Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0105/22.7BCLSB
Data do Acordão:11/10/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P30217
Nº do Documento:SA1202211100105/22
Data de Entrada:10/31/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORTING CLUBE DE BRAGA, FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 08.09.2022 - que, negando provimento à sua apelação, manteve nos seus precisos termos o acórdão - de 19.04.2022 - pelo qual o Tribunal Arbitral do Desporto [TAD], por unanimidade, declarou procedente o recurso arbitral que fora interposto pela SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL SAD, e, em conformidade, revogou o acórdão - de 26.01.2021 - do Conselho de Disciplina da FPF [Secção Profissional], que condenou esta última - no âmbito de processo disciplinar - nas sanções de multa no valor de 10.710,00€ e de realização de um jogo à porta fechada, pela prática da infracção prevista e punida no artigo 87º-A, nº4 e nº5, do RDLPFP/2019 [Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2019] ou seja, por falta de instalação e manutenção, em perfeitas condições, de um sistema de videovigilância no seu recinto desportivo.

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A recorrida - SPORTING CLUBE DE BRAGA, SAD - apresentou contra-alegações em que defende, além do mais, a «não admissão da revista» por falta de verificação dos «necessários pressupostos legais» - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Ambas as instâncias - a «arbitral» e «judicial» - entenderam que a decisão do «Conselho de Disciplina da FPF» - que condenou a SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL SAD com as sanções supra indicadas, por alegada «falta de instalação e manutenção, em perfeitas condições, de um sistema de videovigilância no seu recinto desportivo» - não se poderia manter porque - fundamentalmente - os factos dados como provados, e alegadamente constitutivos da infracção disciplinar imputada à SAD arguida - prevista e punida pelo artigo 87º-A, nº4 e nº5, do RDLPFP/2019 - não encontram sustentação bastante na prova recolhida no processo disciplinar, designadamente nos esclarecimentos prestados pelos vários delegados aos jogos e pelo comandante da força policial, os quais são de molde a pôr em causa uma conclusão segura sobre a ocorrência da referida infracção disciplinar.

A FPF, perante a negação de provimento à sua apelação, discorda de novo, reiterando, no fundo, a tese jurídica do acórdão inicial - de 26.01.2021 do seu «Conselho de Disciplina» - bem como das alegações que teceu enquanto apelante. Note-se que no recurso de apelação a FPF apontou nulidade ao acórdão arbitral - nulidade prevista no artigo 615º, nº1 alínea c), do CPC, já que, diz, entra em contradição ao considerar provados os pontos 86 a 89 da factualidade e, simultaneamente, decidir pela não condenação da arguida - e erro de julgamento - por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º, alínea f), e 87º-A, nº4 e nº5, do RDLPFP, e erro na apreciação da prova produzida nos autos disciplinares - tendo o tribunal de apelação julgado improcedentes uma e outro, confirmando, por via disso, a decisão arbitral que revogara o acórdão sancionatório [do Conselho de Disciplina].

No âmbito desta pretensão de revista, é patente que a FPF volta a insistir quer naquela nulidade quer neste erro de julgamento, defendendo que o «acórdão judicial», ora sob recurso, incorreu em erro de julgamento de direito relativamente a ambas as questões. Sublinha que está em causa a violação de deveres a que a SAD bracarense se encontra adstrita, de instalar e manter em perfeitas condições de funcionamento um sistema de videovigilância que permita o controlo visual de todo o recinto desportivo, nos termos conjugados da alínea t), do nº1, do artigo 35º do RCLPFP19 [Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27.06.2011, com alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14.12.2011, 21.05.2012, 28.06.2012, 27.06.2013, 20.06.2014, 19 e 29.06.2015, 21.10.2015, 15.03.2016, 28.06.2016, 07.02.2017, 12.062017, 29.12.2017, 27.02.2018, 27.04.2018, 25.05.2018 e 29.06.2018 e 22.05.2019], alínea u) do artigo 6º do Anexo VI ao sobredito RCLPFP19, e nºs 1 e 2 do artigo 18º, da Lei nº39/2009 de 30.07, sendo que o assunto, pela sua importância, torna necessária uma reapreciação ponderada do decidido, tendo em conta, ademais, o clima de violência e instabilidade que se vive no futebol nacional.

Mas a verdade é que no âmbito da «apreciação preliminar sumária» que cumpre a esta Formação fazer, torna-se bastante claro que a presente revista da FPF não deverá ser admitida. É que, associada às decisões unânimes das instâncias - arbitral e judicial - está o discurso fundamentador das mesmas que, perante a factualidade provada, se mostra lógico e dotado de razoabilidade jurídica, de modo que a decisão tomada, pelo tribunal de apelação, surge como aceitável, não carecendo, claramente, de ser sujeita ao crivo deste tribunal de revista em ordem a uma melhor aplicação do direito. Importa ainda sublinhar que no cerne das «questões» subjacentes aos invocados erros de julgamento de direito estão apreciações da prova feita no âmbito do processo disciplinar, as quais, postas em causa no âmbito do recurso arbitral e do recurso judicial, ainda alimentam boa parte das actuais alegações da FPF, e cuja apreciação não cabe dentro dos limites estreitos impostos ao tribunal de revista para tal efeito - artigo 150º, nº4, do CPTA.

É certo que os comportamentos neste âmbito desportivo, pelo impacto que têm, são, à partida, dotados de relevância social, porém, os contornos específicos das «questões» concretas aqui em causa, aliados às ditas limitações no âmbito da apreciação da prova, acabam por impor a solução jurídica mantida no acórdão do tribunal de apelação como a mais acertada, retirando-lhe, por isso, importância fundamental a nível jurídico e até social.

Por isso, entendemos não se verificar qualquer um dos «pressupostos» justificativos da admissão da revista, pelo que, não será este caso susceptível de quebrar a «regra da excepcionalidade» da admissão do respectivo recurso.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.