Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0982/02.8BTLRS 0671/18
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
ZONA FRANCA DA MADEIRA
ISENÇÃO DE IMPOSTO
SIGILO BANCÁRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida no aresto reclamado, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por despacho ministerial, como se vê claramente do discurso jurídico da sentença esta resolveu-a julgando-a improcedente.
II - O momento mais relevante da vinculação da Administração pelo princípio da igualdade radica na autovinculação (casuística) da Administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade: a Administração só pode afastar-se de uma prática anterior, que não seja ilegal, se existirem alterações na dimensão do interesse público prosseguido ou dos interesses particulares com ele comprometidos.
III - Mas a diferenciação terá de ser sempre reportada a categorias e nunca em função de uma situação pessoal, concreta e determinada, caso em que não se trata de desigualdade mas arbítrio, discriminação.
IV - Através do despacho do Ministro das Finanças, datado de 14 de Outubro de 1999, emitido no seguimento de uma consulta formulada pela Associação Portuguesa de Bancos, consagrou-se um “quadro regulamentador” com vista a dirimir os conflitos, existentes ou meramente potenciais entre “as normas legais que estabelecem, por um lado, a necessidade de a Administração Fiscal dispor de instrumentos que lhe permitam verificar os pressupostos da isenção consagrada nos Estatutos dos Benefícios Fiscais e, por outro lado, o dever de sigilo profissional a que estão legalmente sujeitas as instituições de crédito”, pretendendo, ainda, o despacho em apreço salvaguardar o princípio da igualdade, garantindo que fosse aplicado a todas as instituições de crédito que operassem no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira (ZFM) um tratamento idêntico e, bem assim, garantir a articulação entre o princípio da cooperação com a administração fiscal e o dever de sigilo bancário.
V - Da literalidade e logicidade do ajuizado despacho resulta que no mesmo se pretendeu na realidade estabelecer um quadro regulamentador do âmbito e da forma como deveriam decorrer as inspecções tributárias relativas às actividades das Sucursais Financeiras Exteriores, visando instituir uma solução geral para o futuro, sendo essa a ratio da suspensão dos procedimentos de natureza idêntica ou similar ao mencionado na carta da Associação de Bancos Portugueses.
VI - De jure, o questionado despacho ministerial nunca seria apto, por si só, a destruir os efeitos de um acto administrativo já praticado, sendo que do mesmo nada resulta quanto a actos administrativos de liquidação de tributos praticados em data anterior à sua prolação.
VII - No novo regime que na sequência do dito despacho ministerial veio a ser consagrado no art. 63.º-B da L.G.T. - introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 19/12 -, foi previsto ser apenas aplicável quanto a “operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores” — assim, no seu n.º 8.
VIII - Conquanto não seja claro, este inciso permite que se considere apenas aplicável após 1-1-1999 a cominação de prova decorrente de incumprimento de ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal, tal como se infere da conclusão 9.ª do parecer do Conselho Consultivo da P.G.R. n.º 153/02, de 27-3-2003, em que se faz apelo a normas da L.G e do C.P.P.T., diplomas que, como é sabido, entraram em vigor na acima referida data.
IX - Segundo o princípio tempus regit actum, a legalidade dos actos administrativos afere-se pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação pelo que, na senda do Parecer antedito a recusa de exibição ou de autorização para consulta dos documentos bancários, por parte das instituições de crédito, ainda que se mostre justificada pelo não consentimento de terceiros, não impede a aplicação da cominação constante dos artigos 14º, n.º 4, da LGT e 65º, n.º 4, do CPPT, por incumprimento do ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal.
X - Assim, em relação à actividade desenvolvida posteriormente à entrada em vigor da reforma fiscal de 2001, e no tocante à mesma espécie de informações, as mesmas entidades estão sujeitas ao regime derrogatório do dever de sigilo bancário previsto nas disposições conjugadas dos artigos 63º, n.º 2, in fine, e 63º-B, n.º 1, alínea b), da LGT.
XI - Atendendo à materialidade alegada e provada, é forçoso concluir que a conduta do órgão administrativo não importa violação do princípio da imparcialidade na medida em que foram ponderados globalmente todos os factores que importavam à definição da situação jurídica do recorrente, sendo certo que o referido princípio se destina, por um lado, a assegurar a igualdade entre os contribuintes e, por outro, a garantir uma tutela efectiva da imparcialidade, transparência e isenção da Administração nos seus procedimentos, sendo a tutela destes princípios prosseguida fundamentalmente de uma forma preventiva.
XII - Tendo em vista o quadro legal aplicável, vigente à data, o referido artigo 41º do EBF, referente aos benefícios fiscais das zonas francas, à semelhança do que se prevê, também, actualmente no artigo 33º daquele Estatuto, estabelece e regula isenções, quer em sede de impostos sobre o rendimento, quer em sede de imposto do selo. De resto, este é, como salienta a doutrina, um benefício fiscal no Imposto do Selo com natureza acessória, que por razões de uniformidade tributária vem associado à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como acontece, na citada norma, a propósito da isenção em sede de IRC e de IRS.
XIII - Quanto à isenção de IRC, preceituava o artigo 41º, n° 2 do EBF, na sua redacção originária, que as entidades instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria beneficiavam de isenção de IRS e IRC até 31 de Dezembro de 2011, relativamente aos rendimentos derivados do exercício de actividade desenvolvida nessas zonas, não resultando da letra do preceito qualquer exigência quanto à residência, fora ou não do território nacional, relativamente aos destinatários das operações desenvolvidas nas zonas francas.
XIV - Tais regras só vieram a ser definidas com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/93, de 18 de Março, que passou a fazer depender a aplicação da isenção de IRC, em relação às instituições de crédito e às sociedades financeiras, da condição de não realização das operações próprias da sua actividade com entidades residentes em território português ou com estabelecimentos estáveis de não residentes aí situados.
XV - Não obstante, quanto ao beneficio fiscal consubstanciado na isenção do Imposto do Selo, prevista no citado artigo 41°, n° 7 (e posteriormente nº 11) do EBF, desde a sua consagração, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n° 293/91, de 13 de Agosto, sempre teve como pressuposto para a sua concessão a residência fora do território português dos intervenientes nos actos nele identificados ou dos destinatários das operações, como no caso dos autos, em que está em causa a tributação em sede de Imposto do Selo de operações de financiamento, em consonância, de resto, com o princípio da não aplicação de benefícios fiscais às operações com residentes no território nacional, entretanto reafirmado com as alterações introduzidas ao EBF pelo Decreto-Lei n° 84/93, de 18 de Março, acima referidas.
XVI - Por assim ser, não pode a contribuinte pretender valer-se do regime anteriormente vigente em sede de isenção de imposto sobre o rendimento para determinar os pressupostos de aplicação da isenção de imposto do selo, pois que se tratam de benefícios fiscais distintos, cujos pressupostos são objecto de regulação autónoma pelo que, constituindo pressuposto para a concessão da isenção pretendida pela impugnante a residência fora do território nacional dos intervenientes ou destinatários das operações com ela efectuadas, não logrando esta efectuar qualquer prova desse pressuposto, não pode pretender beneficiar da isenção, isso em linha com o referido Parecer emitido pelo Conselho Consultivo da P.G.R. sob n.º 153/02, de 27-3-2003, para considerar que se aplica no caso vertente o regime antigo que cominava com a não atribuição do benefício o não cumprimento do ónus de prova relativo aos respectivos requisitos.
XVII - O acto impugnado não padece de ilegalidade material derivada da sua incorrecta identificação, uma vez que a identificação das operações sujeitas a tributação foi levada a cabo pelo próprio sujeito passivo, através dos elementos por si fornecidos à Administração Tributária, resultando, também, dos autos que, por força do dever de sigilo bancário, o sujeito passivo não revelou informação acerca dos intervenientes nas operações, não podendo, agora, imputar ilegalidades ao acto sustentadas na ausência da identificação desses elementos por parte da Administração Tributária.
XVIII - No que tange à alegada violação do artigo 120°-A da Tabela Geral, conexas com as vicissitudes relacionadas com a notificação do acto tributário, que identifica como falta de menção relativa à distinção e qualificação do rendimento que se pretende tributar e falta de esclarecimento quanto à sujeição a imposto do selo nas operações realizadas através da agência de Lisboa ou através da sucursal financeira exterior na ZFM, não envolve qualquer violação de uma verba da Tabela Geral, não consubstanciando, qualquer vício de violação de lei uma vez que se ligam a questões de forma do ajuizado acto.
XIX - A notificação é, por definição, o acto pelo qual se dá o conhecimento de um facto a alguém, e, no caso vertente, tal função não pode deixar de se referenciar ao mencionado ofício. Por outro lado, o que o art. 36º, nº 2, do CPPT impõe é que as notificações contenham sempre a indicação da entidade que praticou o acto e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências, e é o incumprimento desta injunção que determina a nulidade do acto, nos termos do art. 39º, nº 11, do mesmo diploma legal.
XX - Aquelas menções deviam constar da fundamentação do acto constante do relatório de inspecção, sendo que dela emerge não só que é devido imposto do selo, designadamente sobre juros e comissões de financiamento mas também, que o sujeito passivo identificou as operações de financiamento sobre as quais incidiu a tributação como sendo canalizadas para a Sucursal Financeira Exterior na Madeira nada demonstrando a impugnante nos presentes autos que permita concluir que se trata, afinal, de operações financeiras realizadas directamente pelo Banco e sobre as quais já teria sido liquidado o imposto devido.
XXI - O Imposto do Selo foi inserido no sistema tributário português pelo Decreto-Lei nº12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, diplomas que foram objecto de inúmeras alterações posteriores.
XXII - Nos exórdios, este imposto era definível como um imposto que incidia sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, fosse qual fosse a forma do respectivo pagamento tratando-se, por isso e em regra, de um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podendo caracterizar-se, em alguns casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa.
XXIII - Com efeito, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, o mesmo incidia sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo, sendo que, em muitas circunstâncias, o imposto de selo se caracterizava como uma genuína taxa, como acontecia com o selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais.
XXIV - Só com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património operada pelo Decreto. lei 287/2003, de 12/11, o ajuizado tributo transmutou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza sendo que, no que em particularizar tange aos bens imóveis, a determinação do seu valor tributável passou a ter por base o novo sistema de avaliações constante do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
XXV - o Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n° 12700, de 20 de Novembro de 1926, e que era o aplicável ao caso vertente, não previa as regras de incidência subjectiva do imposto tal como vêm hoje consagradas no artigo 20 do Código do Imposto do Selo, também o é, tal como se salienta na sentença, que no seu artigo 231º, alínea g), inserido no capítulo “Responsabilidade pelo imposto e multas”, confinava a responsabilidade exclusiva pela multa devida pela falta de selo, designadamente, dos bancos, quanto aos documentos que receberem ou em que intervierem. Acrescendo que por força do disposto no artigo 232° do mencionado Regulamento, os responsáveis pelas multas respondiam, igualmente, pelo selo que não houvesse sido pago.
XXVI - Por esse prisma, não teria de ser notificado o mutuário (cuja identidade nem sequer era conhecida por parte da Administração Tributária em virtude do sigilo bancário invocado) para suprir a falta de pagamento do imposto, pois que a instituição bancária era, nos termos dos preceitos legais à data vigentes, responsável pela entrega do imposto em falta nos cofres do Estado.
XXVII - Não se verifica o recurso, por parte da Administração Tributária, a métodos indirectos, quando a tributação incidiu sobre o universo das operações identificadas pelo sujeito passivo e de acordo com os elementos por si fornecidos, tratando-se, portanto, de correcções técnicas, tendo sido quantificada directamente a matéria tributável.
XXVIII - Não se verifica qualquer vício de forma por obscuridade dos fundamentos de direito invocados pela Administração Tributária, pois que resulta do relatório de inspecção, no qual se alicerça a liquidação impugnada, a exposição das razões de facto e de direito que motivaram a decisão, identificando-se os elementos necessários à compreensão do sentido dessa decisão, com identificação das normas legais aplicáveis. Com efeito, ali vêm identificadas as operações sobre as quais incide o Imposto do Selo e, bem assim, as normas ao abrigo das quais a Administração Tributária pretende tributar e que determinam a incidência do imposto, no caso, os artigos 1º, 54º e 120°-A da Tabela Geral do Imposto do Selo.
XXIX - À data dos factos aqui em causa e de acordo com a regulamentação então vigente (vd. artigos 194° do Regulamento do Imposto do Selo e artigo 1º da Tabela Geral, aprovada pelo Decreto n° 21916, de 28 de Novembro de 1932), a realidade que estava sujeita a tributação era a abertura de crédito e não a utilização do crédito efectuada ao abrigo e na sequência daquele contrato, ou seja, a incidência de Imposto do Selo sobre as aberturas de crédito determinava, apenas, a liquidação e pagamento do referido imposto pela celebração do contrato, independentemente de quaisquer utilizações do crédito efectuadas em data posterior e, no caso concreto, a impugnante, não obstante alegar que a Administração Tributária procedeu à tributação de utilizações de créditos, quando estas não configuravam novas operações, não demonstra que tais operações tenham por referência um contrato de abertura de crédito, sobre o qual já teria incidido imposto, não logra demonstrar que a AT procedeu à tributação da mesma operação, não identificando quais as operações que, em concreto, correspondiam à abertura de crédito e quais as que consubstanciavam utilizações desse mesmo crédito. Em suma, não identifica nem prova quais as operações que se reconduziam a actos de utilização decorrentes de um contrato de abertura de crédito e com este relacionados, não se demonstrando o invocado erro quanto à quantificação do acto sujeito a tributação, por esta via.
XXX - É que a aplicação da isenção pretendida pela impugnante depende, desde logo, da análise dos pedidos de autorização prévia relativos a financiamentos concedidos por instituições de crédito com sede no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito com sede no continente ou Regiões Autónomas, aos quais alude a mencionada Circular, sendo necessário, outrossim, perceber se os mesmos têm por referência as operações que foram objecto de tributação no caso vertente. E a impugnante não logrou fazer essa prova, desde logo por não ter divulgado os processos relativos às operações em causa, não sendo possível, assim, determinar se em relação a elas os documentos de autorização prévia determinavam, ou não, a obrigação de constituição de depósito compulsório, sendo ocioso relembrar que é à impugnante que pretende exercer um direito legalmente previsto — direito à isenção — que cabe a prova dos pressupostos de que depende esse direito.
XXXI - A sentença recorrida não se pronunciou sobre o artº 100º do CPPT, afirmando ou afastando a hipótese de, por alguma forma, ter sido lançada a dúvida sobre a existência e/ou quantificação do facto tributário e não cabe nos poderes de cognição do STA - artº 21º, nº 4 do ETAF - averiguar e decidir da existência ou não da "fundada dúvida" a que se referia o artº 121º do CPT {hoje 100º do CPPT} pois estaria, então, a imiscuir-se no conhecimento de facto, que lhe é vedado.
XXXII - Sem embargo, o aresto sob censura não identificou nas questões a decidir, o fundamento que só agora foi esgrimido pelo que e porque os recursos visam a alteração das decisões judiciais, não cabendo ao tribunal que os decide a pronúncia sobre temas que não foram apreciados pelo tribunal recorrido, salvo os de conhecimento oficioso, a questão ficou de fora, também, do âmbito do presente recurso. Só poderia ser de outro modo se o recorrente tivesse invocado, perante este Supremo Tribunal Administrativo, a nulidade do acórdão impugnado, por omissão de pronúncia. Não o tendo feito, essa eventual nulidade, cujo conhecimento a lei não permite ex oficio, não pode ser conhecida.
XXXIII - O facto gerador da responsabilidade é o acto de liquidação inquinado de erro, pelo que, tendo o acto de liquidação impugnado sido emitido em 2 de Setembro de 1996, é in casu aplicável o disposto no artigo 24° do CPT.
XXXIV - Existe um erro imputável aos serviços, para efeitos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, quando fica demonstrado no processo que o acto impugnado está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.
XXXV - No caso concreto não se pode ter por verificado um erro imputável aos serviços da AT porque a própria impugnante reconhece que o valor da operação foi internamente registado de forma errada, o que significa que o erro que afecta o acto de liquidação teve por base um dado fornecido pelo sujeito passivo.
XXXVI - E considerando que o contravalor em escudos do montante da operação apurado corresponde ao valor líquido efectivamente creditado na conta do cliente e que resulta, como reconhece a impugnante, do câmbio utilizado (taxa de câmbio oficial de selagem e câmbio da data da operação), sendo certo que a Administração Tributária, aquando da acção inspectiva, apenas teve acesso aos câmbios médios mensais, tal como fornecido pelo contribuinte e que a AT, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, teve oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria, porquanto a ora impugnante invocou, no âmbito desse procedimento, a existência de um erro no valor da operação em apreço, mas o certo é que, como resulta da decisão proferida naquela sede, a impugnante, no âmbito do procedimento, não logrou demonstrar o real valor da operação, apenas o conseguindo fazer na presente impugnação judicial, é forçoso epilogar que não se pode entender que a AT ao decidir sobre a reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação, tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar posição sobre a situação do contribuinte com pressupostos correctos, não se representando nos autos um erro imputável aos serviços.
Nº Convencional:JSTA000P26145
Nº do Documento:SA2202007010982/02
Data de Entrada:07/04/2018
Recorrente:BANCO A..., SA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por Banco A…………., S.A. da sentença exarada no Tribunal Tributário de Lisboa em 29/12/2017, que julgou parcialmente procedente a impugnação que intentara da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de Imposto de Selo, referente aos anos de 1991, 1992 e 1993, no valor de € 4.345.299,20.

