Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0371/11
Data do Acordão:09/06/2011
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
ÂMBITO DO RECURSO CONTENCIOSO
ELECTRICIDADE
ENERGIA ELÉCTRICA
PEDIDO DE INFORMAÇÃO
INFORMAÇÃO PRÉVIA
ENERGIA EÓLICA
Sumário:I - A nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão.
II - Os recursos contenciosos são de mera legalidade (art. 6.º da LPTA), visando-se neles apreciar a legalidade da actuação da Administração tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, designadamente invocados a posteriori nas peças apresentadas no processo de recurso contencioso.
III - À face do DL n.º 312/2001, o que releva para aferir da viabilidade dos pedidos de informação prévia para ligação às redes do Serviço Eléctrico Nacional é a capacidade de receber no concreto ponto de recepção que o interessado pretende utilizar a energia eléctrica que pretende produzir, não sendo motivo de indeferimento dos pedidos o eventual excesso de fornecimento de energia que se verifique a nível nacional somando de todos os pedidos relativos a outros pontos de recepção, em que os pedidos excedem a respectiva capacidade de recepção.
IV - O princípio da legalidade, enunciado no art. 3.º do CPA, tem uma formulação positiva, nos termos da qual o bloco de legalidade aplicável não é apenas um limite à actuação da Administração, mas também o fundamento da acção administrativa, o que implica que a Administração só pode fazer aquilo que a legalmente lhe for permitido e não tudo o que não é proibido.
Nº Convencional:JSTA00067112
Nº do Documento:SA1201109060371
Data de Entrada:04/11/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:DG DE ENERGIA E GEOLOGIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO
DIR ADM GER.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 C.
DL 321/2001 DE 2001/12/10 ART1 ART3 N2 A B ART10 N10 N12.
CCIV66 ART9 N3.
CPA91 ART3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC11415 DE 1979/02/01 IN AP-DR DE 1983/03/24 PAG230.; AC STA PROC47787 DE 2002/06/19.; AC STA PROC33071 DE 1994/04/21 IN AP-DR DE 1996/12/31 PAG3055.; AC STAPLENO PROC32702 DE 1998/11/10 IN AP-DR DE 2001/04/12 PAG1207.; AC STA PROC27011 DE 1989/06/20 IN AP-DR DE 1994/11/15 PAG4391.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI 10ED PAG479.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG472.
FREITAS DO AMARAL E OUTROS CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO 3ED PAG40 E CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VII PAG42 PAG43.
MARCELLO REBELO DE SOUSA LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG84.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COMENTADO VI 1ED PAG138.
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO PAG56.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, SA., interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Director-Geral de Energia, que indeferiu o pedido de informação prévia (PIP) por ela apresentado em 2-5-2002.
O recurso foi julgado improcedente na 1.ª instância e da sentença foi interposto recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que a anulou por omissão de pronúncia (acórdão de 14-4-2010, processo n.º 1224/09, a fls. 356-367).
Baixando os autos à 1.ª instância foi proferida nova sentença, em que foi julgado improcedente o recurso contencioso.
Inconformada, a Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1. A sentença do Mmo. Juiz da 6.ª Unidade Orgânica — 1ª Secção do TAC de Lisboa, ora recorrida, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação interposto pela recorrente do despacho do recorrido Director-Geral de Energia, corporizado no ofício nº 014060, de 1.OUT.2003, e que se negou a apreciar e indeferiu o PIP por ela apresentado em 2.MAI.2002, com fundamento no "esgotamento do "tecto" nacional destinado à" energia eólica, não só é nula como incorre em diversos erros de julgamento;
2. O que está em causa no presente processo é o Pedido de Informação Prévia (PIP), cuja apresentação, apreciação e decisão estão reguladas no art. 10º do Dec.-Lei nº 312/2001, tendo o apresentado pela ora Recorrente sido indeferido ao abrigo dos nºs 9 e 10 desta disposição;
3. Não está em causa a atribuição do ponto de recepção propriamente dito, cujo procedimento se encontra estabelecido nos arts. 11º e 12º do mesmo diploma;
4. Nos PIPs o que importa é apenas o ponto de rede em que cada promotor pretende a ligação à rede, e que no caso concreto da recorrente era o da zona 39, sendo que a informação a prestar pela DGE ao interessado terá apenas e só de se reportar ao ponto de rede concretamente pedido por ele, e não ao tecto ou rede nacional globalmente considerados, conceito que de resto não integra o leque de conceitos e definições referidos no art. 3º do Dec.-Lei nº 312/2001;
5. A recorrente tinha era o direito de ver apreciado o PIP que apresentou, de acordo com o regime em vigor à data em que o fez, e foi essa apreciação que foi negada pela Administração, por via do cancelamento / indeferimento do PIP;
6. A sentença é nula por força da contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que, por um lado, nega que tenha sido aplicado o regime do Despacho nº 9274/2002 ao PIP da recorrente, pela razão lógica de o mesmo ser posterior a este e não ter eficácia retroactiva, e por outro lado, sustenta a decisão de improcedência do recurso em exclusivo nas considerações subjacentes à decisão da autoridade recorrida de suspensão de apresentação de PIPs plasmadas no referido Despacho, nomeadamente a de os PIPs apresentados no 1º quadrimestre de 2002 terem excedido a capacidade de recepção (o que não é verdade);
7. A contradição entre os fundamentos e a decisão constitui a causa de nulidade da sentença prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável ex vi art. 1º da LPTA, porquanto se trata de uma oposição / contradição entre a decisão e os fundamentos que lhe subjazem, resultado de um vício lógico no raciocínio do julgador em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue um caminho oposto ou diferente;
8. O regime do procedimento de atribuição de pontos de recepção de energia eléctrica e ligação às redes do SEP consta do Dec.-Lei nº 312/2001 e contempla duas fases principais, sucessivas que não se confundem: a primeira, que é a fase de apreciação e (eventual) aprovação do PIP, regulada no art. 10º, e a segunda, que é a fase de apreciação e (eventual) aprovação do pedido de atribuição do ponto de recepção, regulada nos arts. 11º e 12º;
9. No presente processo está unicamente em causa a legalidade do despacho do Director-Geral de Energia que indeferiu o PIP apresentado pela recorrente, ou seja, o primeiro momento do procedimento, situação que a sentença expressamente reconhece;
10. O PIP tem como finalidade obter junto da DGE informação (consubstanciada não tanto numa decisão, mas no apuramento de uma situação) sobre a possibilidade de ligação às redes do SEP por parte dos produtores dos centros electroprodutores, revestindo a decisão do mesmo um acto certificativo dessa possibilidade objectiva (v. arts. 4.º e 10º, nºs 7, 8 e 9, do Dec.-Lei nº 312/2001);
11. A resposta ao PIP não é um acto de autorização, com maiores ou menores elementos de discricionariedade, mas uma mera constatação, totalmente vinculada, de que se verifica, ou não, a situação que é condição objectiva para o exercício do direito de ligação às redes do SEP por parte dos promotores dos centros electroprodutores;
12. O direito de ligação às redes do SEP é um verdadeiro direito subjectivo e não uma mera expectativa, como erradamente se afirma na sentença recorrida, e não pode ser afastado ou o seu exercício condicionado por acto discricionário da Administração;
13. A verificação da possibilidade ou impossibilidade da ligação às redes do SEP é o objectivo único do PIP, e deve ser apurada tendo em conta o ponto de recepção concretamente pretendido pelo promotor requerente.
