Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0125/21.9BALSB
Data do Acordão:02/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas.
II - Para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam: - Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
III - Perante a factualidade dada como assente no Acórdão fundamento e na decisão arbitral recorrida, afigura-se-nos que embora as situações de facto revelem pontos em comum - estamos perante sujeitos passivos que desenvolvem actividade em que realizam operações isentas e operações sujeitas a tributação - certo é que as situações divergem no que respeita à comprovação dos custos com a disponibilização dos veículos objecto dos contratos de locação financeira, o que por si só, em face da argumentação invocada em cada uma das decisões judiciais, constitui fundamento para terem perfilhado soluções jurídicas diversas da questão jurídica que foi enunciada.
IV - Assim, identificada esta falta de identidade da questão fundamental de direito, tem de ser negativa a resposta à questão de saber se as duas decisões arbitrais em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico, pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.
Nº Convencional:JSTA000P29021
Nº do Documento:SAP202202230125/21
Data de Entrada:10/01/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A……………., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 498/2018-T - que julgou procedente o pedido de anulação dos actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/06, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12, determinou a revogação do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta pela Requerente dos actos tributários mencionados (Procedimento de Reclamação Graciosa n.º 3247201804001303) e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente a quantia de 1.358.262,98 Euros referente ao IVA não deduzido acrescida de juros indemnizatórios calculados sobre cada pagamento indevido desde a data em que foi efectuado até ao respectivo reembolso, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como acórdão fundamento, o Acórdão do S.T.A. de 15-11-2017, proferido no Proc. nº 0485/17, disponível em www.dgsi.pt.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. Constitui objecto do presente recurso para uniformização de jurisprudência a decisão arbitral proferida a 27-05-2021, pelo Tribunal Arbitral Colectivo em matéria tributária, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas RJAT) e que correu termos sob o n.º 498/2018-T.

B. Em causa estava saber se a ora Recorrida poderia, no ano em discussão, no seu pro-rata de dedução, considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

C. A decisão arbitral ora recorrida é a segunda a ser proferida no âmbito dos presentes autos, porquanto, a primeira decisão arbitral foi objecto de recurso para uniformização de jurisprudência junto desse Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 52/19.0BALSB, de 04-03-2020.

D. Baixado o processo à instância arbitral e depois de ampliada a matéria de facto, o Tribunal arbitral decidiu pela manutenção da procedência do pedido.

E. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

F. Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que as situações de facto sejam substancialmente idênticas, haja identidade na questão fundamental de direito, se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta e a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

G. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

H. Pois bem, e para o que interessa para o presente recurso, subjacente ao acórdão recorrido, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura se remete.

I. Subjacente ao Acórdão Fundamento, foi dada como provada a factualidade narrada nas alegações, para cuja leitura se remete.

J. Entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

K. Em ambos os casos, Recorrente e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

L. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

M. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

N. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

O. Ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

P. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

Q. Em ambos os acórdãos existe um desconhecimento, mesmo após a ampliação da matéria de facto, sobre se os custos gerais são influenciados e sobretudo, predominante absorvidos pelos actos de disponibilização de veículos.

R. Tal como consta do teor do Acórdão 95/19, era esse o ponto que importava descortinar e que constituiu motivo para ordenar a ampliação da matéria de facto.

S. Além daquela identidade fáctica, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

T. Com efeito, no acórdão fundamento entendeu-se que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros:

«(…) O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».

Isto, na consideração de que (cfr. os considerandos 30 a 35 do acórdão), atendendo à redacção de tal norma, ao contexto em que se insere, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, e à finalidade desse mesmo preceito, resulta que qualquer Estado-Membro que exerça a faculdade ali prevista deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Concluindo o TJUE que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito aÌ dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito aÌ dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos. É que, na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.» Concluindo, nesse seguimento, o STA que «a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento na interpretação do disposto nos n.º 2 e 3 do CIVA, em concordância, aliás, com a interpretação do art. 17.º, n.º 5, 3.º parágrafo, al. c) da Sexta directiva 77/3888/CEE».

U. Por seu turno, a decisão arbitral entendeu, por oposição ao Acórdão Fundamento, que a solução da ora Recorrida de aplicar o método de imputação específico, escorado no Ofício-Circulado n.º 30108, era incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e, por consequência, com a solução proposta no artigo 23.º, n.º 3 e 4 do CIVA, não podendo a Autoridade Tributária aplicar um método de imposto específico para apurar a percentagem de dedução em sede de IVA:

«Decorre do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.

Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23.º do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:

- a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA por remissão para o n.º 4 da mesma norma; e

- «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do CIVA).