Formulou alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

“A. Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 29 de dezembro de 2017 que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial tendo por objeto as liquidações adicionais de imposto do Selo referentes aos anos de 1991, 1992 e 1993.
B. Como a AT reconhece, o local de residência dos intervenientes nas operações bancárias não foi divulgado pelo B……. (entretanto incorporado pela Recorrente) por estar abrangido pelo dever de segredo previsto no artigo 78.° do Decreto-Lei n.°298/92, de 31 de dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras),
C. E, bem assim, por não se verificar qualquer das exceções, ao cumprimento desse dever, elencadas no artigo 79.° do Decreto-Lei n.°298/92.
D. Desde logo porque os clientes recusaram autorizar a instituição de crédito — in casu, o B……. — a revelar factos ou elementos a eles relacionados (cf. artigo 79°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 298/92) (cf. § 70.° da petição inicial, não impugnado pela AT, que constava do § 12 do probatório da sentença proferida nos autos em 14 de junho de 2011).
E. A sentença recorrida é nula em virtude da falta de pronúncia sobre uma questão que o Tribunal a quo deveria e poderia apreciar (cf artigo 125°, n.° 1 do CPPT).
F. A questão cuja pronúncia foi indevidamente omitida consiste no confronto entre o dever de sigilo bancário a que o sujeito passivo estava vinculado e o dever de colaboração com as autoridades fiscais à luz da legislação em vigor aquando da ocorrência dos factos relevantes — grosso modo, entre 1991 e 1996 (tempus regit actum).
G. A essencialidade dessa questão resulta de, à data dos factos, em virtude do disposto, designadamente, nos artigos 78.° e 79°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 298/92), no artigo 34°, n°s 1 e 3, do Decreto-Lei n.° 363/78, e no artigo 41.° do EBF, inexistir dever de colaboração do contribuinte com a AT por existir outro dever juridicamente tutelado em sentido oposto que prevalecia (dever de sigilo bancário).
H. Era imprescindível que o Tribunal se pronunciasse sobre este aspeto, tal como fizeram os Tribunais noutros casos em que foi suscitado — vide, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça n.°s 068708, de 10 de abril de 1980, e 035873, de 21 de maio de 1980, e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto n.°s 0456476, de 6 de dezembro de 2004, e 9550308, de 29 de maio de 1995.
I. O Tribunal recorrido incorre não só na prática de uma nulidade processual como também num erro de julgamento que inquina a sentença.
J. Erro de julgamento que deriva do facto de o Tribunal reconduzir a controvérsia ao (alegado) incumprimento do ónus da prova pelo contribuinte sem ter em conta as circunstâncias supra mencionadas em torno do dever de sigilo bancário.
K. Ao contrário do Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer datado de 21 de dezembro de 2015, cujo teor foi posteriormente mantido, o Tribunal a quo entendeu que o despacho do Ministro das Finanças n.° 386/99-XII, de 14 de outubro de 1999, era completamente destituído de relevo — inexistente — no caso concreto (cf. pp. 5 e 6 da sentença e fls. 225, 238 e 260).
L. Relativamente ao argumento do Tribunal a quo — de que a suspensão ordenada por este despacho não abrangeria a ação de fiscalização que deu origem às liquidações de Selo ora impugnadas por não estar em curso em 14 de outubro de 1999 — dir-se-á que seria incompreensível e injustificado apenas os contribuintes contra quem corresse um procedimento nesta data pudessem beneficiar de tal suspensão.
M. Essa posição contraria o objetivo pretendido com a suspensão, que era a definição de um procedimento uniforme para a situação em que a demonstração de um pressuposto do benefício fiscal — a residência do interveniente ou contraparte na operação fora de Portugal — implicasse a derrogação do sigilo bancário pelo contribuinte, independentemente do tipo de procedimento em que pudesse estar inserido naquela data.
N. Caso a aplicação da solução preconizada pelo despacho — fosse ela qual fosse — ficasse condicionada ao tipo de procedimento em curso, estaria a introduzir-se um fator de diferenciação entre os contribuintes em função de uma circunstância que foge à esfera de controlo destes últimos, o que não se compagina com o princípio constitucional da igualdade.
O. A solução preconizada pela AT e pelo Tribunal recorrido, que se reputa como ilegal, não só ofende a mais elementar igualdade como também o princípio da justiça (cf artigo 6.° do CPA e 55.° da LGT).
P. Relativamente aos efeitos do próprio despacho sobre atos já praticados, o princípio da legalidade a que a AT está vinculada faz soçobrar o argumento do Tribunal a quo de que, qualquer que fosse o resultado do despacho ministerial, era insuscetível de afetar os atos de liquidação ou a decisão do procedimento tributário.
Q. Perante a constatação da ilegalidade de um ato, a AT tem o dever jurídico de o anular ou corrigir, seja por sua própria iniciativa, seja a pedido do contribuinte (cf. artigos 17°, alínea a), 18°, artigo 43°, alíneas b) e c), 71°, n.° 2, alínea d), 97°, n.° 1, do CPT).
R. Retirar um direito (isenção) ao particular que cumpriu um dever (sigilo bancário) em nome da prossecução do interesse de fiscalização e cobrança dos tributos públicos não é conforme com o princípio da proporcionalidade, mormente na sua aceção lata da proibição do excesso (cf. artigos 2.° da CRP e 5.º, n.° 2, do CPA).
S. Está-se a aniquilar um direito do particular em virtude do cumprimento de um dever legal (sigilo bancário) que, reflexamente, atinge o direito à reserva da intimidade da vida privada consagrado e densificado no artigo 26°, n.° 1, da CRP (do qual o sigilo bancário é uma ferramenta de proteção).
T. Numa perspetiva de idoneidade, aptidão ou adequação, a posição acolhida pelo Tribunal a quo, para além de propiciar as maiores iniquidades, desconsidera um elemento crucial que está entre o meio escolhido e o fim a prosseguir que é o dever legal que impende sobre o particular, o que significa que a medida vai além do que é necessário para atingir o fim.
U. Numa perspetiva de necessidade ou indispensabilidade da medida, a AT não necessitava de extinguir o benefício fiscal para prosseguir a finalidade de controlo da despesa fiscal.
V. A AT deveria solicitar autorização à autoridade judicial competente para aceder aos elementos relevantes, nos termos estabelecidos no artigo 34°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 363/78, de 28 de novembro, solução que (i) estava ao seu dispor, (ii) era idónea para atingir o fim em jogo e (iii) seguramente era menos gravosa para os direitos e interesses do particular.
W. Ao saltar uma etapa crucial — a prevista no artigo 34°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 363/78 — e extinguir a isenção sob o pretexto do incumprimento do ónus probatório pelo particular, a AT não só omitiu uma formalidade essencial como escolheu o meio mais gravoso dentre os possíveis para prosseguir o fim (legítimo) de fiscalização e controlo da despesa fiscal que a lei lhe confere.
X. Mais. Afeta ipso facto a propriedade privada do contribuinte, convertendo a sua obrigação de meramente liquidar imposto ao obrigado (que suporta o encargo do imposto com os próprios meios) em obrigação principal (de pagamento a expensas próprias), como resultado inelutável da desconsideração da isenção do Selo então consagrada no artigo 41°, n.° 7, do EBF.
Y. A evidente quebra no equilíbrio entre meio e fim deita por terra qualquer tentativa de demonstrar a proporcionalidade da atuação da AT que mereceu o beneplácito do Tribunal recorrido.
Z. Finalmente, vista da perspetiva do contribuinte, a restrição do direito, que consiste na extinção do benefício fiscal (da operação, salienta-se) e na ablação patrimonial (exigência do pagamento de imposto) não pode sequer considerar-se razoável.
AA. Igualmente arredado de uma decisão que extingue um benefício fiscal em virtude do cumprimento de um dever pelo contribuinte, ainda mais dispondo a AT de outros meios menos gravosos para fiscalizar o exercício desse benefício, está o princípio da imparcialidade (cf. artigo 266°, n.° 2, da CRP e artigo 6.° do CPA).
BB. Ao adotar uma conduta que não revela a — obrigatória — imparcialidade exigível, porquanto esta atropela formalismos e desconsidera deveres para atingir interesses diversos do interesse público, a AT viola, inevitavelmente, o princípio da justiça material (cf. artigo 266°, n.° 2, da CRP e artigo 6.° do CPA).
CC. O ato de liquidação é ilegal por insuficiente ou incongruente fundamentação (cf. artigo 268°, n.° 3, da CRP e artigos 19°, alínea b), 21°, 82.° e 120°, alínea c), do CPT).
DD. A AT não quantificou, com um mínimo de rigor, os factos tributários relevantes porque em momento algum identificou os concretos atos ou contratos subsumíveis à previsão do artigo 54°, da TGIS que visou tributar em Selo.
EE. Omitiu o modo como apurou a matéria tributável e o imposto em face da metodologia grosseira de determinação dos factos tributários e da obscuridade que revestiu.
FF. Não funciona a fundamentação por remissão pela simples razão de que o documento para onde se remete — os “mapas” anexos ao relatório de inspeção — é ele próprio incompleto ou insuficiente para o cabal esclarecimento do contribuinte.
GG. Nem sequer a base legal é clara na medida em que, por um lado, remete para o artigo 54.° da TGIS e, por outro lado, para os artigos 1°, 54.° e 120°-A da TGIS.
HH. A técnica utilizada — por causa imputável em exclusivo à AT, reitera-se — para determinar os factos tributários, a base tributável e o imposto é de tal forma imprecisa que o facto tributário assume contornos de (quase) ficção.
II. Assenta em indícios, aparências ou presunções, metodologia subsidiária e excecional por natureza, cuja aplicação, bem como a revelação dos critérios utilizados na determinação da matéria tributável, dependia de uma fundamentação especifica a cargo da AT que, no entanto, nunca foi esgrimida (cf. artigo 81.° do CPT).
JJ. Com efeito, existe uma dúvida fundada acerca da ocorrência e dos contornos das operações tributadas que deve conduzir à aplicação da regra segundo a qual “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado” (cf. artigo 100.º, n.° 1, do CPPT e 121.° do CPT).
KK. A técnica utilizada pelos serviços da AT faz emergir o risco não só de se submeter a tributação operações que estavam legalmente isentas como, também, o risco de dupla, tripla, quádrupla (e assim por diante, tantas quantas forem as liquidações sobre o mesmo facto) tributação, num non bis in idem vedado pelo direito fiscal.
LL. Ora, se havia uma “impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável”, ou os serviços de fiscalização da AT se socorriam do mecanismo previsto no artigo 34°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 363/78 para que o sigilo fosse levantado e os elementos em causa divulgados ou recorria à tributação por métodos indiciários ou presunções (cf. artigo 81.º do CPT).
MM. Não tendo seguindo nenhuma dessas duas vias, quando eram possíveis, ficou inquinado o procedimento, vício que se repercute, naturalmente, nas liquidações.
NN. Existe, desde logo, uma errada qualificação dos factos tributários por erro na subsunção dos mesmos à norma aplicável, in casu, a do artigo 41.°, n.° 7 (depois n.° 11), do EBF.
OO. A incorreta, porque insuficiente, subsunção dos factos à norma habilitante da correção é o resultado inelutável da ausência de destrinça entre as operações em que (a valer a tese da AT) deveria ser liquidado Selo por terem sido indevidamente isentas (realizadas pela Sucursal Financeira Exterior da Zona Franca da Madeira) e as operações que, tendo sido tributadas anteriormente, já não poderiam ser objeto de nova (dupla) tributação.
PP. Verifica-se, também, uma errónea subsunção dos factos aos artigos 54.° e 120.°-A da TGIS.
QQ. Uma vez que a AT desconhecia, por ter omitido a formalidade prevista no artigo 34.º, n.° 3, do Decreto-Lei n.°363/78, o terceiro interveniente na operação, onde residia e que contrato foi concretamente celebrado, se é que foi celebrado, não estava munida de elementos para confirmar a ocorrência do facto tributário (v.g. o título a que se refere o artigo 54.° da TGIS, o contrato que foi celebrado e os seus elementos essenciais).
RR. No que concerne ao Selo liquidado ao abrigo do disposto no artigo 120°-A da TGIS, a forma aligeirada como essa matéria, submetida ao rigor do princípio da legalidade fiscal, foi tratada pelos serviços de fiscalização está bem evidenciada na Adenda ao Relatório de Exame à Escrita, datada de 31 de maio de 1996, para onde se remete.
SS. Esse documento é revelador de que a AT não tributou aquilo que efetiva e comprovadamente reunia os pressupostos para tal mas sim... as “operações que “caíram” nas amostras” (cf alínea c) dos factos provados).
TT. Em relação aos ajustamentos não justificados nos mapas 1, 4, 7 e 8, da tributação “em bloco” efetuada pela AT e de todas as deficiências e lacunas que essa técnica apresenta surgem correções que não são devidamente justificadas pelos serviços (cf. artigo 120°, alínea c), do CPT).
UU. Quanto à tributação ilegal de operações constantes do mapa 9 (Esc. 25.082.020$00 ou €125.108,59), não tendo a AT demonstrado um pressuposto do seu direito de liquidar IS, que era a determinação de constituição do depósito compulsório, no documento de autorização da operação, pelo Banco de Portugal, a liquidação estava inquinada (cf. Circular n.° 18/91, sancionada pelo Diretor-Geral)
VV. O Tribunal de primeira instância configurou (erradamente) a questão como se reconduzindo a uma isenção quando, em rigor, está em causa a incidência objetiva, que é prévia àquela e que, à luz das regras gerais de direito, competia à AT.
WW. Trata-se de uma questão de Ónus da prova mas, ao contrário do que preconizou o Tribunal recorrido, o incumprimento é imputável à AT, e não ao sujeito passivo.
XX. Deve a Fazenda Pública ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de IS anulado (€ 191.622,23) e pago em 27 de dezembro de 2002 (cf. alínea h) dos factos provados).
YY. O lapso do contribuinte que está na origem da incorreção da liquidação desse montante apenas ganha expressão quando a AT executa — por intermédio do cálculo do imposto — a decisão ilegal de tributar previamente tomada e é nesse primeiro momento que reside a ilegalidade qualificada como erro imputável aos serviços para efeitos dos artigos 43.° e 100.º da LGT.
Termos em que deve ser concedido total provimento ao presente recurso, por provado, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e proferida decisão que considere integralmente procedente a impugnação judicial, e, por conseguinte, sejam anulados os atos de indeferimento da reclamação graciosa e as liquidações adicionais de IS relativas aos anos de 1991, 1992 e 1993, no montante de €4.153.676,97.
Mais requer a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante determinado anular € 4.345299,20 indevidamente pago a título de IS de 1991, 1992 e 1993.
Mais requer seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 6°, n.° 7, do Regulamento das Custas Processuais”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, esgrimindo a seguinte fundamentação:

“BANCO A…………., SA, inconformado com a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou improcedente a impugnação apresentada da liquidação de Imposto do Selo, referente aos anos de 1991, 1992 e 1993, no valor de € 4.345.299,20, interpôs recurso com conclusões (a fls. 369 a 376), nas quais suscita várias questões.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
No que respeita às conclusões constantes dos pontos A a BB, recolocam-se à apreciação algumas questões que foram apreciadas pelo acórdão proferido pelo T.C.A. Sul que revogou a sentença inicialmente proferida, ordenando a baixa do processo para que se conhecesse das restantes questões suscitadas.
Tendo sido deixada em aberta a dita violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por aquele despacho, crê-se que na sentença recorrida se conheceu da mesma, não sendo de acolher a nulidade que se invoca quanto à omissão de pronúncia.