14. A lei indica, em moldes claramente taxativos, os casos em que o PIP deve ser indeferido, não podendo a Administração inventar novos condicionalismos para apreciação desses pedidos, nem tão pouco se arrogar detentora de poderes de suspensão ou de indeferimento que a lei lhe não atribui;
15. A falta de capacidade disponível constitui fundamento específico de indeferimento do PIP, e traduz os casos em que seja inviável a ulterior atribuição de um ponto de recepção devido a falta de capacidade de rede, exigindo o art. 10º, nº 10, in fine, do Dec.-Lei nº 312/2001 sempre a explicitação, no acto de indeferimento, dos fundamentos e razões concretamente associados a essa falta de capacidade disponível;
16. Ao caucionar e não anular o despacho do Director-Geral de Energia que indeferiu o PIP apresentado pela recorrente em 2.MAI.2002, com fundamento no "esgotamento do "tecto" nacional destinado à" energia eólica, a sentença incorreu num erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos arts. 3º, nº 2, als. a) e b), 4.º, 5.º e 10º do Dec.-Lei nº 312/2001;
17. A sentença dá por assente o esgotamento do tecto nacional destinado à energia eólica, que é o pressuposto do despacho contenciosamente recorrido e que o assumiu como razão da decisão nela contida, aceitando sem mais que o referido tecto estava efectivamente esgotado, sem cuidar de apreciar as razões alegadas pela ora recorrente com vista à demonstração da ilegalidade daquele acto;
18. A rede nacional é constituída pelo conjunto de sub-redes ou redes locais e regionais, sendo a capacidade total da rede nacional a que resulta do somatório da capacidade de recepção de cada dessas sub-estações, também designadas de sub-redes ou zonas de rede locais e regionais;
19. É comum que em algumas dessas sub-redes locais e regionais a capacidade disponível esteja efectivamente esgotada, enquanto que noutras exista larga capacidade disponível para recepção, bastando para tal que os PIPs se concentrem em certos pontos de recepção e desprezem outros onde continue a haver muita capacidade de recepção;
20. Face aos conceitos de "capacidade de recepção" e "capacidade disponível" definidos, respectivamente, nas als. a) e b) do nº 2 do art. 3.º do Dec.-Lei nº 312/2001, quando a Lei define as condições de indeferimento de um PIP por falta de capacidade de recepção de rede, refere-se inquestionavelmente à falta de capacidade de recepção do ponto de rede concreto para o qual ele foi apresentado, e não, como entendeu a DGE e o Mmo. Juiz a quo acriticamente aceitou, à falta de capacidade nacional, apurada pela soma algébrica das capacidades de recepção de todos os pontos da rede existentes no país;
21. É inquestionável que o critério legal de determinação da capacidade de recepção é feito por cada ponto da rede em concreto, e não em abstracto para todo o território nacional, na exacta medida em que cada PIP se reporta obrigatoriamente a um certo e determinado ponto de recepção, como resulta claramente dos nºs 4 e 7 do art. 10.º do Dec.-Lei nº 312/2001;
22. O Mmo. Juiz a quo não só considera erroneamente que, à face da lei aplicável, a determinação da capacidade disponível pode ser feita em moldes abstractos a nível nacional, como vai ao ponto de se demitir de julgar, dizendo que, pelo facto de a DGE ter definido um tecto nacional considerando Portugal como um todo, um tal critério, embora "discutível (...), não é objecto da presente acção", podendo atingir-se o tecto nacional independentemente de existir a nível local disponibilidade de potência de ligação;
23. A sentença recorrida toma por certa e indiscutível a adopção de um critério ilegal e errado pela DGE, para apurar a capacidade disponível para recepção, quando, em vez disso, deveria ter examinado, se tal critério tinha ou não cobertura no Dec. -Lei nº 312/2001;
24. Era sobre o PIP concreto da recorrente para a zona de rede 39, à luz da capacidade nesta disponível que a informação da DGE devia ter incidido, e o Mmo Juiz a quo avaliado, de forma crítica, a conformidade legal da decisão dessa autoridade administrativa, em função desse PIP;
25. Foi carreada para os autos vastíssima documentação, oriunda inclusivamente da própria autoridade recorrida, que demonstra que na zona de rede 39, à qual se refere o PIP da recorrente, havia, e ainda há, capacidade disponível de 105.580 KW, sendo que a potência a entregar por esta seria apenas de 51 KW, pelo que não lhe restava senão deferi-lo;
26. O próprio ofício que corporiza o indeferimento por falta de "capacidade disponível", reconhece que existe capacidade global da rede para a energia eólica e remete para concurso público o regime de acesso a essa capacidade, o qual foi aberto por anúncio publicado no D.R., III série, parte A, de 28.JUL.2005, e previu inclusivamente a atribuição de capacidade de injecção de potência na zona de rede 39;
27. A DGE não tem o poder soberano de fixar o critério de apuramento da capacidade de recepção da rede, sendo que o critério por ela fixado, formulando um abstracto "tecto nacional", contraria de forma directa e flagrante o estabelecido pela lei, pelo que o acto administrativo praticado com base nesse critério padece do vício de violação de lei e como tal deve ser anulado, demonstrado que ficou que existia capacidade disponível para recepção de energia no ponto concreto da rede a que o PIP da recorrente se reportava;
28. Ao caucionar a posição da DGE, o Mmo. Juiz a quo cometeu, um erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos arts. 3º, nº 2, als. a) e b), e 10º, nomeadamente os nos 1, 2, 4, 7 e 10, do Dec.-Lei nº 312/2001;
29. Tendo ficado demonstrado que o tecto nacional apurado pela DGE não estava obviamente excedido à data do PIP da recorrente — de uma potência total disponível para energias renováveis de 5.830.000 kVA disponibilizada até 2007, existia ainda disponível uma potência de 3.210.910 kVA, distribuída pelas zonas de rede em relação às quais não houve pedidos, ou a potência pedida foi inferior à sua capacidade de recepção — a sentença recorrida devia ter acolhido a imputação ao acto contenciosamente recorrido de erro de facto sobre os pressupostos, com a inerente anulação do mesmo por violação de lei, pelo que, também aqui existiu erro de julgamento por parte do julgador;
30. O critério adoptado pela autoridade recorrida, por atender a um "tecto nacional", em que se misturam pontos de rede com capacidade de recepção e pontos de rede sem capacidade de recepção, para inviabilizar a satisfação dos PIPs já apresentados, parando todo o processo e dando tempo a que outros candidatos se organizem e apresentem PIPs, viola de modo frontal o princípio "first come, first serve" consagrado pelo art. 10º, nºs 1 e 2, do Dec.-Lei nº 312/2001, com o objecto anunciado de incentivar e premiar os candidatos que mais rapidamente apresentem projectos com vista ao fornecimento de energia eólica à rede;
31. Levando ao extremo o entendimento da DGE, sufragado pelo Mmo. Juiz a quo, bastaria que os promotores apresentassem PIPs para uma única zona de rede, em que a potência prevista entregar excedesse a soma das capacidades disponíveis de recepção de todas as zonas de rede do país, para que o tecto nacional ficasse esgotado, mesmo que nas restantes houvesse, concreta e individualmente, capacidade de recepção;
