Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0471/13
Data do Acordão:10/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
IRC
ISENÇÃO
FUNDAÇÃO
Sumário:I - O benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
II - Vindo o direito a tal benefício a ser adquirido de modo automático – por efeito da declaração de utilidade pública e isenção de IRC da entidade beneficiária de tais donativos - este retroage os seus efeitos à data da verificação dos respectivos pressupostos, ex vi do disposto no então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do EBF, ou seja, à data em que os fundadores efectuaram os donativos destinados à dotação inicial da Fundação.
Nº Convencional:JSTA00068423
Nº do Documento:SA2201310230471
Data de Entrada:03/22/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:DL 74/99 ART1 N3 N4
EM ART1 N1 D N2
L 160/99 DE 1999/09/14
EBF ART12 ART5 N2
CIRC01 ART12
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………………, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 30 de Novembro de 2012, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida do indeferimento do recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2004, do grupo de sociedades de que é sociedade dominante, relativamente aos donativos concedidos à Fundação ……………….
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A Administração Tributária não aceitou a dedutibilidade fiscal do donativo para a dotação inicial da Fundação …………. em causa nos autos, argumentando que o mesmo não havia sido sujeito ao reconhecimento ministerial previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
B. O Tribunal a quo considerou — e bem — que aquele reconhecimento ministerial não é exigível quando estão em causa donativos efectuados a pessoas colectivas dotadas de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, diploma que aprovou o Estatuto do Mecenato, na redacção conferida pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro.
C. Esta conclusão resulta do confronto entre os mencionados n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato e o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei que aprovou este Estatuto.
D. Existe efectivamente um conflito entre estas duas normas, visto que o n.º 2 do artigo do Estatuto do Mecenato impõe o reconhecimento ministerial, enquanto o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei que aprovou este Estatuto expressamente prevê que os benefícios previstos no artigo 1.º desse mesmo Estatuto não dependem deste reconhecimento ministerial.
E. A solução para este conflito encontra-se no elemento histórico da interpretação, uma vez que o problema surge com as alterações introduzidas em ambas as normas pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, sendo que a análise à redacção anterior permite concluir que os donativos a pessoas colectivas dotadas de utilidade pública, às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC, estão dispensados do reconhecimento ministerial que está previsto no n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
F. Para além do elemento histórico, também o elemento literal e sistemático da interpretação permitem concluir no mesmo sentido, assim como a sua exegese teleológica.
G. A própria administração tributária acabou por concordar com a Recorrente, pois aceitou expressamente a aplicação do beneficio previsto no n.º 1 da mesma norma as parcelas das doações para a dotação inicial efectuadas no exercício de 2005 e 2006, apesar de entender que os estatutos da Fundação ………. não cumpriam com o disposto na parte final do n.º 2 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato.
H. No entanto, quer a administração tributária, quer o Tribunal a quo, consideraram que, apesar de certo, este raciocínio não era aplicável à parcela das doações em causa nos autos, efectuadas no exercício de 2004, porque esta entidade não possuía ainda, nessa data, o estatuto de utilidade pública, que só obteve em 2005, e o consequente reconhecimento da isenção de IRC.
L. Embora o raciocínio do Tribunal a quo esteja formalmente correcto, entende a Recorrente que está materialmente errado.
J. Isto porque, antes de mais, não pode logicamente ser exigido um pedido de reconhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do EM, para donativos concedido para a dotação inicial de uma fundação, donativos esses que antecedem o próprio reconhecimento da fundação, nos termos do n.º 2 do artigo 188. ° do Código Civil.
K. E não se argumente que a Recorrente poderia requerer o reconhecimento ministerial posteriormente à doação, uma vez que é este próprio reconhecimento que não tem, face à lei e à lógica, qualquer fundamento.
L. Com efeito, o Tribunal a quo está a exigir mais um “posto de controlo” ministerial, onde nenhum controlo é necessário, tendo em conta que, logo de seguida, a Fundação ………. obteve todos os reconhecimentos necessários que tomam dispensável, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei que aprovou o Estatuto do Mecenato, o reconhecimento ministerial do donativo essencial (para a dotação inicial).
M. Acresce que a interpretação do Tribunal a quo admite a dedutibilidade fiscal das parcelas do donativo para a dotação inicial entregues em 2005 e 2006 (admissão essa que foi também, aliás, admitida pela Administração Tributária).
N. Ora, os donativos em causa, quer os efectuados em 2003 e 2004, quer os efectuados em 2005 e 2006, dizem sempre respeito à mesmíssima realidade: donativos efectuados parcelarmente para a dotação inicial da Fundação ………..
O. Sendo a dedutibilidade fiscal das parcelas efectuadas em 2005 e 2006 inquestionável, não pode ser negada, por imperativo de JUSTIÇA, a dedutibilidade fiscal da mesma realidade no que toca à parcela efectuada em 2004, em causa nos autos, apenas por faltar um reconhecimento ministerial que nem a lei, nem a lógica, nem o télos o impõe ou recomenda.