VIOLAÇÃO DO princípio da igualdade:
No entanto, o considerado quanto ao procedimento consequencial ao despacho do Ministro das Finanças n.º 386/99 - XII, de 14-10-1999, não pode deixar de se repercutir na violação desse princípio da igualdade, contrariamente ao que foi decidido.
Com efeito, para afastar tal violação não bastará que o dito procedimento tivesse sido já concluído a 2-9-1996, nem que não resultasse a sua aplicação a casos como o do recorrente.
O dito despacho parte de uma realidade, a qual era a de ser muito discutível que a A.T. pudesse proceder a inspeção em instituições bancárias, como a que ocorreu no presente caso, em que o recorrente não obteve consentimento para dar acesso a documentos bancários, conforme invoca e que, resultando dos autos, não pode deixar de ser considerada.
Acresce que no novo regime que na sequência do dito despacho ministerial veio a ser consagrado no art. 63.º-B da L.G.T. - introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 19/12 -, foi previsto ser apenas aplicável quanto a “operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores” — assim, no seu n.º 8.
Este inciso, embora não seja claro, permite que se considere apenas aplicável após 1-1-1999 a cominação de prova decorrente de incumprimento de ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal, tal como se infere da conclusão 9.ª do parecer do Conselho Consultivo da P.G.R. n.º 153/02, de 27-3-2003, em que se faz apelo a normas da L.G e do C.P.P.T., diplomas que, como é sabido, entraram em vigor na acima referida data.
E é à administração que incumbe invocar e demonstrar a base legal (pressupostos vinculativos) da atuação tida, ainda que não no sentido da legalidade substantiva dos atos concretos praticados, mas quanto ao fundamento legal em que radicou as atribuições e competências — nesse sentido, acórdão da S.C.A. do S.T.A. de 26-1-2000, publicado no B.M.J. n.º 493, pág. 230.
Concluindo:
O recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido por violação do princípio da igualdade quanto às atribuições e competência para praticar o ato de inspeção, bem como por erro de direito quanto a esse pressuposto da liquidação.”
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) A impugnante incorporou, por fusão, a sociedade «B………… SA» (facto não controvertido - cfr. introito da petição inicial, a fls. 2 dos autos, e informação a fls. 44 do PAT apenso aos autos — vol. impugnação);
B) A Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa desencadeou à sociedade «B……….. SA» acção de inspecção aos exercícios de 1991, 1992 e 1993, em sede de Imposto do Selo, no âmbito da qual foram efectuadas correcções das quais resultaram o apuramento dos seguintes montantes de imposto em falta:
Ano 1991 — 315.699.895$00 (€1.574.704,44);
Ano 1992 — 523.665.937$00 (€2.612.034,68);
Ano 1993 — 223.214.599$00 (€1.113.389,73);
(cfr. relatório de exame à escrita e mapa-resumo, a fls. 57 a 68 dos autos);
C) No âmbito da acção inspectiva mencionada na alínea antecedente, foi elaborado, em i de Maio de 1996, “Adenda ao Relatório de Exame à Escrita (Imposto Selo)”, do qual consta, com interesse para a decisão, o seguinte:
“1. Justificação dos objectivos
Pretendia-se saber se o B………. (adiante designado por B……..), procedia correctamente quanto às operações mais relevantes sobre as quais incide o imposto do selo, designadamente nas aberturas de crédito, confissões de dívida, juros e comissões de financiamentos, previstos nos artigos 1º, 54º e 120°-A da Tabela Geral do Imposto do Selo (adiante designada por TGIS).
Solicitaram-se listagens das operações realizadas pelo B……, nos três exercícios em análise, a fim de se retirarem amostras com o objectivo de se apurar da correcção do tratamento dado às mesmas (...). Das amostras concluímos que havia sido liquidado imposto do selo nas aberturas de crédito, não tendo sido liquidado nas operações de financiamento, designadas pelo sujeito passivo como FEARES, B…… EXPORT, FILIMS/FELIM e Financiamentos externos/internos à importação.
Questionado o sujeito passivo dos motivos porque assim tinha procedido, foi-nos transmitido que estas operações haviam sido canalizadas para a sucursal financeira exterior na Madeira (adiante designada por off-shore) e que por esse motivo estavam, no seu entendimento, isentas de imposto do selo. (...) Não tendo o B….. facultado a documentação necessária para a prova da existência de operações que se enquadrassem nos pressupostos da isenção, ainda que sustentando essa recusa com o dever de sigilo, considerámos todas as operações sujeitas a imposto do selo e com suporte nas listagens atrás referidas, procedemos à respectiva liquidação.
Importa, no entanto, referir que não foi possível “estender” a liquidação do imposto aos juros existentes nas operações tratadas, em virtude de as listagens não conterem todos os elementos que possibilitassem o cálculo desses juros (1..). Assim, apenas apurámos o imposto em falta nos juros nas operações que “caíram” nas amostras que nos possibilitaram chegar às conclusões atrás descritas, bem como nos financiamentos externos à importação do Porto, já que as listagens evidenciam o valor dos juros cobrados.
Das listagens solicitadas retiraram-se amostras das aberturas de crédito, dos FEARES e dos FELIMS.
No que se refere às aberturas de crédito, como atrás se referiu, concluímos que foi correctamente liquidado e retido o imposto do selo previsto no art. 1º da TGIS (Anexo A, Mapa I).
Relativamente aos FEARES, FELIMS e juros, como também fá foi descrito, não houve liquidação do imposto estipulado nos arts. 1°, 54º e 120°-A da TGIS, respectivamente (Anexo A, Mapas 2 e 3).
Em face desta constatação e após nos ter sido confirmado pelos responsáveis pela contabilidade do banco da inexistência de tributação nas operações de financiamento, com atrás se referiu, tributou-se exaustivamente todas as operações constantes nas listagens que nos foram fornecidas (Anexo B), com óbvia excepção das aberturas de crédito.
Importa referir que na impossibilidade de visualizarmos os processos, o B…… forneceu-nos câmbios médios mensais e não os da data das operações, o que pode ter levado a algumas distorções no valor em PTE (escudos).” (cfr. relatório, a fls. 57 a 67 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) Por ofício datado de 2 de Setembro de 1996, foi a sociedade «B………. SA» notificada para efectuar o pagamento do Imposto do Selo relativo aos anos de 1991, 1992 e 1993, perfazendo o montante global de 1.062.580.431$00 (€5.300.128,84), constando deste ofício que os fundamentos da notificação são os constantes do relatório elaborado (cfr. ofício, a fls. 48 do PAT apenso aos autos — vol. reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E) Em 31 de Dezembro de 1996, a sociedade «B……….. SA» apresentou reclamação graciosa da liquidação de Imposto do Selo mencionada na alínea antecedente, autuada sob o n° 500748.8/96 (cfr. requerimento, a fls. 2 e seguintes do PAT apenso aos autos — vol. reclamação graciosa);
F) Em 17 de Setembro de 1999, foi enviado pela Associação Portuguesa de Bancos o ofício sob o assunto “Sucursais Financeiras Exteriores localizadas na Região Autónoma da Madeira: Operações com não residentes e dever de sigilo bancário”, dirigido ao Ministro das Finanças, com o seguinte teor, em transcrição parcial:
“Algumas Instituições de Crédito nossas Associadas têm estado a receber notificações dos Serviços de Inspecção Tributária exigindo-lhes que comprovem que as operações efectuadas pelas suas Sucursais Financeiras Exteriores (SFE), localizadas na Zona Franca da Madeira, foram realizadas com entidades não residentes em território português, devendo, para o efeito, comunicar à Administração Fiscal o nome e morada de todos os seus clientes da SFE e relação discriminada de todas as operações com eles realizadas.
Porém, se as Instituições de Crédito fornecerem os elementos que a Administração Fiscal lhes solicita com fundamento no artigo 14°, n° 4, da Lei Geral Tributária, estarão a violar frontalmente o disposto no artigo 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (...) o qual lhes impõe o dever de segredo (...).
Pelo exposto vimos solicitar a Vossa Excelência se digne superiormente estabelecer um quadro regulamentador do âmbito e da forma como deverão decorrer as inspecções tributárias relativas às actividades das SFEs, no qual seria desejável poder verificar-se o valioso contributo do Banco de Portugal, a fim de melhor se dirimir o assinalado conflito de normas, tudo em salvaguarda do sigilo bancário e da manutenção das isenções fiscais atribuídas à actividade das SFEs legalmente constituídas e a funcionar na Zona Franca da Madeira.” (cfr. ofício, a fls. 63 a 6 do PAT apenso aos autos— vol. reclamação graciosa);
G) Em resposta, foi proferido, em 14 de Outubro de 1999, pelo Ministro das Finanças, o Despacho n° 386/99-XII, com o seguinte teor:
“Considerando a natureza controvertida da questão, resultante da articulação entre as normas legais que estabelecem, por um lado, a necessidade de a Administração Fiscal dispor de instrumentos que lhe permitam verificar os pressupostos da isenção consagrada no Estatuto dos Benefícios Fiscais e, por outro lado, o dever de sigilo profissional a que estão legalmente sujeitas as instituições de crédito;
Considerando o reiterado aparecimento de situações desta índole, cuja resolução casuística e autónoma poderá lesar o princípio da igualdade;
Considerando a necessidade de estabelecimento de uma solução aplicável de forma uniforme para o futuro;
Considerando a existência de uma solicitação da Associação Portuguesa de Bancos para o desenvolvimento de uma solução geral;
Determino o seguinte:
1 — Deverá o Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, conjuntamente com o meu Gabinete, contactar a Associação Portuguesa de Bancos, de forma a definir-se, em termos urgentes, um procedimento que ultrapasse todas as questões suscitadas.
2 — Até à definição do procedimento referido no número anterior deverão ser suspensos todos os procedimentos de natureza idêntica ou similar ao referido na presente carta.” (cfr. despacho, a fls. 67 do PAT apenso aos autos — vol. reclamação graciosa);
H) Em 27 de Dezembro de 2002, a impugnante efectuou o pagamento da dívida de Imposto do Selo, relativo aos anos de 1991, 1992 e 1993, no montante de €4.345.299,20, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais constante do Decreto-Lei n° 248-A/2002 (cfr. termo de adesão e documento a lis. i36 e 138 do PAT apenso aos autos — vol. impugnação);
I) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em E) que antecede, foi elaborada pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária a informação n° 24-AJT/02, da qual resulta, designadamente, a reformulação dos cálculos do Imposto do Selo, tendo em conta os elementos apresentados pelo sujeito passivo após notificação nos termos do artigo 590 da Lei Geral Tributária, nos seguintes termos:
1991 — 249.593.924$00
1992 — 488.835.095$00
1993 — 132.725.256$00
(cfr. informação e mapa-resumo anexo, a fls. 53 a 94 do PAT apenso aos autos — vol. impugnação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J) No âmbito do mesmo procedimento de reclamação graciosa, foi elaborado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 projecto de decisão, com o seguinte teor, em transcrição parcial:
“(…)
B.2) Vício de violação de lei por errada quantificação dos actos sujeitos a tributação, nos termos do art. 1° e 54º da TGIS
(...)
38. Na sequência das alegações proferidas pelo contribuinte nos pontos 174, 175, 177 e 178 da petição, foi solicitado à reclamante, ao abrigo do art. 590 da LGT, que documentasse tais afirmações, tendo para o efeito sido enviados vários elementos que foram apreciados pela DSPIT.
39. Deste modo, remete-se a apreciação desta matéria para a informação n° 24-AJT/02 (...)
40. Pelo exposto, o imposto do selo apurado pelos serviços de fiscalização foi corrigido para os valores constantes do mapa resumo, composto por 2 folhas, juntos à informação supra citada.
B.3) Vício de violação de lei por errada quantificação dos factos sujeitos a tributação, nos termos do art. 120°-A da TGIS
(...)
42. Na sequência das alegações proferidas pelo contribuinte no ponto 181 da petição, foi solicitado à reclamante, ao abrigo do art. 59º da LGT, que documentasse tais afirmações, tendo para o efeito sido enviados vários elementos que foram apreciados pela DSPIT.
43. Deste modo, remete-se a apreciação desta matéria para a informação n° 24-AJT/02 (...)
44. Pelo exposto, o imposto do selo apurado pelos serviços de fiscalização foi corrigido para os valores constantes do mapa resumo, composto por 2 folhas, juntos à informação supra citada. (...)
CONCLUSÃO
Face ao exposto nos pontos anteriores, e salvo melhor opinião, sou de parecer que a presente reclamação seja parcialmente deferida no valor de 954.829,64€ (191.426.156$00). O imposto do selo a anular é o que se discrimina no quadro seguinte.

