Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0753/15
Data do Acordão:02/03/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE
IVA
Sumário:Atendendo à actual redacção da al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT (introduzida pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12) deixou de ser elemento constitutivo do tipo legal de contraordenação ali prevista que a arguida tenha recebido o IVA em questão, pelo que a não indicação dessa circunstância ou da dedução do imposto nos termos legais, no auto de notícia ou na decisão de aplicação de coima, não integra nulidade insuprível de tal decisão.
Nº Convencional:JSTA00069552
Nº do Documento:SA2201602030753
Data de Entrada:06/15/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:CIVA08 ART27 N1 ART41 N1 B ART26 N4 ART95.
RGIT01 ART26 N4 ART114 N1 N5 A ART63 N1 D ART79 N1 B.
L 64-A/2008 DE 2008/12/31.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0382/15 DE 2015/06/25.; AC STA PROC01175/15 DE 2015/10/21.; AC STA PROC01451/12 DE 2013/03/13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. O Ministério Público recorre do despacho proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte em que, na decisão de aplicação de coima proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 2, no processo de contra-ordenação n.º 3603201106073069, no montante de € 1.759,10, se julgou verificada a nulidade insuprível prevista no art. 63º, nº 1, al. d) do RGIT.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
- Após a redacção dada à alínea a) do nº 5 do art. 114º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que teve-se em vista o alargamento da previsão legal de molde abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços deixou, de se exigir como elemento do tipo a menção da dedução do imposto nos termos legais, bastando que conste a falta de entrega da prestação tributária que é devida, como sucedeu na vertente situação.
- Donde ao exigir tal requisito, na decisão administrativa que aplicou acoima ao arguido e declará-la nula, infringiu o Mmº Juiz recorrido o sobredito dispositivo legal e o disposto nos art.s 11º/a), 63º nº 1, al.s b e d) e 79º/1-b), todos do RGIT.
- Deverá, em consequência, ser revogada a sobredita sentença e proferida outra que julgue válida essa decisão administrativa, na parte recorrida, e determine, nessa medida, a prossecução do processo.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP junto deste STA emite Parecer nos termos seguintes, além do mais:
«O recorrente MP vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, exarada a fls. 93/100, em 30 de Dezembro de 2014, no segmento em que anulou a decisão administrativa de aplicação de coima no âmbito do processo de contra- ordenação n.º 3603-11/06073069.
A decisão recorrida julgou procedente recurso judicial interposto da decisão do Chefe do Serviço Local de Finanças de Leiria 2 que condenou a recorrida, A…….., Lda., no pagamento de uma coima de € 1759,10, pela prática de uma contra-ordenação pp., pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º/1 e 41.º/1/ b) do CIVA e 26.º/4 e 114.º/1//5/ a) e do RGIT, no entendimento de que a decisão é nula, nos termos do disposto nos artigos 63.º/1/ d) e 79.º/1/ b) do RGIT, por omissão da menção quanto ao facto da prestação tributária em falta ter sido deduzida nos termos previstos no CIVA.
O recorrente termina a motivação com as conclusões de fls. 109, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 412.º, 417.º/3 e 420.º/1/ c) do CPP e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
A nosso ver o recurso merece provimento.
Sustenta a decisão recorrida que a decisão de aplicação da coima é nula nos termos do disposto nos artigos 63.º/1/ d) e 79.º/1/ b) do RGIT, por no auto de notícia e na decisão não se fazer qualquer referência quanto ao facto de a prestação tributária em falta ter sido deduzida nos termos previstos no CIVA.
No termos do disposto no artigo 63º/1/ d) do RGIT constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária “A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação ao arguido”.
E, de acordo com o estatuído no artigo 79.º/1/ b) do mesmo RGIT “a decisão que aplica a coima contém a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas”.
Será que a menção da dedução do imposto nos termos legais constitui elemento do tipo legal da contra-ordenação imputada à arguida recorrida, pp pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º/1 e 4l.º/1 do CIVA e 26.º/4 e 114.º/1/5/ a) do RGIT e, como tal deve constar da descrição sumária dos factos?
A nosso ver, claramente, não.
A contra-ordenação em causa foi praticada após 1 de Janeiro de 2009.
Ora, como ponderam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (RGIT, anotado, 4.ª edição 2010, página 815) “A redacção dada pela Lei 64-A/2008 à alínea a) do n.º 5 deste art. 114.º veio alterar este regime ao considerar como contra-ordenação «a falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.