Ademais, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

Contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, como se escreveu na já citada Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa): “É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23º” - negrito original.
Assim, parece de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.
Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não poderia a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.»
V. Perante a mesma factualidade, os acórdãos divergem na solução.
W. Enquanto o STA decidiu, conforme o TJUE «que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito aÌ dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito aÌ dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos», no acórdão recorrido foi decidido que «parece de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não poderia a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.»
X. Também a respeito do ónus probatório, entende o Tribunal arbitral, ainda que o não referiram expressamente, que compete à Autoridade Tributária justificar o motivo porque o método do pro rata aplicado pelo contribuinte conduz a maiores distorções significativas da tributação que a aplicação do método de imputação específica patente no Ofício-Circulado n.º 30108, esquecendo-se que o dito ónus onera quem beneficia do direito à dedução do imposto.
Y. Também nesta questão do ónus de prova, o acórdão arbitral está em manifesta contradição com o Acórdão Fundamento, onde foi decidido que:
«Quanto ao erro de julgamento por a sentença não ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, teria necessariamente de recair sobre a AT. […] Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA.»
Z. Na esteira deste entendimento, o Supremo Tribunal Administrativo veio, num recente Acórdão acerca da mesma matéria - processo n.º 0101/19 - precisar com maior detalhe a razão pela qual o ónus de prova recai essencialmente na esfera do sujeito passivo:
«Sobre a segunda questão se pronunciou o acórdão fundamento, seguindo um entendimento recorrente deste Supremo Tribunal Administrativo e sobre o qual não há, agora, razões bastantes para rever. Foi ali convocado o entendimento segundo o qual, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução. Caberia por isso ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor das especificidades do seu negócio. Assim, e para concluirmos este ponto, diremos resumidamente que, para o juízo sobre a necessidade e adequação do recurso a «um coeficiente de imputação específico» […] competiria ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira para o sector automóvel utilizando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos.»
AA. Ora, no âmbito do acórdão recorrido, o A…………….. não produziu prova nem no sentido de que os custos foram sobretudo consumidos pelos actos de disponibilização de veículo, nem no sentido de que não foram sobretudo consumidos pela gestão e pelo financiamento dos contratos de locação financeira.
BB. O Tribunal não conseguiu apurar a exacta medida em que esses mesmos custos são consumidos, desconhecendo nesta medida quais os actos que mais os absorveram.
CC. Existe uma presunção judicial, assumida tanto pelo TJUE, no seu Acórdão Banco Mais, como nos Acórdãos do STA - que tem por base as lições de experiência em que se deduz de certo facto conhecido um facto desconhecido - de que, e passa-se a citar o Acórdão TJUE 183/13, «embora a realização, por um Banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização de veículos.»
DD. Presume-se que a utilização de bens e serviços de utilização mista é na maioria dos casos determinada pelo financiamento e pela gestão de contratos de locação financeira.
EE. Esta presunção judicial foi recentemente reforçada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 101/19, quando aí refere que «A questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do oficio circulado n.º 30108, do Gabinete do Subdiretor-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efetiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Diretiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular. E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente. Desde que fosse apurado que a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (parágrafo 33 do acórdão). Isto é, desde que fosse apurado que os bens ou serviços de utilização mista eram alocados com muito mais intensidade ao financiamento e gestão de contratos do que a qualquer outra atividade (ou setor de atividade) exercida pelo sujeito passivo. O que o Tribunal de Justiça concedeu suceder na maioria dos casos em que estas atividades são exercidas por bancos. Porque são entidades que, na essência, se dedicam à atividade de concessão de créditos e gestão de contratos de financiamento.»
FF. Atendendo a que se trata de uma presunção juris tantum, cabia, como já se referiu, ao A……………….., afastá-la, o que não fez.
GG. Face ao que, perante idêntica factualidade, verifica-se, entre Acórdão Fundamento e acórdão recorrido, uma manifesta contradição de soluções jurídicas, tendo o Tribunal arbitral optado por declarar nulos os actos de liquidação e declarar a legalidade do método de dedução aplicado pela Recorrida, que tem em linha de conta a parte da renda que respeita à amortização financeira do capital mutuado, respeitante ao valor da viatura objecto do contrato de locação financeira, enquanto no Acórdão Fundamento o Supremo Tribunal Administrativo validou o método específico imposto pela Autoridade Tributária, tendo por base o Ofício-Circulado n.º 30108.
HH. Em suma, o Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, já repetida, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.
II. E tendo-se ainda concluído no Acórdão Fundamento que essa restrição, ideia também patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.
JJ. Aqui chegados, Acórdão Fundamento e acórdão recorrido opõem-se de forma manifesta:
1) na solução de fundo aplicada a duas situações de facto idênticas, nomeadamente quanto à questão de saber se o n.º 3 e 4 do artigo 23.º, constituindo a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução, conforme previsto no Ofício-Circulado n.º 30108/2009;
2) na questão de saber sobre quem recai o ónus de prova acerca da prova dos factos que constituem o direito de dedução invocado;
KK. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.
LL. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:
- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E
- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.

O recurso foi admitido por despacho de 29-10-2021.

Foi cumprido o disposto no artigo 25º nº 5 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

O Recorrido “Banco A……………, S.A.” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

A. A Recorrida considera, desde logo, que não se verificam os pressupostos para a admissão do presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA (ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT) uma vez que não há uma verdadeira identidade substancial dos factos nem há qualquer solução oposta perfilhada entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento; pelo contrário, há uma decisão arbitral que em cumprimento do ordenado pelo STA e ao abrigo do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, amplia a matéria de facto para, em conformidade com o acórdão do STA proferido anteriormente, decidir precisamente em consonância com o direito sufragado STA e os factos entretanto apurados por força da ampliação ordenada.

B. Em causa no presente recurso está a decisão arbitral proferida no passado dia 26 de Julho de 2021 no âmbito do Processo 498/2018-T.

C. Como refere a Recorrente nas suas alegações, em causa nos referidos autos [e]stava saber se a ora Recorrida poderia, no ano em discussão [2016], no seu pro-rata de dedução, considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.”

D. Também como refere a Recorrente - e por certo que o STA se irá recordará - esta é a segunda decisão arbitral proferida neste processo, pois, por decisão datada de 28 de Maio de 2019, já o Coletivo dos três árbitros que compõem aquele Tribunal Coletivo havia proferido uma outra decisão neste processo julgando o pedido arbitral procedente por considerar que “a interpretação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA vertida no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 não encontra qualquer fundamento no Código do IVA, e por isso, não pode ser sufragado”, tendo nessa altura considerado ainda que [e]mbora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Diretiva do IVA permitia ao legislador interno «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com, base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», a verdade é que este não usou de tal prorrogativa, pelo que não poderia a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”.

E. Decisão essa que foi então na altura objeto de recurso de uniformização de jurisprudência por parte da AT, aqui novamente Recorrente, e que veio a culminar na prolação do acórdão do STA no Processo 52/19.0BALSB, de 04.03.2020, o qual, julgando procedente o recurso, anulou a decisão arbitral e ordenou a ampliação da matéria de facto fixada pelo tribunal arbitral para se descortinar “a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos” (realce nosso).