(cfr. projecto de decisão a fls. 97 a 107 do PAT apenso — vol. impugnação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
K) No âmbito do mesmo procedimento de reclamação graciosa, por requerimento apresentado em 24 de Julho de 2002, a ora impugnante apresentou a sua resposta em sede do exercício do direito de audição prévia (cfr. requerimento a fls. 153 e seguintes do PAT apenso aos autos — vol. reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
L) No âmbito do mesmo procedimento de reclamação graciosa, foi, em 11 de Outubro de 2002, elaborada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 informação com o seguinte conteúdo, em transcrição parcial:
“(...)
II. Inexistência da evidência de liquidação de imposto do selo
(...)
19. Na petição da reclamação graciosa, veio o contribuinte controverter o invocado alegando, entre outros motivos, que do imposto do selo apurado em falta pelos serviços de fiscalização nos mapas 1 a 8, no valor total de 968.638.753$00, apenas as operações designadas por B…./EXPORT (realizadas entre Julho/92 e Maio/93) e FELIM (realizadas entre Abril/91 e Abril/93), de que resulta imposto em falta no valor de 536.160.530$00, foram efectivamente efectuadas pela SFE. Ou seja, todas as restantes relacionadas nos mapas 1 a 8 nada têm a ver com a SFE, facto que reduziria desde logo o imposto em falta (...).
22.8. Nestes termos, e não tendo a ora reclamante feito prova, conforme lhe compete pela lei, da liquidação do imposto do selo — e respectiva entrega nos cofres do Estado — sobre operações sujeitas a tributação, sou de parecer que a correcção se mantenha.
III. Consideração de valores de operações incorrectos no mapa 3
23. Segundo adenda ao relatório síntese de exame à escrita (fls. 73 a 77), o apuramento do imposto do selo baseou-se em listagens fornecidas pelo contribuinte aos serviços de fiscalização. Quer isto dizer, que os papéis de trabalho, que compõem os mapas anexos ao relatório, reproduzem os valores constantes da contabilidade do B….. que foram disponibilizados à Administração Fiscal.
24. Pela legislação nacional a prova dos factos recai sobre quem os invoca, assim, deveria a ora exponente ter carreado ao processo o documento comprovativo da operação mencionada, por forma a demonstrar, deforma clara e evidente, que o valor da operação é de 246.037,96 FRF, tal como alegado em sede de direito de audição, e não de 246.603.037,96 FRF, como considerado pelos serviços.
25. Aliás, este foi o procedimento adoptado pela Administração Fiscal ao aceitar, em sede de projecto de decisão, a alteração do valor da operação no 20005, de 19/05/1992, de 89.228,00 ITL para 87.228.000 ITL. Mediante entrega dos documentos que podem ser consultados na pasta “Anexos*DSPIT/Mapa 3.
26. Nestes termos, considero ser de manter a correcção.
(...)
Propõe-se que o projecto de decisão se convole em definitivo e que a pretensão da reclamante seja parcialmente deferida (...).” (cfr. informação, a fls. 108 a 117 do PAT apenso aos autos — vol. impugnação);
M) No âmbito do mesmo procedimento de reclamação graciosa, pelo Director de Finanças foi proferido, em 4 de Novembro de 2002, o seguinte despacho:
“Concordo com o parecer junto e a informação anexa. Com os fundamentos deles constantes, bem como do projecto de decisão, defiro parcialmente a reclamação, nos termos propostos.” (cfr. despacho, a fls. 108 do PAT apenso aos autos — vol. impugnação);
N) O valor do financiamento relativo à operação n° 20007 (financiamento à exportação), de 22 de Maio de 1992, incluída no Mapa 3, é de PTE 5.755.984,60, correspondente ao contravalor em escudos de FRF 246.038,96 (cfr. doc. n° 2 junto com a p.i., a fls. 70 dos autos, docs. a fls. 97 e 98 dos autos, e, ainda, depoimento das testemunhas ……… e ………..);
O) O montante de PTE 5.755.984,60 corresponde ao valor líquido creditado na conta do cliente, após dedução de despesas e comissões do banco e tendo em conta a taxa de câmbio da data da operação (cfr. depoimento das testemunhas …….. e ………);
P) O valor da operação identificada em N) que antecede foi, por erro dos serviços administrativos do banco, inscrito manualmente no livro de registos como sendo de 246.603.037,96 FRF, tendo originado a liquidação adicional de imposto no valor de PTE 38.416.808,00 (cfr. doc. a fls. 119 dos autos, depoimento das testemunhas ……… e …………., e Mapa 3, elaborado conforme a informação n° 24/AJT/02, referida em I) que antecede);
Q) A petição inicial da presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa em 28 de Março de 2003 (cfr. fls. 2 dos autos).
*
Com relevância para a decisão da causa nada mais se provou.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na análise critica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do PAT apenso, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório, e, quanto à factualidade constante das alíneas N) a P) supra, a convicção do tribunal assentou, ainda, na análise conjugada dos documentos nelas identificados com os depoimentos das testemunhas ……….. e ……….
Com efeito, ambas as testemunhas demonstraram ter conhecimento directo dos factos, por trabalharem no «B……….» aquando da acção inspectiva que está na origem das liquidações de Imposto do Selo em causa nos presentes autos. Os depoimentos revelaram-se seguros e credíveis, tendo as testemunhas esclarecido o tribunal quanto ao erróneo registo do valor da operação no 20007, relativa a financiamento à exportação e, bem assim, quanto ao seu real contravalor em escudos e que foi, efectivamente, creditado na conta do cliente.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo, ex vi do artigo 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, que julgou parcialmente procedente a impugnação das liquidações adicionais de Imposto de Selo relativas aos anos de 1991, 1992 e 1993:
I.- padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre o confronto entre o dever de sigilo a que a instituição financeira estava vinculada e o dever de colaboração com as autoridades fiscais;
II.- padece de erro de julgamento por errada qualificação dos factos tributários e subsunção dos mesmos às normas aplicáveis e por incumprimento do ónus de prova por parte da AT por ocorrer fundada dúvida sobre a existência e quantificação nos termos do artº 100º do CPPT e, ainda sobre todas as questões incluso a questão dos juros indemnizatórios, infra enumeradas.

