Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0450/22.1BEVIS
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32109
Nº do Documento:SA2202404100450/22
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


Autoridade Tributária e Aduaneira, Recorrente nos autos identificados em epígrafe, em que é Recorrida AA, notificada do Acórdão proferido nos autos, vem, nos termos do disposto nos artigos 150.º do CPTA, interpor recurso de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo, para o que junta as respetivas Alegações.

Alegou, tendo concluído:
a) Nos presentes autos verificam-se os pressupostos para admissão de recurso de revista, consagrados no artigo 150.º do CPTA.
b) Designadamente, a presente Revista funda-se na violação do disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96; o Acórdão em recurso reveste-se de uma inquestionável relevância social e jurídica; não limita os seus efeitos ao caso concreto, refletindo-se muito além da esfera jurídica da Recorrida; afigurando-se indispensável a sua análise pelo Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito.
c) Andou mal o Acórdão recorrido ao acolher in totum o entendimento do TAF de Viseu.
d) O Acórdão recorrido padece de evidente erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de direito e de facto, por notória interpretação deficiente do disposto nos números 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, e no artigo 4.º-A do mesmo diploma, introduzido pela Lei n.º 80/2021.
e) Igualmente viola o disposto nos artigos 13.º e 103.º da CRP, por evidente violação dos princípios da igualdade, em todas as suas vertentes, e do princípio da legalidade, em particular no que respeita à excecionalidade dos benefícios fiscais, mas também o princípio da unicidade do ordenamento jurídico.
f) A manutenção do Acórdão recorrido na ordem jurídica irá provocar desigualdades injustificáveis entre os contribuintes, com alguns deles, já recuperados, a deixar de contribuir, para todo o sempre, para a satisfação das necessidades financeiras do Estado o que, naturalmente, terá repercussões na justa repartição dos rendimentos e da riqueza, conforme determina o artigo 103.º da CRP.
g) Mais, se este entendimento a vingar, o que não se concede, poderá, numa situação limite, e embora possa parecer exagerada, acontecer que, num futuro próximo, mais de metade da população ativa portuguesa, pelo simples facto de em determinado momento da sua vida ter padecido de doença que lhe conferiu um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, e não obstante ter entretanto recuperado, deixe de pagar impostos, abalando, desta forma, o próprio sistema fiscal.
h) Situação que a acontecer consubstancia uma violação gritante do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, pois que necessidades especiais e/ou particulares terá a Recorrida em detrimento de outros contribuintes a quem, por exemplo, pela primeira vez em 2023 lhe é atribuído um grau de incapacidade de 59%? Porque razão merecerá a Recorrida um tratamento privilegiado face aos demais?
i) O benefício fiscal em causa, e no que ao IRS diz respeito, tem por fim “compensar” a eventual perda de capacidade para obtenção de rendimentos, capacidade essa que, após uma reavaliação em que os médicos consideram ser inferior à inicialmente diagnosticada, será reabilitada. Se a capacidade é retomada, também a regra de tributação o deve ser.
j) É inquestionável que a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo prorroga de forma perpétua os benefícios fiscais daí advenientes, sem atender à verificação dos respetivos pressupostos.
k) E tal acontece porque o Tribunal a quo escudou-se unicamente na norma interpretativa que aditou os n.ºs 7 e 8 ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, e nas exposições de motivos que tiveram na base da aprovação da Lei n.º 80/2021, descorando o seu elemento histórico e, o próprio preceituado do diploma.
l) Errou também o Tribunal a quo ao reproduzir a argumentação do TAF de Viseu e ao não analisar a questão trazida em sede de recurso a propósito da idoneidade da jurisprudência invocada na decisão de 1.ª instância, que, como se disse, não se aplica à situação dos autos, considerando que naquele Acórdão estava em causa uma avaliação e uma reavaliação feitas com base em tabelas diferentes, logo, com critérios técnicos distintos que justificam a conclusão ali alcançada.
m) Como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 291/2009, e igualmente dos seus trabalhos preparatórios, o aditamento dos n.ºs 7 e 8 ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, visou, tão só, salvaguardar a situação dos portadores de incapacidade que, estando sujeitas à realização de uma nova junta médica, com base na aplicação da nova Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-lei n°352/2007, vissem diminuído o seu grau de incapacidade em consequência de diferentes critérios técnicos.
n) Ou seja, pretendeu adequar-se os procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 202/96 às instruções previstas na nova Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, dado que o Decreto-lei n.º 202/96 remetia para a revogada Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30/09.