F. Tal foi escrupulosamente observado pelo Tribunal Arbitral: reaberto o processo para nova decisão, o Tribunal Arbitral realizou a prova destinada a responder à ampliação ordenada pelo STA e, após produção de prova, veio a dar como provado, nomeadamente, os seguintes factos:

(i) “A Atividade de locação financeira exercida pela Requerente envolve a aquisição de veículos e a sua disponibilização aos clientes e atividade de concessão de crédito ou financiamento a particulares e empresas e gestão respetiva” – facto n.º 3;

(ii) “A atividade de locação financeira e de ALD exercida pela Requerente, envolvendo operações de aquisição e disponibilização de viaturas, exige a concretização ou realização, pela Requerente, de atos e serviços específicos, distintos da concessão de crédito” – facto n.º 13;

(iii) “Tal implica a afetação de custos e recursos da Requerente, como, por exemplo, água, gás, eletricidade, comunicações, equipamentos informáticos, papel e custos com a prestação de serviços de terceiros, como advogados, etc.” – facto n.º 14

(iv) “A Requerente necessita e despende um conjunto de recursos humanos e materiais que são comuns à atividade de aquisição e disponibilização dos veículos no âmbito e vigência dos contratos de «leasing» e/ou ALD que celebra.” – facto n.º 15

G. Mas ainda mais relevante foi o facto constante da matéria dada como provada no ponto 16 e que aqui também se transcreve:

Os custos comuns ou mistos são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos citados, aos seus clientes.” - realce nosso para ter a certeza que este facto / circunstância - que a Recorrente parece querer esquecer - não passa desapercebido(a) ao Venerando STA na sua análise e decisão.

H. Ora, perante esta realidade, considera a Recorrida que é por demais evidente que, ao contrário do que pugna a Recorrente, entre a decisão arbitral em escrutínio e o acórdão fundamento inexiste uma verdadeira identidade de situação de facto: na decisão arbitral foi dado como facto provado que “Os custos comuns ou mistos são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos citados, aos seus clientes” enquanto que no acórdão fundamento inexiste esse facto dado como provado.

I. Como é também manifestamente evidente que inexiste entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento uma qualquer solução oposta que tenha sido perfilhada relativamente à mesma questão essencial de direito.

J. Isto porque se atendermos bem à decisão arbitral facilmente temos de concluir que apesar de efetivamente constar da decisão arbitral recorrida o exposto no ponto 32 das alegações de recurso (e que corresponde às páginas 32 e 33 da decisão) - e que a Recorrente ardilosamente se agarra para invocar que está assim em manifesta oposição com o acórdão fundamento - não é este o fundamento seguido nesta segunda decisão arbitral.

K. Mas para que dúvidas não permaneçam, após ampliação da matéria de facto ordenada pelo STA no âmbito do 1.º recurso de uniformização de jurisprudência referente à decisão arbitral proferida 28 de Maio de 2019, veio o Tribunal Arbitral “transpor para esta nova decisão arbitral a doutrina fixada naquele aresto [referindo-se ao aludido Processo 52/19.0BALSB], em articulação com o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil” e, ampliando a matéria de facto nos termos ordenados, concluiu, após a produção de prova, que no presente caso ficou demonstrado que a tal utilização dos bens e serviços de utilização mista era, sobretudo, determinada pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação e não pelo financiamento e gestão.

L. Tendo sido este - e não outro, como pretende a Recorrente fazer crer nas alegações de recurso que apresentou - o principal substrato fundamentador da presente decisão e que levou o Tribunal Arbitral a concluir que eram “ilegais, por falta de pressupostos de facto e de direito, os actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12, bem como o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa (...)”.

PROSSEGUINDO

M. No que concerne à questão do ónus da prova - e apesar de não constituir formalmente o fundamento apresentado pela Recorrente para o presente recurso de uniformização não deixou de ser invocado ao longo das suas alegações - também aqui se terá obrigatoriamente de concluir que padece de fundamento, inexistindo qualquer oposição entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento.

N. Com efeito, embora a Recorrente tenha expressamente alegado que “no âmbito do acórdão recorrido, o A…………….. não produziu prova nem sentido de que os custos foram sobretudo consumidos pelos atos de disponibilização de veículo, nem no sentido de que não foram sobretudo consumidos pela gestão e pelo financiamento dos contratos de locação financeira” e que “(...) presume-se que a utilização dos bens e serviços de utilização mista é na maioria dos casos determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira” concluindo de seguida que tratando-se de“(...) uma presunção iuris tantum, cabia, como se referiu, ao A………………., afastá-la, o que não o fez”,

O. Tal não corresponde à verdade, pois como supra se referiu, não só em momento algum o Tribunal Arbitral considerou que, no que concerne à prova relativa a apurar se os custos comuns foram ou não sobretudo utilizados na disponibilização dos veículos, o ónus era da AT,

P. Como, ampliada a matéria factual e realizada a prova (e que além de documental se cingiu às testemunhas arroladas pelo Contribuinte), concluiu, precisamente, que “Os custos comuns ou mistos são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos citados, aos seus clientes”.

Q. Sendo por isso manifestamente evidente que não são verdadeiras as afirmações / alegações da Recorrente que “em ambos os acórdãos existe um desconhecimento, mesmo após a ampliação da matéria de facto, sobre se os custos gerais são influenciados e sobretudo, predominantemente, absorvidos pelos actos de disponibilização dos veículos”.

R. Como também é manifestamente evidente que não é verdade que o A…………. - aqui Recorrida - não tenha feito prova de que “os custos foram sobretudo consumidos pelos actos de disponibilização de veículo”.