Apreciando:
*

Quanto à omissão de pronúncia, em substância, argui o recorrente no ponto II das alegações de recurso e nas conclusões insertas nas als. A a BB, que o Tribunal “se limitou a declarar que a Recorrente não podia pretender beneficiar da isenção por não efectuar a prova dos seus pressupostos (cf. p. 20 da sentença)”, ignorando a inexistência de um dever de colaboração do contribuinte com a AT e não analisando, de igual modo, o regime legal então em vigor quanto à articulação entre o dever de sigilo bancário e o dever de colaboração com as autoridades fiscais, omissão que importaria a nulidade da sentença, nos termos das alíneas b) e d), do n.°1, do artigo 615.° do C. P. Civil.
Assim, conclui o Recorrente que, por não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar a sentença é nula, nos termos dos artigos 615°, al. d) e 666.° do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT, levando ainda em conta o disposto no artº 125º deste diploma lega, devendo em consequência ordenar-se a apreciação das questões omitidas pelo tribunal recorrido.
Quid juris?
Tal como denota o EPGA, no que respeita às conclusões constantes dos pontos A a BB, recolocam-se à apreciação algumas questões que foram apreciadas pelo acórdão proferido pelo T.C.A. Sul que revogou a sentença inicialmente proferida, ordenando a baixa do processo para que se conhecesse das restantes questões suscitadas.
Tendo sido deixada em aberto a dita violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por aquele despacho, crê-se que na sentença recorrida se conheceu da mesma, não sendo de acolher a nulidade que se invoca quanto à omissão de pronúncia.
Sustenta o recorrente que a sentença em questão é nula, em razão do disposto no artigo 615º, n.º 1, d), do CPC, que estatui ser causa de nulidade da sentença em processo judicial a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 608º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J. A. Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido.
O ora Recorrente assaca à sentença a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por considerar que a mesma não se pronunciou sobre a questão supra identificada.
Afigura-se-nos que não assiste razão ao Recorrente como decorre claramente da sustentação do censurado aresto empreendida pela Mª Juíza a quo, ao ali expender o seguinte:
“(…)
Ora, a questão da inexistência de um dever de colaboração do contribuinte com a Administração Tributária, em virtude da prevalência do dever de sigilo bancário (vertida, no essencial, na alegação constante dos pontos 61 a 122 da petição inicial), a qual, por sua vez, se repercute na questão do ónus da prova quanto aos pressupostos da isenção, em face do dever de sigilo bancário, foi objecto de análise e de pronúncia por parte do Tribunal Central Administrativo Sul, em sede de recurso interposto da sentença proferida nestes autos a fls. 130 a 154, tendo aquele Alto Tribunal, por douto Acórdão de 24 de Janeiro de 2012, a fls. 180 a 191 dos autos, revogado a sentença, na parte em que havia julgado procedente a impugnação, concluindo, assim, pela improcedência do fundamento de impugnação consubstanciado no vício de violação de lei quanto aos pressupostos da liquidação, na parte referente à articulação entre o dever de sigilo bancário e à aplicabilidade do benefício fiscal aqui em causa, tendo a questão do ónus da prova dos pressupostos da isenção sido definitivamente decidida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no sentido de o mesmo pertencer à impugnante, ora recorrente.
Nesta sequência, foi determinada a baixa dos autos, para que o Tribunal a quo conhecesse dos “restantes fundamentos da impugnação judicial invocados” (cfr. págs. nv e 12 do Acórdão), pelo que não cabia a este Tribunal emitir nova pronúncia sobre uma questão que já havia sido decidida no âmbito da presente impugnação por acórdão transitado em julgado, como resulta, de resto, da identificação efectuada na sentença recorrida das questões a resolver (cfr. pág. 6).
Assim, na medida em que o Tribunal se pronunciou sobre todas as questões que lhe cumpria conhecer, perante a matéria de facto alegada e provada, julgamos que não se verifica a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”
Um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 5º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”.
E a que também se refere o art. 608º, n.º 2, do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, estando obrigado, por regra, a ocupar-se apenas dessas questões.
A sentença ficará afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Ver Abílio Neto In “Código do Processo Civil”, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.].
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143].
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal, como aconteceu no caso concreto.
Por último importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd. A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, como vimos, ao contrário do que pretende o recorrente, o tribunal recorrido conheceu de questão de que devia conhecer.
Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida no aresto reclamado, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por despacho ministerial, como se vê claramente do discurso jurídico da sentença esta resolveu-a julgando-a improcedente ao ponderar que:
“Tal suspensão, como se percebe pela leitura conjugada do oficio e do despacho que sobre ele recaiu, para além de dizer respeito a procedimentos de inspecção, apenas se aplica a procedimentos dessa natureza que estivessem, à data da prolação do despacho em apreço, em curso, atenta, desde logo, a própria natureza de uma causa suspensiva, que se aplica a um procedimento ou facto jurídico que esteja a decorrer.
Ora, não era esse o caso do procedimento de inspecção que deu, por seu turno, origem à liquidação que vem controvertida nos presentes autos, uma vez que tal liquidação foi emitida em 2 de Setembro de 1996 (cfr. alínea D) dos factos provados supra), pelo que, à data da prolação do citado despacho, já o procedimento de inspecção havia, há muito, sido concluído.
Nessa medida, tendo sido, na sequência do procedimento inspectivo, emitido um acto administrativo, consubstanciado no acto de liquidação do Imposto do Selo, tal acto é plenamente válido e produz os seus efeitos na ordem jurídica, até que se verifique a sua anulação, administrativa ou judicial. Daqui resulta que o despacho invocado pela impugnante nunca seria apto, por si só, a destruir os efeitos de um acto administrativo já praticado.
Por outro lado, atento o seu teor, também não legitima, ao contrário do entendimento preconizado pela impugnante, a anulação do acto impugnado, pois que dele nada resulta quanto a actos administrativos de liquidação de tributos praticados em data anterior à sua prolação.
Assim, improcederá a impugnação com este fundamento.”
Ora, na medida em que o Tribunal se pronunciou sobre a identificada questão a mesma não enferma do vício decisório que lhe vem assacado, improcedendo as atintes conclusões recursivas.
*
Em face do acabado de decidir, impõe-se aquilatar de seguida se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a dita questão, qual seja, a de, na consideração de que o acórdão proferido pelo T.C.A. Sul que revogou a sentença inicialmente proferida, ordenando a baixa do processo para que se conhecesse das restantes questões suscitadas, não obstante, ter deixado em aberto a possível violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por aquele despacho.
Na verdade, na sentença recorrida conheceu-se da dita violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por despacho ministerial, gizando o seguinte discurso fundamentador:
“Começa a impugnante por alegar que o acto impugnado enferma de erro de direito quanto aos pressupostos da liquidação, porquanto, por despacho do Ministro das Finanças, datado de 14 de Outubro de 1999, emitido no seguimento de uma consulta formulada pela Associação Portuguesa de Bancos, consagrou-se um “quadro regulamentador” com vista a dirimir os conflitos, existentes ou meramente potenciais entre “as normas legais que estabelecem, por um lado, a necessidade de a Administração Fiscal dispor de instrumentos que lhe permitam verificar os pressupostos da isenção consagrada nos Estatutos dos Benefícios Fiscais e, por outro lado, o dever de sigilo profissional a que estão legalmente sujeitas as instituições de crédito”, pretendendo, ainda, o despacho em apreço salvaguardar o princípio da igualdade, garantindo que fosse aplicado a todas as instituições de crédito que operassem no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira (ZFM) um tratamento idêntico e, bem assim, garantir a articulação entre o princípio da cooperação com a administração fiscal e o dever de sigilo bancário.
Conclui, assim, a impugnante, que a única conclusão possível de ser retirada do despacho do Ministro das Finanças é a de que todos os procedimentos que determinem correcções efectuadas, ou a efectuar, por parte da Administração Tributária que respeitem a isenções atribuídas às Sucursais Financeiras Exteriores a operar no âmbito da ZFM e que envolvam o acesso a informação protegida pelo sigilo bancário, devem ser suspensos até que sejam adoptadas medidas aptas a salvaguardar os valores em conflito, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação de Imposto do Selo ora impugnada.
Apreciando.
Como consta dos factos provados supra (cfr. alíneas F) e G) do probatório), a Associação Portuguesa de Bancos dirigiu ao Ministro das Finanças um oficio, interpelando-o a estabelecer um quadro regulamentador do conflito que se vinha verificando no decurso das inspecções tributárias entre a prova da realização das operações efectuadas pelas Sucursais Financeiras Exteriores, localizadas na ZFM, com entidades não residentes em território nacional e o dever de sigilo bancário a que as instituições de crédito estão vinculadas.
Em resposta à carta enviada pela referida Associação, foi proferido, em 14 de Outubro de 1999, pelo Ministro das Finanças, o Despacho n°386/99-XII, com o seguinte teor (cfr. alínea G) dos factos provados supra):
“Considerando a natureza controvertida da questão, resultante da difícil articulação entre as normas legais que estabelecem, por um lado, a necessidade de a Administração Fiscal dispor de instrumentos que lhe permitam verificar os pressupostos da isenção consagrada no Estatuto dos Benefícios Fiscais e, por outro lado, o dever de sigilo profissional a que estão legalmente sujeitas as instituições de crédito;
Considerando o reiterado aparecimento de situações desta índole, cuja resolução casuística e autónoma poderá lesar o princípio da igualdade;
Considerando a necessidade de estabelecimento de uma solução aplicável de forma uniforme para o futuro;
Considerando a existência de uma solicitação da Associação Portuguesa de Bancos para o desenvolvimento de uma solução geral;
Determino o seguinte:
1 — Deverá o Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, conjuntamente com o meu Gabinete, contactar a Associação Portuguesa de Bancos, de forma a definir-se, em termos urgentes, um procedimento que ultrapasse todas as questões suscitadas.
2 — Até à definição do procedimento referido no número anterior deverão ser suspensos todos os procedimentos de natureza idêntica ou similar ao referido na presente carta. (sublinhados nossos).
Como se retira da leitura do despacho transcrito, o mesmo pretendeu dar resposta ao solicitado pela Associação Portuguesa de Bancos, que se prendia com a adopção, por parte daquele órgão, de um quadro regulamentador do âmbito e da forma como deveriam decorrer as inspecções tributárias relativas às actividades das Sucursais Financeiras Exteriores.
Nessa medida, o Ministro das Finanças, no despacho por si proferido, em 14 de Outubro de 1999, para além de reconhecer a necessidade de adoptar medidas que conduzissem ao estabelecimento de uma solução geral para o futuro determinou, em conformidade, a suspensão dos procedimentos de natureza idêntica ou similar ao mencionado na carta da Associação de Bancos Portugueses.”
Tal suspensão, como se percebe pela leitura conjugada do oficio e do despacho que sobre ele recaiu, para além de dizer respeito a procedimentos de inspecção, apenas se aplica a procedimentos dessa natureza que estivessem, à data da prolação do despacho em apreço, em curso, atenta, desde logo, a própria natureza de uma causa suspensiva, que se aplica a um procedimento ou facto jurídico que esteja a decorrer.
Ora, não era esse o caso do procedimento de inspecção que deu, por seu turno, origem à liquidação que vem controvertida nos presentes autos, uma vez que tal liquidação foi emitida em 2 de Setembro de 1996 (cfr. alínea D) dos factos provados supra), pelo que, à data da prolação do citado despacho, já o procedimento de inspecção havia, há muito, sido concluído.
Nessa medida, tendo sido, na sequência do procedimento inspectivo, emitido um acto administrativo, consubstanciado no acto de liquidação do Imposto do Selo, tal acto é plenamente válido e produz os seus efeitos na ordem jurídica, até que se verifique a sua anulação, administrativa ou judicial. Daqui resulta que o despacho invocado pela impugnante nunca seria apto, por si só, a destruir os efeitos de um acto administrativo já praticado.
Por outro lado, atento o seu teor, também não legitima, ao contrário do entendimento preconizado pela impugnante, a anulação do acto impugnado, pois que dele nada resulta quanto a actos administrativos de liquidação de tributos praticados em data anterior à sua prolação.
Assim, improcederá a impugnação com este fundamento.”
Contra o mérito do assim fundamentado e decidido se insurge o recorrente alinhando a seguinte ordem de razões quanto à questão da violação do princípio da igualdade conexa apenas com a suspensão que foi determinada pelo ajuizado despacho ministerial:
A AT reconhece que o local de residência dos intervenientes nas operações bancárias não foi divulgado pelo B…….. (entretanto incorporado pela Recorrente) por estar abrangido pelo dever de segredo previsto no artigo 78.° do Decreto-Lei n.°298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), e, bem assim, por não se verificar qualquer das excepções, ao cumprimento desse dever, elencadas no artigo 79.° do Decreto-Lei n.°298/92.
Isso porque os clientes recusaram autorizar a instituição de crédito a revelar factos ou elementos a eles relacionados (cf. artigo 79°, n.°1, do Decreto-Lei n.°298/92) pelo que estão em confronto o dever de sigilo bancário a que o sujeito passivo estava vinculado e o dever de colaboração com as autoridades fiscais à luz da legislação em vigor aquando da ocorrência dos factos relevantes — grosso modo, entre 1991 e 1996 (tempus regit actum), tendo a AT introduzido um factor de diferenciação entre os contribuintes em função de uma circunstância que foge à esfera de controlo destes últimos, o que não se compagina com o princípio constitucional da igualdade.
Porém, há aqui um prius quanto ao enquadramento a dar a hipotisada violação do princípio da igualdade: é que, no que tange às conclusões ínsitas nas al.s A a BB, recolocam-se à apreciação algumas questões que foram apreciadas pelo acórdão proferido pelo T.C.A. Sul que revogou a sentença inicialmente proferida, entre elas as da confidencialidade e as do dever de colaboração com as autoridades fiscais à luz da legislação vigente à data dos factos, ordenando a baixa do processo para que se conhecesse das restantes questões suscitadas, pelo que, quanto a tais questões, estava o tribunal a quo e está agora este tribunal ad quem impedido de sobre elas voltar a pronunciar-se porque as mesmas ficaram abrangidas pelo caso julgado formado.
Assim, o tribunal da 1ª instância ficou vinculado a conhecer das demais questões, entre elas a violação do princípio da igualdade, embora relacionada apenas com a suspensão que foi determinada por aquele despacho, crê-se que na sentença recorrida se conheceu da mesma.
De tudo quanto dito ficou, resulta também claro que não é minimamente delineável a violação do princípio da igualdade consagrado (ao tempo) no artº 5º do CPA que textuava:
1.- Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
2.- As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesse legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
O sentido juridicamente vinculante do princípio da igualdade tem, desde há muito tempo, sido fixado exaustivamente em abundante jurispru­dência do Tribunal Constitucional e que se mostra condensada no Acórdão nº 186/90 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.°vol., p. 383):
«Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que “aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente; segundo o critério da sua desigualdade”.
Na sua dimensão material ou substancial, o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário (para uma análise dos sentidos formal e material do princípio da igualdade, cf., por todos, Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, pp, 380 e 381; Castanheira Neves, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, Coimbra, Coimbra. Editora, 1983 pp. 119, 120, 165 e 166; Bockenfõrde, W., Der Allgemeine Gleichheitssatz und die Aufgabe des Richters, Berlin, W. de Gruyter, 1957, pp. 43 e 68). Todavia, este princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
Dito de outro modo: o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa e administrativa, não veda a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adop­ção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot).»
Resulta do exposto que o acto impugnado violará o princípio de igualdade previsto no artº 13° da Constituição da República e no artº 5º, nº 1 do CPA, se se demonstrar que o mesmo é arbitrário, i. é, não tem uma justificação razoável.
O princípio da igualdade, enquanto cânone reitor das várias funções do Estado, reclama que na actividade administrativa se trate por igual o que for essencialmente igual e que se dê tratamento diferente ao que na sua essência for dissemelhante. Como dizer igualmente não é o mesmo que dizer igualitarismo, a ideia de igualdade não se opõe à existência de regimes jurídicos diferenciados; o que ela recusa é o arbítrio, ou seja, soluções de fundamento racional ou material bastante.
O princípio da igualdade está intimamente relacionado com o conceito de lei inerente ao Estado de Direito, sendo uma das suas bases essenciais, postulando o exercício de um direito igual para todos os cidadãos.
Este princípio implica, assim, que as decisões administrativas sejam tomadas segundo critérios objectivos pelo que a Administração está obrigada a proceder de modo igual em relação a dois casos iguais no plano objectivo, o que impõe que se agiu de uma forma para um terá de agir da mesma forma para outro, se os elementos de ponderação de ambos são iguais e, sob este ponto de vista, o princípio da igualdade pretende evitar o arbítrio.
Todavia e como é o caso, o princípio da igualdade só é invocável no contexto de situações idênticas, mas conformes ao Ordenamento Jurídico vigente.
Apesar de este princípio encontrar a sua raiz na actividade discricionária da Administração, não pode deixar de se entender que o respeito pela igualdade, como por quaisquer outros princípios constitucionais, configura um parâmetro de actuação vinculada. Nesse sentido o acto desigual, parcial, injusto, etc. é ilegal e traduz o vício de violação de lei.
Por vezes, não será fácil ao particular provar que existiu violação do princípio da igualdade. De qualquer maneira, tal violação será, em certas situações, facilmente, apreensível ao juiz desde que faça apelo a padrões de condutas discriminatórias.
A violação do princípio da igualdade, no plano da legalidade de actos administrativos, supõe, entre os actos em confronto, identidade de situações e um ponto de referenciação valorativa comum.
O princípio da igualdade só assume relevo nos casos em que a Administração não está vinculada a um determinado comportamento. Se o estiver, os princípios da igualdade e da legalidade têm um significado coincidente. (Ac. do STA de 14/2/91 - Recs. N.°s 28.085 e 28.171).
Nesse sentido e ao que ao caso importa, o momento mais relevante da vinculação da Administração pelo princípio da igualdade radica na “autovinculação (casuística) da Administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade: a Administração só pode afastar-se de uma prática anterior, que não seja ilegal, se existirem alterações na dimensão do interesse público prosseguido ou dos interesses particulares com ele comprometidos”- cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim, CPA Comentado, 2º Ed. pág. 100.
Mas a diferenciação terá de ser sempre reportada a categorias e nunca em função de uma situação pessoal, concreta e determinada, caso em que não se trata de desigualdade mas arbítrio, discriminação.
Delimitados o sentido e alcance do princípio da igualdade, vejamos agora se in casu o mesmo foi infringido nos termos pretendidos pelo recorrente.
Tomando posição sobre a contenda, o EPGA sustenta que o considerado quanto ao procedimento consequencial ao despacho do Ministro das Finanças n.º386/99 - XII, de 14-10-1999, não pode deixar de se repercutir na violação desse princípio da igualdade, contrariamente ao que foi decidido dado que, para afastar tal violação não bastará que o dito procedimento tivesse sido já concluído a 2-9-1996, nem que não resultasse a sua aplicação a casos como o do recorrente.
Ora, é certo que, tal como argumenta o recorrente secundado pelo EPGA, o despacho ministerial parte de uma realidade, a qual era a de ser muito discutível que a A.T. pudesse proceder a inspecção em instituições bancárias, como a que ocorreu no presente caso, em que o recorrente não obteve consentimento para dar acesso a documentos bancários, conforme invoca e que, resultando dos autos, não pode deixar de ser considerada.
Todavia, como bem se assinala na sentença recorrida, a impugnante assaca ao acto impugnado o vício de violação de lei por erro de direito quanto aos pressupostos da liquidação, na consideração de que através do despacho do Ministro das Finanças, datado de 14 de Outubro de 1999, emitido no seguimento de uma consulta formulada pela Associação Portuguesa de Bancos, consagrou-se um “quadro regulamentador” com vista a dirimir os conflitos, existentes ou meramente potenciais entre “as normas legais que estabelecem, por um lado, a necessidade de a Administração Fiscal dispor de instrumentos que lhe permitam verificar os pressupostos da isenção consagrada nos Estatutos dos Benefícios Fiscais e, por outro lado, o dever de sigilo profissional a que estão legalmente sujeitas as instituições de crédito”, pretendendo, ainda, o despacho em apreço salvaguardar o princípio da igualdade, garantindo que fosse aplicado a todas as instituições de crédito que operassem no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira (ZFM) um tratamento idêntico e, bem assim, garantir a articulação entre o princípio da cooperação com a administração fiscal e o dever de sigilo bancário.
É segundo esse raciocínio que a impugnante e ora recorrente ampara o entendimento de que o sentido do despacho é o de que todos os procedimentos que determinem correcções efectuadas, ou a efectuar, por parte da Administração Tributária que respeitem a isenções atribuídas às Sucursais Financeiras Exteriores a operar no âmbito da ZFM e que envolvam o acesso a informação protegida pelo sigilo bancário, devem ser suspensos até que sejam adoptadas medidas aptas a salvaguardar os valores em conflito, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação de Imposto do Selo ora impugnada.
Da literalidade e logicidade do ajuizado despacho resulta que no mesmo se pretendeu na realidade estabelecer um quadro regulamentador do âmbito e da forma como deveriam decorrer as inspecções tributárias relativas às actividades das Sucursais Financeiras Exteriores, visando instituir uma solução geral para o futuro, sendo essa a ratio da suspensão dos procedimentos de natureza idêntica ou similar ao mencionado na carta da Associação de Bancos Portugueses.
Por assim ser, revela-se assertiva a sentença quando afere que o regime de suspensão decretado no aludido despacho visava unicamente os procedimentos de inspecção que estivessem em curso à data da sua prolação do despacho, em curso, atenta, desde logo, a própria natureza de uma causa suspensiva, que se aplica a um procedimento ou facto jurídico que esteja a decorrer.
Significa isto que não abrangia o caso do procedimento de inspecção que esteve na base da liquidação impugnada nos presentes autos visto que a mesma foi efectuada em 2 de Setembro de 1996 como resulta da al. b) do probatório pelo que, à data da prolação do citado despacho, já o procedimento de inspecção havia, há muito, sido concluído.
É, pois, apodíctico, como se diz na sentença, que ocorrendo a liquidação de Imposto de Selo ancorada em procedimento inspectivo, tal acto é plenamente válido e produz os seus efeitos na ordem jurídica, até que se verifique a sua anulação, administrativa ou judicial.
Dito de outro modo: de jure, o questionado despacho ministerial nunca seria apto, por si só, a destruir os efeitos de um acto administrativo já praticado, sendo que do mesmo nada resulta quanto a actos administrativos de liquidação de tributos praticados em data anterior à sua prolação.
E acresce que, como salienta o EPGA, no novo regime que na sequência do dito despacho ministerial veio a ser consagrado no art. 63.º-B da L.G.T. - introduzido pela Lei n.º 30-G/2000, de 19/12 -, foi previsto ser apenas aplicável quanto a “operações e movimentos bancários realizados após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do regime vigente para as situações anteriores” — assim, no seu n.º 8.
E, como também acentua o EPGA, este inciso, embora não seja claro, permite que se considere apenas aplicável após 1-1-1999 a cominação de prova decorrente de incumprimento de ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal, tal como se infere da conclusão 9.ª do parecer do Conselho Consultivo da P.G.R. n.º 153/02, de 27-3-2003, em que se faz apelo a normas da L.G e do C.P.P.T., diplomas que, como é sabido, entraram em vigor na acima referida data.
Cabe então invocar aqui o princípio tempus regit actum segundo o qual, a legalidade dos actos administrativos afere-se pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação (na jurisprudência, entre outros, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, SCA, de 12.07.2006, in processo n.°01239/05, e da, de 12.07.2006, in processo n.°01239/05, de 11-07-2012, Processo nº 0808/12, Processo nº0824/11, 21-11-2012, Processo nº 01176/11, 23-09-2015, Processo nº079/15, disponíveis em www.dgsi.pt).
E, na verdade, é dentro destes limites que o litígio tem de ser resolvido, sendo pacífico que um dos aspectos fundamentais que não pode ficar à margem desta regulação é o referente às situações, jurídicas ou de facto, constituídas ou criadas em momento anterior à entrada em vigor da normação que surgiu sequente e consequentemente ao despacho ministerial em apreço, mas que projectam os seus efeitos no tempo, tendo sempre presente a CRP, mormente o princípio da legalidade tributária.
Entendemos que, estando concluído o procedimento que deu origem à liquidação impugnada e efectuada esta, decorre do referido despacho uma impossibilidade de expectativas jurídicas poderem conduzir à violação do princípio da igualdade nos termos configurados pelo recorrente sempre que, entretanto, tenham entrado em vigor normas legais que assim o impeçam.
É esta a abordagem que legalmente se impõe relativamente àquelas situações que, tendo surgido ao abrigo do regime legal anterior, têm um tratamento diferenciado ao abrigo do regime actual.
Sem dúvida que estamos numa sede sujeita à imposição constitucional e legal da ponderação de todos os interesses públicos e privados coenvolvidos, bem como ao cumprimento do princípio da proporcionalidade em matéria de planeamento territorial.
Tendo o acto impugnado sido proferido antes do proferimento do despacho ministerial e das alterações legislativas que se lhe sucederam, na ausência de disposição em contrário, a questão tinha de ser ponderada, à luz do direito vigente à data da sua prática.
Este é um princípio próprio do Direito Administrativo, segundo o qual as condições de validade de um acto administrativo devem ser apreciadas à luz do direito vigente à data em que o acto é praticado ("tempus regit actus") (cfr. ainda artº 12º nº 2 do CPC e entre outros o Ac. STA-SCA de 06.06.2007, rec. 734/06).
O princípio "tempus regit actum" manda aferir a legalidade do acto administrativo pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação – cfr. Acórdão do STA-SCA de 03-04-2003, Recurso nº02046/02.
Já no acórdão STA de 4.7.02, proferido no recurso 852/02, se assinalava ser "…pacífica a jurisprudência deste Tribunal que afirma, no âmbito do contencioso administrativo, a vigência do princípio “tempus regit actum”, segundo o qual, a apreciação da legalidade dos actos administrativos deve ter em conta, apenas, a realidade fáctica existente no momento da sua prática e o quadro normativo então em vigor” (Acórdãos STA-SCA de 6.2.02, no recurso 37633, Pleno, e de 7.2.02, no recurso 48295).
Com efeito, nesta área rege, em regra, o princípio do “tempus regit actus” que, aliás, se trata, em bom rigor, de um princípio geral do direito administrativo a regra de que os actos administrativos se regem pela lei existente à data da sua prática, princípio esse que se apresenta como uma consequência do princípio da legalidade Administração.
Temos assim, que, em princípio, não é lícito invalidar um acto administrativo com base num quadro legal não vigente à data da sua prática.
Vide, neste sentido, entre outros, os Acs. deste STA, de 20-11-69 (Pleno) - AD 97, a págs. 144, de 22-7-76 (Pleno) AD 160-1672, de 17-12-80 (Pleno) - AD 233-637 e de 23-1-86 (Pleno) - AD 299-1379 e da Secção de 27-9-88 - AD 351-285, de 10-1-89 - AD 303, de 29-1-91 - Rec. 28831, de 2-12-93 - Rec. 31797 e de 30-3-95 - Rec. 26880.
E, isto, sem prejuízo de nalgumas situações ser de aplicar a figura de invalidade sucessiva ou superveniente, que decorre de um acto, originariamente válido, vir a ser invalidado “ex vi” de uma alteração superveniente da situação de facto ou de direito que esteve na base da sua prática.
Cfr., quanto a esta questão, Pedro Gonçalves, in “A nulidade dos actos administrativos de gestão urbanística”, na Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente”, Ano, 1, 99, a págs. 34 e seguintes.
Acresce que, relativamente à aplicação no tempo da lei administrativa, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12°, n°2 do CC.
A situação em análise afere-se, pois, pela lei vigorante ao tempo da verificação da situação hipotisada na lei; estamos, pois, no domínio do princípio “tempus regit actum”, por força do qual a legislação nova jamais seria aplicável ao presente caso.
Segundo a hermenêutica que reputamos mais correcta e perfilhamos, o que o normativo do CC determina é a aplicação imediata da lei nova às relações processuais pendentes e não às relações subjectivas materiais que sejam objecto de cognição do próprio processo e cuja regulação pode ser feita por normas substantivas insertas em outros compêndios legais.
Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito pela validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Na parte final do nº 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República).
Seguindo essa linha de raciocínio a Lei Nova só seria aplicável aos actos constituídos antes da sua entrada em vigor se fosse essa a vontade expressa do legislador.
Essa vontade não está inequivocamente afirmada, devendo resolver-se a dúvida, se a houvesse - e não há - com a ressalva de retroactividade constante do nº 1 do artº 12º do Ccivil.
Coloca-se aqui a questão de saber quando é que se entendem produzidos pelos factos que a lei visa regular os efeitos jurídicos, a que o Prof. J. Baptista Machado dá resposta na sua obra «Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil», pág. 125:
«Um efeito de direito produziu-se sob o domínio da LA quando na vigência desta lei se verificaram o facto ou os factos que, de acordo com a respectiva hipótese legal da LA, o desencadeiam».
Assim e ainda de acordo com Baptista Machado, in ob. cit., págs. 99, 100 e Introdução. pág. 234, a lei nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas ex lege, por força da verificação de certos factos. Por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do nº 1, também se acha englobada na previsão do nº 2, primeira parte, do referido artº 12º do C. Civil.
Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal a partir do início da sua vigência.
Para rematar, tem máximo cabimento evocar a doutrina que dimana do douto Parecer emitido pelo Conselho Consultivo da P.G.R. sob n.º 153/02, de 27-3-2003, mais especificamente das respectivas conclusões onde se condensam todas as antecedentes razões para considerar que se aplica no caso vertente o regime antigo que cominava com a não atribuição do benefício o não cumprimento do ónus de prova relativo aos respectivos requisitos:
“1.ª O artigo 33º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, correspondente ao artigo 41º, na versão originária desse diploma, estabelece como condição para a concessão de isenção de IRC relativamente à actividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades financeiras instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, a não realização de operações com residentes em território português;
2.ª No regime jurídico anterior à reforma fiscal de 2001, corporizada na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, os elementos identificativos dos intervenientes em operações bancárias ou financeiras levadas a efeito por aquelas entidades encontravam-se abrangidos pelo dever de sigilo bancário previsto no artigo 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro;
3.ª No entanto, nos termos das disposições conjugadas dos artigo 41º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 307/95, de 20 de Novembro, 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), e 65º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), era às entidades beneficiárias da isenção de imposto que competia efectuar a prova dos requisitos do reconhecimento do benefício fiscal, incluindo o referente à aludida qualidade de não residente;
4.ª Em face do que dispõem os artigos 14º, n.º 4, da LGT e 65º, n.º 4, do CPPT, o não cumprimento do ónus da prova dos pressupostos da concessão dos benefícios fiscais, ainda que por recusa de consentimento, por parte dos terceiros a quem respeitam as operações, na divulgação dos elementos de informação bancária, implica a perda dos referidos benefícios;
5.ª Segundo a actual redacção do citado artigo 33º do EBF, resultante da Lei n.º 30-F/2000, de 29 de Dezembro, com as alterações entretanto introduzidas pelas Leis n.ºs 109-B/2001, de 27 de Dezembro, e 32-B/2002, de 29 Dezembro, incumbe às entidades beneficiárias o ónus da prova da qualidade de não residente dos intervenientes nas operações bancárias, para efeito da concessão do benefício fiscal (n.º 16), presumindo-se que as operações em causa foram realizadas com entidades residentes em território português, quando não seja efectuada essa prova (n.º 19, alínea c));
6.ª Do mesmo passo, a Lei n.º 30-G/2000, da mesma data, mediante a alteração do artigo 63º da LGT e o aditamento do artigo 63º-B à mesma Lei, instituiu um regime de derrogação do dever de segredo bancário, que permite o acesso directo da administração tributária aos documentos bancários em caso de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, nomeadamente para efeitos de controlo dos pressupostos da atribuição dos benefícios fiscais;
7.ª Em conformidade com as antecedentes conclusões, a administração tributária não carece de adoptar qualquer acção de fiscalização, para confirmar a qualidade de não residente dos intervenientes em operações bancárias, para os efeitos previstos no artigo 33º, nº 1, alínea c), do EBF, bastando-lhe constatar o incumprimento do ónus da prova, por parte da entidade visada, para poder declarar sem efeito o benefício fiscal concedido, com a consequente sujeição da entidade em causa ao regime-regra de tributação;
8.ª Caso os órgãos de fiscalização pretendam obter, por sua iniciativa, os elementos de informação bancária necessários à comprovação daquele requisito, em relação às operações já contratadas de acordo como regime anterior à reforma fiscal de 2001, as instituições de crédito poderão legitimamente recusar a apresentação desses elementos, com fundamento no sigilo bancário;
9.ª Na hipótese considerada na anterior conclusão, a recusa de exibição ou de autorização para consulta dos documentos bancários, por parte das instituições de crédito, ainda que se mostre justificada pelo não consentimento de terceiros, não impede a aplicação da cominação constante dos artigos 14º, n.º 4, da LGT e 65º, n.º 4, do CPPT, por incumprimento do ónus de prova relativo aos requisitos da atribuição do benefício fiscal;
10ª Em relação à actividade desenvolvida posteriormente à entrada em vigor da reforma fiscal de 2001, e no tocante à mesma espécie de informações, as mesmas entidades estão sujeitas ao regime derrogatório do dever de sigilo bancário previsto nas disposições conjugadas dos artigos 63º, n.º 2, in fine, e 63º-B, n.º 1, alínea b), da LGT.”
Importa de novo sublinhar, que o problema da relevância da superveniência de normas jurídicas, tem que ser analisado no plano substantivo e não num plano estritamente processual. A acção de impugnação, em que a causa de pedir é constituída por ilegalidades imputadas ao acto de liquidação, é uma acção de natureza impugnatória, cuja questão central, como se sabe, é a validade daquele acto. Ora, tratando-se de um processo de impugnação de acto administrativo, aquela questão só pode ser apreciada e resolvida por referência às normas vigentes no momento em que a liquidação e todo o procedimento que à mesma conduziu, foram praticados. O que releva aqui é o princípio tempus regit actum, um princípio de direito substantivo, segundo o qual a validade dos actos jurídicos deve aferir-se por referência aos factos existentes e às normas vigentes no momento da respectiva produção.
Em regra, não se pode atender ao ius superveniens que surge na pendência do processo, porque o que está em causa é a validade de um acto jurídico que deve ser confrontado com o quadro normativo que existia ao tempo em que foi praticado.
E se assim é, tem razão a sentença recorrida quando julgou que a independentemente da solução legal que veio a ser adoptada na decorrência do despacho ministerial, não podia a mesma ser considerada para anular o acto impugnado pela razão maior de que, como flui do probatório, o despacho ministerial ter sido exarado posteriormente àquele procedimento, sendo certo que o novo regime legal a que terá dado origem o referido despacho não é aplicável ao caso concreto.
Assim, é por demais evidente que a AT terá utilizado critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos e de posições diferenciadas em que o recorrente se encontrava em relação aos outros contribuintes cujos procedimentos inspectivos estavam pendentes ou se iniciaram posteriormente à emissão do despacho ministerial de suspensão, sendo a mudança de critérios, com o fundamento material que consta do despacho, não violadora do princípio da igualdade: a Administração só pode afastar-se de uma prática anterior, que não seja ilegal, se existirem alterações na dimensão do interesse público prosseguido ou dos interesses particulares com ele comprometidos.
Acresce que o princípio da proporcionalidade, ou da proibição do excesso e o da imparcialidade, a que o recorrente também alude nas suas conclusões, constitui um limite interno da discricionariedade administrativa segundo o qual a Administração estava obrigada à realização do interesse público pelo meio que represente um menor sacrifício para a posição jurídica do contribuinte.
O falado princípio exigia que a decisão fosse adequada- princípio da adequação-, i. é, que a lesão da posição jurídica do recorrente teria de revelar-se adequada, apta, à prossecução do interesse público tido em vista; necessária- princípio da necessidade-, que impunha que a lesão da posição do A fosse necessária ou exigível, que por qualquer outro meio não fosse possível satisfazer o interesse público e proporcional - princípio da proporcionalidade- que exigia que a lesão sofrida pelo A fosse proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público.
Neste contexto e na esteira do ensinamento de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim, Ob. Cit,. pág. 105, a “inadequação ou desproporcionalidade dos meios e instrumentos procedimentais usados revelar-se-á normalmente através dos erros que se cometerem na decisão final, em matéria de apuramento de factos e da sua apreciação jurídica” (...) a decisão do procedimento administrativo não é inadequada ou desproporcionada pelos meios procedimentais usados serem inadequados ou desproporcionados, mas porque, por causa disso, ou não se tomaram em conta pressupostos que o deviam ter sido ou (ao contrário) fizeram-se sobre eles qualificações legalmente erróneas, incorrendo-se na decisão final em ilegalidade (desproporcionalidade e eventualmente, mesmo em desigualdade).
O certo é que, como já se fundamentou, a opção da AT é tão inequívoca e claramente propositada que uma qualquer pessoa conclui facilmente, que o comportamento escolhido não é ostensivamente desproporcionado à satisfação do fim legal dada a imparcialidade manifestada.

