Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0762/18
Data do Acordão:09/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23559
Nº do Documento:SA2201809050762
Data de Entrada:07/30/2018
Recorrente:A... LIMITED
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………… LIMITED, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão de rejeição liminar da petição inicial de reclamação judicial que deduziu contra o acto do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de declaração de "nulidade insanável do processo executivo" por força de nulidades que teriam sido cometidas no processo contraordenacional onde foi aplicada a coima em cobrança na execução fiscal nº 3085201701766040 que contra si foi instaurada, determinando, em consequência, o prosseguimento dessa execução fiscal.

1.1. Formulou conclusões que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

I. A falta de notificação da decisão administrativa de fixação de coima determina a inexigibilidade da dívida com origem nesse acto (cf., por todos, o acórdão de 06 de Maio de 2015 do STA. Recurso nº0191/14).
II. A falta de notificação quer do despacho para apresentação de defesa quer da decisão de aplicação da coima gera uma evidente nulidade insuprível nos termos das alíneas c) e d) do artigo 63º, nº 1. do RGIT e, por conseguinte, o processo executivo aqui em apreço padece de nulidade insanável nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 165º do CPPT.
III. Tendo essa nulidade sido oportunamente invocada junto do OEF, é lícito e adequado que a executada lance mão da reclamação prevista no artigo 276º do CPPT contra a decisão do OEF que a deu por não verificada e assim ordenou o consequente prosseguimento dos autos de execução.
IV. Pois trata-se ostensivamente de uma decisão do OEF que afeta os direitos e interesses legítimos do executado, cuja legalidade deve por isso poder ser plenamente sindicada por um tribunal tributário.
V. O Mmo. Juiz a quo que assim não entendeu, e por isso rejeitou liminarmente a reclamação do despacho de prosseguimento dos autos da execução, fez, com o devido respeito, uma errada interpretação do âmbito e extensão do artigo 276º do CPPT, que assim não se poderá manter.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogada a douta decisão recorrida, ordenando-se a descida dos autos à 1ª instância, a fim de aí, após julgamento da matéria de facto pertinente, se conhecer dos fundamentos invocados pela ora recorrente que ficaram prejudicados pela decisão de rejeição liminar dada ao litígio, se a tanto nada mais obstar.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

1.4. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. O presente recurso vem interposto da decisão de rejeição liminar da petição de reclamação judicial que a sociedade executada deduziu contra o acto do órgão de execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de declaração de "nulidade insanável do processo executivo" por força de alegadas nulidades ocorridas no processo contraordenacional onde foi aplicada a coima em cobrança na execução fiscal, traduzidas na falta de notificação do despacho para apresentação de defesa e falta de notificação da decisão de aplicação de coima.
Segundo a decisão recorrida, o meio processual escolhido pela Reclamante – reclamação prevista nos artigos 276º e segs. do CPPT – não é o adequado a servir a sua pretensão, na medida em que as nulidades que invoca não são nulidades praticadas na execução, mas, sim, no procedimento de contraordenação, constituindo o recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, previsto no art.º 80º do RGIT, o meio processual adequado para invocar a falta de notificação do despacho para apresentação de defesa, e constituindo o processo de oposição o meio processual adequado para invocar a falta de notificação da decisão de aplicação de coima (por integrar, em abstracto, o fundamento de oposição previsto na alínea i) do nº 1 do art.º 204º do CPPT – inexigibilidade da dívida exequenda).
Por outro lado, no que toca à hipótese de convolação da petição de reclamação em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, julgou-se que ela não era viável, por constituir um acto inútil, na medida em que o processo de contraordenação se encontrar extinto. E no que toca à hipótese de convolação da reclamação em oposição à execução, julgou-se que ela também não era possível, por extemporaneidade, em virtude de se mostrar excedido o prazo de 30 dias previsto no art.º 203º do CPPT para a dedução de oposição.
É contra esta decisão que se insurge a Reclamante, ora Recorrente, porquanto, na sua óptica, a invocada falta de notificação – quer do despacho para apresentação de defesa, quer da decisão de aplicação da coima – determina uma nulidade insuprível nos termos das alíneas c) e d) do art.º 63º, nº 1, do RGIT, e esta gera uma nulidade insanável do processo executivo nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 165º do CPPT, nulidade que invocou junto do órgão de execução fiscal e que a indeferiu, pelo que a reclamação prevista no art.º 276º do CPPT constitui o meio processual adequado para reagir contra esse acto de indeferimento, pois «trata-se ostensivamente de uma decisão do OEF que afeta os direitos e interesses legítimos do executado, cuja legalidade deve por isso poder ser plenamente sindicada por um tribunal tributário». Razão por que advoga que «O Mmo Juiz a quo que assim não entendeu, e por isso rejeitou liminarmente a reclamação do despacho de prosseguimento dos autos da execução, fez, com o devido respeito, uma errada interpretação do âmbito e extensão do artigo 276º do CPPT, que assim não se poderá manter».
E, na verdade, assiste-lhe razão, padecendo a decisão recorrida de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que ocorria erro na forma de processo utilizado e, com esse único motivo, ter decidido rejeitar liminarmente a petição inicial de reclamação.

Como se sabe, o erro na forma de processo, contemplado no art.º 199º do Código de Processo Civil, consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão, pelo que o acerto ou o erro na forma de processo se tem de aferir pelo pedido formulado. É, pois, pelo pedido, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual utilizado.
Quer isto dizer, que a correcção ou incorrecção de um meio processual se afere pela pretensão de tutela jurisdicional que o autor pretende atingir, e que a inadequação ou inidoneidade do meio processual utilizado consiste na discrepância entre a espécie processual de que se lançou mão e o propósito que, com ela, processualmente se visa atingir.
Relativamente ao processo de reclamação previsto nos arts. 276º e segs. do CPPT, é sabido que ele constitui o meio processual próprio e adequado para sindicar a legalidade de um acto praticado pelo órgão de execução fiscal, tendo em vista a sua anulação.
Ora, lida a petição inicial e o pedido que nela é formulado, verifica-se que a Reclamante pretende a anulação do acto de indeferimento de pedido que formulou no âmbito de execução fiscal, isto é, pretende a anulação de acto de indeferimento do pedido de declaração de "nulidade insanável do processo executivo" por força de alegadas nulidades ocorridas no processo contraordenacional.
Tal pedido adequa-se perfeitamente ao processo de reclamação judicial, sendo incorrecta a decisão proferida em 1ª instância de considerar que a Reclamante incorreu em erro ao utilizar o meio processual da reclamação para sindicar o acto reclamado.
Saber se a matéria invocada pelo executado perante o órgão de execução fiscal podia, ou não, ser suscitada através de requerimento dirigido à execução, isto é, se esse órgão podia, ou não, extinguir a execução por força de nulidades que, alegadamente, terão ocorrido no processo de contraordenação e por força da inexigibilidade da dívida exequenda, constitui questão que importa analisar no âmbito cio conhecimento do mérito da reclamação, e não matéria que determine o indeferimento liminar da petição de reclamação por erro na forma de processo utilizado para atacar o despacho de indeferimento proferido pelo órgão da execução fiscal.
Pelo que se impõe conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que não seja de rejeição liminar da petição inicial de reclamação por erro na forma de processo utilizado.

3. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1ª instância a fim de aí ser proferido novo despacho que não seja de rejeição liminar da petição pelo motivo que consta da decisão recorrida.

Custas do recurso pela Recorrida, mas com dispensa de taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 5 de Setembro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.