S. O Tribunal Arbitral ampliou a matéria de facto e (bem - mas ainda que mal tal não seria sindicável num recurso de uniformização de jurisprudência) deu precisamente como provado, em cumprimento do que havia sido ordenado pelo STA aquando da anulação da primeira decisão arbitral, que a utilização dos custos comuns ou mistos (na terminologia do STA, os bens e serviços de utilização mista) são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículo objeto dos contratos dos Clientes da Recorrida e não pela gestão financeira dos mesmos.

T. Sendo assim por demais evidente a inexistência de qualquer oposição entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento deste recurso, quer quanto à questão de se saber se o n.º 3 e 4.º do artigo 23.º do Código do IVA, constituindo uma transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, inclui a possibilidade de a AT mitigar o pro rata conforme previsto no Ofício Circulado n.º 30108/2009, quer na questão do ónus de prova.

U. O que na realidade a Recorrente parece querer não é sindicar qualquer oposição nas decisões em apreço (decisão arbitral e acórdão fundamento) - que, atento o supra exposto nos parece evidente que não existe - mas sim a bondade da decisão, ou melhor a prova produzida e a factualidade dada como provada, o que é de todo inadmissível.

V. AQUI CHEGADOS, conclui a Recorrida que, na situação vertente, inexiste não só qualquer identidade substancial dos factos como inexiste uma qualquer oposição seja no que concerne à aplicação do artigo 23.º seja no ónus da prova, motivo pelo qual deve o recurso interposto pela Recorrente liminarmente rejeitado por falta de verificação dos pressupostos da sua admissão nos termos do artigo 152.º do CPTA ex vi n.º 2 do artigo 25.º do RJAT
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
W. A Recorrida considera que deve vingar a jurisprudência vertida no acórdão recorrido o que se requer (dando-se por reproduzido o teor caso se entenda que o recurso interposto pela AT não deve ser rejeitado à luz do que se expôs até aqui.

X. Sem prescindir, a Recorrida requer a este Venerando Tribunal que conheça a questão da inconstitucionalidade formal e material do n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA a qual foi invocada junto do Tribunal Arbitral recorrido (cfr. requerimento e alegações escritas apresentadas a 13.01.2021 e 25.05.2021) mas não foi conhecida por ter sido o pedido arbitral julgado procedente com outro fundamento.

Y. A Recorrida invocou que, caso se entendesse que a transposição das normas relevantes da Directiva do IVA foi feita devidamente para o direito interno, então a falta da sua previsão [a modelação do pro rata através do aludido Ofício] em diploma legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender, revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP]- cfr. alegações escritas apresentadas pela Recorrida em 09.11.2020.

Z. Isto é, a Recorrida, ao arrimo de variadíssimas decisões arbitrais que sobre a matéria já se debruçaram, invocou que qualquer possibilidade de o Estado Português mitigar o cálculo do pro rata - conforme se reconhece hoje que a Directiva de IVA concede aos Estados Membros - teria, sempre, em todo o caso, de se realizar ao abrigo dos princípios constitucionais previstos na nossa lei suprema, a Constituição da República Portuguesa (cfr. alegações escritas apresentadas pela Recorrida em 09.11.2020), questão esta que não foi então apreciada pelo Tribunal a quo.

AA. Assim, para precaver um entendimento de que as alegações de recurso da Recorrente deverão ser procedentes, deverá este Tribunal conhecer a questão de inconstitucionalidade que não foi conhecida pelo Tribunal a quo.

BB. Entendendo-se, como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Rel. Bravo Serra), de 06.02.2008, no processo 07S2620, que “Se, perante o teor do n.º 1 do art.º 684º-A do CPC2, o seu âmbito aponta indubitavelmente no sentido de se aplicar às situações em que, havendo vários fundamentos (ou várias causas de pedir) e, vingando um deles, o tribunal a quo deu por procedente a pretensão tão só relativamente a um desses fundamentos, obrigando o tribunal ad quem a conhecer de um fundamento da acção (ou da defesa), caso venha a julgar procedente o recurso interposto por quem ficou vencido, a razão de ser de tal preceito não pode deixar de conduzir também à sua aplicação aos casos em que o tribunal, tendo por procedente a pretensão com base num dos fundamentos, se escusou de analisar e decidir os demais”, requer-se, à cautela, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 636.º CPC (ex vi artigo 1.º do CPTA e 281.º do CPPT), a ampliação do recurso para conhecimento das questões de inconstitucionalidade invocadas e não conhecidas (por prejudicadas) pelo Tribunal a quo.

CC. Caso se entenda que este Tribunal não pode conhecer as questões de inconstitucionalidade invocadas (cujo conhecimento foi dado como prejudicado,) deverá então ordenar a baixa do processo ao Tribunal Arbitral para delas tomar conhecimento, o que se requer.

DD. Com efeito, além do vício assacado aos actos tributários impugnados que foi julgado procedente pelo Tribunal a quo, a aqui Recorrida invocou ainda que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA permitem à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL

EE. A Recorrida acompanha a conclusão do acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T “A quarta questão era a de saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é compatível com o Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte), tendo-se concluído que não: só por via legislativa se poderia alterar o que por via legislativa foi fixado”.

FF. Ora, entendendo o acórdão fundamento que a lei conferiu essa possibilidade à AT (ie., que transpôs devidamente a Directiva IVA e que a AT pode pelo Ofício-Circulado 30108, ao abrigo da possibilidade que legislativamente lhe foi conferida, regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA), então:
GG. Invoca-se, assim, expressamente e para todos os efeitos legais, que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao permitir à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) através de circular interna (Ofício-Circulado 30108) definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, e eficácia externa, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) são MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAIS por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].