32. O único entendimento compatível com o critério legal de decisão é o de que os pedidos de ligação em excesso em certos pontos de ligação à rede, não podendo ser atendidos na sua totalidade, não devem servir para reduzir a capacidade de recepção dos restantes pontos de rede;
33. O indeferimento / cancelamento do PIP da recorrente teve em exclusivo na sua génese o Despacho do DGE nº 9274/2002 (2ª série), publicado no D.R., IIª série, de 7.MAI.2002, cinco dias depois da data em que foi apresentado o PIP da recorrente, 2.MAI.2002;
34. Face ao seu carácter restritivo e ao disposto nos arts. 130º, nº 2, e 131º do CPA, e nº 2, al. a), do Despacho Normativo nº 16/97, de 3ABR (redacção do Despacho Normativo nº 47/2001, de 21 DEZ), a produção de efeitos do Despacho nº 9274/2002 dependia da sua publicação na 2ª série do D.R., sob pena de ineficácia;
35. O Despacho do DGE nº 9274/2002 não podia ser aplicado retroactivamente, a PIPs apresentados antes da data em que foi publicado, por não se enquadrar em nenhuma das situações em que a lei o permite (v. arts. 127º, nº 1, in fine, e 128º do CPA);
36. O acto contenciosamente recorrido ignorou a ineficácia decorrente da falta de publicação do Despacho nº 9274/2002, e aplicou ao PIP da recorrente o regime e os critérios nele definidos que só seriam eficazes e vigentes 5 dias depois, o que por si só é manifestamente ilegal;
37. Independentemente da sua ilegalidade substancial, o novo critério de indeferimento, introduzido por via administrativa através do Despacho nº 9274/2002, em detrimento do estabelecido na própria lei, nunca poderia ter sido aplicado retroactivamente aos PIPs apresentados antes da sua publicação, nomeadamente ao da recorrente;
38. O quadro normativo que regula o deferimento ou indeferimento dos PIPs terá de ser o que estava em vigor à data da apresentação, e que no caso sub judice era o estabelecido na própria lei;
39. Ao sufragar a aplicação retroactiva pela autoridade recorrida do regime e dos critérios do Despacho nº 9274/2002 ao PIP da recorrente, quando à data da apresentação deste ele era ineficaz e insusceptível de produzir efeitos, a sentença em crise incorreu num erro de julgamento, por violação do disposto nos arts. 127º, nº 1, in fine, 128º, 130º, nºs 1 e 2, e 131º do CPA;
40. O poder de suspender a apresentação de PIPs, cometido do Director-Geral de Energia pelo nº 12 do art. 10º do Dec.-Lei nº 312/2001, não pode abranger os PIPs já apresentados, que deverão ser apreciados e deferidos ou indeferidos, à luz da lei, dos regulamentos e dos dados de facto existentes acerca da capacidade disponível, à data da sua apresentação efectiva, por força do princípio da decisão consagrado no art. 9.º do CPA;
41. A decisão de suspensão publicada em 7.MAI.2002 (Despacho nº 9274/2002) justificará o não recebimento de novos PIPs a partir dessa data, mas não poderá legalmente abranger os PIPs já apresentados, como era o caso do da recorrente, cujo PIP foi apresentado em 02.MAI.2002;
42. A fundamentação invocada no acto impugnado é totalmente desconforme com a lei, pelo que também por esta razão ele está inquinado do vício de violação de lei, por infracção precisamente ao nº 12 do art. 10º do Dec.Lei nº312/2001;
43. A sentença recorrida, ao acabar por apoiar a validade do acto recorrido no poder de suspensão consagrado nessa disposição, incorre em erro de julgamento, por manifesta violação de lei substantiva;
44. A dispensa de audiência dos interessados, nomeadamente o caso previsto na al. a) do nº 2 do art. 103º do CPA, depende da existência de um despacho prévio nesse sentido, do qual constem designadamente as razões que motivam a dispensa dessa audiência — pressupostos de dispensa da audiência prévia dos interessados;
45. No procedimento sub judice, o Director-Geral de Energia nada disse sobre a verificação, ou não, dos pressupostos de dispensa da audiência, nem tão pouco proferiu despacho nesse sentido, pelo que estava obrigado a promover a audição formal da recorrente em sede de audiência dos interessados;
46. A não prolação de despacho a dispensar a realização da audiência dos interessados, aliada a não realização da mesma, infringiu o disposto no art. 1000 do CPA e inquinou o despacho contenciosamente recorrido de um vício de forma, por preterição de formalidade essencial, facto que por si só justificava a sua anulação pelo Tribunal;
47. Não há lugar à degradação do vício decorrente do incumprimento do dever de audiência enquanto formalidade essencial, nem o Mmo. Juiz a quo pode invocar tal situação, na medida em que é manifesto que, face ao teor da sentença, é manifesto que o mesmo não fez o juízo de prognose póstuma adequado a concluir, de forma absolutamente indubitável, que a decisão tomada era a única possível;
48. Da sentença recorrida não emerge qualquer juízo de análise crítica, completa e suficiente sobre os factos subjacentes à decisão administrativa, à luz do regime jurídico aplicável;
49. Ao não ter anulado o acto administrativo de indeferimento do PIP da recorrente, com base num vício de forma assente na falta de realização da audiência dos interessados, a sentença objecto do presente recurso jurisdicional cometeu um erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos arts. 100º e 103º, nº 2, ai. b), do CPA;
50. O acto contenciosamente recorrido limitou-se, em sede de fundamentação, a invocar o "esgotamento do "tecto" nacional' destinado à energia eólica;
51. Não está em causa uma "fundamentação da fundamentação", mas, equivalendo a "indisponibilidade" ao dito "esgotamento", apenas se poderá dar o acto de cancelamento/indeferimento do PIP da recorrente como fundamentado se do mesmo constasse a informação dos factos concretos que densificam e consubstanciam esse indeferimento, conforme determina o nº 10 do art. 10º do Dec.-Lei nº 312/2001;
52. Esta disposição legal, que regula os termos da fundamentação de facto nas situações em que a informação a prestar aos promotores seja no sentido de não ser possível atribuir o ponto de recepção pretendido, estabelece expressamente que a mesma deve "conter os fundamentos e as razões que estão associados a essa indisponibilidade", sem prejuízo da observância dos requisitos da fundamentação estabelecidos no nº 1 do art. 125º do CPA;
53. O ofício que corporizou o acto contenciosamente recorrido nada diz sobre os factos, fundamentos e razões concretas que sustentam o alegado "esgotamento do tecto nacional";
54. A fundamentação não se presume, nem invocação e a remessa (inexistente na situação sub judice) para intervenções e comunicações endoprocedimentais indeterminadas são formas de fundamentação legalmente admissíveis;
55. Em termos de fundamentação de direito o acto contenciosamente recorrido é absolutamente omisso;
56. Por o acto contenciosamente recorrido ser um acto não constitutivo de direitos, porquanto nega à recorrente o direito de ver apreciado o PIP que formulou, existe ainda relativamente a ele um especial dever de fundamentação, imposto pela al. a) do nº 1 do art. 124º do CPA;
57. A falta ou insuficiência de fundamentação inquina o acto administrativo de um vício de forma, que o torna anulável nos termos do art. 135º do CPA.