o) Na situação objeto dos autos, quer a avaliação em 2015, quer a reavaliação em 2021, foi feita com base nos mesmos critérios técnicos consignados na atual Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, o que, desde logo, afasta a aplicabilidade do estatuído nos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96.
p) O artigo 4.º-A aditado pela Lei n.º 80/2021 é uma norma interpretativa, que visou assegurar que situações similares às espelhadas nos Acórdãos invocados pelo Tribunal a quo não se repetissem.
q) Não tem, nem pode ter, atenta a sua natureza meramente interpretativa, o alcance pretendido pela Recorrida e acolhido pelo Tribunal a quo, de prorrogar indefinidamente, e sem que estejam preenchidos os respetivos pressupostos, os direitos adquiridos.
r) O que não invalida que o princípio do tratamento mais favorável não afaste a aplicação, por exemplo, do disposto no n.º 8 do artigo 8.º do CIRS e o estabelecido no artigo 12.º da LGT, e permita que um contribuinte que, a meio do ano, veja a sua incapacidade revista, para percentagem inferior à fiscalmente relevante, possa usufruir, até ao final desse mesmo ano económico, dos benefícios inerentes à incapacidade fiscalmente relevante anteriormente concedida.
s) A manutenção de um grau de deficiência anterior, igual ou superior a 60%, em detrimento do fixado à posteriori, inferior a 60%, só é justificável se a tabela de avaliação nos dois casos for distinta, sujeita a critérios de quantificação diferentes para a mesma patologia, o que não se verifica nos presentes autos, a Recorrida foi avaliado e reavaliado com base na nova TNI.
t) Entendimento diverso consubstancia uma situação socialmente inaceitável, de se considerarem totalmente irrelevantes as alterações no estado clínico de uma pessoa que se traduzissem numa melhoria da sua situação física, discriminando, de forma totalmente injustificável, todos aqueles que, em sede da nova tabela de incapacidades, vejam ser-lhes reconhecida uma incapacidade de percentagem inferior a 60%, mas, por exemplo similar, e até superior, à da aqui Recorrida.
u) Subjugando o próprio propósito do Decreto-Lei n.º 202/96 e dos benefícios fiscais que lhe estão subjacentes.
v) Nem o despacho objeto dos autos, nem a atuação da Recorrente, merecem qualquer censura, antes estão em plena sintonia com o enquadramento jurídico vigente e aplicável à questão em análise.
w) Juízo de não censurabilidade que não pode ser feito no que ao Acórdão recorrido concerne, antes sendo evidentes os erros em que o mesmo labora por deficiente interpretação das normas em causa.
x) Face a todo o exposto, o Acórdão recorrido padece de erro de julgamento por erro manifesto sobre os pressupostos de direito e de facto, e como tal não se pode manter na ordem jurídica.
Termos em que deve o presente recurso proceder e o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado, com as legais consequências.

Contra-alegou a recorrida AA, tendo concluído:
1. A recorrente pretende agora que lhe seja reconhecido um terceiro grau de jurisdição e de sindicância, invocando novos argumentos e colocando novas interpretações que oportunamente não colocou e não sindicou quanto às decisões da 1.ª e da 2.ª instâncias.
2. Porém, não demonstrou a verificação do pressuposto de que esteja “em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” e/ou de que a sua “admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” que lhe permita esta nova sindicância e novo recurso.
3. De facto, não invoca qualquer elevada complexidade ou qualquer complexidade jurídica superior ao comum da questão em apreciação; não invoca, ou sequer exemplifica, a existência de decisões proferidas de forma pouco consistente ou contraditória por outras instâncias que justifiquem a necessidade de garantir uma uniformização da aplicação do direito em consequência desse tratamento pouco consistente ou contraditório.
4. Pelo exposto, entendemos que não deve ser admitida a revista por não estarem verificados os respetivos requisitos. Sem prescindir,
5. A recorrente não impugnou, sem sede de recurso para a 2.ª instância, a matéria de facto dada por assente na decisão proferida pela 1.ª instância, pelo que os factos assentes, e sobre os quais terá de haver pronuncia, dizem essencialmente respeito aos factos vertidos nos elementos de ordem documental juntos aos autos e na sua apreciação crítica e/ou qualificação jurídica.