Este novo regime só se aplica a factos que ocorram após a sua entrada em vigor, em 1-1-2009, pois a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende [art. 3.º, n.º 1, do RGCO, aplicável por força do disposto no art. 3.º, alínea b) do RGIT] ”.
Na verdade, a redação dada à alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2009, visou o alargamento da previsão legal de modo a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens/serviços.
A dedução do imposto nos termos legais não é elemento do tipo legal de contra- ordenação imputada à arguida/recorrida, bastando que conste a omissão de entrega da prestação tributária devida, como acontece na caso em análise.
Neste sentido, também parece ir a jurisprudência do STA, como se pode ver dos acórdãos do STA de 2010.05.16-P. 0160/12 e de 2013.03.13-P. 01471/12, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt
De facto, pode ler-se nesses arestos que do cotejo entre as redações da alínea a) do n.º 5 do artigo 115 4.º do RGIT, antes e depois da redacção dada pela Lei 64-A/2008, resulta que se verificou um alargamento da previsão legal, uma vez que ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega, total ou parcial, do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente se retomou a redação do anterior artigo 95.º do CIVA.
Como resulta do probatório, consta da decisão de aplicação da coima a descrição sumária dos factos, a saber, o montante do imposto exigível, o valor da prestação tributária entregue, o valor da prestação tributária em falta, o termo do prazo para cumprimento da obrigação.
Ora, essa factualidade integra a prática da contra-ordenação pp pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º/1 e 41.º/1 do CIVA e 26.º/4 114.º/1/5/ a) do RGIT, como consta da decisão de aplicação da coima, sendo certo que a prévia de dedução nos termos da lei não constitui elemento do tipo, bastando que conste a falta de entrega da prestação tributária que é devida, como acontece no caso em apreciação.
Portanto, a decisão de aplicação da coima, no segmento sob recurso, não sofre de nulidade insuprível por omissão da descrição sumária dos factos.
A decisão recorrida merece, assim, censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, na parte sindicada, baixando os autos à 1.ª instância para apreciação das restantes questões suscitadas pela, ora, recorrida

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na decisão recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 04-12-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira levantou auto de notícia a A……….., Lda., por falta de entrega simultânea com a declaração periódica do IVA, que apresentou fora prazo legal, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, no qual constam como “Elementos que caracterizam a infração:
1. Montante de imposto exigível: € 8.795,49 Eur.:
2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur;
3. Valor da prestação tributária em falta: 8.795,49 Eur.;
4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2010-02-15;
5. Período a que respeita a infração:2009/12T.
6. Normas Infringidas Art.º 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1, al. b) - Apresentação fora prazo D.P, s/meio pagamento ou c/ pagamento insuficiente (T);
7. Normas punitivas: Art.º 114.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T). – (facto resultante do auto de notícia de fls. 2 do processo apenso).
B) Na mesma data a Autoridade Tributária e Aduaneira levantou auto de notícia a A……….., Lda., por falta de entrega simultânea com a declaração periódica do IVA, que apresentou fora prazo legal, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, no qual constam como “Elementos que caracterizam a infração:
1. Montante de imposto exigível: € 16.997,81 Eur.;
2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur;
3. Valor da prestação tributária em falta: 16.997,81 Eur.;
4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-02-16;
5. Período a que respeita a infração: 2008/12T.
6. Normas Infringidas Art.º 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1, al. b) CIVA - Apresentação fora prazo D.P., s/ meio pagamento ou c/ pagamento insuficiente (T);
7. Normas punitivas: Art.º 114.º n.º2 e 26.º n.º 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T). - (facto resultante do auto de notícia de fls. 20 do processo apenso).
C) Em 12-12-2011, tendo por base o auto de notícia referido em A), foram autuados no Serviço de Finanças de Rio Maior os autos de contra ordenação n.º 3603201106073069.- (facto retirado do doc. de fls. 1 do processo apenso).
D) Na mesma data, tendo por base o auto de notícia referido em B), foram autuados no Serviço de Finanças de Rio Maior os autos de contra ordenação n.º 3603201106073123.- (facto retirado do doc. de fls. 19 do processo apenso).
E) Em 16-04-2012 no processo identificado em C), foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leira 2, de fixação de coima, no montante de € 1.759,10 e, na mesma data, emitida notificação à ora recorrente. - (facto demonstrado pelos docs. de fls. 14 a 16 do processo apenso).