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 410/411 dos autos, concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
- Fundamentação –

4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que o donativo efectuado pela recorrente para a dotação inicial da Fundação ………., de que foi co-fundadora, não releva para efeitos de determinação do seu lucro tributável do exercício de 2004 como custo ou perda do exercício, atento a que não pediu o respectivo reconhecimento.

5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

A. Por escritura pública outorgada em 11/03/2003, no 15. ° Cartório Notarial de Lisboa, por A…………, S.A. (A……….), B……………., S.A. (B………), C………….. S.A. (C………….), D………….., S.A. (D………….) e E…………., S.A. (E………..), como entidades fundadoras, foi instituída a Fundação ……………, pessoa colectiva de utilidade pública, sem fins lucrativos (Doc. 1 da petição inicial).
B. O objecto desta Fundação é o de “... exprimir e concretizar o compromisso de intervenção social e apoio ao desenvolvimento por parte do Grupo …………., promovendo e apoiando, em Portugal e no resto do Mundo onde o Grupo opera, e em particular nos países de expressão portuguesa, programas de acção, iniciativas e actividades que visem ou favoreçam os avanços da Sociedade de Informação, os usos sociais dos meios e tecnologias de comunicação e informação, designadamente para a promoção da educação e formação tecnológica e cultural do combate à infoexclusão nas suas diferentes vertentes, bem como as que promovam a inovação e o desenvolvimento na promoção da saúde, da cultura e do desporto, e outras, directa ou em parceria com outras entidades que visem fins idênticos e, em particular, aquelas em que o Grupo detenha participações.” (Doc. 1 da PI).
C. De acordo com os estatutos, as entidades fundadoras participam na Fundação ……….. com uma dotação inicial de € 25.000.000,00, a qual seria realizada nos seguintes moldes:
(i) € 10.000.000,00, em 2003;
(ii) €5.000.000,00, em 2004;
(iii) €5.000.000,00, em 2005;
(iv) €5.000.000,00, em 2006.
(Doc. 1 da PI).
D. Consta dos estatutos que a repartição da obrigação de contribuir com essa dotação inicial devia ser realizada com obediência às seguintes proporções:
(i) A……………..—51%;
(ii) B………….. — 18%;
(iii) C………….. —18%;
(iv) D…………. — 10,5%;
(v) E……………. — 2,5%
(Doc. 1 da PI).
E. No exercício fiscal de 2004, a impugnante e as restantes entidades fundadoras, todas pertencentes ao mesmo grupo para efeitos do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), efectuaram doações para a dotação inicial da Fundação ……….. no montante global de €4.475.000,00 (artigo 7. ° da PI).
F. A impugnante e as restantes entidades fundadoras não consideraram os custos com essa dotação como sendo fiscalmente dedutíveis, uma vez que à data da entrega de declaração de rendimentos Modelo 22 do exercício de 2004 (Maio de 2005) ainda não se encontravam reunidos os requisitos necessários ao enquadramento dos donativos concedidos no âmbito do Estatuto do Mecenato (artigo 6.° da PI).
G. No dia 12/07/2004, a Fundação ………….. obteve o reconhecimento administrativo, pela Portaria n.º 793/2004, do Gabinete do Subsecretário de Estado da Administração Interna, publicada no Diário da República, II Série, n.º 162, de 12/07/2004 (Doc. 2 da PI).
H. Pela Declaração n.º 46/2005, de 22/02/2005, da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, de 04/03/2005, foi reconhecida a utilidade pública à Fundação …………… (Doc. 3 da PI).
I. No dia 28/04/2005, a Fundação ………… apresentou um pedido de reconhecimento de isenção de IRC à administração tributária (Doc. 4 da PI).