HH. Acresce que, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, a AT não a pode aplicar, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

II. Ou seja: SÓ POR VIA LEGISLATIVA SE PODERÁ ALTERAR O QUE POR VIA LEGISLATIVA FOI FIXADO, o que não foi o caso, de todo.

JJ. Assim sendo, não pode a Recorrida deixar de novamente realçar que um Ofício-Circulado, ie., o Ofício-Circulado n.º 30108, não é lei, e é por Ofício-Circulado que está a ser regulado o direito à dedução em IVA.

KK. Como não se desconhece, o princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”

LL. A definição (através de restrição in casu) do âmbito do direito à dedução do IVA carece de aprovação através de Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP), não podendo ser delimitado por Ofício-Circulado (que não é lei e nem sequer emana de um órgão de soberania com poderes legislativos).

MM. Além do mais, a CRP não consente que a lei possa conferir essa possibilidade à AT, para “legislar”, como não consente que se atribua a um acto (que não é lei nem decreto-lei autorizado) o poder de, com eficácia externa, regular uma determinada matéria, estando pois violando o n.º 5 do artigo 112.º da CRP.

NN. Os n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ao conferirem à AT, por Ofício-Circulado, modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, com carácter geral, abstracto, e eficácia externa, violam frontalmente o n.º 5 do artigo 112.º da CRP e o princípio da tipicidade da lei. E jamais pode uma lei ou decreto-lei consentir que a um Ofício lhe seja conferida aquela eficácia externa e a aplicação geral e abstracta, em especial, em matéria de impostos (que é de reserva de lei).

OO. Também os princípios da separação dos ponderes (artigos 2.º e 111.º da CRP) não se compatibilizam com a permissão conferida pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA à AT para legislar ou modificar, por Ofício-Circulado, em matéria de dedução do IVA, mitigando o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que tal poder apenas é conferido ao poder legislativo (Assembleia da República do Governo devidamente autorizado nos termos do artigo165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

PP. Por último, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, preceito este igualmente violado pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao conferirem à AT a possibilidade de mitigar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto, como se viu, jamais por Ofício pode ser regulada com carácter geral, abstracto e eficácia externa o direito à dedução do IVA.

QQ. Face ao exposto, por inconstitucionalidade formal e material dos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, nos termos acabados de explicar, também seria procedente o pedido de pronúncia arbitral ao ser conhecido este fundamento, como se requer que seja.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, NÃO DEVE SER ADMITIDO POR NÃO SE ENCONTRAREM VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS LEGAIS PARA A SUA ADMISSÃO.
SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE APENAS SE EQUACIONA POR MERO DEVER DE OFÍCIO, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA AT SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA O ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO.
DEVE AINDA SER APRECIADA E RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 23.º, N.º 2 E 3 DO CÓDIGO DO IVA, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTIGOS 2.º E 111.º DA CRP), DO ARTIGO 112.º, N.º 5, DA CRP, DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (103.º, N.º 2 DA CRP). DA RESERVA DE LEI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [165.º, N.º 1, ALÍNEA I) DA CRP], E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA AT (ARTIGOS 266.º, N.º 2, DA CRP), O QUE CONDUZ À PROCEDÊNCIA DO PEDIDO ARBITRAL. PARA O EFEITO, DEVE CONHECER-SE DESTE FUNDAMENTO NESTE RECURSO, SEJA DIRECTAMENTE OU EM AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO REQUERIDA NAS ALEGAÇÕES. CASO SE ENTENDA QUE NÃO PODE SER CONHECIDA ESSE FUNDAMENTO, DEVE SER ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL A QUO PARA CONHECIMENTO DA QUESTÃO CUJO CONHECIMENTO DEU COMO PREJUDICADA.
SÓ ASSIM O STA PUGNARÁ PELA COERÊNCIA DO QUE TEM VINDO A DECIDIR E FARÁ,

JUSTIÇA!

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos, merecendo ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão arbitral recorrida.


Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.




2. FUNDAMENTOS

2.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

“…

1

2 A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) e que exerce, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração);2.

Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito);

3 A atividade de locação financeira exercida pela Requerente envolve a aquisição de veículos e sua disponibilização aos clientes e atividade de concessão de crédito ou financiamento a particulares e empresas e gestão respetiva;

4 A atividade de locação e financeira e ALD são as atividades primordialmente exercidas pela Requerente e eram-no nas datas referidas infra, em 5;

5 Apresentou tempestivamente, conforme se observa dos documentos juntos sob os n.ºs 1 a 12, as declarações periódicas do IVA relativas ao ano de 2016, a saber:

- Em 16 de Fevereiro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 17/05/2016;

- Em 22 de Março de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2016 que substituiu por outra declaração entregue em 05/04/2016;

- Em 13 de Abril de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2016 que substituiu por outra declaração entregue em 06/05/2016;

- Em 17 de maio de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/06/2016;

- Em 23 de Junho de 2016, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/07/2016;

- Em 13 de Julho de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2016.

- Em 10 de Agosto de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 30/08/2019;

- Em 12 de Setembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Agosto de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 03/10/2016;

- Em 24 de Outubro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 09/11/2016;

- Em 29 de Novembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/12/2016;

- Em 16 de Dezembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 04/01/2017;

- Em 16 de Janeiro de 2017, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2016.

6 Em todas as primeiras declarações de cada período do ano de 2016 apresentadas, o Requerente teve em conta o IVA suportado com base no cálculo do pro rata provisório de 14%;

7 Na declaração correspondente ao período de Dezembro de 2016, o Requerente corrigiu os valores deduzidos ao longo do ano, por força do pro rata definitivo de 15% determinado para o exercício de 2016, com observância das instruções da AT constantes do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009.

8 Por força da adoção da doutrina da AT, o montante do IVA a deduzir pelo Requerente diminuiu de € 1 801 174,82 para €442 911,84.