Na verdade, na actuação administrativa teria de existir uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim que se pretende atingir pelo que a proporcionalidade terá que se verificar entre o fim da lei e o fim do acto, entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir tal fim e entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas.
Nessa perspectiva, esse princípio pode ser denominado, na sua ampla acepção, como princípio da congruência ou idoneidade: O acto deve servir o fim em vista da qual a norma configura o poder que o acto exercita e a medida interventora terá de se manifestar como objectivamente idónea para superar a situação concreta sobre a qual a Administração pretende agir.
Mas também pode analisar-se na proibição do excesso que impõe que na actuação administrativa se escolha dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes aquelas que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos - ou seja, prevê-se intervenção mínima em perfeita consonância com o princípio de favor libertatis.
Segundo J. Gonzalez Perez in "La buena fé en el derecho Administrativo", a pág. 50 uma actuação desproporcionada é contrária às exigências de boa-fé, enquanto o sujeito adopta uma conduta que não é conduta normal e recta que poderia esperar-se de uma pessoa normal. Não é normal exigir mais que o necessário, para atingir o fim prosseguido. Não actua de boa-fé o que agrava o outro desnecessariamente e lhe impõe limitações superiores às necessárias para cumprir a finalidade pretendida ou exige prestações desproporcionadas. O princípio da proporcionalidade vem, assim, a coincidir em certos aspectos com o princípio da boa-fé.
E quanto aos também invocados princípios da justiça e da imparcialidade determina o artº 6º do CPA que “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação.”
A Justiça de que se fala neste normativo é a “constitucionalmente plasmada em critérios materiais ou de valor, como por exemplo, o da dignidade da pessoa humana, da efectividade dos direitos fundamentais, da igualdade”- vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, pág. 925.
Nessa acepção, o princípio da justiça não se apresenta com autonomia em relação a outros princípios que lhe são instrumentais como são os da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade, da imparcialidade e da protecção de direitos e interesses legalmente protegidos.
Esse princípio é a última “ratio” da subordinação da Administração ao Direito, tornando inválidos os actos que, não estando abrangidos pelas condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, se apresentam uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, mormente os plasmados em preceitos referentes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa – fé e confiança no Direito.
Como desde há muito se vem entendendo, o princípio da justiça engloba o princípio da justiça stricto sensu (art. 266°, n.° 2 da C.R.P.), o princípio da igualdade (art. 13.º) e o princípio da proporcionalidade (art° 272.°, n.° 2) e o princípio da justiça abrangendo o princípio da igualdade, constituirá um momento vinculativo do acto administrativo, gerando o seu não acatamento o vício de violação de lei. (Ac. do STA de 13/11/86 - AD. 307, 958), o mesmo não foi violado nos termos supra analisados quanto àqueles dois princípios.
Já o dever de imparcialidade impõe que a Administração pondere, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares.
E a imparcialidade é um limite essencial na fase e actividade instrutória, na recolha e valoração dos factos respeitantes às posições dos diversos interessados, exigindo-se que a Administração adopte uma postura isenta na busca e ponderação de todas elas.
Nesse sentido, como salientam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco Amorim, Ob. Cit,. pág. 107 o princípio da imparcialidade “...é um antecedente, um prius, em relação ao princípio da proporcionalidade: com este sancionam-se as condutas que sacrificam (ou beneficiam) desproporcionadamente certos dos interesses envolvidos face a outros; com aquele, as condutas tomadas sem (ou com) ponderação de interesses que (não) o deviam ser.
Ora, atendendo à materialidade alegada e provada, dúvidas não podem existir de que a conduta do órgão administrativo não importa violação do princípio da imparcialidade na medida em que foram ponderados globalmente todos os factores que importavam à definição da situação jurídica do recorrente, sendo certo que o referido princípio se destina, por um lado, a assegurar a igualdade entre os contribuintes e, por outro, a garantir uma tutela efectiva da imparcialidade, transparência e isenção da Administração nos seus procedimentos, sendo a tutela destes princípios prosseguida fundamentalmente de uma forma preventiva.
Conforme se pode ler no acórdão do STA de 23-03-2006, proc. 1057/04, «De tal modo é assim que basta neste caso admitir a possibilidade de um tal desrespeito criar um perigo de lesão e de actuação parcial para constituir fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efectiva violação dos interesses de algum dos concorrentes (neste sentido, o Ac. do STA/Pleno, de 20.01.98. in Proc. 36.164; também, o Ac do STA de 14.05.96, in AD nº 419/1265)" (- Ver, ainda, os acórdãos de 21-03-2001, Proc.0 n.° 29.139, in Ap DR de 21-07-2003, 2158, e de 30-04-2003, do Pleno, Proc.0 n.° 32377, in Ap DR 12-5-2004, 473.)» - vide ainda acórdão do STA de 9-12-2004, Proc. n° 594/04.
De tudo quanto vem dito, decorre que a sentença não é digna das censuras que lhe foram dirigidas quanto ao tratamento da questão sob análise, improcedendo, pois, o recurso nessa óptica.

*
O acabado de decidir implica que se apreciem as soluções ditadas na sentença quanto ao mérito dos demais fundamentos da impugnação que, em acatamento do referido acórdão do TCAS, também conheceu.
Antecipe-se que o tratamento dado a tais questões merece a nossa plena concordância por corresponderem a uma correcta hermenêutica e aplicação das normas jurídicas implicadas e convocadas para a solução do caso concreto.