J. No dia 13/03/2007, a Fundação …………… recebeu notificação do deferimento deste pedido de reconhecimento de isenção de IRC (Doc. 5 da PI).
K. O reconhecimento da isenção concedido através do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais determina que esta isenção se aplica a partir de 04/03/2005, data de publicação do despacho de reconhecimento como pessoa colectiva de utilidade pública no DR II Série n.° 45, de 04/03/2005, ficando condicionada à observância continuada dos requisitos estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 10.° do Código do IRC, com as consequências, em caso de incumprimento, previstas nos números 4 e 5 desta disposição (Doc. 5 da PI).
L. No dia 31/05/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa da autoliquidação do exercício de 2004, peticionando a correcção do lucro tributável apurado pelo Grupo no âmbito do RETGS, no montante de € 12.530.000,00, correspondentes aos donativos concedidos à Fundação …………. para a sua dotação inicial, nos exercícios de 2004 e 2005, bem como a sua majoração na proporção de 40% (Doc. 6 da PI).
M. A impugnante alicerçou a reclamação graciosa na Circular n.° 13/2003, de 25/09/2003, emitida pelo Director-geral dos Impostos (Doc. 7 da PI).
N. Através do ofício n.º 100459, de 31/12/2008, a impugnante recebeu notificação do projecto de decisão e, após exercer o seu direito de audição, foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa na parte relativa a 2004 e o seu deferimento na parte relativa a 2005 (Doc. 8 da PI).
O. Consta do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, na parte relativa aos donativos de 2004, o seguinte:
30. O artigo 1° do Decreto-Lei n.° 74/99, de 16 de março, que aprova o Estatuto do Mecenato, com a redação introdução pela Lei 160/99 de 14 setembro, previa no artigo 1.º n.° 3 que os benefícios fiscais, com exceção dos referidos no artigo 1.º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas coletivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9.° do respetivo Código, dependem de reconhecimento, a efetuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.
31. Do exposto e relativamente ao exercício de 2005, terá razão a reclamante ao afirmar que não será necessário o reconhecimento em virtude de a Fundação possuir o Estatuto de Utilidade Pública e de se tratar de uma Pessoa Isenta de IRC. (...)
35. Conforme foi anteriormente mencionado, o Despacho de fls 76, datado de 7 de março de 2007, que concede isenção de IRC nos termos do artigo 10. do CIRC (anterior artigo 9.°) possui efeitos retroativos à data do reconhecimento da Fundação como Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, isto é à data de 04.03.2005.
36. Em consequência, o exercício de 2004 ficará excluída daquele regime, uma vez que não existe o formal reconhecimento do beneficio através de Despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, a que o artigo 1.º n.° 3 do Decreto-Lei n.° 74/99 de 16 de março refere.” (Doc. 8 da PI).
P. No dia 08/06/2009, a impugnante apresentou recurso hierárquico contra a parte do indeferimento (Doc. 9 da PI).
Q. No dia 15/01/2010, a impugnante apresentou uma adenda a este recurso hierárquico, demonstrando que a Fundação ……….. havia entretanto efectuado uma rectificação aos seus estatutos nos termos do artigo 189.° do Código Civil, registada na Conservatória do Registo Comercial a 07/05/2010 (Docs. 10 e 11 da PI).
R. Pelo ofício n.º 006857 de 25/01/2011, a impugnante recebeu notificação do despacho preferido em 27/12/2010, pela Directora de Serviços do IRC, no uso de competências subdelegadas, que indeferiu aquele recurso hierárquico (Doc. 12 da PI).

6. Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 283 a 306 dos autos, julgou improcedente a impugnação do indeferimento de reclamação graciosa da autoliquidação de IRC de 2004 deduzida pela ora recorrente, no entendimento de que a possibilidade de dedução pela impugnante como custo do exercício de 2004 do donativo que efectuou para a dotação inicial da Fundação ………….. estava dependente de reconhecimento, porquanto nesse ano de 2004 ainda não havia sido reconhecida à Fundação o estatuto de utilidade pública e isenção de IRC, condições das quais dependia que o beneficio fiscal ficasse dispensado de reconhecimento nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99, pois que, considerou a sentença recorrida, da interpretação conjugada da alínea d) do nº 1 do artigo 1º do EM, com o disposto no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei, resulta que as doações para a dotação inicial de uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que seja dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC, permitem usufruir do benefício ali previsto a partir do momento em que a entidade beneficiária cumpra aquelas duas condições (cfr. sentença recorrida, a fls. 354 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, imputando à sentença recorrida uma “interpretação formalista” das normas do DL nº 74/99 e do Estatuto do Mecenato (EM) por ela aprovado, e que numa “interpretação substantiva” dessas normas resulta que os donativos para a dotação inicial da Fundação não estão sujeitos ao reconhecimento ministerial, dado ser uma pessoa colectiva dotada de utilidade pública a quem foi concedida a isenção de IRC. Alega a recorrente que os donativos estão abrangidos na segunda excepção prevista no nº 3 do artigo 1º do DL nº 74/99, e não no âmbito da norma do nº 2 do artigo 1º da EM, porquanto: do elemento literal da interpretação chega-se a essa conclusão, porque a norma do nº 2 do art. 1º do EM não está incluída no âmbito do nº 4 do art. 1º do DL nº 74/99, o que significa que, nas situações cobertas pelo nº 3 do mesmo artigo, não é necessário o reconhecimento ministerial, e porque, ao referir-se no nº 2 do EM «sem prejuízo do disposto no nº 3 do presente diploma», é lícito concluir que os donativos concedidos para a dotação inicial também beneficiam da majoração nele prevista; do elemento sistemático da interpretação retira-se que o DL nº 74/99 que aprovou o EM condiciona, na sua globalidade, a aplicação deste e por isso, se o reconhecimento é dispensado por aquele diploma, o mesmo não pode ser exigido pelo EM; do elemento teleológico das normas em conflito conclui-se que o reconhecimento do donativo não é necessário, porque, tendo sido atribuído o estatuto de utilidade pública e reconhecida a isenção de IRC, não é necessário passar pelo “crivo” de nova apreciação governamental; do elemento histórico resulta que o legislador, com a alteração operada pela Lei nº 160/99 de 14/89, pretendeu que as entidades a quem fosse atribuído o estatuto de utilidade pública e a isenção de IRC não necessitam de novo reconhecimento ministerial para efeitos do EM.
Vejamos, pois.

Dispõe o artigo 1º do DL nº 74/99 de 16/3, na redacção dada pela Lei nº 60/99, de 14/9:
1…
2. Para os efeitos do disposto no presente diploma, apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou em espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, científica ou tecnológica, desportiva e educacional.
3. Os benefícios fiscais previstos no presente diploma, com excepção dos referidos no artigo 1º do Estatuto e dos respeitantes aos donativos concedidos às pessoas colectivas dotadas de estatuto de utilidade pública às quais tenha sido reconhecida a isenção de IRC nos termos do artigo 9º do respectivo Código, dependem de reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela.
4. A excepção efectuada no número anterior não prejudica o reconhecimento do benefício, nas situações previstas no nº 2 do artigo 2º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Estatuto.

Por sua vez, dispõe o artigo 1.º do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei nº 74/99, com a redacção dada pela Lei nº 160/99:
1. São considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, os donativos concedidos às seguintes entidades:
a) Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados;
b) Associações de municípios e de freguesias;
c) Fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial.
d) Fundações de iniciativa exclusivamente privada que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural, relativamente à sua dotação inicial.
2. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1º do presente diploma, estão sujeitos a reconhecimento, a efectuar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela, os donativos concedidos a fundações em que a participação do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais seja inferior a 50% do seu património inicial e, bem assim, às fundações de iniciativa exclusivamente privada desde que prossigam fins de natureza predominantemente social ou cultural e os respectivos estatutos prevejam que, no caso de extinção, os bens revertam para o Estado ou, em alternativa, sejam cedidos às entidades abrangidas pelo artigo 9º do Código do IRC.
3 ….
4 ….