58. Ao não ter anulado o acto do Director-Geral de Energia que se negou a apreciar e indeferiu o PIP da recorrente, com base num vício de forma por falta ou insuficiência de fundamentação, a sentença objecto do presente recurso jurisdicional incorreu, também por esta via, num erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos arts. 10º, nº 10, do Dec.-Lei nº 312/2001, 124º, nº 1, al. a), e 125º, nos 1 e 2, do CPA.
Termos em que deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Meritíssimo Juiz proferiu despacho manifestando o entendimento de que «o Recurso não fez agravo ao decidido» e ordenando a subida dos autos a este Supremo Tribunal Administrativo.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso jurisdicional, nos seguintes termos:
Afigura-se-nos que assistirá razão à Recorrente pelas razões que passamos a referir.
A Recorrente invoca que a sentença é nula dado que, por um lado, nega que tenha sido aplicado o regime do Despacho do Director-Geral de Energia n.º 9274/2002, ao PIP que esta apresentou, por este Despacho ser posterior e não ter eficácia retroactiva e, por outro lado, fundamenta a decisão de improcedência do recurso, nas considerações subjacentes à decisão da Autoridade Recorrida de suspensão dos PIPs contidas no Despacho em causa, nomeadamente no facto de os PIPs apresentados no 1.º quadrimestre de 2002 terem excedido a capacidade de recepção.
Com efeito, a fls. 19 a sentença lê-se que:
«O cancelamento do PIP da Recorrente não pode considerar-se resultante do referido despacho, na medida em que lhe é anterior, pelo que se mostra inútil atender às considerações deste na decisão recorrida».
Contudo, a sentença considerou que o Director-Geral de Energia tinha competência para proceder à suspensão de apresentação de PIPs, verificada a necessidade de salvaguardar a boa gestão abrangida pelo Dec.-Lei n.º 312/2001, de 10.12, e entendeu estarem verificados os pressupostos que de acordo com aquele Despacho determinavam a referida suspensão.
Pelo que, concluiu pela improcedência do recurso, não anulando o acto impugnado, e não reconhecendo à impugnante o direito à apreciação do seu PIP de acordo com os pressupostos em vigor em 2-5-2002.
Parece-nos, salvo melhor opinião, que a sentença recorrida enfermará não de contradição entre os fundamentos e a decisão, mas de erro de julgamento quanto à interpretação do acto impugnado, dado que, embora a Entidade Recorrida nele não mencione o Despacho n.º 924/2002, ela deixou d apreciar o PIP apresentado pela Recorrente em 2-5-2002, à luz dos pressupostos em vigor nesta data, por força daquele Despacho.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença deveria ter analisado a invocada ilegalidade da retroactividade do Despacho n.º 9274/2002.
E, consequentemente, deveria, também, analisar o invocado não esgotamento do tecto nacional fixado para o fornecimento de energia, por este esgotamento derivar não da simples relação entre o texto nacional fixado e os PIPs apresentados, mas da relação entre aquele tecto nacional, os PIPs apresentados e a capacidade de recepção em concreto das zonas para as quais foi apresentado um dos PIPs.
Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deverá merecer provimento.
As partes foram notificadas deste douto parecer, apenas se pronunciando a Autoridade Recorrida, defendendo a manutenção da sentença recorrida e a improcedência do recurso jurisdicional.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1. Por requerimento, apresentado junto da Direcção-Geral da Energia em 2 de Maio de 2002, formulou a A…, SA um pedido de informação prévia (PIP) sobre a possibilidade de ligação à rede do Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP) do Parque Eólico de Sintra, nos termos previstos no art.º 10.º do DL n.º 312/01, de 10/12, mencionando o ponto de recepção pretendido e a data para a ligação e juntando a memória sumária do projecto e o comprovativo do pagamento da taxa de 8000 Euros a favor da Direcção Geral de Energia, estabelecida conforme a Portaria n.º 1467-C/2001 de 31/12. (Cfr. PA);
2. Após a apresentação do requerimento referido no precedente facto, foi publicado no DR, II Série, de 07.05.02, o despacho n.º 9274/02, datado de 15/04, do Director-Geral da Energia, mediante o qual se deu a conhecer que:
“para o próximo período de apresentação de pedidos de informação prévia para ligação às redes do SEP a apresentar pelos produtores referidos no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 312/2001, de 10 de Dezembro, que decorre, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do mesmo diploma, de 1 a 15 de Maio próximo, apenas serão aceites pedidos que satisfaçam as seguintes condições:
a) utilizar processo de produção por via da co-geração ou baseado na utilização de biogás;
b) No caso da co-geração, que a pretendida ligação venha a ser efectuada ao nível da rede de transporte e concretizada só a partir de 2005;
c) No caso do biogás, que a potência de ligação à rede seja inferior ou igual a 1 MW.” (Cfr. PA);
3. No seguimento da referido no precedente facto, foi elaborado o ofício n.º 6909 de 18.06.02, subscrito pelo Director-Geral da Energia e endereçado à Recorrente, no qual se refere, designadamente, que:
Nos termos do n.º 12 do art.º 10º do DL 312/01, para salvaguarda da boa gestão dos pedidos de informação prévia, pode o DGE, mediante despacho, suspender a apresentação dos referidos pedidos;
Durante a 1.ª quinzena de Janeiro de 2002, foi apresentado um número muito elevado de pedidos, a que correspondem a potência total de 7200 MVA – o que ultrapassou a potência disponível na rede.
Perante tal realidade, entendeu a DGE ser necessário restringir a apresentação dos pedidos de informação prévia no 2º quadrimestre do ano corrente de 2002.
Para o efeito, o despacho n.º 9274/2002 limitou a apresentação dos PIPS às instalações de co-geração que se liguem à rede de transporte e às instalações que utilizem biogás com potência até 1 MV.
Assim, não se enquadrando o pedido formulado pela A…, SA, nas condições contidas no indicado despacho, junto se devolve o mesmo, solicitando que seja facultado o nome da entidade bancária, bem como o NIB dessa empresa, para que a DG-E proceda à devolução do montante de 8000 Euros, valor da taxa paga. (Cfr. PA);
4. Por carta de 26.07.02 veio a Recorrente contestar o entendimento expresso pelo DGE no precedentemente referenciado ofício, afirmando, designadamente:
Quanto aos factos:
a) O requerimento foi elaborado nos termos do art.º 11 º do DL 312/01,
b) O pedido de atribuição do ponto de recepção indicado foi dirigido para a zona 39 / Alto Mirai Sete Rios, subestação do Sabugo, em Sintra, com a potência de 51.000 KVA,
o) Esta subestação tem potência disponível para escoar a electricidade produzida pelo parque eólico de Sintra,
d) O despacho que restringiu os PIPS foi publicado em 07.05.02,
e) O PIP da A…, SA, foi entregue em 02.05.02.