Assim:

-do vício de violação de lei, por errada qualificação dos factos tributários, desde logo, por errada subsunção dos factos realmente ocorridos à norma legal aplicável — o artigo 41° do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n° 215/89, de 1 de Junho:

No ponto, sustenta a ora recorrente que é exigível que a definição, em termos de âmbito de aplicação, do regime de isenção de Imposto do Selo se faça por referência e em estreita ligação com as isenções de IRS ou de IRC relativas a rendimentos gerados nas zonas francas.
Isso porque, com a publicação do Decreto-Lei n° 10/94, de 13 de Janeiro, o legislador veio distinguir entre Sucursal Financeira Exterior e Internacional, tendo como objectivo definir o regime jurídico aplicável às operações realizadas por cada uma destas entidades, sendo que, ao abrigo destas novas regras, as Sucursais Financeiras Exteriores excluem da sua actividade as operações com residentes e com as restantes entidades referidas na alínea e) do n° 1 do artigo 41º do EBF e as Sucursais Financeiras Internacionais incluem no âmbito da sua actividade operações com residentes e não residentes.
Daí extrai o recorrente que, até à alteração do artigo 41° do EBF introduzida pelo Decreto-Lei nº 84/93, de 18 de Março e, bem assim, até ao momento da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 10/94, de 13 de Janeiro, o regime de isenções fiscais previstos no artigo 41° do EBF, onde se inclui a isenção de Imposto do Selo, era aplicável às Sucursais Financeiras Exteriores, ainda que realizassem operações com residentes, razão pela qual não podia a Administração Tributária concluir, sem mais, que a não revelação da identidade dos clientes da Sucursal Financeira Exterior determine, de imediato, a perda dos benefícios consignados naquele preceito.
Discreteia-se assim e assertivamente na bem elaborada fundamentação jurídica da sentença:
“Dispunha o artigo 41°, n° 7 do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n° 215/89, de 1 de Julho (na redacção em vigor à data dos factos tributários em causa nos presentes autos, introduzida pelo Decreto-Lei n° 293/91, de 13 de Agosto) o seguinte: “São isentos de selo os documentos, livros, papéis, contratos, operações, actos e produtos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo respeitantes a entidades licenciadas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatários entidades residentes em território nacional (sublinhado nosso).
A referida norma legal foi, ainda, objecto de alteração e renumeração pelo Decreto-Lei n° 84/93, de 18 de Março, passando a matéria de isenção de Imposto do Selo a estar regulada no n° 11 do artigo 41°, nos seguintes termos: “São isentos de imposto do selo os documentos, livros, papéis, contratos, operações, actos e produtos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo respeitantes a entidades licenciadas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria, salvo quando tenham por intervenientes ou destinatários entidades residentes no território nacional, exceptuadas as zonas francas, ou estabelecimentos estáveis de entidades não residentes que naquele se situem.”
Definido o quadro legal aplicável, vigente à data, importa sublinhar que o referido artigo 41º do EBF, referente aos benefícios fiscais das zonas francas, à semelhança do que se prevê, também, actualmente no artigo 33º daquele Estatuto, estabelece e regula isenções, quer em sede de impostos sobre o rendimento, quer em sede de imposto do selo. De resto, este é, como salienta a doutrina, um benefício fiscal no Imposto do Selo com natureza acessória, que por razões de uniformidade tributária vem associado à extrafiscalidade criada para outros impostos estaduais, como acontece, na citada norma, a propósito da isenção em sede de IRC e de IRS (cfr., neste sentido, Guilherme Waldemar D’ Oliveira Martins, “Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime”, Cadernos IDEFF, n° 6, Almedina, pp. 205 e seguintes).
Quanto à isenção de IRC, preceituava o artigo 41º, n° 2 do EBF, na sua redacção originária, que as entidades instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha de Santa Maria beneficiavam de isenção de IRS e IRC até 31 de Dezembro de 2011, relativamente aos rendimentos derivados do exercício de actividade desenvolvida nessas zonas.
Da letra do preceito não resultava qualquer exigência quanto à residência, fora ou não do território nacional, relativamente aos destinatários das operações desenvolvidas nas zonas francas.
Tais regras só vieram a ser definidas com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 84/93, de 18 de Março, que passou a fazer depender a aplicação da isenção de IRC, em relação às instituições de crédito e às sociedades financeiras, da condição de não realização das operações próprias da sua actividade com entidades residentes em território português ou com estabelecimentos estáveis de não residentes aí situados.
Todavia, quanto ao beneficio fiscal consubstanciado na isenção do Imposto do Selo, prevista no citado artigo 41°, n° 7 (e posteriormente nº 11) do EBF, desde a sua consagração, com a alteração introduzida pelo introduzida pelo Decreto-Lei n° 293/91, de 13 de Agosto, sempre teve como pressuposto para a sua concessão a residência fora do território português dos intervenientes nos actos nele identificados ou dos destinatários das operações, como no caso dos autos, em que está em causa a tributação em sede de Imposto do Selo de operações de financiamento, em consonância, de resto, com o princípio da não aplicação de benefícios fiscais às operações com residentes no território nacional, entretanto reafirmado com as alterações introduzidas ao EBF pelo Decreto-Lei n° 84/93, de 18 de Março, acima referidas.
Assim sendo, não pode a ora impugnante pretender valer-se do regime anteriormente vigente em sede de isenção de imposto sobre o rendimento para determinar os pressupostos de aplicação da isenção de imposto do selo, pois que se tratam de benefícios fiscais distintos, cujos pressupostos são objecto de regulação autónoma.
Pelo exposto, constituindo pressuposto para a concessão da isenção pretendida pela impugnante a residência fora do território nacional dos intervenientes ou destinatários das operações com ela efectuadas, não logrando esta efectuar qualquer prova desse pressuposto, não pode pretender beneficiar da isenção, de resto, como já ficou esclarecido no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Janeiro de 2012, proferido no âmbito dos presentes autos de impugnação, pelo que também improcederá a impugnação quanto a este fundamento.”
Nesse sentido aponta também e como vimos, o Parecer emitido pelo Conselho Consultivo da P.G.R. sob n.º 153/02, de 27-3-2003, para considerar que se aplica no caso vertente o regime antigo que cominava com a não atribuição do benefício o não cumprimento do ónus de prova relativo aos respectivos requisitos, remetendo-se para a transcrição do mesmo supra empreendida.

*
-Da ilegalidade do acto por errónea subsunção dos pressupostos à norma aplicável, no caso, a do artigo 54º da Tabela Geral do Imposto do Selo:

Neste vector, o recorrente persiste em afirmar que o acto padece desse vício porque aquele não foi correctamente identificado, não sendo conhecido o devedor nem a sua residência, não sendo ainda conhecido o contrato nem os seus intervenientes, em que data é devido o selo ou quem o suporta, sendo, ainda, ilegal o acto por violação do artigo 120°-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, porquanto a notificação da liquidação não contém qualquer menção relativa à distinção e consequente qualificação do rendimento que se pretende sujeitar a tributação, não esclarecendo, ainda, a notificação se a verba 120-A da Tabela Geral legitima a sujeição a imposto nas operações realizadas através da agência de Lisboa do Banco impugnante ou se, pelo contrário, inclui as que foram efectuadas através de Sucursais Financeiras Exteriores na ZFM.
Quid juris?
Também surge incólume a sentença ao solucionar esta questão.
Com efeito e como nela se declara, resulta da argumentação expendida pela impugnante que o que está a imputar ao acto, rigorosamente, não se trata de um vício de violação de lei por errada subsunção normativa ou por errada qualificação do rendimento sujeito a tributação, de acordo com o disposto, respectivamente, nos artigos 54º e 120°-A da Tabela Geral, na medida em que, para efeitos de subsunção ao artigo 54º da referida Tabela, não controverte a qualificação das operações financeiras que a Administração Tributária tributou por referência à aludida verba da tabela, acabando até por reconhecer que se trata de confissões de dívida, o que vale por dizer que têm cabimento na mencionada norma.
Com efeito, é patente que o que a impugnante e ora recorrente argumenta é que o acto não está correctamente identificado, por não ser conhecido o devedor ou a sua residência.
O certo é que, como flui da alínea C) do probatório, a Administração Tributária visou com a acção inspectiva que desencadeou à instituição bancária «B………», apurar se o contribuinte procedia correctamente quanto às operações mais relevantes sobre as quais incide o tributo em apreço - as aberturas de crédito, as confissões de dívida e os juros e comissões de financiamento -, tendo a análise destas operações para efeitos de incidência de Imposto do Selo originado as listagens dessas operações fornecidas pelo próprio sujeito passivo, com os elementos delas constantes, conforme demonstram os autos
Por assim ser, é irrepreensível a asserção vertida na sentença de que o acto impugnado não padece de ilegalidade material derivada da sua incorrecta identificação, uma vez que a identificação das operações sujeitas a tributação foi levada a cabo pelo próprio sujeito passivo, através dos elementos por si fornecidos à Administração Tributária, resultando, também, dos autos que, por força do dever de sigilo bancário, o sujeito passivo não revelou informação acerca dos intervenientes nas operações, não podendo, agora, imputar ilegalidades ao acto sustentadas na ausência da identificação desses elementos por parte da Administração Tributária.
Por outro lado e no que tange à alegada violação do artigo 120°-A da Tabela Geral, também se patrocina o entendimento expresso na sentença de que a alegação feita pela impugnante quanto às vicissitudes relacionadas com a notificação do acto tributário, que identifica como falta de menção relativa à distinção e qualificação do rendimento que se pretende tributar e falta de esclarecimento quanto à sujeição a imposto do selo nas operações realizadas através da agência de Lisboa ou através da sucursal financeira exterior na ZFM, não envolve qualquer violação de uma verba da Tabela Geral, não consubstanciando, qualquer vício de violação de lei uma vez que se ligam a questões de forma do ajuizado acto.
Ora, a notificação é, por definição, o acto pelo qual se dá o conhecimento de um facto a alguém, e, no caso vertente, tal função não pode deixar de se referenciar ao mencionado ofício. Por outro lado, o que o art. 36º, nº 2, do CPPT impõe é que as notificações contenham sempre a indicação da entidade que praticou o acto e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências, e é o incumprimento desta injunção que determina a nulidade do acto, nos termos do art. 39º, nº 11, do mesmo diploma legal.
Na verdade, a determinação do nº 2 do art. 36º do CPPT reporta-se à notificação propriamente dita, ou seja à comunicação dos factos que consubstanciam a liquidação, não se estendendo, por conseguinte, aos elementos que a corporizam.
De facto e se bem perscrutamos, o que a Recorrente sustenta é que a falta das aludidas menções deveriam obedecer ao mesmo formalismo previsto para a notificação. Este entendimento, porém, não encontra apoio nem na letra nem no espírito da lei, não se mostrando, por conseguinte, incumprido o art. 36º, nº 2, do CPPT.
Atento o exposto, e considerando, ainda, que a notificação é um acto exterior e posterior ao acto tributário notificado e que os vícios que afectem a notificação em si, podendo embora determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de gerar a invalidade do acto tributário e de determinar a anulação visada com a presente acção impugnatória, não pode deixar de concluir-se pela improcedência das conclusões das alegações da Recorrente no que a esta questão concerne.
Nesse sentido, entre inúmeros, vejam-se os acórdãos deste STA-SCT de 06.04.2011, Processo nº037/11 e de 17.10.2012, Processo nº0651/11, disponíveis em www.dgsi.pt.
Apesar disso e como se assevera na bem elaborada sentença, aquelas menções deviam constar da fundamentação do acto constante do relatório de inspecção, sendo que (vide a alínea C) do probatório), dela emerge não só que é devido imposto do selo, designadamente sobre juros e comissões de financiamento mas também, que o sujeito passivo identificou as operações de financiamento sobre as quais incidiu a tributação como sendo canalizadas para a Sucursal Financeira Exterior na Madeira nada demonstrando a impugnante nos presentes autos que permita concluir que se trata, afinal, de operações financeiras realizadas directamente pelo Banco e sobre as quais já teria sido liquidado o imposto devido.
Daí que a sentença não incorra em erro de julgamento sobre o vício de violação de lei por errada qualificação do rendimento sujeito a tributação.

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-Quanto ao vício de violação de lei por errada qualificação do sujeito passivo.

Neste segmento recursório, persiste a recorrente em advogar que a obrigação do pagamento do imposto, no caso do selo do artigo 54º da Tabela, compete ao mutuário, por ser ele que pratica o acto de confessar-se devedor, razão pela qual, a haver imposto, por força da incidência do referido artigo, sempre haveria de serem notificados os mutuários para suprir a respectiva falta, e não o mutuante, que seria apenas o responsável subsidiário.
Assim, na enunciação da impugnante e ora recorrente, houve uma errada qualificação do sujeito passivo à operação financeira subsumível na verba 54º da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pelo Decreto n° 21916, de 28 de Novembro de 1932, aqui aplicável atendendo à data dos factos tributários, que fazia incidir o tributo sobre a “confissão ou constituição de dívida, incluindo a inerente aos contratos de mútuo e usura, conforme o valor (...)”.
Atentando.
Preliminarmente se diga que o Imposto do Selo foi inserido no sistema tributário português pelo Decreto-Lei nº12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, diplomas que foram objecto de inúmeras alterações posteriores.
Nos exórdios, este imposto era definível como um imposto que incidia sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, fosse qual fosse a forma do respectivo pagamento. Era, pois e em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podendo caracterizar-se, em alguns casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. Por exemplo, o Prof. Teixeira Ribeiro amparava que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta.
Na verdade, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, o mesmo incidia sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo.
Por fim, refira-se que em muitas circunstâncias, o imposto de selo se caracterizava como uma genuína taxa, como acontecia com o selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.; J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1977, pág.349).
Só com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património operada pelo Decreto. lei 287/2003, de 12/11, o ajuizado tributo transmutou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza sendo que, no que em particularizar tange aos bens imóveis, a determinação do seu valor tributável passou a ter por base o novo sistema de avaliações constante do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12/11). Vide. Nesse sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.359 e seg..
Se é certo que, como acabamos de ver, o Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n° 12700, de 20 de Novembro de 1926, e que era o aplicável ao caso vertente, não previa as regras de incidência subjectiva do imposto tal como vêm hoje consagradas no artigo 20 do Código do Imposto do Selo, também o é, tal como se salienta na sentença, que no seu artigo 231º, alínea g), inserido no capítulo “Responsabilidade pelo imposto e multas”, confinava a responsabilidade exclusiva pela multa devida pela falta de selo, designadamente, dos bancos, quanto aos documentos que receberem ou em que intervierem. Acrescendo que por força do disposto no artigo 232° do mencionado Regulamento, os responsáveis pelas multas respondiam, igualmente, pelo selo que não houvesse sido pago.
Sendo esse o esteio da sentença, nenhuma censura lhe pode ser dirigida quando conclui que a impugnante e ora recorrente está falha de razão ao pretender que teria de ser notificado o mutuário (cuja identidade nem sequer era conhecida por parte da Administração Tributária em virtude do sigilo bancário invocado) para suprir a falta de pagamento do imposto, pois que a instituição bancária era, nos termos dos preceitos legais à data vigentes, responsável pela entrega do imposto em falta nos cofres do Estado.
Termos em que improcede o fundamento recursório sob análise.
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Da errada quantificação dos actos sujeitos a tributação por métodos indiciários ou presunções:

No âmbito desta questão sustenta a recorrente que tal vício se verifica na medida em que a liquidação do Imposto do Selo foi feita com base em presunções (de operações e de valores) e indícios (listagens), sem que se tenha analisado a realidade factual, não estando prevista em nenhuma disposição do Regulamento ou da Tabela a fixação da matéria colectável por métodos indiciários ou com recurso a presunções. Mais refere que a Administração Tributária presumiu a realização das operações através da consulta das listagens e que a partir duma amostragem a algumas operações presumiu que todas estavam sujeitas a Imposto do Selo.
Também neste segmento, a nosso ver com acerto, a sentença recorrida rechaçou o ponto de vista do recorrente nos seguintes termos:
“Como é sabido, a matéria tributável é avaliada, de acordo com a preferência legal, de forma directa, de acordo com os critérios próprios de cada tributo, donde resulta a regra da subsidiariedade da avaliação indirecta, actualmente consagrada no artigo 85°, n° 1 da Lei Geral Tributária (LGT), mas que já constava, igualmente, do Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n° 154/91, de 23 de Abril (cfr. artigo 81°).
O carácter excepcional da avaliação indirecta, que só é admitida nos casos e nas condições expressamente previstas na lei, é imposto, desde logo, pelo princípio jurídico-constitucional da tributação pelo rendimento real, previsto no artigo 104º, n° 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que se afigura como uma concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal.
Acontece que, no caso dos presentes autos, não se vislumbra o recurso aos métodos indiciários ou presunções, ao contrário do que invoca a impugnante.
Com efeito, resulta da fundamentação subjacente à liquidação ora impugnada que, a fim de a Administração Tributária apurar a incidência do Imposto do Selo nas operações mais relevantes praticadas pelo sujeito passivo, este forneceu listagens das operações por si realizadas, quanto a aberturas de crédito, confissões de dívida e juros e comissões de financiamentos, que o sujeito passivo designou como FEARES, B…… EXPORT, FILIMS/FELIM e Financiamentos externos/internos à importação.
Das referidas listagens, a administração retirou amostras, com o objectivo de apurar a correcção do tratamento dado às mesmas, tendo concluído, após essa análise, que não havia sido liquidado Imposto do Selo das operações de financiamento identificadas pela instituição bancária, tendo esta justificado a não liquidação do imposto com a isenção de que tais operações beneficiariam, por terem sido canalizadas para a Sucursal Financeira Exterior na ZFM.
Nessa medida, tendo a Administração Tributária confirmado a inexistência de tributação nas operações em causa, tributou em sede de Imposto do Selo as operações constantes das listagens fornecidas pelo sujeito passivo.
Resulta do exposto que não se verifica o recurso, por parte da Administração Tributária, a métodos indirectos, porquanto a tributação incidiu sobre o universo das operações identificadas pelo sujeito passivo e de acordo com os elementos por si fornecidos, tratando-se, portanto, de correcções técnicas, tendo sido quantificada directamente a matéria tributável.”
Subscreve-se inteiramente o discurso jurídico da sentença quanto à improcedência do invocado vício, o que o mesmo é dizer que fenece o fundamento de recurso sub judice.