Em causa nos autos está apenas a possibilidade de dedução como custo do exercício de 2004 da (parte) dos donativos efectuados naquele ano pelas empresas do grupo ………. para a dotação inicial da Fundação ………. porquanto à (restante) parte dos donativos efectuados pelas mesmas entidades e destinados ao mesmo fim realizados nos anos seguintes já se lhes reconheceu o direito a tal benefício fiscal, operando de forma automática, atento ao reconhecimento de utilidade pública e atribuição de isenção de IRC de que a Fundação veio a beneficiar.
A Fundação beneficiária dos donativos é uma fundação de iniciativa exclusivamente privada, que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural, daí que, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea d) do Estatuto do Mecenato, na redacção vigente ao tempo (e supra transcrita), os donativos efectuados pelos fundadores destinados à dotação inicial da fundação pudessem ser considerados na sua totalidade custos ou perdas do exercício dos fundadores.
Os pressupostos substantivos deste benefício são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural.
Sabido que os benefícios fiscais, quanto ao modo pelo qual operam, são automáticos, quando resultam directa e imediatamente da lei, ou dependentes de reconhecimento, quando pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento, impõe-se averiguar como opera o benefício fiscal em causa.
Ora, resulta com mediana clareza do n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/99 de 16/3, que o benefício fiscal previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato é em regra dependente de reconhecimento, sendo, porém, automático, se a Fundação destinatária dos donativos for pessoa colectiva dotada do estatuto de utilidade pública à qual tenha sido reconhecida isenção de IRC.
Daí que se os fundadores quisessem, na autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2004, deduzir integralmente como custo os donativos que efectuaram para a dotação inicial da Fundação, teriam de ter pedido o reconhecimento de tal benefício fiscal, o que não fizeram.
O que fizeram foi, a partir do momento em que adquiriram, de forma automática, o direito ao benefício fiscal de deduzir os custos com os donativos destinados à «dotação inicial» desta Fundação «de iniciativa exclusivamente privada e que prossegue fins de natureza predominantemente social ou cultural», reclamar da autoliquidação de IRC do exercício de 2004 na parte tocante ao custos, pretendendo que o benefício, que agora lhes é reconhecido pela lei (benefício automático), estendesse os seus efeitos à data em que começou a entregar os donativos destinados à dotação inicial daquela Fundação.
E bem, assim o julgamos.
É que, nos termos do então artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) «O direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.».

Ou seja, salvo nos casos em que a lei disponha de outro modo – o que não é o caso dos autos -, o direito ao benefício fiscal «deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos», quer os benefícios sejam automáticos, resultando imediatamente da lei, quer sejam dependentes de reconhecimento, tendo efeitos meramente declarativos – cf. artigo 4.º nº 2 do EBF (actual 5º, nº 2).

Ora, como dissemos já, os pressupostos substantivos do benefício fiscal previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 1.º do Estatuto do Mecenato são os de que o donativo se (1) destine à dotação inicial de uma (2) Fundação de iniciativa exclusivamente privada que prossiga fins de natureza predominantemente social ou cultural, pressupostos estes que se verificavam já em 2004, razão pela qual o direito ao benefício, obtido de modo automática a partir de 2005, retroage os seus efeitos à data em que efectuou os donativos com aquele fim àquela Fundação, sendo lícito à recorrente deduzi-los como custo fiscal no exercício de 2004, na parte em que os suportou, ex vi do disposto no artigo 11.º (actual artigo 12.º) do Código do IRC.


Pelo exposto, tem de concluir-se que o recurso merece provimento, sendo de revogar a sentença recorrida que assim o não julgou e julgar procedente a impugnação.

– Decisão –
7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Custas pela Fazenda Pública, apenas em 1.ª instância, pois não contra-alegou neste Supremo Tribunal.

Lisboa, 23 de Outubro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Valente Torrão - Casimiro Gonçalves.