Quanto aos argumentos, afirmou-se então que:
a) O despacho n.º 9274/02 foi publicado posteriormente (07.05.02) à apresentação do PIP (02.05.02), estando neste caso plenamente em vigor o DL n.º 312/01, pelo que não pode aquele despacho ser aplicado retroactivamente;
b) Não colhe a afirmação do DGE de que foi muito elevado o n.º de PIPS (453) formulados na 1.ª quinzena de Janeiro de 2002, tendo atingido a potência de 7.200 MW, pois que a zona 39 / Alto Mirai Sete Rios – Sabugo, Sintra, tem capacidade disponível;
c) O corte dos pedidos apresentados até ao limite nacional dever-se-á efectuar nas subestações nas quais se situa o problema dos cortes.
Solicita, assim, resposta ao PIP nos termos do art.º 10º do DL 312/01, com os fundamentos aludidos no n.º 10 do art.º 10º do mesmo diploma, e com impossibilidade de aplicação retroactiva do despacho n.º 9274/02, por conseguinte, com deferimento do PIP. (Cfr. PA);
5. No seguimento da precedente carta do Recorrente, de 26.07.02, foi pelo Director de Serviços de Energia Eléctrica, nos termos do ofício n.º 9979, de 10.09.02, referido o seguinte:
1. O elevado n.º de PIPS apresentados em Janeiro de 2002, solicitando ligações para parques eólicos levou a DGE a fixar um limite máximo nacional para potência a ligar até 2010 para este tipo de produção de energia eléctrica.
Limite que foi determinado pela necessidade de se proceder a uma exploração racional da rede e, especialmente, para garantir a segurança do fornecimento de energia eléctrica.
2. Tendo a potência solicitada sido da ordem dos 7.000 MVA, é permitido ao abrigo do art.º 10º do DL n.º 312/01, estabelecer uma reserva provisória de capacidade para os pedidos em curso de apreciação, conduzindo à fixação do limite máximo nacional para a potência atribuível aos parques eólicos em cerca de 2000 MV A, pelo que se considerou ser muito pouco provável poder satisfazer novos PIPS, para o indicado tipo de produção de energia eléctrica.
3. Acontecendo que o limite máximo nacional será atingido se os promotores procederem conforme o exposto em 2, as zonas da rede para as quais não foram apresentados PIPS, ou em que os apresentados não esgotaram a capacidade disponível, essas zonas ficarão necessária e obrigatoriamente desafectadas para efeitos de ligação de parques eólicos.
4. A D-GE não vê inconveniente em considerar que a apresentação do PIP da A…, SA, de 02.05.02, foi efectuado de acordo com a legislação então em vigor, mas acrescenta que, face ao que vem dito, a D-GE não poderá, enquanto durar a apreciação dos PIPS apresentados na 1.ª quinzena da Janeiro de 2002, proceder à apreciação do PIP da A…, SA, donde resulta ser quase certo que a resposta será negativa.
5. Assim, a D-GE fica a aguardar que a A…, SA, confirme se está interessada em manter o PIP ou se deseja que lhe seja devolvido o valor da taxa correspondente. (Cfr. PA);
6. No seguimento da recepção desse ofício, respondeu a A…, SA, por carta de 12.09.02, dirigida ao Director de Serviços de Energia Eléctrica, afirmando que mantém o PIP apresentado em 02.05.02. (Cfr. PA);
7. Por carta de 27.06.03, dirigida ao referido Director de Serviços, a A…, SA vem solicitar o deferimento do PIP, apresentado em 02.05.02, transcrevendo os pontos constantes do ofício 9979, de 10.09.02, da D-GE e repetindo o teor da sua carta de 12.9.02 em que dizia manter o PIP. Mais aduz a publicação no DR, II Série, de 30/04, do despacho n.º 8446-B/03 do D-GE, em que se prevê a abertura de concurso para os projectos eólicos, não sendo portanto aceites PIP para esta tecnologia. A finalizar tal carta, a A…, SA, pede, que seja deferido o PIP, apresentado em 02.05.02. (Cfr. PA);
8. Pelo ofício n.º 14.060, de 01.10.03, subscrito pelo Director-Geral da Energia, endereçado à A…, SA refere-se, em síntese o seguinte:
1. Relativamente à carta de 27.06.03,
a) reafirmam-se as informações anteriormente prestadas;
b) até à data, não foi aberto o acesso a qualquer potência para energia eólica, dado o esgotamento do “tecto” nacional destinado à mesma, pelo que não seria viável uma resposta ao vosso PIP;
2. Quanto ao futuro,
a) não se prevê qualquer alteração aos procedimentos que têm vindo a ser adoptados para a vertente eólica, apenas se perspectivando, tal como decorre dos despachos nº 8446-B/03, de 30.04.03, e n.º 16815, de 30/08, a abertura de um concurso,
b) destina-se esse concurso para a atribuição de potência para parques eólicos, cujas regras serão definidas no respectivo programa e caderno de encargos:
3. Quanto ao pedido,
O PIP, apresentado em 02.05.02, não tem viabilidade de ser satisfeito, pelo que o mesmo será cancelado. (Cfr. PA):
9. O presente recurso deu entrada no então Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, em 2 de Dezembro de 2003. (Cfr. fls. 2 Proc.º).
3 – A Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Esta nulidade está prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
Tal nulidade apenas ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada naquela.
Como decorre do texto daquela norma, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
No caso em apreço, a Recorrente defende que existe tal nulidade por na sentença recorrida se afirmar que não tinha sido aplicado o regime do Despacho n.º 9274/2002 ao Pedido de Informação Prévia (PIP) que apresentou, por não ter eficácia retroactiva e ser posterior à apresentação do pedido, e, por outro lado, sustentar a improcedência do recurso exclusivamente com considerações subjacentes à decisão da Autoridade Recorrida de suspensão de apresentação de PIPs plasmadas no referido Despacho, nomeadamente a de os PIPs apresentados no 1.º quadrimestre de 2002 terem excedido a capacidade de recepção.
Como se vê, a contradição que a Recorrente imputa à sentença recorrida não é entre a decisão e os fundamentos, mas uma contradição entre fundamentos.
Na verdade, a consequência lógica da não aplicação retroactiva do referido Despacho será o acto não enformar da ilegalidade que poderia implicar essa aplicação e foi isso que se decidiu na sentença recorrida.
Por outro lado, a consequência lógica de os PIPs apresentados no 1.º quadrimestre de 2002 terem excedido a capacidade de recepção era, na tese adoptada na sentença recorrida de relevar a capacidade de recepção global, motivo de indeferimento do pedido, com consequente improcedência do recurso.
Assim, não se detecta contradição entre os fundamentos e a decisão, mas, eventualmente, contradição entre fundamentos da sentença que, a existir, não implicará nulidade desta, mas sim erro de julgamento.
