Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0627/20.4BEAVR
Data do Acordão:05/19/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
PLANO DE TRABALHOS
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão questão suscetível de poder projetar-se ou de ser transponível para outras situações e que se mostra dotada de complexidade jurídica, revelada pelo facto da sua análise envolver o cotejo e ponderação normativa e principiológica carecida de devida dilucidação por este Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P29433
Nº do Documento:SA1202205190627/20
Data de Entrada:05/05/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE AVEIRO E OUTROS
Recorrido 1:A…………, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. MUNICÍPIO DE AVEIRO [doravante R.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 11.02.2022 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 2926/3035 (sustentado/mantido pelo acórdão de 29.04.2022 - fls. 3103/3108) - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso e que revogou a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto - Juízo dos Contratos Públicos [doravante TAF/PRT-JCP], que havia julgado totalmente improcedente a ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual instaurada por A…………., LDA. [doravante A.], tendo, em consequência, anulado «o ato impugnado e o respetivo contrato» e condenado o R. «a adjudicar o objeto do procedimento concursal à Autora, ora Recorrente, assim como na outorga do respetivo contrato».

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 3054/3068], recurso a que aderiu B…………, LDA. contrainteressada [doravante CI] [cfr. fls. 3079], na relevância jurídica e social e, bem assim, para efeitos de uma «melhor aplicação do direito», fundando tal posição na nulidade de decisão [cfr. arts. 615.º, n.ºs 1, al. c) e 4 e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC/2013) ex vi dos arts. 01.º e 140.º do CPTA] e nos acometidos erro de julgamento em que terá incorrido o TCA/N no acórdão sob impugnação, já que lavrado em infração, nomeadamente do disposto nos arts. 70.º, n.º 2, al. f), 72.º, n.º 4, 146.º, n.º 2, al. o), 283.º, n.º 4 e 361.º, n.º 1 todos do Código dos Contratos Públicos [CCP], 236.º, 237.º e 249.º do Código Civil [CC].

3. A A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 3082/3093] nas quais pugna, desde logo, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT-JCP julgou a ação totalmente improcedente, para tal tendo considerado que o ato de adjudicação da proposta à CI não se mostrava inquinado das ilegalidades invocadas [cfr. fls. 2760/2821], juízo esse que foi revogado pelo TCA/N que considerou ocorrer violação do disposto no art. 361.º, n.º 1 do CCP, determinante da exclusão da proposta em face do que dispõem os arts 70.º, n.º 2, al. f), e 146.º, n.º 2, al. o), ambos do CCP.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista, mormente, se está em causa questão que «pela sua relevância jurídica» assume «importância fundamental», ou se a intervenção deste Supremo Tribunal se apresenta como «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. De entre as questões suscitadas na presente revista discute-se se o oferecimento, com a proposta, de um plano de trabalhos [exigido no procedimento] carece dos detalhes previstos no art. 361.º do CCP e devia conduzir à exclusão da proposta da adjudicatária CI [como defendeu a A. e foi decidido pelo TCA/N] ou se, ao invés, os observa e não haverá lugar à exclusão, soçobrando a impugnação/pretensão [como sustentam R. e CI e foi decidido pelo TAF/PRT-JCP].

9. Tal quaestio juris encerra dificuldades óbvias, expressas, desde logo, nos juízos diametralmente divergentes das instâncias, e é suscetível de recolocação, seja administrativamente noutros procedimentos de formação de contratos, seja, também, em sede judicial, apresentando-se, nesse contexto, como relevante revisitar, desenvolver e aprofundar a jurisprudência deste Supremo e que se mostra firmada, mormente nos Acs. de 14.06.2018 - Proc. n.º 0395/18, de 27.01.2022 - Proc. n.º 0917/21.9BEPRT e de 07.04.2022 - Proc. n.º 01513/20.3BELSB.

10. Flui, assim, do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 19 de maio de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.