Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0153/07.7BECTB
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTOS
PRAZO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:I - A reforma das decisões judiciais, faculdade prevista nos arts. 613.º, n.º 2, e 616.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC, destina-se a corrigir um erro juridicamente insustentável e, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, só será admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto.
II - Essa faculdade não se destina à mudança do decidido com base nas divergências entre as partes e o tribunal quanto à interpretação e aplicação das regras de direito ou quanto ao apuramento, interpretação e qualificação dos factos relevantes, as quais, se encerrarem erros de julgamento, só poderão ser corrigidos por recurso, nos casos em que a lei ainda o admita.
III - A arguição da nulidade da decisão judicial não suspende o prazo para pedir a reforma da mesma.
Nº Convencional:JSTA000P26165
Nº do Documento:SA2202007010153/07
Data de Entrada:11/05/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Pedido de “correcção de lapso” do acórdão proferido em sede de apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 153/07.7BECTB

1.
1.1 O acima identificado Recorrente foi notificado em 17 de Janeiro de 2020 do acórdão proferido nestes autos em 16 de Janeiro de 2020 pela formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e por que este Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso de revista por ele interposto.

1.2 Por requerimento apresentado em 28 de Janeiro de 2020, o Recorrente arguiu a nulidade desse acórdão por omissão de pronúncia.

1.3 Por acórdão de 19 de Fevereiro de 2020, proferido pela formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, foi indeferida a arguição de nulidade do acórdão.

1.4 Notificado deste último acórdão em 20 de Fevereiro de 2020, vem agora o Recorrente, por requerimento apresentado em 28 de Fevereiro de 2020, alegar que «[o] Acórdão recebido com data de envio de 16/01/2020, muito respeitosamente contém um lapso manifesto quando refere que “…as questões que o recorrente erigiu em objecto da revista não foram tratadas pelo tribunal a quo…”, uma vez que quanto à 1.ª questão (que o recorrente sintetizou na última parte da 1.ª questão ao referir: “ … Ou seja, o prazo de prescrição legal suspende-se ou não com a citação relativa à execução?”), foi efectivamente tratada no Acórdão recorrido do TCA que considerou que o prazo de prescrição legal se suspende com a citação e durará tal suspensão até ao termo ao processo de execução» e, após extensa alegação no sentido de demonstrar o “lapso manifesto”, concluir com o pedido de que «deverá este STA corrigir o lapso que consta do referido acórdão com data de envio de 16/01/2020, e consequentemente, admitir o recurso interposto quanto à 1.ª questão».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.

2.
2.1 A pretensão do Recorrente, de que seja admitido o recurso de revista quanto à 1.ª questão nele suscitada, em consequência da correcção do invocado “lapso manifesto” que imputa ao acórdão que não admitiu a revista, poderá ser interpretada como pedido de reforma do acórdão, ao abrigo do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 616.º, n.º 2, 666.º e 679.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). A nosso ver, é essa a única interpretação do requerimento que o poderá enquadrar nos meios de reacção contra o acórdão previstos na lei.

2.2 Isto não significa que a alegação do Recorrente seja subsumível à previsão do n.º 2 do art. 616.º do CPC; a nosso ver, não o é.
A possibilidade de reforma de decisão judicial, ao abrigo do preceituado nos arts. 613.º, n.º 2 e 616.º, n.º 2, do CPC, constitui um limite ao princípio estruturante consagrado no art. 613.º, n.º 1, do mesmo Código, que impõe a extinção do poder jurisdicional do juiz depois de proferida a decisão.
Essa possibilidade está rigorosamente circunscrita às situações delimitadas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 616.º do CPC: quando, «por manifesto lapso do juiz», «[t]enha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos» ou quando «[c]onstem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida».
Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar repetidamente, a reforma do acórdão, que possui carácter excepcional, não abrange as situações em que o requerente se limita a manifestar a sua discordância com a decisão tomada, mas aquelas situações em que a decisão enferme de erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto.
Ora, sob a invocação do “lapso manifesto”, o Recorrente mais não pretende do que pôr em causa o juízo preliminar que o acórdão efectuou sobre a admissibilidade da revista, designadamente o juízo sobre o âmbito do acórdão recorrido e as questões nele decididas. Como, aliás, o tinha feito anteriormente a coberto da invocação da nulidade por omissão de pronúncia (cf. 1.2).
Mas, sendo assim, a sua pretensão só poderia ser exercida através de recurso, caso este fosse admissível, e nunca, enviesadamente, através do pedido de reforma.

2.3 Por outro lado, a admitir-se que o pedido formulado pelo Recorrente é de reforma do acórdão, sempre teria de considerar-se o mesmo como intempestivo. Na verdade, o pedido de reforma, quando a decisão reformanda não seja passível de recurso (e, por isso, deva ser formulado ao tribunal que proferiu a decisão, de acordo com o disposto na primeira parte do n.º 4 do art. 615.º do CPPT, aplicável por força dos arts. 666.º e 679.º do mesmo Código), deve ser apresentado dentro do prazo de dez dias [não estando fixado outro prazo para o efeito, é de aplicar o prazo supletivo previsto para a prática de actos no âmbito do processo, fixado pelo art. 10.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi da alínea do art. 2.º do CPPT] e a arguição de nulidade da mesma decisão não suspende tal prazo
Note-se que o requerimento dirigido a este Supremo Tribunal em 28 de Janeiro de 2020, em que o Recorrente arguiu a nulidade do acórdão por que a revista não foi admitida, não teve qualquer efeito suspensivo ou interruptivo do prazo para se pedir a reforma desse mesmo acórdão, que lhe foi notificado em 17 de Janeiro de 2020, por inexistência de norma legal que consagre qualquer desses efeitos.
A admitir-se que o Recorrente pretende a reforma do acórdão, então deveria tê-lo feito, eventualmente conjuntamente com a arguição da nulidade do mesmo, dentro do prazo acima indicado.
Assim, quando em 28 de Fevereiro de 2020 o Recorrente veio pedir a reforma do acórdão que lhe foi notificado em 17 de Janeiro de 2020, há muito estava precludido o prazo para o efeito.

2.4 Finalmente, cumpre advertir o Recorrente de que a suscitação de incidentes manifestamente infundados levará à ponderação prevista no art. 670.º do CPC, o que apenas não se fez relativamente ao requerimento sub judice por se ter considerado que o mesmo apenas raia os limites da lide temerária.

3.
3.1 Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, em indeferir o requerido.

3.2 Custas do incidente pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC (cfr. art. 527.º do CPC, art. 7.º, n.º 4 e Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais)

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Lisboa, 1 de Julho de 2020. – Francisco Rothes (relator) - José Gomes Correia - Isabel Marques da Silva.