Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0138/21.0BCLSB
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROCESSO ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P29369
Nº do Documento:SA1202205050138/21
Data de Entrada:04/26/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL, SAD E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] - demandada nesta «acção arbitral nº52/2020» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS de 03.03.2022, que negou provimento à «apelação» que interpusera do acórdão TAD - de 10.09.2021- e, por isso mesmo, manteve a revogação da deliberação de 20.10.2020 do Pleno do Conselho de Disciplina da FPF - Secção Profissional que tinha aplicada à SPORT LISBOA E BENFICA - Futebol SAD a sanção de interdição do recinto desportivo por um jogo e a multa de 100 UC - por aplicação do artigo 118º, do RD da LPFP - e a A………… a sanção de multa de 16,5 UC - por aplicação do artigo 141º ex vi artigo 171º, nº1, do RD da LPFP.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

Os recorridos - «SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD» e «A…………» - apresentaram contra-alegações nas quais, e além do mais, entendem que a revista da FPF não deverá ser admitida por falta dos necessários pressupostos - artigo 150º do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O litígio decidido pelo acórdão arbitral - acórdão do TAD de 10.09.2021 - resultou do facto de a SPORT LISBOA E BENFICA - Futebol SAD ter sido punida pelo Conselho de Disciplina da FPF por dar apoio a «grupo organizado de adeptos» [GOA] que não cumpre os requisitos legais e regulamentares aplicáveis. Por sua vez, A………… foi sancionado por, na sua qualidade de «oficial de ligação dos adeptos» [OLA] daquela SAD, ter pugnado para que o GOA - DIABOS VERMELHOS - entrasse no recinto desportivo com 3 bandeiras de grandes dimensões, permitindo que elas aí fossem exibidas por ocasião do jogo entre a equipa da SAD benfiquista e a equipa do GIL VICENTE - Futebol SAD, no «Estádio Cidade de Barcelos».

Tais punições acabaram revogadas pelo TAD por - fundamentalmente - não se ter provado que as ditas bandeiras foram entregues, e manuseadas, por qualquer elemento de GOA não legalizado, nem resultar demonstrado efectivo apoio por parte pelos demandantes ao GOA em questão, tudo conduzindo a que não fossem considerados «preenchidos os elementos objectivos do tipo das normas em questão no processo disciplinar, incluindo o artigo 118º do RD da LPFP.

O TCAS «negou provimento» à apelação da demandada FPF, julgando improcedente o erro de julgamento de facto por ela alegado - pretendia a alteração da matéria de facto provada e não provada, e a inclusão de nova factualidade - bem como o erro de julgamento de direito. Quanto ao primeiro, considerou, em síntese, que a factualidade estava bem julgada e que a nova factualidade, reclamada, se mostrava conclusiva. Quanto ao segundo, manteve o cerne da argumentação já expendida pelo TAD, considerando que não resulta da matéria de facto provada a ilicitude dos comportamentos. E, assim, concluiu que a decisão do TAD respeitante ao julgamento de facto não merecia censura, e que as condutas adoptadas pelos sancionados não consubstanciavam necessariamente actos de apoio proibido nos termos e para os efeitos da Lei nº39/2009, de 30.07 - regime jurídico da «segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos».

Novamente a FPF reage, e pede revista do assim decidido, alegando que o TCAS devia ter alterado a matéria de facto, tal como lhe foi pedido na apelação, e que, ao não o fazer, desrespeitou o disposto nos artigos 640º e 662º do CPC, pois que ela cumpriu, integralmente, o ónus de impugnação que se lhe impunha, para que fosse possível ao tribunal de apelação, como era, «modificar a decisão de facto».

E é sobretudo com base nessa modificação da decisão de facto, que entende deveria ter sido realizada no acórdão recorrido, que a FPF defende uma «diferente solução de direito», no sentido da confirmação das punições decididas pela Secção Profissional do seu Conselho de Disciplina. Isto é, defende que não só a SAD benfiquista não cumpriu com os seus deveres, como, por intermédio da conduta do seu OLA promoveu uma actuação dos seu GOA - não legalizado - que é violadora dos normativos legais aplicáveis em matéria de «segurança e prevenção da violência no espectáculo desportivo», e daí resultando a existência, em concreto, de uma lesão dos princípios de ética no desporto e grave prejuízo para a imagem e bom nome da competição - artigo 118º do RD da LPFP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Embora o tema do litígio, trazido a este tribunal de revista, tenha, à partida, relevância jurídica e social - pois que o sancionamento do apoio dado a grupos organizados de adeptos, não legalizados, contende com a segurança dentro e fora dos recintos desportivos e com a imagem das próprias competições - o certo é que as questões concretas que se pretendem colocar ao crivo deste STA não a têm. Efectivamente, é colocada a questão jurídica da incorrecta aplicação dos «artigos 640º e 662º do CPC» por parte do tribunal de apelação, na mira de se obter uma séria alteração do julgamento de facto. E é, sobretudo, na base do resultado dessa alteração que são tecidas e colocadas as questões atinentes ao «errado julgamento de direito».

Ora, devidamente compulsadas as alegações da recorrente FPF com a fundamentação jurídica assumida no acórdão recorrido, e sempre no âmbito da dita análise preliminar e sumária, elas não nos parecem convincentes, antes traduzindo a tentativa de obter uma terceira reapreciação do litígio, uma «terceira instância». Mas o acórdão recorrido, que mantém, por razões não díspares, o acórdão do TAD, apresenta-se fundamentado de modo juridicamente credível e, assim, não se apresenta claramente carente de revista em ordem a uma melhor aplicação do direito.

Não se verifica no caso, portanto, nem o escopo correctivo, nem paradigmático, ínsitos nos pressupostos do nº1 do artigo 150º do CPTA.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pela FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2022. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.