Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01172/11
Data do Acordão:06/06/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:I - Constituem requisitos do recurso por oposição de acórdãos, previsto no artº 284º do CPPT, os seguintes:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
II - Se em ambos os arestos se entendeu que o vício formal da preterição do direito de audiência previsto no artº 60º da LGT se podia degradar em formalidade não essencial se fosse de concluir que, mesmo que o contribuinte tivesse sido ouvido, o resultado final – liquidação – seria o mesmo, mas em face do probatório, se concluiu de forma diferente em ambos os arestos (no acórdão recorrido entendeu-se que a audição do contribuinte poderia contribuir para alterar a matéria tributável e a liquidação e no acórdão fundamento entendeu-se que essa matéria não seria já passível de alteração), não se verificam os requisitos para o recurso de oposição de acórdãos.
Nº Convencional:JSTA000P14276
Nº do Documento:SAP2012060601172
Data de Entrada:03/14/2012
Recorrente:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP”, veio recorrer do acórdão proferido pelo TCA Sul em 21.06.2011 no Processo nº 4.023/10, por oposição com o acórdão de 30.03.2011, deste Supremo Tribunal, proferido no Processo nº 0877/09.

2. Por despacho do Relator de 25.10.2011 foi julgada verificada a oposição de acórdãos (v. fls. 1348)

3. Em alegações proferidas ao abrigo do disposto no nº 5 do artº 284º do CPPT, veio a recorrente concluir:

1ª) Encontram-se preenchidos os requisitos da oposição de acórdãos;

2ª) Ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - versam sobre a questão fundamental de direito de saber se a preterição de audição prévia se degradou em formalidade não essencial e se deve aplicar-se o princípio do aproveitamento do ato;

3ª) Enquanto no acórdão recorrido a resposta a essa questão foi negativa já no acórdão fundamento foi dada resposta positiva;

4ª) Ambos os acórdãos referidos assentam em situações fácticas idênticas, na medida em que está em causa a impugnação de liquidação de tributos, com base em matéria de facto já concretizada e não suscetível de alteração ou influência pela Impugnante, além de que em ambos os casos essa matéria está documentalmente provada e só mediante um procedimento específico legalmente previsto poderia ser retificada;

5ª) A Impugnante não alegou que os volumes de vendas considerados nas liquidações estão errados nem alegou quais os valores corretos;

6ª) A taxa (alíquota) aplicada pelo INFARMED é legalmente prevista para os produtos em causa;

7ª) Tal como aconteceu no acórdão fundamento, não existe qualquer indício de que as liquidações pudessem ter sido diferentes se tivesse sido promovida a audição prévia;

8ª) O acórdão fundamento transitou em julgado;

9ª) Ambos os acórdãos foram proferidos na vigência do n.° 2 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária, na redação anterior à da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de dezembro, e da redação atual do artigo 100.° do Código do Procedimento Administrativo;

10ª) Acórdão recorrido e acórdão fundamento foram proferidos em processos distintos;

11ª) A oposição entre os acórdãos diz respeito à solução jurídica dada por cada um deles para a mesma questão fundamental de direito, porquanto no acórdão recorrido, considerou-se que a preterição da audição prévia não se degradou em formalidade não essencial e não ser de aplicar o princípio do aproveitamento do ato, enquanto no acórdão fundamento, foi considerado que a preterição de audição prévia se degradou em formalidade não essencial e dever aplicar-se o princípio do aproveitamento do ato;

12ª) A solução jurídica adotada no douto acórdão fundamento é a que melhor se coaduna com a natureza e os objetivos do direito de participação dos interessados na formação das decisões administrativas consagrado no artigo 267.°, n.° 5, da Constituição;

13ª) Essa solução é também a mais adequada, à luz dos princípios que norteiam a atividade administrativa, tais como os da proporcionalidade, eficiência e racionalidade administrativa, bem como de economia e celeridade procedimentais e, ainda, de utilidade para os direitos prosseguidos pelo interessado ou para as suas garantias de defesa;