4 – O DL n.º 321/2001, de 10 de Dezembro ( ( ) Este diploma foi alterado depois da prática do acto impugnado, pelo DL n.º 33-A/2005, de 16 de Fevereiro, e pelo DL n.º 118-A/2010, de 25 de Outubro. ), estabeleceu as disposições aplicáveis à gestão da capacidade de recepção de energia eléctrica nas redes do Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP), por forma a permitir a recepção e entrega de energia eléctrica proveniente de novos centros electroprodutores do Sistema Eléctrico Independente (SEI) (art. 1.º).
Como se refere no seu Preâmbulo, com este diploma visou
(...) estabelecer os instrumentos legais e os mecanismos que possibilitem o aproveitamento dos referidos recursos mediante uma gestão racional e transparente da rede pública, proporcionando uma capacidade de recepção que responda adequadamente aos pedidos de entrega da energia eléctrica proveniente dos centros electroprodutores do SEI. O processo ordinário para atribuição do ponto de recepção assenta na autorização concedida pela Direcção-Geral da Energia, após um pedido de informação prévia efectuado pelos interessados, em períodos definidos, sobre a capacidade de recepção da rede do SEP (Sistema Eléctrico de Serviço Público), procedimento que responde à necessidade de conferir estabilidade ao processo e transparência e idoneidade ao pedido.
Contudo, a afirmação clara de igualdade de tratamento e de oportunidades terá de ser compatibilizada com uma situação de partida com reconhecida limitação de capacidade disponível de recepção das redes, prevendo-se, nomeadamente, um mecanismo de selecção, com critérios predefinidos. De modo semelhante e caso o pedido de atribuição do ponto de recepção não possa ser atendido por falta de capacidade de recepção disponível, admite-se a reserva de recepção de potência, desde que a mesma seja garantida mediante a prestação de caução.
Além do processo ordinário para atribuição do ponto de recepção, assente em autorização administrativa, prevê-se, em situações associadas a objectivos prioritários da política energética nacional, ou de optimização das redes públicas, que as capacidades de recepção das redes do SEP disponíveis sejam postas a concurso, com base num caderno de encargos e em princípios de selecção que são também estabelecidos no presente diploma.
No art. 10.º deste diploma estabelece-se o regime de «Informação prévia para ligação às redes do Sistema Eléctrico de Serviço Público» nos seguintes termos:
1 – Para efeitos de ligação às redes do SEP, os promotores dos centros electroprodutores referidos no artigo 4.º, antes da apresentação do pedido para atribuição do ponto de recepção de energia eléctrica devem, obrigatoriamente, formular junto da DGE pedido de informação prévia sobre a possibilidade de ligação às mesmas.
2 – Os pedidos devem ser apresentados na DGE entre os dias 1 e 15 do 1.º mês de cada quadrimestre.
3 – O pedido deve ser instruído com os elementos sumários caracterizadores do projecto constantes do anexo I do presente diploma, que dele fica a fazer parte integrante.
4 – Do pedido deve constar o ponto da rede e a data a partir da qual o promotor pretende a ligação à rede do SEP. Neste pedido podem constar alternativas à pretensão principal.
5 – A DGE deve prestar aos promotores as informações solicitadas até 40 dias após o termo do período de apresentação dos pedidos referidos no n.º 1.
6 – Para efeitos do disposto no presente artigo, os operadores das redes do SEP devem fornecer à DGE, a solicitação desta, no prazo de 30 dias, toda a informação necessária para fundamentar a resposta aos interessados.
7 – A informação prévia para ligação às redes do SEP deve, designadamente, indicar o local do ponto de recepção, a tensão nominal e o regime de neutro, bem como, se necessário, a data indicativa a partir da qual existe capacidade de recepção de energia eléctrica, além das eventuais alternativas às datas e ao ponto de ligação pretendido, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
8 – Para adequada gestão da capacidade disponível, a informação prévia poderá enunciar, nomeadamente, limitações à entrega de energia, na perspectiva do artigo 15.º, a título previsional, visando habilitar os promotores com o máximo de informação útil ao desenvolvimento do respectivo projecto.
9 – A informação prévia terá em conta os pedidos de atribuição de pontos de ligação cuja avaliação se encontre em curso, nos termos do artigo seguinte, para os quais se considera haver, globalmente, uma reserva provisória de capacidade.
10 – Quando a informação a prestar ao interessado seja no sentido de tornar inviável a formulação do pedido de atribuição do ponto de recepção, por falta de capacidade disponível ou previsional da rede, a informação deve conter os fundamentos e as razões que estão associados a essa indisponibilidade.
11 – Os pedidos não atendidos por falta de capacidade das redes serão tidos em conta, pelos operadores, na concepção dos próximos planos de investimentos das redes do SEP, sem prejuízo da necessária optimização das respectivas capacidades.
12 – A apresentação de pedidos de informação prévia prevista no n.º 2 pode ser suspensa, a título excepcional, por despacho do director-geral da Energia, quando exigido para salvaguarda da boa gestão do processo de avaliação.
5 – O presente processo foi iniciado antes de 1-1-2004, pelo que se lhe aplica o regime do ETAF de 1984 e da LPTA, por força do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
À face deste regime legal, assume relevância fundamental a interpretação do acto impugnado, pelo que convém apreciar pormenorizadamente a sequência de actos indicados na matéria de facto fixada.
A Recorrente Contenciosa, nos termos do art. 10.º do DL n.º 312/2001, apresentou à Direcção-Geral de Energia, em 2-5-2002, um Pedido de Informação Prévia sobre a possibilidade de ligação à rede do Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP) do Parque Eólico de Sintra.
Em 7-5-2002, foi publicado o despacho do Senhor Director-Geral de Energia referido no ponto 2 da matéria de facto fixada.
Posteriormente, foi enviado à Recorrente Contenciosa o ofício referido na matéria de facto fixada em que, para além de se referir que «o despacho n.º 9274/2002 limitou a apresentação dos PIPS às instalações de co-geração que se liguem à rede de transporte e às instalações que utilizem biogás com potência até 1 MV», se conclui que «não se enquadrando o pedido formulado pela A…, SA, nas condições contidas no indicado despacho, junto se devolve o mesmo, solicitando que seja facultado o nome da entidade bancária, bem como o NIB dessa empresa, para que a DG-E proceda à devolução do montante de 8000 Euros, valor da taxa paga».
Na sequência da notificação deste ofício, a Recorrente Contenciosa contestou o seu teor, terminando com pedido de «resposta ao PIP nos termos do art.º 10º do DL 312/01, com os fundamentos aludidos no n.º 10 do art.º 10º do mesmo diploma, e com impossibilidade de aplicação retroactiva do despacho n.º 9274/02, por conseguinte, com deferimento do PIP».