9 O imposto relativo a todas as declarações periódicas de IVA aqui em causa encontra-se pago.

10 A Requerente apresentou, em 09/02/2018, reclamação graciosa das autoliquidações de IVA acima referidas,

11 Esta reclamação, a que foi atribuído o número 3247201804001303, foi indeferida por despacho de 6/07/2018 (cfr. doc. n.º 13).

12 Em 08/10/2018, a Requerente apresentou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

13 A atividade de locação financeira e de ALD exercida pela Requerente, envolvendo operações de aquisição e disponibilização de viaturas, exige a concretização ou realização, pela Requerente, de atos e serviços específicos, distintos da concessão de crédito.

14 Tal implica a afetação de custos e recursos comuns da Requerente, como, por exemplo, água, gás, eletricidade, comunicações, equipamentos informáticos, papel e custos com a prestação de serviços por terceiros, como advogados, etc.

15 A Requerente necessita e despende um conjunto de recursos humanos e materiais que são comuns à atividade de aquisição e disponibilização dos veículos no âmbito e vigência dos contratos de “leasing” e/ou ALD que celebra.

16 Os custos comuns ou mistos são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos citados, aos seus clientes.

B. Factos não provados

Não existem outros factos com relevância para a apreciação do pedido, que devam ser considerados provados ou não provados

V. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

1. O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).

2. Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

3. No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pela parte, e que não foram impugnados, na cópia do processo administrativo instrutor, apresentado pela AT e nos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência, a saber: ……………., diretor financeiro da Requerente e ………….. que, à data dos factos, como agora, exerce funções na área da Contabilidade da Requerente que, com conhecimento direto dos factos e com a formação académica que possuem, afirmaram, entre outras, que o pro rata apurado pela Requerente considerava, no numerador, o leasing , com a componente de juros, sendo que todos os recursos (papel, computadores, energia elétrica, comunicações, etc) para assegurar o processo de aquisição da viatura e a sua entrega ao cliente bem como os necessários à gestão da renda, cobrança do Imposto Único de Circulação, seguros, etc., eram comuns, sendo difícil quantificar a percentagem desses recursos afeta a uma ou outra tarefa.

4. Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental e testemunhal produzidas e o PA junto, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.”


Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:
“(…)
«1) Foi emitida, pela Área de Gestão Tributária do IVA – Gabinete do Subdiretor-Geral dos Impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n.º 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado n.º 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23.º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23.º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n.º 3 art. 23.º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o nº 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23.º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).
2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em Dezembro de 1996, então com a designação B…………, SA, tendo sido indicado como objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).
3) A impugnante, no exercício da sua actividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).
4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respectivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).
5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).
6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.
7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.
8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).
9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente factura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).
10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).
11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).
12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de facturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).
13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.
14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afectação real, relativo à actividade de locação financeira e à actividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo directo e imediato;
b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à actividade tributada e à actividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).
15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre Janeiro e Novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).
16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respectivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).
17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).
18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:
a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;
b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207)»
No mesmo acórdão, ainda no âmbito do julgamento da matéria de facto, ficou ainda registado:
«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.º 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objecto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa».”

«»

2.2. DE DIREITO

2.2.1.- Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência respeita à decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. nº 498/2018-T - que julgou procedente o pedido de anulação dos actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/06, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12, determinou a revogação do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta pela Requerente dos actos tributários mencionados (Procedimento de Reclamação Graciosa n.º 3247201804001303) e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir à Requerente a quantia de 1.358.262,98 Euros referente ao IVA não deduzido acrescida de juros indemnizatórios calculados sobre cada pagamento indevido desde a data em que foi efectuado até ao respectivo reembolso, por alegada oposição com o decidido no Acórdão do S.T.A. de 15-11-2017, proferido no Proc. nº 0485/17, disponível em www.dgsi.pt.

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. nº 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

A Recorrente sustenta que a decisão arbitral recorrida encontra-se em oposição com o citado aresto deste Tribunal, na medida em que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, pois que, em ambos os casos, Recorrente e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA, ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração), ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração), ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009, ambas apuraram um montante a deduzir distinto ao apurado por recurso ao pro rata provisório, ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entenderem que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD e em ambos os acórdãos existe um desconhecimento, mesmo após a ampliação da matéria de facto, sobre se os custos gerais são influenciados e sobretudo, predominante absorvidos pelos actos de disponibilização de veículos.
Além daquela identidade fáctica, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, sendo que no acórdão fundamento entendeu-se que o decidido pelo TJUE no processo C-183/12, o artigo 23.º, n.º 3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º, n.º 5, parágrafo 3, c) da Sexta Directiva e que, sendo assim, os Estados membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce actividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros e, por seu turno, a decisão arbitral entendeu, por oposição ao Acórdão Fundamento, que a solução da ora Recorrida de aplicar o método de imputação específico, escorado no Ofício-Circulado n.º 30108, era incompatível com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Directiva IVA e, por consequência, com a solução proposta no artigo 23.º, n.º 3 e 4 do CIVA, não podendo a Autoridade Tributária aplicar um método de imposto específico para apurar a percentagem de dedução em sede de IVA.

Assim, enquanto o STA decidiu, conforme o TJUE «que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito aÌ dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito aÌ dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos», no acórdão recorrido foi decidido que «parece de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não poderia a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.»

Depois, a respeito do ónus probatório, entende o Tribunal arbitral, ainda que o não tenha referido expressamente, que compete à Autoridade Tributária justificar o motivo porque o método do pro rata aplicado pelo contribuinte conduz a maiores distorções significativas da tributação que a aplicação do método de imputação específica patente no Ofício-Circulado n.º 30108, esquecendo-se que o dito ónus onera quem beneficia do direito à dedução do imposto, verificando-se que também nesta questão do ónus de prova, o acórdão arbitral está em manifesta contradição com o Acórdão Fundamento.