6. O artigo 4º n.º 1 do Decreto-Lei 202/96, de 23 de outubro, na redação que lhe foi conferida pelo DL. n.º 291/2009, de 12 de outubro, dispõe que a avaliação da incapacidade é calculada de acordo com a TNI por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo D.L. n.º 352/2007, de 23 de outubro.
7. Porém, o artigo 4º n.º 7 do Decreto-Lei 202/96, de 23 de outubro, na redação dada pelo D.L. n.º 291/2009, de 12 de outubro, estabelece que: “nos processos de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais vigente à data da avaliação ou da última reavaliação é mantido sempre que, de acordo com declaração da junta médica, se mostre mais favorável ao avaliado”.
8. Enquanto o n.º 8 do artigo 4º do Decreto-Lei 202/96, de 23 de outubro, na redação dada pelo DL. n.º 291/2009, de 12 de outubro, estabelece que, para aquele efeito, se considera que: “o grau de incapacidade é desfavorável ao avaliado quando a alteração do grau de incapacidade resultante de revisão ou reavaliação implique a perda de direitos que o mesmo já esteja a exercer ou de benefícios que já lhe tenham sido reconhecidos.”
9. Concluindo o n.º 9 do artigo 4º do citado decreto-Lei 202/96 que: “No processo de revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade resultante da aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais mantém-se inalterado sempre que resulte num grau de incapacidade inferior ao grau determinado à data da avaliação ou última reavaliação.”
10. Perante a entrada em vigor daquele Decreto-Lei n.º 291/2009 e as dúvidas que, entretanto, foram surgindo, foi fixado por Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, N.º 187/2012-XIX, de 28 de março, e cujo entendimento ia no sentido de que nas situações de revisão ou reavaliação da incapacidade, como é a situação da Recorrente, sempre que resultasse desse procedimento a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente certificado, mantém-se inalterado esse outro, mais favorável ao sujeito passivo, desde que respeite à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade em questão.
11. Portanto, a atribuição de um grau de incapacidade inferior ao grau anteriormente certificado, no caso da Recorrida, é irrelevante para a manutenção dos benefícios fiscais que vem usufruindo porque trata-se de um grau de incapacidade inferior que respeita à mesma patologia clínica (cancro mamário), caso em que se mantém o grau/resultado da avaliação anterior.
12. Ou seja, apesar do grau de desvalorização atribuído à Recorrida ter diminuído, a doença patológica mantém-se e a Recorrida continua a ser portadora de uma deficiência que é certificada pela Junta Médica, razão pela qual esta Junta Médica, em 24-11-2021, certifica ainda que, de acordo com os documentos arquivados nos Serviços (ARS - ACES ...), a Recorrida é portadora de uma deficiência que lhe conferiram em 16-12-2015 um grau de incapacidade de 60% (sessenta por cento).
13. Esta certificação do grau de incapacidade da Recorrida surge no atual Atestado Médico Multiuso à frente da menção expressa ao «DL. n.º 202/96 c/ a redacção do DL n.º 291/2009, de 12/10 (Artigo 4º nº 7).».
14. Ou seja, é o próprio atestado médico que certifica, para efeitos dos nºs 7 do artigo 4º do Decreto-Lei 202/96 e para aplicação do princípio do tratamento mais favorável, que a situação clínica da Recorrida conduz à atribuição de uma incapacidade que é equivalente a 60%.
15. A verificação e avaliação da patologia clínica, a data em que ocorreu, o grau de incapacidade e a sua duração no tempo constituem atos médicos e, como tal, são factos da exclusiva competência da Junta Médica (subtraídos à apreciação e interpretação da Autoridade Tributária).
16. De resto, o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso é um documento autêntico e faz prova plena da avaliação nele certificada.
17. Assim, a Recorrida continua a ser portadora de uma deficiência decorrente da mesma patologia que anteriormente (em 16-12-2015) lhe conferiu um grau de incapacidade de 60% e que agora, em sede de reavaliação (em 24-11-2021), mantém-se essa patologia e mantém-se a deficiência, mas com um grau de incapacidade de 27%.
18. Aplicado o princípio do tratamento mais favorável, constante do n.º 7 do artigo 4.º do DL. n.º 202/96, de 23 de outubro, na redação que lhe foi conferida pelo DL. n.º 291/2009, de 12 de outubro, era aquele grau de incapacidade de 60% mais favorável ao utente.