F) Em 16-04-2012 no processo identificado em D), foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Leira 2, de fixação de coima, no montante de € 3.399,56 e, na mesma data, emitida notificação à ora recorrente. - (facto demonstrado pelos docs. de fls. 33 a 35 do processo apenso).
K) Em 23-05-2012 a recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Leiria 2 recurso judicial das decisões de aplicação de coima referidas em E) e F), instaurado neste Tribunal com o n.º 792/12.4BELRA - (facto demonstrado pelo doc. de fls. 1 e 20 do processo apenso).
L) Em 30-10-2013, no recurso de contraordenação referido na alínea anterior foi proferida decisão de anulação das decisões indicadas em E) e F) e ordenada a baixa dos autos para eventual sanação das nulidades e renovação do ato sancionatório. - (cfr. fls. 74 a 87 do processo apenso).
M) A 12-03-2014 no processo de contra ordenação n.º 3603201106073069, o Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 2 proferiu decisão de fixação de coima no montante de € 1.759,10, e expediu a respetiva notificação à arguida. - (cfr. fls. 3 a 5 dos autos].
N) No despacho referido na alínea anterior, a autoridade administrativa procedeu à fixação da coima com base no seguinte:
Descrição sumária dos factos: “À arguida foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 8.795,49; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta 8.795,49; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2010-02-15; 5. Período a que respeita a infração: 2009/12T, os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas: Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra ordenação(ões): Normas Infringidas Art.º 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 al b) CIVA - Apresentação fora prazo DP., s/ meio pagamento ou c/ pagamento insuficiente (T); Normas Punitivas Art.º 114.º n.º 1 e 5 al. a) e 26.º n.º 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T); Período Tributação - 2009/12T; Data infração 2010-02-15; Coima fixada - 1.759,10.(...)
Medida da coima: Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objetiva e subjetiva da contra ordenação praticada, para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art.º 27.º do RGIT):Atos de Ocultação - Não, Benefício Económico - 0,00, Frequência da Prática - Acidental, Negligência - Simples, Obrigação de não cometer a infração - Não, Situação Económica e Financeira - Baixa, Tempo decorrido desde a prática da infração - > 6 meses.”;
Despacho: Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art.º 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.759,10 cominada no(s) Art(s)º 114.º n.º 1, 2 e 5 al. a) e 26.º n.º 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art.º 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00) nos termos do n.º 2 do Dec.Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.(…)”. - (facto demonstrado pelo documento de fls. 4 e 5 dos autos.
O) A 12-03-2014 no processo de contra ordenação n.º 3603201106073123, o Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 2 proferiu decisão de fixação de coima no montante de € 3.399,56, e expediu a respetiva notificação à arguida. - [cfr. fls. 6 a 8 dos autos)
P) No despacho referido na alínea anterior, a autoridade administrativa procedeu à fixação da coima com base no seguinte:
Descrição sumária dos factos: “À arguida foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 16.997,81; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta 16.997,81; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-02-16; 5. Período a que respeita a infração: 2008/12T, os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas: Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra ordenação(ões): Normas Infringidas Art.º 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 al. b) CIVA - Apresentação fora prazo DP., s/ meio pagamento ou c/ pagamento insuficiente (T); Normas Punitivas Art.º 114.º n.º 1 e 5 al. a) e 26.º n.º 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T); Período Tributação - 2008/12T; Data infração 2009-02-16; Coima fixada - 3.399,56(…)
Medida da coima: Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objetiva e subjetiva da contra ordenação praticada, para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art.º 27.º do RGIT): Atos de Ocultação - Não, Beneficio Económico - 0,00, Frequência da Prática - Acidental, Negligência - Simples, Obrigação de não cometer a infração - Não, Situação Económica e Financeira - Baixa, Tempo decorrido desde a prática da infração - > 6 meses.”;
Despacho: Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art.º 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 3.399,56 cominada no(s) Art(s)º 114.º 1, 2 e 5 al. a) e 26.º n.º 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art.º 26.º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00) nos termos do n.º 2 do Dec. Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.(...)”. - (facto demonstrado pelo documento de fls. 7 e 8 dos autos).
Q) Em 08-04-2014 deu entrada no Serviço de Finanças de Leiria 2 a petição inicial do presente recurso de decisão de aplicação de coima. - [cfr. fls. 14 dos autos).