Ora, no âmbito do acórdão recorrido, o A………… não produziu prova nem no sentido de que os custos foram sobretudo consumidos pelos actos de disponibilização de veículo, nem no sentido de que não foram sobretudo consumidos pela gestão e pelo financiamento dos contratos de locação financeira, na medida em que o Tribunal não conseguiu apurar a exacta medida em que esses mesmos custos são consumidos, desconhecendo nesta medida quais os actos que mais os absorveram e existe uma presunção judicial, assumida tanto pelo TJUE, no seu Acórdão Banco Mais, como nos Acórdãos do STA - que tem por base as lições de experiência em que se deduz de certo facto conhecido um facto desconhecido - de que, e passa-se a citar o Acórdão TJUE 183/13, «embora a realização, por um Banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização de veículos.» e atendendo a que se trata de uma presunção juris tantum, cabia, como já se referiu, ao A………………, afastá-la, o que não fez.
Aqui chegados, Acórdão Fundamento e acórdão recorrido opõem-se de forma manifesta:
1) na solução de fundo aplicada a duas situações de facto idênticas, nomeadamente quanto à questão de saber se o n.º 3 e 4 do artigo 23.º, constituindo a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução, conforme previsto no Ofício-Circulado n.º 30108/2009;
2) na questão de saber sobre quem recai o ónus de prova acerca da prova dos factos que constituem o direito de dedução invocado;
Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

Em termos de delimitação da questão objecto dos julgados em cada uma das decisões em confronto, refira-se que no Acórdão que serve de fundamento deixou-se exarado que as instâncias haviam enunciado a questão decidenda como “a de saber se o acto impugnado padece de ilegalidade, em virtude de não dever ser considerada a forma de cálculo do pro rata de dedução relativo aos custos comuns às actividades isenta e tributada levadas a efeito pela impugnante, conforme a instrução administrativa da AT (ofício n° 30.108, de 30/01/2009) concretamente no que respeita à desconsideração da parte relativa a amortização de capital das rendas atinentes aos contratos de leasing e ALD financeiro” e na sequência do reenvio prejudicial dirigido ao TJUE e da pronúncia deste (proc. C-183/13), veio o STA, no acórdão fundamento, a entender que «…a norma do art. 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, aquela regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA, quando ali se estabelece que, «os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços», de modo que, no acórdão fundamento o STA equacionou as seguintes questões: «As questões aqui a decidir reconduzem-se, portanto, às que se prendem (i) com a determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante de custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista (afectos a operações tributadas e a operações isentas), (ii) (…) e (iii) com a aplicação do regime do ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução de IVA, entendendo-se que «Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado» e ainda que foi «…, por aplicação da jurisprudência do TJUE que o acórdão proferido nesta Secção do STA, em 03/06/2015 (fls. 803/821), transitado em julgado, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos» (sublinhados nossos) e quanto à repartição do ónus da prova considerou-se no acórdão fundamento, para além de considerandos de ordem geral, que «Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)». Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23º n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA” (sublinhados nossos).

Por seu lado, é certo que a decisão arbitral recorrida, num primeiro momento, considerou que, e em suma, apesar de se poder admitir, à luz da referida Jurisprudência que a Directiva IVA permitia ao legislador nacional “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que o legislador interno não transpôs para o direito nacional essa prerrogativa, “pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”. Como tal, “a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo”.

No entanto, como é referido pelas partes, a tal decisão arbitral em apreço foi obliterada da ordem jurídica na sequência do Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 04-03-2020, Proc. nº 52/19.0BALSB, www.dgsi.pt, que decidiu “tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados”.

Pois bem, quando se refere à aplicação do direito nos termos acima apontados, o citado aresto aponta para o que nele ficou exposto nestes termos:

“…

A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).

Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.

Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.

A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.

E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.

Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.

E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.

Sucede que a Recorrida põe em causa a aplicabilidade desta jurisprudência do TJUE ao caso dos autos, arguindo que o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA “não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA)”.

Mas sem razão que lhe assista.

Vejamos as disposições legais em causa:

O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação (nosso sublinhado).

E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:

(…)

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.

Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços» ”.

E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.

Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Aquilo que importa, portanto, é que “sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”.

Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista. Assim, e porque este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto. …”.

A partir daqui, feito o enquadramento da sua actividade, quando o Tribunal Arbitral, feitas as diligências tidas por convenientes, profere nova decisão em que começa por repetir, na íntegra, o teor da decisão anterior, trata-se de uma tarefa inútil e sem qualquer interesse para a sorte dos autos.

Isto equivale a dizer que a decisão arbitral recorrida apenas faz sentido e tem interesse quando se reporta à aplicação da doutrina do acórdão uniformizador de Jurisprudência proferido no processo do STA nº 52/19.0BALSB.

Neste ponto, tal decisão ponderou que:

“…

Pese embora o exposto e que constitui, no essencial, o que já se havia argumentado na decisão arbitral anulada, haverá que, em cumprimento do decidido pelo douto acórdão para uniformização de jurisprudência de 4-3-2020, transitado em julgado (Proc nº 52/19.0BALSB), transpor para esta nova decisão arbitral a doutrina fixada naquele aresto, em articulação com o disposto no artigo 8.º n.º 3, do Código Civil.

Em recurso interposto da decisão arbitral anterior, proferida em 28-5-2019, ponderou o douto acórdão que a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária e que essa situação será excepcional quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos - aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo Banco e que não confere direito à dedução de imposto por se tratar de actividade isenta (...). Aquilo que importa, portanto, é que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos (sublinhado nosso).

E na linha do acabado de expor, afirma o douto acórdão que “(...) compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida (demandada), foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos (...) [com sublinhado do próprio acórdão do STA].