Na sequência desta posição da Recorrente Contenciosa foi proferido o acto administrativo impugnado, que é o despacho do Senhor Director-Geral de Energia notificado à Recorrente Contenciosa pelo ofício n.º 014060, de 1-10-2003, reproduzido no ponto 8 da matéria de facto fixada, que tem o seguinte teor:
1. Relativamente à carta de 27.06.03,
a) reafirmam-se as informações anteriormente prestadas;
b) até à data, não foi aberto o acesso a qualquer potência para energia eólica, dado o esgotamento do “tecto” nacional destinado à mesma, pelo que não seria viável uma resposta ao vosso PIP;
2. Quanto ao futuro,
a) não se prevê qualquer alteração aos procedimentos que têm vindo a ser adoptados para a vertente eólica, apenas se perspectivando, tal como decorre dos despachos nº 8446-B/03, de 30.04.03, e n.º 16815, de 30/08, a abertura de um concurso,
b) destina-se esse concurso para a atribuição de potência para parques eólicos, cujas regras serão definidas no respectivo programa e caderno de encargos:
3. Quanto ao pedido,
O PIP, apresentado em 02.05.02, não tem viabilidade de ser satisfeito, pelo que o mesmo será cancelado.
Em face desta matéria de facto, é inequívoco que a primeira posição da autoridade recorrida foi aplicar o regime do Despacho n.º 9274/02, do Senhor Director-Geral de Energia, que só veio a ser publicado depois de apresentado o PIP pela Recorrente Contenciosa, pois tal Despacho é expressamente referido na fundamentação do despacho referido no ponto 3 da matéria de facto fixada, e é por não se enquadrar «o pedido formulado pela A…, SA, nas condições contidas no indicado despacho» que se devolve o mesmo à Recorrente Contenciosa, com uma tomada de posição implícita sobre a inviabilidade da pretensão formulada.
Este acto, porém, não foi objecto de impugnação contenciosa e, na sequência, da contestação da Recorrente Contenciosa referida no ponto 4 da matéria de facto fixada, em que defendia a inaplicabilidade daquele Despacho n.º 9274/02, vieram a ser emitidos os ofícios indicados nos pontos 5 e 6 em que não se lhe faz referência, indicando-se novos fundamentos para justificar a posição final que se veio a assumir no ofício referido no ponto 8 em que se concluiu que «o PIP, apresentado em 02.05.02, não tem viabilidade de ser satisfeito, pelo que o mesmo será cancelado».
Inclusivamente, nos pontos 4 e 5 do ofício referido no ponto 5 da matéria de facto fixada é referido que «a D-GE não vê inconveniente em considerar que a apresentação do PIP da A…, SA, de 02.05.02, foi efectuado de acordo com a legislação então em vigor», o que, na sequência da contestação apresentada pela Recorrente Contenciosa no sentido da inaplicabilidade do referido Despacho, publicado posteriormente, tem de ser interpretado como concordância com a Recorrente Contenciosa sobre o regime legal aplicável ser o vigente em 2-5-2002 e não o resultante da publicação do referido Despacho.
E, confirmando o abandono pela Autoridade Recorrida daquele inicial fundamento de indeferimento da pretensão da Recorrente Contenciosa, aquela passa a invocar uma nova razão de inviabilidade da pretensão da Recorrente Contenciosa, dizendo que «a D-GE não poderá, enquanto durar a apreciação dos PIPS apresentados na 1.ª quinzena da Janeiro de 2002, proceder à apreciação do PIP da A…, SA, donde resulta ser quase certo que a resposta será negativa» e comunicando-se que «a D-GE fica a aguardar que a A…, SA, confirme se está interessada em manter o PIP ou se deseja que lhe seja devolvido o valor da taxa correspondente».
Assim, a reafirmação das «informações anteriormente prestadas» que se faz no ponto 1 a) do despacho impugnado deve ser interpretada como não abrangendo a aplicabilidade do Despacho n.º 9274/02, que foi abandonada ao reconhecer-se que deveria ser aplicada a legislação em vigor em 2-5-2002.
Neste contexto, depois ter sido inicialmente invocado o teor do Despacho n.º 9274/02 como fundamento jurídico de inviabilidade da pretensão da Recorrente Contenciosa, houve um reconhecimento explícito de que ele não se incluía na legislação em vigor à data da formulação do pedido e deixou de ser-lhe feita qualquer referência no despacho final, depois de a Recorrente Contenciosa ter apresentado a sua posição defendendo a inadmissibilidade da aplicação retroactiva daquele despacho. Assim, é de concluir que a fundamentação inicial, baseada naquele Despacho, foi substituída pela fundamentação que consta do acto que foi impugnado, com remissão para as informações anteriores, indicadas nos pontos 3 e 5, da matéria de facto fixada, mas sem inclusão daquele Despacho.
Sendo esta interpretação a fazer do acto impugnado, são irrelevantes os vícios que poderiam advir da aplicação do referido Despacho n.º 9274/02, que não foi feita no acto recorrido.
Não têm qualquer relevo, para o efeito de apreciação da legalidade do acto recorrido, as referências à viabilidade da aplicação daquele Despacho que são feitas no presente recurso jurisdicional, designadamente na resposta ao parecer do Ministério Público.
Na verdade, como vem sendo jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo relativamente aos processos a que se aplica o contencioso administrativo anterior ao ETAF de 2002 e do CPTA, os recursos contenciosos são de mera legalidade (art. 6.º da LPTA), visando-se neles apreciar a legalidade da actuação da Administração tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos, mesmo que invocados a posteriori nas peças apresentadas no processo de recurso contencioso (( ) Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:
– de 1-2-79, proferido no recurso n.º 11415, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 210, página 741, e em Apêndice ao Diário da República de 24-3-83, página 230;
– de 7-7-83, proferido no recurso n.º 17570, publicado em Apêndice ao Diário da República de 22-10-86, página 3405;
– de 25-7-85, proferido no recurso n.º 20966, publicado em Apêndice ao Diário da República de 17-4-89, página 3037;
– de 20-6-89, proferido no recurso n.º 27011, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-11-94, página 4391;
– de 21-4-94, proferido no recurso n.º 33071, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-12-96, página 3055;
– de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207;
– de 19-6-2002, processo n.º 47787.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
– MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é «irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto», e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que «não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa»;
– MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que «as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade». ).
Assim, a legalidade do acto impugnado tem de ser apreciada apenas à face do regime legal aplicável e dos fundamentos naquele utilizados, em que não se inclui o referido Despacho e em que não é invocada, como motivo de indeferimento, a não admissibilidade da apresentação de pedidos de informação prévia relativos a instalações de produção de energia eólica, que deriva da limitação, que naquele Despacho se prevê, da admissibilidade de apresentação de pedidos de informação prévia para ligação às redes do SEP relativos a instalações de co-geração que se liguem à rede de transporte e às instalações que utilizem biogás com potência até 1 MV.
6 – O fundamento invocado no acto recorrido para indeferimento do pedido de informação prévia apresentado pela Recorrente Contenciosa de o elevado número de pedidos de informação prévia apresentados em Janeiro de 2002, solicitando ligações para parques eólicos, ter justificado a fixação de um limite máximo nacional para potência a ligar até 2010 para este tipo de produção de energia eléctrica, não tem suporte no transcrito art. 10.º do DL n.º 312/2001, 10 de Dezembro (na redacção inicial, vigente às datas do pedido da Recorrente Contenciosa e da prática do acto impugnado), que estabelece o regime de «informação prévia para ligação às redes do Sistema Eléctrico de Serviço Público».