19. Em suma, a Recorrente tem na sua posse os dois Atestados Médicos apresentados pela Recorrida e dos quais se extrai, de forma clara e com força plena, que à Recorrida foi concedido um grau de incapacidade de 60% em 16-12-2015, cuja patologia se insere no capítulo XVI – IV (cfr. doc. 1.) e que em 24-11-2021 continuou a ser concedido à Recorrida um grau de incapacidade de 27%, cuja patologia continua a inserir-se no capítulo XVI – IV e capítulo X-II (cfr. doc. 2).
20. Entretanto, foi publicada a Lei n. º 80/2021, de 29/11, que veio aditar (ao diploma 202/96) o artigo 4.º-A e cujo objetivo é dizer como devem ser interpretados os n.º 7 e 8 do artigo 4.º.
21. O n.º 1 do artigo 4.º-A estabelece que «À avaliação de incapacidade prevista no artigo anterior aplica-se o princípio da avaliação mais favorável ao avaliado, nos termos dos n.º 7 e 8 do artigo anterior.» e n.º 2 acrescenta que «Sempre que do processo de revisão ou reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou de benefícios já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado, desde que seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado.»
22. Com a entrada em vigor desta Lei nº 80/2021, de 29/11, ficam clarificados os processos de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade e fica prejudicada a validade de outras interpretações, lavradas anteriormente, designadamente a interpretação constante do Ofício Circulado n.º 2015 de 03/12/2019 ou a interpretação constante do Despacho do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais n.º 9 /2019 – XXII, os quais são anteriores à Lei n.º 80/2021 e não se sobrepõem a esta.
23. Acresce que o artigo 4.º-A da Lei n. º 80/2021, de 29/11, não diz em lado nenhum que as normas n.º 7 e 8 do artigo 4.º são normas transitórias, nem sequer diz ou impõe qualquer condição distintiva entre as incapacidades determinadas ao abrigo da anterior TNI (DL. n.º 341/93) e as determinadas ao abrigo da nova TNI (DL. n.º 352/2007).
24. Se fosse intenção do legislador dizê-lo, ou estabelecer qualquer distinção entre as incapacidades resultantes de uma ou outra tabela, tê-lo-ia dito nesta nova lei que nasce e foi publicada unicamente para clarificar os processos de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade, definindo a solução interpretativa que deve ser dada aos n.ºs 7 e 8 do artigo 4.º.
25. Por isso, aquelas normas estabelecem princípios jurídicos e estes devem ser respeitados e aplicados à incapacidade da aqui Recorrida com o enquadramento clarificado pela Lei n. º 80/2021, de 29/11.
26. Deste modo, a decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte fez uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação de Direito aplicável, sendo a decisão proferida insuscetível de qualquer reparo ou censura, não padecendo de qualquer vício ou erro de julgamento, pelo que deverá ser confirmada e, em consequência, ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme o acórdão recorrido, substitui-o mediante decisão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 150º, n.º 3 do CPTA, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Vem o presente recurso interposto para melhor aplicação do direito, por entender a recorrente que ocorreu notória interpretação deficiente do disposto nos números 7 e 8 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, e no artigo 4.º-A do mesmo diploma, introduzido pela Lei n.º 80/2021.
Sobre esta questão já a formação a que alude o disposto no n.º 6 do referido artigo 150º do CPTA admitiu um recurso de revista em 28-02-2024, cfr. recurso n.º 375/22.0BEVIS, para que este Supremo Tribunal respondesse à seguinte questão:
Em face da relevância social da questão (em face dos interesses sociais em causa, das instruções administrativas divulgadas pela AT e da capacidade de expansão da controvérsia) é de admitir a revista relativamente à questão de saber se, para efeitos de gozo dos benefícios fiscais concedidos às pessoas com deficiência, nos casos em que ambas as avaliações foram efectuadas à luz do TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, a AT deve relevar o grau de incapacidade inicialmente fixado em 60% ou mais quando em exame de reavaliação esse grau vier a ser fixado abaixo dos 60%, ou seja, se o princípio da avaliação mais favorável, previsto nos n.ºs 7 a 9 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 291/2009, de 12 de Outubro, e no art. 4.º-A do mesmo diploma, introduzido pela Lei n.º 80/2021, de 29 de Novembro, tem aplicação quando ambas as avaliações foram efectuadas à luz do TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
Assim, e com os mesmos fundamentos também esta revista será agora admitida.

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em admitir o presente recurso.
Custas a determinar a final.
D.n.
Lisboa, 10 de Abril de 2024. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.