14ª) A ordem jurídica admite a existência e eficácia de um ato administrativo praticado com preterição desse direito de participação, porque a sua violação apenas é sancionada com a regra geral da anulabilidade (artigo 135.° do Código do Procedimento Administrativo), que é sanável pelo decurso dos prazos de revogação e de impugnação judicial - ou, pelo menos, inimpugnável - pelo que, se não for atempadamente invocada é sanável ou deixa de poder ser anulada, em conjugação com o princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos;

15ª) O direito de participação constitui um trâmite procedimental norteado e balizado pelos respetivos fins de utilidade para os direitos prosseguidos pelo interessado ou para as suas garantias de defesa, não sendo configurado pelo legislador como um direito absoluto e que deva ser assegurado em todos os casos, antes se encontrando também subordinado a princípios de proporcionalidade, eficiência e racionalidade administrativa, bem como de economia e celeridade procedimentais;

16ª) Tanto o artigo 103.° do Código do Procedimento Administrativo como os n°s 2 e 3 do artigo 60,° da Lei Geral Tributária prevêem diversas situações, nomeadamente, de dispensa da participação dos interessados norteadas pelas finalidades substanciais visadas pelo legislador;

17ª) Além disso, os interessados são livres de exercerem ou não esse direito e, nos casos de autoliquidação de tributos, o direito de participação dos interessados nas decisões administrativas é assegurado através da faculdade que a lei lhes confere de eles próprios moldarem a decisão administrativa tributária, ao declararem a matéria tributável e ao procederem ao apuramento do tributo;

18ª) Por isso, num caso de autoliquidação obrigatória, se o contribuinte não procedeu atempadamente à autoliquidação, deverá entender-se que renunciou ao seu direito de participar na formação da decisão administrativa;

19ª) A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem adotado o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, também conhecido por teoria dos vícios inoperantes, segundo o qual não há lugar à anulação de um ato viciado, quando seja seguro que o novo ato a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo;

20ª) Além disso, também não há lugar à anulação quando o ato inválido seja um ato vinculado ou quando ocorra a redução a zero da discricionariedade, ou seja, quando o Tribunal conclua que o conteúdo do ato praticado pela Administração encerra a única solução legalmente possível aplicável ao caso concreto:

21ª) O acórdão fundamento está em linha com esta orientação jurisprudencial, que corresponde à solução mais adequada tendo em conta os objetivos visados pelo legislador ao consagrar o direito de participação dos interessados

22ª) No caso vertente, as liquidações impugnadas consistiram em aplicar uma alíquota previamente definida pela lei a um volume de vendas expresso nos balancetes de vendas que integram a contabilidade organizada da Impugnante e que foram fornecidos por esta ao INFARMED, depois de certificados pelo seu Técnico Oficial de Contas, sendo que os elementos recolhidos diretamente pelo INFARMED não conduziram a qualquer alteração desses valores, antes se destinaram a verificar, de forma cruzada, a sua veracidade; além disso, esses valores não podiam sequer ser influenciados por qualquer intervenção do INFARMED;

23ª) A Impugnante não alegou em momento algum que os volumes de vendas considerados pelo INFARMED estão errados e que deveriam ser outros os valores a considerar nem existe qualquer indício mínimo de que a liquidação efetuada pelo INFARMED seria diferente, caso tivesse sido promovida a audição prévia da Impugnante, pelo que, se as liquidações forem anuladas e promovida a audição prévia da Impugnante, o volume de vendas a considerar será o mesmo que foi considerado nas liquidações impugnadas e o tributo liquidado será também o mesmo, porque a taxa a aplicar a esse volume de vendas é a mesma;

24ª) Conclui-se, por isso, que a oposição de acórdãos deve ser resolvida no sentido preconizado pelo douto acórdão fundamento.