Ora ampliada a matéria de facto e demonstrado, no caso em apreço, um quadro factual de utilização mista dos bens e serviços não determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de “leasing” e “ALD” e não estando evidenciada, nem tido sido alegados factos suscetíveis de permitir ao Tribunal formular um juízo de “distorção significativa da tributação”, ter-se-á e concluir que são ilegais, por falta de pressupostos de facto e de direito, os actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes aos períodos de 2016/01, 2016/02, 2016/03, 2016/04, 2016/05, 2016/06, 2016/07, 2016/08, 2016/09, 2016/10, 2016/11 e 2016/12, bem como o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa interposta pela Requerente dos actos tributários mencionados anteriormente (Procedimento de Reclamação Graciosa n.º 3247201804001303). …”.

Antes da referida análise, o Tribunal Arbitral, no cumprimento da decisão deste Supremo Tribunal, procedeu à ampliação da base factual, de que resultou o aditamento ao probatório dos seguintes factos:

3 A atividade de locação financeira exercida pela Requerente envolve a aquisição de veículos e sua disponibilização aos clientes e atividade de concessão de crédito ou financiamento a particulares e empresas e gestão respetiva;

4 A atividade de locação e financeira e ALD são as atividades primordialmente exercidas pela Requerente e eram-no nas datas referidas infra, em 5;

13 A atividade de locação financeira e de ALD exercida pela Requerente, envolvendo operações de aquisição e disponibilização de viaturas, exige a concretização ou realização, pela Requerente, de atos e serviços específicos, distintos da concessão de crédito.

14 Tal implica a afetação de custos e recursos comuns da Requerente, como, por exemplo, água, gás, eletricidade, comunicações, equipamentos informáticos, papel e custos com a prestação de serviços por terceiros, como advogados, etc.

15 A Requerente necessita e despende um conjunto de recursos humanos e materiais que são comuns à atividade de aquisição e disponibilização dos veículos no âmbito e vigência dos contratos de “leasing” e/ou ALD que celebra.

16 Os custos comuns ou mistos são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos citados, aos seus clientes. …”.


Com este pano de fundo, resulta claro que tem de ser negativa a resposta à questão de saber se as duas decisões em alegada oposição se pronunciaram efectivamente em termos contrários acerca de uma mesma questão jurídica, dentro de um igual enquadramento fáctico e jurídico.
Na verdade, importa notar que a Recorrente faz alusão a um conjunto de considerações vertidas na decisão arbitral recorrida que, como se disse, não têm qualquer valor jurídico e, nesta medida, não conseguem suportar os termos em que a Recorrente alicerça a sua pretensão, porquanto, como se viu, o aresto anterior já tinha definido o direito aplicável, restando apenas ao Tribunal Arbitral fazer a respectiva subsunção em função dos dados de facto apurados.

Nesta sequência, temos que se é certo que em ambos os casos estamos perante instituições de crédito e sujeitos passivos mistos para efeitos de IVA, na medida em que nas suas actividades realizam operações de locação financeira mobiliária, que são tributáveis e conferem o direito de dedução do imposto, e operações de financiamento e concessão de crédito, que são isentas do imposto, e que não permitem a dedução de IVA, importa notar que enquanto no acórdão fundamento não ficou demonstrado que “Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”, facto que foi relevado pelo S.T.A. no sentido de que “Sendo, portanto, admissível à AT determinar um critério para cálculo do pro rata (como no caso sucedeu), caberia então à impugnante demonstrar que a utilização de bens e serviços de utilização mista fora determinada também pela disponibilização dos veículos, o que não foi alegado nem provado”, já na decisão arbitral recorrida ficou provado que a actividade de locação financeira exercida pela Requerente envolve a aquisição de veículos e sua disponibilização aos clientes e actividade de concessão de crédito ou financiamento a particulares e empresas e gestão respectiva, sendo as actividades primordialmente exercidas pela Requerente bem como que a actividade de locação financeira e de ALD exercida pela Requerente, envolvendo operações de aquisição e disponibilização de viaturas, exige a concretização ou realização, pela Requerente, de actos e serviços específicos, distintos da concessão de crédito, o que implica a afetação de custos e recursos comuns da Requerente, como, por exemplo, água, gás, electricidade, comunicações, equipamentos informáticos, papel e custos com a prestação de serviços por terceiros, como advogados, etc. e que a Requerente necessita e despende um conjunto de recursos humanos e materiais que são comuns à actividade de aquisição e disponibilização dos veículos no âmbito e vigência dos contratos de “leasing” e/ou ALD que celebra, afirmando-se depois que “Os custos comuns ou mistos são determinados, sobretudo, pela disponibilização dos veículos objeto dos contratos citados, aos seus clientes”.

A partir daqui, perante a factualidade dada como assente no Acórdão fundamento e na decisão arbitral recorrida, afigura-se-nos que embora as situações de facto revelem pontos em comum - estamos perante sujeitos passivos que desenvolvem actividade em que realizam operações isentas e operações sujeitas a tributação - certo é que as situações divergem no que respeita à comprovação dos custos com a disponibilização dos veículos objecto dos contratos de locação financeira, o que por si só, em face da argumentação invocada em cada uma das decisões judiciais, constitui fundamento para terem perfilhado soluções jurídicas diversas da questão jurídica que foi enunciada.
Assim, tem de concluir-se que o que determinou a divergência nas decisões foi a divergência verificada no julgamento da matéria de facto, o que significa que não podemos, pois, afirmar que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa que serviria de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que, não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do mérito do recurso.




3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000, ponderados o desempenho processual das partes e a menor complexidade deste recurso, tendo ainda presente que o respectivo conhecimento ficou a montante, no sentido de que não passou da análise dos requisitos de admissibilidade do recurso.

Notifique-se. D.N..

Comunique ao CAAD.




Lisboa, 23 de Fevereiro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.