Na verdade, à face deste regime legal, o que releva para aferir da viabilidade dos pedidos de informação prévia é apenas a capacidade de receber a energia eléctrica que se pretende produzir no concreto ponto de recepção que o interessado pretende utilizar, como se conclui do n.º 10 do referido art. 10.º, em que se indicam como fundamentos de inviabilidade do pedido de atribuição do ponto de recepção, a falta de capacidade disponível ou previsional da rede e não qualquer limitação global, não derivada da capacidade de recepção, designadamente um tecto nacional fixado abstractamente sem consideração das capacidades concretas de cada um dos pontos de recepção. Com efeito, à face do DL n.º 312/2001, apenas poderá encontrar-se um tecto nacional através da soma das capacidades de recepção de cada um dos pontos de recepção, o que tem como corolário que em tal tecto se abrangerá a capacidade de recepção individual de cada um dos pontos e, por isso, esse tecto não poderá afectar a utilização pelos interessados da capacidade disponível nos pontos de recepção em que a capacidade de recepção não foi atingida, na medida em que o não foi. Isto é, à face deste diploma, se a soma de energia dos pedidos de informação prévia excede a soma das capacidades do conjunto dos pontos de recepção, haverá fundamento para indeferimento de pedidos relativos a pontos de recepção em que a energia projectada exceda a capacidade de recepção, mas não em relação àqueles em que existe capacidade disponível.
No mesmo sentido de ser relevante para apreciação dos pedidos de informação prévia a capacidade de recepção no concreto ponto que o interessado pretende utilizar apontam as definições incluídas no art. 3.º, n.º 2, alíneas a) e b), do DL n.º 312/2001, em que se indica que «capacidade de recepção» tem o alcance de referenciar o «valor máximo da potência aparente que pode ser recebida em determinado ponto da rede do SEP», e que «capacidade disponível» significa o «valor máximo da potência aparente em determinado ponto da rede do SEP disponível para a recepção de energia de centros electroprodutores», sem qualquer indicação de tais expressões se possam reportar a uma capacidade de recepção global ou uma capacidade disponível da totalidade dos pontos de recepção existentes. Por isso, é de concluir que é a essa capacidade disponível concreta do ponto que pretende ser utilizado que se reporta o n.º 10 do art. 10.º daquele diploma.
De resto, a interpretação da lei no sentido de que, na falta de indicação explícita de um limite máximo global no DL n.º 312/2001, a criação de determinados pontos de recepção de energia eléctrica com determinada capacidade tem ínsita a possibilidade da sua utilização pelos interessados até estar esgotada a capacidade disponível de cada um deles é a interpretação mais razoável. Na verdade, como refere a Recorrente, em última análise, a tese subjacente ao acto impugnado conduziria a uma solução absurda se relativamente a um único ponto de recepção fossem formulados pedidos que excedessem a capacidade global de recepção de todos eles, pois ficaria eliminada a possibilidade de recepção em todos os outros pontos de recepção, embora nesse único ponto em que tivessem sido formulados os pedidos eles não pudessem ser viabilizados, na medida em que excedessem a capacidade disponível desse concreto ponto.
Por isso, devendo presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), tem de se rejeitar a interpretação dos arts. 3.º e 10.º do DL n.º 312/2001 ínsita no despacho impugnado.
Por outro lado, no n.º 12 do referido art. 10.º, na redacção inicial, apenas se admite a possibilidade de suspensão de pedidos de informação prévia, a título excepcional, por despacho do director-geral da Energia, quando exigido para salvaguarda da boa gestão do processo de avaliação, o que tem ínsito que, à face dessa redacção inicial, não é permitido suspender tais pedidos por outros motivos, não relacionados com a gestão do processo de avaliação, motivos esses que são apenas os que têm a ver com a capacidade de avaliação pelos serviços dos pedidos de informação prévia e não com a existência de um limite máximo global para a recepção de energia eléctrica. Isto é, o que se permite no n.º 12 do art. 10.º, na redacção inicial, é suspender a apresentação de pedidos de informação prévia quando a sua quantidade for incompatível com a possibilidade de os serviços os avaliarem tempestivamente de forma adequada, não tendo a ver essa possibilidade de suspensão da apresentação de pedidos de informação prévia com a capacidade de recepção de energia eléctrica estar ou não esgotada. A nova redacção dada a este n.º 12 do art. 10.º pelo DL n.º 118-A/2010, de 25 de Outubro, alterando os fundamentos de suspensão, de forma a ela ser possível «para propiciar o cumprimento de prioridades e objectivos da política energética ou a relação com outras políticas sectoriais, nomeadamente o equilíbrio regional, ou assegurar a optimização da gestão das capacidades de injecção e recepção de electricidade na RESP» ( ( ) «RESP» é a abreviatura de «Rede Eléctrica de Serviço Público», nos termos do art. 2.º, alínea g), do DL n.º 363/2007, de 2 de Novembro, na redacção do DL n.º 118-A/2010, de 25 de Outubro. ), vem introduzir uma substancial alteração dos fundamentos de suspensão, o que, se é certo que deixa entrever que haveria outros fundamentos de suspensão aceitáveis e razoáveis, também confirma que eles não foram previstos na redacção inicial. E, à face do CPA, que enuncia em termos positivos o princípio da legalidade, no seu art. 3.º, estabelecendo que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos» é claro que aquele princípio deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa». ( ( ) FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.
Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42. ) «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça».( ( ) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume
II, páginas 42-43.
Em sentido idêntico, podem ver-se MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, página 84, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, em Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume I, 1.ª edição página 138. e ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, página 56. )
Por isso, o Senhor Director-Geral de Energia, não podia, ao abrigo deste n.º 12 do art. 10.º suspender a apresentação de pedidos de informação prévia por motivos diferentes da conveniência da gestão do processo de avaliação.
No caso em apreço, havendo capacidade de recepção disponível no ponto de recepção que a Recorrente Contenciosa pretendia utilizar, o que não é contrariado pela Autoridade Recorrida, não podia ser indeferido o Pedido de Informação Prévia que apresentou, designadamente com os fundamentos que foram invocados.
Assim, conclui-se que o acto recorrido enferma de vício de violação de lei, por erro de interpretação e aplicação dos arts. 3.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 10.º, n.ºs 10 e 12, do DL n.º 312/2001, de 10 de Dezembro (na redacção inicial), que justifica a sua anulação (art. 135.º do CPA).
Com esta anulação fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios.
Termos em que acordam em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a sentença recorrida;
– conceder provimento ao recurso contencioso;
– anular o acto recorrido com fundamento em vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação dos arts. 3.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 10.º, n.ºs 10 e 12, do DL n.º 312/2001, de 10 de Dezembro (na redacção inicial)
Sem custas, por a Autoridade Recorrida estar isenta no presente processo (art. 2.º da Tabela de Custas).
Lisboa, 6 de Setembro de 2011. – Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator) – Alberto Augusto Oliveira – Fernanda Martins Xavier e Nunes.