Pelo que, Ilustres Conselheiros, dando provimento ao presente recurso e julgando procedente a oposição de acórdãos ora invocada, bem como revogando ao acórdão recorrido e substituindo-o por outro que decida em termos consonantes com o acórdão fundamento, V, Exas. farão JUSTIÇA e cumprirão a LEI.

4. Por sua vez, a recorrida, veio concluir:

A) O presente recurso por oposição de acórdãos tem por objeto o Acórdão do Central Administrativo Sul que julgou improcedente o recurso apresentado pelo INFARMED contra a Sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial n.° 580/07.0BELSB pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos termos da qual se reconheceu, para além do mais, que o ato de liquidação em apreço padece de vício de preterição de formalidade legal decorrente da falta de audição antes da liquidação;

B) Para que se verifique a oposição de acórdãos invocada pela RECORRENTE como fundamento do presente recurso, impõe-se a demonstração de que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento perfilharam, de forma expressa e perante a identidade de situações de facto, soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito;

C) Subjacente às decisões proferidas pelo Acórdão recorrido e pelo Acórdão fundamento encontram-se situações de facto substancialmente distintas, designadamente pelo facto numa situação de facto (a do Acórdão recorrido) ter sido o ato de liquidação precedido de inspeção tributária, não tendo o ato de liquidação origem em declaração do contribuinte, ao passo que na outra situação de facto (a do Acórdão fundamento), o ato de liquidação tem origem na declaração do contribuinte;

D) O mesmo se diga em relação à questão de direito, que não é em nada semelhante, por duas razões: por um lado, uma das normas legais em questão - o artigo 60.°, n.° 2 da Lei Geral Tributária - sofreu uma alteração com a Lei n.° 53-A/2006, que faz com que a redação aplicável ao caso do Acórdão recorrido seja distinta da do Acórdão fundamento; por outro lado, e uma vez que no caso em apreço no Acórdão recorrido o ato de liquidação teve lugar na sequência de uma inspeção e não de uma declaração do contribuinte é sempre inaplicável o n.° 2 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária;

E) Pelo supra exposto não estão em discussão no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento idêntica questão de direito, não se encontrando também neste ponto preenchido outro pressuposto do Recurso por Oposição de Acórdãos;

F) Não se verificando, como acima exposto, a identidade de questões de facto e de direito, não se encontra demonstrada a questão preliminar da oposição de acórdão, exigida pelo artigo 284.°, n.° 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

G) Não obstante, sempre se diga que, a existir Oposição de Acórdãos, deverá prevalecer o entendimento propugnado pelo Acórdão recorrido, uma vez que (i) foi preterida a formalidade essencial relativa ao direito de audição antes das liquidações impugnadas, (ii) não se está perante situação que se pudesse dispensar o cumprimento desta formalidade essencial, nos termos do disposto no n.° 2 e 3 do artigo 60.° da LGT, e (iii) tal formalidade não se degradou em não essencial.

H) Não estamos perante uma situação em que se pudesse dispensar o exercício do direito de audição, uma vez que as liquidações oficiosas efetuadas pela RECORRENTE não foram emitidas na sequência de quaisquer declarações apresentadas pela RECORRIDA, mas antes correspondem ao resultado da análise feita pela RECORRENTE, de um conjunto de elementos contabilísticos disponibilizados pelo contribuinte no âmbito de uma inspeção externa;

I) E, como é entendimento pacífico da nossa jurisprudência, sempre que a Administração tributária promove correções técnicas no âmbito de procedimento de inspeção tributária tem de necessariamente de ouvir o contribuinte em momento prévio à prática dos respetivos atos de liquidação, sob pena de vício formal do procedimento tributário conducente à anulação do ato tributário. No caso em apreço, sendo a situação exatamente idêntica (i.e. correções técnicas efetuadas no âmbito de procedimento de inspeção), nada justifica uma solução jurídica distinta.

