, recebia ainda ajudas de custo correspondentes aos Kms. percorridos e, também, que lhe eram “pagas as refeições sem prejuízo do direito ao subsídio de refeição”.
Disse, por último, que “quando pernoitava fora ficava em residencial, pagava a respectiva despesa e apresentava-a à empresa que depois a reembolsava à parte (não entrava no recibo de vencimento)” e “quanto às refeições sucedia o mesmo, excepto quanto às que lhe eram servidas em restaurantes que tinha contrato com a empresa”.
— A terceira testemunha (fls. 62 e 63) referiu que processava os vencimentos e “que nos recibos respectivos eram discriminados o vencimento e o subsídio de refeição”.
Do exposto resulta que a impugnante suportou despesas com a alimentação dos trabalhadores e ao mesmo tempo pagava-lhes o subsídio de alimentação.
Uma vez que na contabilidade da empresa estão registadas, despesas relacionadas a alimentação e ao mesmo tempo é processado aos trabalhadores o subsídio de alimentação é de concluir como conclui a Administração Fiscal, e de acordo com as regras da experiência, que a Impugnante paga por dois modos diversos a alimentação».
Há, assim, uma duplicação dos custos.
(…)
Quanto ao requisito da comprovação refere a Administração Fiscal “que a firma não dispõe de informações contabilísticas ou outras, que permitam identificar, quer as obras quer os trabalhadores afectos às mesmas, não é possível informar sobre a correlação, a existir, entre elas (fls. 28).
Por outro lado, da prova testemunhal produzida, também não é possível estabelecer a referida correlação, faltando, assim, um requisito para a consideração de tal custo contabilístico como custo fiscal.
Termos em que, nesta parte improcede a presente impugnação» (o destaque é nosso).
Ora, estando em causa a apreciação da legalidade de um acto tributário, por enfermar dos vícios alegados pela impugnante, o que importa saber é se a Administração, ao não considerar como custo fiscal a despesa havida com alimentação de pessoal daquela, porque a esse pessoal pagava, simultaneamente, ajudas de custo e subsídio de refeição, é ou não conforme à lei.
De um ponto de vista dos factos, o Tribunal foi menos longe do que a Administração, dando por provado, não já que a recorrente pagava ao seu pessoal deslocado despesas com alimentação, ajudas de custo e subsídio de refeição, mas apenas que «a impugnante suportou despesas com a alimentação dos trabalhadores e ao mesmo tempo pagava-lhes o subsídio de alimentação».
Mas, retirando de tais factos a existência de uma «duplicação de custos», o Tribunal concluiu, de direito, como fizera a Administração: não podem as despesas com alimentação ser consideradas custo fiscal.
3.3. A norma legal que serviu de apoio à actuação da Administração Tributária e à sentença que a corroborou é a mesma a que se arrima a impugnante: o artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), que, no segmento relevante, dispõe:
«Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo “Vida”, contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares de segurança social».
As expressões «nomeadamente» e «tais como», esta na alínea d) do nº 1, aquela no corpo do mesmo número, revelam que não estamos perante uma enumeração querida como exaustiva, antes, exemplificativa.
Com interesse para o nosso caso, pode afirmar-se que, nos termos da apontada disposição legal, são custos as despesas com remunerações ao pessoal e reembolso de despesas por este efectuadas, desde que comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
O requisito da comprovação, apontado pela doutrina como um dos exigidos para a qualificação de um gasto como custo fiscal, está fora de questão. Como se viu já, a Administração verificou que as despesas em causa estão documentadas por facturas, cuja regularidade formal e substancial não questionou, emitidas por restaurantes.
Sobram os requisitos da indispensabilidade e da relação com os ganhos sujeitos a imposto. Este último, cuja autonomia relativamente ao primeiro é duvidosa, não foi questionado, nem no acto administrativo apreciado pela sentença impugnada, nem nesta mesma.
3.4. O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente. A produção jurisprudencial não elaborou um conceito a que aqui possamos apelar, e cuja aplicação resolva a questão de saber se o custo em causa deve ou não ter-se por indispensável.
O que nos não deve espantar: a própria noção de custo não é objecto de uma definição pela lei fiscal, sendo comummente adoptada a económica.
Há, em todo o caso, subsídios úteis, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que nos permitem dar alguns passos seguros na matéria. Na doutrina pode ver-se, com muita utilidade – e dele aqui fazemos uso –, o estudo DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS: ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS, de TOMÁS MARIA CANTISTA DE CASTRO TAVARES, in CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL, nº 396, págs. 7 a 177.
Antes de mais, é de notar que desapareceu, com o CIRC, a margem de discricionariedade de que gozava a Administração Tributária ao tempo da contribuição industrial, cujo respectivo Código continha, no seu artigo 26º, a possibilidade de rejeição da dedutibilidade dos custos que ultrapassassem os «limites tidos como razoáveis pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos».
À luz do vigente CIRC, pode desde logo afirmar-se que, a todas as luzes, constitui um custo indispensável o gasto que a própria lei imponha. Mesmo pelo critério mais limitativo – o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos – este tipo de despesa é elegível. Não obstante, há que atender a que nem todos estes custos, cuja incursão a empresa não possa evitar, são dedutíveis – lembre-se a derrama, que a lei exclui dos custos dedutíveis, e que motivou larga produção jurisprudencial.
