Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:081/19.3BCLSB
Data do Acordão:11/12/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25152
Nº do Documento:SA120191112081/19
Data de Entrada:10/04/2019
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:FUTEBOL CLUBE ... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
Futebol Clube ……, A………… e B……….. recorreram para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que sancionou (1) Futebol Clube …… com a derrota num jogo, com a realização de 5 jogos à porta fechada e com a multa de € 9.818,00; (2) A……….. com a suspensão da actividade por 4 meses e 19 dias e multa no valor de €: 1.701,00 e (3) B………… com a suspensão da actividade por 3 meses e multa de €510,00.

O TAD concedeu provimento ao recurso e o TCA Sul, para onde a FPF recorreu, confirmou essa decisão.
É desse Aresto que a FPF recorre (art.º 150.ºdo CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O FC ………, no início da época 2018/2019, propôs a A………….. e a B…………. que eles, nessa época, assumissem, respectivamente, as funções de treinador principal e de treinador adjunto da sua equipa sénior, o que foi aceite por ambos.
Em 31/07/2018, o FC …….. soube que o A………… era, apenas, treinador de Futebol - Grau l o que significava que não possuía qualificação suficiente para exercer funções de treinador principal pelo que, em conjunto, decidiram que seria B…………. a assumir as funções de Treinador Principal e A………… as funções de Treinador Adjunto. Preenchendo a documentação necessária ao pedido de inscrição dos dois treinadores e celebrando os respectivos contratos de trabalho.
Todavia, e apesar disso, nos jogos referidos na M.F. foi o A………… quem permaneceu em pé na área técnica, dando instruções e dirigindo o plantel apresentando-se, inclusivamente, nas entrevistas posteriores ao jogo e conferências de imprensa a comentá-lo, o que levou a FPF a convencer-se que ele era o efectivo treinador principal e que os contratos supra referidos eram simulados. Do que resultou as condenações impugnadas.
O TAD revogou essas decisões e o TCA, para onde a FPF recorreu, negou provimento ao recurso. Fê-lo pelas razões que se destacam:
“...
No caso dos autos e na apreciação do valor probatório dos contratos de trabalho desportivos outorgados pelos recorridos importa reter que a recorrente não impugna a letra nem a assinatura dos mesmos. Logo, estando em causa documentos particulares simples que se mostram assinados pelos recorridos, sem que tenham sido impugnados, nos termos e para efeitos do disposto no art 374°, n° 1 do CC, são os mesmos tidos como verdadeiros. Assim, o valor probatório de tais documentos é o que resulta do disposto no art. 376°. Ou seja, aqueles contratos de trabalho fazem prova plena quanto às declarações atribuídas aos outorgantes e no que respeita à realidade dos factos afirmados.
No entanto, nos termos do art 394°, n° 3 do CC, terceiros podem utilizar estas provas contra a parte.
...
O que evidencia a falta de razão da recorrente quando aponta erro de direito à decisão recorrida por se bastar com a prova documental para afastar o alegado conluio dos recorridos, com vista a contornar os regulamentos e leis aplicáveis.
De facto, a fundamentação da decisão recorrida afasta a pretensa aplicação in casu do disposto no art. 394°, n° 2 do CC, antes deixa perceber que o TAD alicerçou a respetiva convicção nos elementos probatórios produzidos no processo e, com as provas produzidas, criticamente analisadas, ......
.....
O exposto significa que para efeitos da Lei n.° 40/2012, de 28 de agosto, nada impede que o treinador de grau I dê indicações em pé ou faça entrevistas desde que em coadjuvação do treinador de Grau II. Ora, no presente caso constatamos que o B………….. esteve presente em todos os jogos aqui em causa e que, para além do mais, encontrava-se debilitado fisicamente pelo facto de ter sido operado às varizes. ......
No entanto, o facto de ter sido o treinador adjunto a permanecer na área técnica a dar instruções não o transforma em treinador principal. Aliás, dispõe o n.° 4 do artigo 63.° do mesmo regulamento que quando o treinador principal se encontre impedido pontualmente de desempenhar as suas funções, pode ser substituído pelo treinador-adjunto ou outro treinador que se encontre habilitado.
A decisão recorrida afastou o exercício, de facto, de funções de A………… como treinador principal da equipa de futebol sénior, do FC ………., na época de 2018/2019, mais concretamente após 1.8.2018, porque este agente desportivo possuía a qualificação de treinador de desporto de «Futebol — Grau I», e o disposto no art 63°, n° 2 do Regulamento do Campeonato de Portugal exige que o treinador principal de equipa interveniente no Campeonato de Portugal deve estar habilitado com Grau II.
Foi para colmatar esta falta de habilitação de A…………, para dirigir a equipa do FC ……… no Campeonato de Portugal, na época 2018/2019, de modo a salvaguardar o trabalho que vinha sendo desenvolvido pela equipa técnica da época de 2017/2018, que, de facto e por contrato, assumiu as funções de treinador principal B………...”

3. A FPF não se conforma com tal decisão, pelo que pede a admissão desta Revista para o que, entre outras, formula as seguintes conclusões:
“2. A questão em apreço diz respeito à habilitação de treinadores para exercerem tais funções em determinada competição, em situação de igualdade para com os seus competidores, o que, por conseguinte, pode afetar a própria competição. Com efeito, a violação das disposições legais e regulamentares relativas à exigência de graus específicos para orientar determinada equipa em determinada competição, e o respetivo controlo, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, condutas como as sub judice invertem completamente os objetivos do legislador, do regulador e criam enormes desigualdades na competição.
6. Recorde-se que o que está em causa nos presentes autos é a utilização efetiva de um treinador sem a habilitação necessária para exercer as funções de treinador principal no Campeonato de Portugal – prova organizada pela Federação Portuguesa de Futebol – bem como a simulação que lhe está associada, em colocar, no contrato e no ato de inscrição, como treinador principal alguém que, apesar de ter as habilitações necessárias, era, efetivamente, apenas treinador-adjunto.
31. A celebração de contrato de treinador principal com B…………. e contrato de treinador adjunto com o Treinador A……….. consubstanciou uma simulação, porquanto não havia correspondência entre a vontade real dos outorgantes e a vontade expressa declarada em tais documentos”

4. O que ora está em causa é a questão de saber se o Acórdão recorrido ajuizou correctamente quando considerou que era desnecessária a inquirição da prova testemunhal para demonstrar a invocada simulação dos contratos de trabalho celebrados entre os Recorridos uma vez que as situações que levaram a FPF a concluir por essa simulação não só eram inconsistentes como as normas citadas impossibilitavam essa audição.
Ora, tudo indica que essa apreciação não merece a censura que lhe é feita pelo que a admissão do recurso não é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito sendo que, por outro lado, não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.
Acresce que, apesar de não decisivo não deve ser desvalorizada, a circunstância das decisões do TAD e do TCA são convergentes e fundadas num discurso jurídico semelhante.


Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 12 de Novembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.