J) Contrariamente ao que invoca a RECORRENTE, o entendimento do Acórdão fundamento, no sentido de que a formalidade se degrada em não essencial, visa exclusivamente os casos em que o ato de liquidação não teve em consideração quaisquer pressupostos (i) suscetíveis de terem influência na sua emissão ou (ii) suscetíveis, em abstrato e em concreto, de serem contestados por parte do contribuinte;

K) Apenas nestes casos - atos vinculados - seria totalmente indiferente o exercício do direito de audição prévia por parte do contribuinte, uma vez que a liquidação seria sempre a mesma, quer aquele direito tivesse sido ou não exercido;

L) Contudo, no caso em apreço, o ato de liquidação teve em consideração pressupostos de facto e de direito determinantes para o apuramento do imposto a pagar, e cuja contestação, em sede de direito de audição em momento prévio àquele ato, poderia ter determinado a emissão de um ato de liquidação diferente;

M) E tanto assim é que, em se de impugnação judicial, a RECORRIDA invocou várias ilegalidades dos atos de liquidação em apreço, as quais poderiam, desde logo, ter sido invocadas em sede de direito de audição;

N) Acresce que não é possível determinar se a liquidação teria sido diferente se à RECORRIDA tivesse exercido o seu direito de audição, porque, em concreto e em abstrato, não estamos perante a prática de atos vinculados, cuja pronúncia, por parte da RECORRIDA, não fosse suscetível de influenciar a decisão final;
O) A perfilhar-se o entendimento da RECORRENTE, e em tese, o incumprimento da formalidade relativa ao exercício do direito de audição degradar-se-ia sempre, e em qualquer circunstância, em não essencial, bastando para tal que a Administração tributária, independentemente de proceder a correções técnicas no âmbito de procedimento de inspeção tributária, solicitasse ao contribuinte os elementos necessários para emitir um qualquer ato de liquidação, o que atentaria, de forma grosseira, contra o princípio constitucional do direito de participação dos administrados na decisão;

P) Em face do exposto, deverá este Douto Supremo Tribunal, confirmar as anteriores decisões judiciais do Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e do Douto Tribunal Central Administrativo Sul, no sentido de julgar verificada a preterição de uma formalidade essencial geradora de anulabilidade do ato de liquidação, nos termos do disposto no artigo 60.°, n° 1, alínea a), da Lei Geral Tributária, do artigo 267.°, n° 5, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo.

5. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1º)- A impugnante vem impugnar o ato de liquidação oficiosa da taxa incidente sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, instituída pelo art° 72°, da Lei n° 3-B/2000, de 04.04., mantida em vigor pela Lei n° 30-C/2000, de 29.12. e pela Lei nº109-B/2001, de 27.12., regulamentada pelo Dec-Lei n° 312/2002, de 20.12., relativo aos anos de 2000 a 2004 e de juros compensatórios, na importância de € 3 483.698,44 – cfr. p.i.de fls. 3 e segs., ofícios e correspondência postal, de fls 166 a 284, dos autos.

2º)- A liquidação mencionada supra, resultou de uma ação de inspeção efetuada à sociedade impugnante, tendo sido notificada da data de início da ação inspetiva e iniciando-se a mesma em 13.01.05, e recolhido os elementos relativos à contabilidade e documentos de suporte, não foi determinado a conclusão do procedimento e elaborado o relatório final, não tendo sido ouvido o interessado ao longo daquele procedimento – cfr. oficio de fls. 308 a 310, Carta aviso de fls. 321 a 327, oficio de notificação para recolha de elementos de fls. 328 e 329, Credencial de fls. 332 e 333, Auto de recolha de documentação, de fls. 334 a 349, dos autos e fls. 79 a 120, do P.A.