Mas já ninguém discute que os gastos com as remunerações ao pessoal, posto que o empresário tem a obrigação legal – e contratual – de pagar os salários aos seus trabalhadores, e que o trabalho constitui um factor de produção, seja um custo fiscal. É claro aos olhos de todos que o trabalho é indispensável quer para produzir proveitos quer para a manutenção da força produtora.
Não é, porém, a lei que determina quantas pessoas deve um dado empresário empregar, e qual a remuneração que lhes deve atribuir, desde que acima do mínimo que estabelece. Poderá, então, discutir-se a indispensabilidade do montante salarial pretextando que a empresa emprega pessoal prescindível, ou que paga salários superiores ao preciso? Os critérios de gestão serão questionáveis pelo Fisco e apreciáveis pelo juiz, de modo a excluírem-se, para efeitos de tributação, despesas que efectivamente foram suportadas pelo sujeito passivo?
A resposta negativa parece óbvia. A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.
3.5. No caso, estamos perante despesas feitas com o pagamento de refeições fornecidas por restaurantes a trabalhadores de uma empresa de construção civil, que os deslocava para vários locais aonde desenvolvia obras, sendo que a tais trabalhadores era, concomitantemente, pago subsídio de refeição.
A sentença impugnada, corroborando o juízo feito pela Administração Tributária, entendeu que estava perante uma duplicação de custos – «a Impugnante paga por dois modos diversos a alimentação». E por essa razão não considerou dedutível o gasto feito com tal pagamento.
Como já atrás se apontou, o caso configura um pagamento em espécie – a empresa propicia a expensas suas alimentação aos seus trabalhadores, servida em restaurantes. O problema, para a Administração, como para o Tribunal a quo, está na duplicação: pagar subsídio de refeição e despesas em restaurantes é pagar duas vezes a mesma coisa e, por isso, a empresa impugnante está a duplicar custos.
Não parece aceitável este entendimento.
A duplicação de custos consiste na dupla afectação do resultado pela repetida consideração da mesma despesa. Não é o que acontece no caso, em que a empresa incorreu em dois gastos diferentes: com o pagamento do subsídio de refeição, e com o pagamento das despesas efectuadas em restaurantes.
De todo o modo, e mesmo adoptando o entendimento perfilhado pela sentença recorrida, sempre se pode objectar que não é seguro estarmos perante uma duplicação. Para que não haja essa duplicação basta pensar que o subsídio de refeição se reporta ao almoço, sem que se saiba se as despesas pagas pela impugnante respeitam a essa ou a outras refeições – hipótese ponderável em se tratando de trabalhadores deslocados do seu local de residência.
Mas, ainda admitindo que se trate de almoços, falar de duplicação implica uma determinada perspectiva, que não aceita senão o gasto com aquilo que é estritamente necessário, porventura, o exigido pelos contratos colectivos a que a empresa está adstrita. Numa outra perspectiva, porém – e é a que adoptamos – , há-de admitir-se que o empresário pretenda recrutar o pessoal melhor habilitado; estimulá-lo a disponibilizar-se para se manter deslocado por períodos longos; assegurar a estabilidade da relação de emprego; prestigiar-se perante a clientela e a concorrência – e que, para isso, ofereça melhores condições de trabalho e retribuição do que aquelas a que está imperiosamente obrigado. Por exemplo, suportando as despesas de alimentação em restaurantes, além de pagar o subsídio de refeição, como todos fazem.
Se o empresário fizer esta opção, não está a apresentar o mesmo custo em duplicado, mas a suportar dois custos distintos, ambos atinentes à remuneração do factor produtivo trabalho.
Note-se que se não trata de refeições tomadas pelo próprio empresário, que não constituiriam custos dedutíveis se incorridos no âmbito da sua vida social ou familiar; nem de refeições servidas a operários da construção civil em restaurantes de luxo, que também haveriam de se ter por não dedutíveis face ao claro excesso relativamente às necessidades e/ou capacidades da empresa, excesso esse capaz de desfazer a conexão com o seu objecto social, tornando-as estranhas ao escopo empresarial.
Atente-se, ainda, em que nem a Administração Tributária, nem a sentença sob análise, põem em crise a quantificação da despesa.
Como assim, assente a sua qualificação como gasto incorrido para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, de acordo com o explanado, impõe-se a sua dedução: as despesas em causa foram suportadas pela impugnante, no seu interesse, desde logo porque na aquisição de um factor de produção, sem que se evidencie que a sua assunção configure um acto de gestão desajustado à obtenção dos ganhos.
Por estas razões, o recurso jurisdicional merece provimento.
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4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença impugnada, no segmento em que foi, e julgar procedente a impugnação judicial, na parte em que a mesma sentença a declarou improcedente.
Sem custas.
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Lisboa, 29 de Março de 2006. – Baeta de Queiroz (relator) – Pimenta do Vale – Lúcio Barbosa.