3.1. A decisão recorrida julgou procedente o recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação de coima que, proferida pelo Chefe do Serviço Local de Finanças de Leiria-2, condenou a recorrida, A………., Lda., no pagamento de uma coima de Euros 1759,10, pela prática de uma contra-ordenação pp., pelas disposições conjugadas dos arts. 27º/1 e 41º/1/ b) do CIVA e 26º/4 e 114º/1 e 5/ a) do RGIT, no entendimento de que a decisão é nula, nos termos do disposto nos arts. 63º/1/ d) e 79º/1/ b) do RGIT, por omissão da menção quanto ao facto de a prestação tributária em falta ter sido deduzida nos termos previstos no CIVA.
E para assim decidir, a sentença, referenciando jurisprudência do STA constante dos acórdãos de 28/5/2008, no proc. nº 0279/08; de 29/4/2009, no proc. nº 0241/09; de 16/9/2009, no proc. 0540/09; de 23/11/2011, no proc. nº 0855/11; e de 26/09/2012, no proc. nº 0729/12, considerou, no essencial, o seguinte:
- As infrações imputadas à arguida não se bastam com uma pura omissão de um dever de agir, devendo conter na sua descrição típica um elemento adicional, que, por constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na própria decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue consubstancie uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei”.
- O que quer dizer que a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra ordenação em causa e, consequentemente, para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” prevista na al. b) do nº 1 do art. 79º do RGIT terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.
- A redação introduzida na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT, pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, ao equiparar à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega total ou parcial do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, teve como objectivo alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços, mas, no caso vertente, nas decisões administrativas de aplicação da coima nenhuma referência é feita em relação a esse facto (apenas se indicando os normativos aplicáveis – arts. 114º, nº 2 e nº 5, al. a) do RGIT e 26º, nº 4, do CIVA - sem qualquer outra referência factual, em clara violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 79º do RGIT) e era essencial que aquele facto (que a prestação tributária tinha sido deduzida) fosse descrito para que tais decisões não se encontrassem feridas de nulidade insuprível (al. d) do nº 1 do art. 63º do RGIT).

3.2. Do assim decidido discorda o recorrente Ministério Público, que entende não se verificar a predita nulidade insuprível, dado que os factos em causa se reportam a data posterior a 1/1/2009, ou seja, já depois da alteração introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT.
E na verdade, assim é.
Na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT dispõe (na actual redacção, introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12) dispõe-se que para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária «a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais» (a redacção anterior não incluía a referência «falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente»).
Ora, como salientam Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos,( Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª ed., 2010, p. 815.) “as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114º do RGIT, têm um evidente alcance restritivo em relação à expressão «imposto devido», que era utilizada no referido art. 95º do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global».
E a alteração introduzida pela citada Lei nº 64-A/2008, de 31/12, visou, como se sublinha na sentença recorrida, citando os autores supra referenciados, o alargamento da previsão legal de modo a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens/serviços.
Contudo, dessa alteração decorre, também (e aqui se diverge da sentença) que a dedução do imposto nos termos legais não será actualmente elemento do tipo legal da respectiva contra-ordenação, não se impondo, por isso, que em decisão de aplicação de coima relativa a tal contra-ordenação conste a omissão de entrega da prestação tributária devida.
Como se exara no acórdão do STA, de 25/6/2015, proc. nº 0382/15, o facto de na decisão de aplicação de coima «não haver referência à circunstância de o imposto ter ou não sido recebido deixou de relevar, para o futuro, a partir da alteração introduzida na alínea a) do nº 5 do artigo 114º do RGIT pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pela qual se passou também a tipificar como contra-ordenação de falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser e em relação à qual, contrariamente ao que sucede com o tipo previsto no nº 3 do artigo 114º do RGIT, não é elemento essencial da infracção que o imposto tenha sido recebido» [neste sentido se decidiu, igualmente, em posterior acórdão de 21/10/2015, no proc. nº 01175/15; sendo que a jurisprudência a que apela a sentença recorrida respeita a factos ocorridos antes de 1/1/2009; tal como, aliás, sucede relativamente ao acórdão de 13/3/2013, no proc. nº 1451/12 (Já no caso do acórdão de 16/5/2012, no proc. nº 0160/12, era outra a questão suscitada.)].
É de concluir, portanto, que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que o recorrente lhe imputa, pois que não se verifica a nulidade insuprível das decisões de aplicação de coima, delas constando os requisitos mínimos que a lei manda observar e que visam permitir ao visado reagir contra essas mesmas decisões, no exercício do seu direito de defesa.
Procedendo, pois, o recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para, se a tanto nada mais obstar, serem apreciadas as demais questões suscitadas pela ora recorrida.

Sem custas, dado que a recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.