3º)- Da liquidação mencionada supra, deduziu reclamação graciosa, em 02.05.06, a qual foi expressamente indeferida, em 01.02.07, devidamente notificada à interessada em 19.02.07. – cfr. Ofício, Deliberação e correspondência postal, de fls. 163, 164 e 1112 e rosto da petição de reclamação, de fls. 165, dos autos.

4º) - A presente petição de impugnação foi apresentada neste Tribunal, em 05.03.07 - cfr carimbo aposto no rosto da p.i. a fls 3, dos autos.

6. No acórdão fundamento foram dados como provados os seguintes factos:

A)- C…, casado em separação de bens com D…, contribuinte fiscal n.º …, residente no lugar de … São Romão do Coronado, Trofa, era usufrutuário de duas quotas sociais no valor nominal de dois milhões cento e vinte e cinco mil escudos, cada, e três do valor nominal de cento e vinte e cinco mil escudos, cada, no capital social da sociedade comercial por quotas denominada "E…, Limitada", pessoa coletiva n.º …, com sede na Avenida …, São Martinho de Bougado, Trofa, com o capital social de cinco milhões de escudos (fls. 19 e 20 do apenso).

B)- Por escritura pública exarada em 04/04/1989, no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, C… havia cedido pelo respetivo valor nominal as duas primeiras quotas a B… e F…, seus filhos, e as restantes três a G…, H… e I…, seus netos, com reserva de usufruto para si (fls. 27 a 30 do apenso).

C)- B… e F… cederam as suas quotas à Impugnante por escritura de 27/12/1993 (fls. 31 do apenso).

D)- Por escritura pública exarada em 01/02/1994, no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, C… renunciou ao usufruto das aludidas quotas, atribuindo a cada uma delas o mesmo valor (fls. 19 e 20 do apenso).

E)- C… faleceu em 21/07/1998 (fls. 34 do apenso).

F)- O processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações n.º 7680 foi instaurado na sequência do termo de declarações entregue por B… (fls. 31 do apenso).

G)- Em 01/03/2004 o Serviço de Finanças da Trofa procedeu à liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, apurando um imposto devido no valor de 533.464,22 €, correspondente a soma da 1.ª anuidade de 26.673,23 e das restantes dezanove (19 X 26.673,23 €) - (fls. 7 dos autos e 24 do apenso).

H)- Atendendo a que o usufrutuário havia falecido em 21/07/1998, a liquidação apurou que estavam em dívida 4 anuidades, já vencidas, no valor de 106.692,86 € (fls. 7 e 24 do apenso).

I)- A liquidação do imposto sobre as sucessões e doações foi notificada a impugnante em 05/03/2004 (fls. 6 dos autos, 24 e 25 do apenso).

J)- O pagamento do imposto, de pronto, no montante de 106.692,86 €, tinha de ser efetuado durante o mês de abril de 2004 (fls. 6, 24 e 25 do apenso).

K)- As quotas adquiridas pela Impugnante a B… e F… tinham um valor de 1.101.844,29 (fls. 7).

L)- A impugnante deduziu a impugnação em 03/06/2004 (fls. 2 e 12).

7. O MºPº emitiu parecer no sentido de ser julgado findo o recurso por inexistência de oposição de julgados (v. fls. 1427/1429)

8.Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

Antes de mais, e não obstante ter sido reconhecida pelo respetivo relator do processo no TCA Sul a oposição de acórdãos, cabe referir que tal decisão não vincula este Supremo Tribunal (artº 687º, nº 4 do CPC – a que corresponde hoje o artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma), pelo que há que apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.

Ora, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

8.1. Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 - Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05;
- de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05;
- de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06.
No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se no caso dos autos se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

8.2. Na decisão recorrida entendeu-se ter sido violado o direito de audiência da impugnante com a seguinte fundamentação:

”E o vício de preterição de formalidade legal decorrente de falta de audição antes da liquidação também se verifica, pois que o montante sobre que foi aplicada a taxa - o volume de vendas de cada produto - ainda que recolhido da contabilidade e demais elementos da escrita da ora recorrida, até à fase da liquidação não foi objeto de qualquer notificação à ora recorrida que, por isso, nunca teve oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação. A liquidação não foi efetuada de acordo com qualquer posição assumida pela recorrida, pois que esta se limitou unicamente a entregar os elementos contabilísticos solicitados. Não se verificava legalmente qualquer dispensa do direito de audição dado que a liquidação não foi efetuada com base em qualquer declaração da ora recorrida como resulta do n° 2 do probatório e não se pode dizer que essa formalidade legal se degradou, in casu em não essencial porque não se demonstra que, mesmo a ser cumprida tal formalidade, a decisão final do procedimento não poderia deixar de ser a mesma, valendo em tais casos o princípio do aproveitamento do ato (cfr., neste sentido, Ac. do STA de 11.05.11, in Rec. nº 833/10 e também o rec. deste Tribunal de 14.6.2011 no rec. 3318/09). O referido vício é determinante de anulação da liquidação em causa como se entendeu na decisão sob recurso”.

No acórdão fundamento, entendeu-se ter sido também violado o mesmo direito, mas atentos os factos ali dados como provados, considerou-se que tal violação acabou por não ter influência na liquidação, uma vez que, ainda que o impugnante tivesse sido ouvido, o que quer que ele pudesse vir dizer em nada alteraria a liquidação, entretanto, efetuada.

E concluiu-se do seguinte modo: “Ora, como se deixou frisado na decisão recorrida, no caso em apreço, os factos relevantes para a liquidação estavam já todos concretizados. A audição da impugnante não alteraria em nada a fixação da matéria de facto relevante para a liquidação, uma vez que ela estava dependente de atos formais já apurados no processo de liquidação do imposto sucessório. Quais sejam: as transmissões das quotas sociais; os seus valores; a reserva do usufruto e a renúncia ao usufruto, tudo factos dependentes de prova documental que a impugnante não poderia alterar ou influenciar.
Sendo assim, é de concluir que foi correta a aplicação do referido princípio do aproveitamento do ato, por se estar perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição antes do ato de liquidação poder ter influência sobre o conteúdo desta”.

Do que ficou dito e escrito, resulta então que em ambos os casos se considerou ter sido violado o direito dos contribuintes, previsto no artº 60º da LGT. Mas, em face dos factos provados em cada um dos arestos, concluiu-se em sentido oposto quanto ao princípio do aproveitamento do ato.

Mas isto não significa oposição entre os arestos.

Na verdade, tanto no acórdão fundamento, como no acórdão recorrido, interpretou-se a norma jurídica de forma idêntica, dando-se solução diversa ao caso concreto de cada um dos processos, em face da diferente situação fáctica: no acórdão fundamento concluiu-se que a omissão de audiência prévia se degradou em formalidade não essencial e no acórdão recorrido concluiu-se que a omissão de audiência prévia não se degradou em não essencial.

Não existe assim oposição de julgados na medida em que não se verifica também o requisito da oposição das soluções jurídicas adotadas para a mesma questão fundamental de direito. Houve apenas aplicação da mesma lei e princípio a factos diversos.

Em conclusão: ambos os arestos partilharam da mesma solução jurídica tendo, no entanto, chegado a decisão divergente em face de entendimento baseado na matéria de facto provada em cada um daqueles arestos, pelo que não ocorre este requisito exigido para o recurso por oposição de acórdãos, previsto no artº 284º do CPPT, ficando prejudicado, por isso, o conhecimento do outro requisito acima enunciado. (Neste sentido se concluiu também no Acórdão de 02.05.2012 - Processo nº 0996/11, de que fomos relator e em que os factos e o acórdão fundamento eram idênticos, sendo também o mesmo o recorrente).

9. Nestes termos, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 6 de Junho de 2012. – João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.