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Das ilegalidades formais: obscuridade dos fundamentos de direito da liquidação vazadas no acto através do qual esta foi notificada; incongruência e insuficiência da fundamentação da liquidação e falta de fundamentação de direito, por falta de indicação da norma legal ao abrigo da qual foi apurado o imposto.

Diz a sentença a tal propósito – posição igualmente por nós acolhida:
“Em primeiro lugar, defende a impugnante que da notificação para pagamento das importâncias liquidadas constam como normas de incidência aplicáveis as do artigo 1º do Regulamento do Imposto do Selo e da verba 54 da Tabela Geral, o que evidencia um erro quanto à fundamentação de direito, pois que as citadas normas não têm aplicação ao caso vertente, havendo, assim, vício de forma por obscuridade dos fundamentos de direito.
Vejamos.
Os actos em matéria tributária, de que o acto de liquidação é exemplo paradigmático, estão sujeitos a notificação, nos termos do disposto no artigo 64°, n° 1 do CPT e, actualmente, nos artigos 36°, n° 1 do CPPT e 77°, n° 6 da LGT, que, de resto, concretizam o comando jurídico-constitucional ínsito no artigo 268°, n° 3 da CRP, ao determinar a notificação de todos os actos administrativos.
Importa sublinhar que a notificação válida impõe-se enquanto requisito para que o acto produza os seus efeitos na esfera jurídica do seu destinatário, de acordo com o disposto nos preceitos legais referidos supra.
Assim, os vícios que afectem a notificação não contendem com a validade do acto tributário mas, antes, com a sua eficácia (cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Abril de 2011 e 17 de Outubro de 2012, proferidos nos Processos n°s 37/11 e 651/11, respectivamente, ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt).
Dispunha o artigo 64°, nº 2 do CPT, que “As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências”, à semelhança do que hoje se prevê no artigo 36°, nº 2 do CPPT.
As irregularidades das notificações, designadamente, por omissão da fundamentação do acto, são passíveis de suprimento através do mecanismo, à data, previsto no artigo 22º do CPT, que preceituava o seguinte: “Se a comunicação ou notificação da decisão em matéria tributária não contiver a sua fundamentação legal, bem como outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.”
Mas, no caso vertente, o que resulta da argumentação da impugnante não é uma irregularidade da notificação por omissão de elementos que dela devam constar, designadamente, por falta de notificação da fundamentação do acto, pois que o que a impugnante, verdadeiramente, está a por em causa é a subsunção das operações por si realizadas às normas legais que constam da notificação do acto, o que não consubstancia qualquer ilegalidade formal mas, antes, contende com a validade dos fundamentos de direito invocados pela Administração Tributária e se situa no plano da fundamentação substancial e, por conseguinte, do vício de violação de lei.
Nesta conformidade, não se verifica qualquer vício de forma por obscuridade dos fundamentos de direito invocados pela Administração Tributária, pois que resulta do relatório de inspecção, no qual se alicerça a liquidação impugnada, a exposição das razões de facto e de direito que motivaram a decisão, identificando-se os elementos necessários à compreensão do sentido dessa decisão, com identificação das normas legais aplicáveis. Com efeito, ali vêm identificadas as operações sobre as quais incide o Imposto do Selo e, bem assim, as normas ao abrigo das quais a Administração Tributária pretende tributar e que determinam a incidência do imposto, no caso, os artigos 1º, 54º e 120°-A da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Pelo exposto, também não se verifica a incongruência e insuficiência da fundamentação do acto de liquidação, não podendo a impugnante pretender sustentar essa insuficiência ou incongruência com o que consta da notificação do acto pois que os fundamentos da liquidação são os que resultam do relatório de inspecção tributária, o qual lhe foi a conhecer aquando da notificação para pagamento do imposto (cfr. alínea D) dos factos provados supra).
E também não se verifica qualquer vício de forma por falta de fundamentação de direito, uma vez que, como resulta do que se vem de expor, a Administração Tributária identificou as normas legais ao abrigo das quais apurou o imposto em falta.
Improcede, assim, in totum, a argumentação da impugnante quanto às invocadas ilegalidades formais.”
Por ter feito uma análise correcta dos factos e uma irrepreensível interpretação e aplicação das normas pertinentes, improcedem as conclusões de recurso em apreço.
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Da errada quantificação dos actos sujeitos a tributação nos termos dos artigos 1º, 54º e 120º-A.

Por este ângulo a tese da impugnante e ora recorrente é a de que as operações que a Administração Tributária tributou por aplicação da verba 1 da Tabela Geral e que constam dos mapas 1, 2, 3 e 8 anexos ao relatório de inspecção tributária, ainda que as operações em causa fossem qualificadas como aberturas de crédito, tal qualificação determinaria que o Imposto do Selo fosse liquidado uma única vez, sobre o montante acordado como limite, não recaindo novo imposto sobre as utilizações de crédito efectuadas ao abrigo de tal linha de crédito.
E o que diz a sentença a esse respeito?
Que “…quanto a esta concreta alegação, diga-se que, se em abstracto é verdade o que a impugnante afirma no sentido de que, à data dos factos aqui em causa e de acordo com a regulamentação então vigente (vd. artigos 194° do Regulamento do Imposto do Selo e artigo 1º da Tabela Geral, aprovada pelo Decreto n° 21916, de 28 de Novembro de 1932), a realidade que estava sujeita a tributação era a abertura de crédito e não a utilização do crédito efectuada ao abrigo e na sequência daquele contrato, ou seja, a incidência de Imposto do Selo sobre as aberturas de crédito determinava, apenas, a liquidação e pagamento do referido imposto pela celebração do contrato, independentemente de quaisquer utilizações do crédito efectuadas em data posterior (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Outubro de 2016, proferido no Processo n° 9188/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt), no caso concreto, a impugnante, não obstante alegar que a Administração Tributária procedeu à tributação de utilizações de créditos, quando estas não configuravam novas operações, não demonstra que tais operações tenham por referência um contrato de abertura de crédito, sobre o qual já teria incidido imposto.
Na verdade, não logra demonstrar a impugnante que a Administração Tributária procedeu à tributação da mesma operação, não identificando quais as operações que, em concreto, correspondiam à abertura de crédito e quais as que consubstanciavam utilizações desse mesmo crédito. Em suma, não identifica nem prova quais as operações que se reconduziam a actos de utilização decorrentes de um contrato de abertura de crédito e com este relacionados, não se demonstrando o invocado erro quanto à quantificação do acto sujeito a tributação, por esta via.”
Ora, esta fundamentação é cabal e não nos suscita qualquer acrescento, razão por que improcedem as atinentes conclusões de recurso.

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Da inexistência de evidência de liquidação do Imposto do Selo

Na fundamentação jurídica da sentença deu-se correcto tratamento a essa questão, a saber:
“…adiante-se que da mesma [alegação] não resulta qual o vício que, em concreto, está a imputar ao acto.
Conforme demonstram os autos (cfr. alínea C) dos factos provados supra), a Administração Tributária, ao constatar a falta de liquidação de Imposto do Selo nas operações de financiamento identificadas pelo sujeito passivo, tendo ele próprio explicitado que se tratava de operações offshore, procedeu à tributação de acordo com as listagens por aquele fornecidas.
A alusão por parte da Administração Tributária ao facto de o contribuinte não fazer prova das operações que estariam relacionadas com o onshore, com a correspondente liquidação e entrega do Imposto do Selo, a que a ora impugnante faz referência, surge no seguimento da alegação, em sede de reclamação graciosa, de que algumas das operações tributadas não estariam relacionadas com a Sucursal Financeira Exterior (cfr. alínea L) dos factos provados supra).
Contudo, nada vem alegado a esse respeito nos presentes autos.”
Porque os autos objectivam o bem fundado da sentença recorrida, improcedem as conclusões sob análise.
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Da errada quantificação dos actos sujeitos a tributação - por tributação de operações isentas de Imposto do Selo, que identifica como sendo as constantes do mapa 9.

Igualmente se sufraga a solução ditada na sentença sobre tal contenda ao discorrer que:
“No seu entendimento, resulta da Circular n° 18/91, de 5 de Agosto, que apenas haveria lugar à liquidação do Imposto do Selo da verba 120-A da Tabela Geral, sobre os juros relativos a financiamentos concedidos por empréstimos e financiamentos provenientes do exterior tomados por residentes, se os mesmos, por imposição do Banco de Portugal, expressa no documento de autorização da operação, estivessem sujeitos ao designado depósito compulsório. Por conseguinte, não impondo o Banco de Portugal, de forma expressa, a constituição de depósito compulsório no documento de autorização da operação, não haveria obrigação de constituição do mesmo nem de liquidação do imposto sobre os juros.
Conclui, portanto, que não impondo o Banco de Portugal, de forma expressa, a constituição do depósito compulsório no documento de autorização da operação, haveria isenção do Imposto do Selo sobre os correspondentes juros.
Sucede que, a aplicação da isenção a que alude a impugnante depende, desde logo, da análise dos pedidos de autorização prévia relativos a financiamentos concedidos por instituições de crédito com sede no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito com sede no continente ou Regiões Autónomas, aos quais alude a mencionada Circular, sendo necessário, outrossim, perceber se os mesmos têm por referência as operações que foram objecto de tributação no caso vertente.
Todavia, a impugnante não logrou fazer essa prova, desde logo por não ter divulgado os processos relativos às operações em causa, não sendo possível, assim, determinar se em relação a elas os documentos de autorização prévia determinavam, ou não, a obrigação de constituição de depósito compulsório, sendo ocioso relembrar que é à impugnante que pretende exercer um direito legalmente previsto — direito à isenção — que cabe a prova dos pressupostos de que depende esse direito, de resto, como bem se esclareceu no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Janeiro de 2012, proferido em sede de recurso no âmbito dos presentes autos de impugnação.
Nesta conformidade, não poderá beneficiar da isenção que invoca, por não se mostrarem provados os seus pressupostos.”
Termos em que improcedem as conclusões de recurso em apreço.
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Como improcedem as conclusões no tocante à existência de outros ajustamentos não justificados, e, bem assim, a duplicação ou triplicação de factos tributários, pela singela razão, aduzida na sentença, de que a impugnante e ora recorrente não explicita ou concretiza a que correcções ou ajustamentos se refere, e os motivos da sua não justificação, pelo que, na verdade, nada há a apreciar quanto a esta concreta alegação.

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Da dúvida fundada acerca da ocorrência e dos contornos das operações tributadas

Nas conclusões HH e JJ, sustenta a recorrente que a técnica utilizada para determinar os factos tributários, a base tributável e o imposto é de tal forma imprecisa que o facto tributário assume contornos de (quase) ficção, assentando em indícios, aparências ou presunções, metodologia subsidiária e excepcional por natureza, cuja aplicação, bem como a revelação dos critérios utilizados na determinação da matéria tributável, dependia de uma fundamentação especifica a cargo da AT que, no entanto, nunca foi esgrimida (cf. artigo 81.° do CPT).
Por isso, existe uma dúvida fundada acerca da ocorrência e dos contornos das operações tributadas que deve conduzir à aplicação da regra segundo a qual “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado” (cf. artigo 100.º, n.°1, do CPPT e 121.° do CPT).
Aquilatando.
O que é certo é que a sentença recorrida não se pronunciou sobre o artº 100º do CPPT, afirmando ou afastando a hipótese de, por alguma forma, ter sido lançada a dúvida sobre a existência e/ou quantificação do facto tributário.
Ora, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal, de 30.04.2003 -Recurso nº 0241/03 “... não cabe nos poderes de cognição do STA - artº 21º, nº 4 do ETAF - averiguar e decidir da existência ou não da "fundada dúvida" a que se refere o artº 121º do CPT {hoje 100º do CPPT} pois estaria, então, a imiscuir-se no conhecimento de facto, que lhe é vedado”. Em sentido idêntico v. os Acórdãos do mesmo Tribunal e Secção, de 13.11.2002 -Recurso nº 0115/02, de 09.10.2002- Recurso nº 0871/02 e de 23.10.2002 -Recurso nº 01152/02.
E isto porque “Como é sabido, o STA não conhece de matéria de facto - artº 21º nº 4 do ETAF, - nem como tribunal de revista - artº 722º nº 2 do CPCivil - "do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, a não ser que tenha havido ofensa de norma legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova", o que não é o caso.
A própria interpretação dos factos e as ilações que as instâncias deles retiram, desligadas de qualquer interpretação jurídica, constituem matéria de facto subtraída, pois, ao conhecimento do tribunal de revista. Cfr, por todos, os Acd's do STJ de 15/05/91 e 06/03/91 in Acd' Dout' 367-917 e 354-813, de 17/06/99 in Colectânea pág. 153 e 28/Set/00, ibidem pág. 54.
Como refere Antunes Varela, in RLJ. 122-120:
"Os juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) cuja emissão ou formulação se apoia em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, só podem ser apreciados pela Relação e não pelo Supremo Tribunal de Justiça. Os juízos sobre matéria de facto que, na sua formulação, apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador, que estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei, são do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça". (citação do mesmo aresto)
Deste modo, não pode este Tribunal averiguar e decidir da existência ou não da "fundada dúvida" a que se refere o artº 100º do CPT pois estaria, então, a imiscuir-se no conhecimento de facto, que lhe é vedado.
Por outro lado, o que a lei manda valorar a favor do contribuinte e contra a Administração Fiscal é a “fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário”, como consta, do artigo 100º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Não a dúvida sobre outros fundamentos da impugnação judicial.
É que o aresto em causa não identificou nas questões a decidir, o fundamento que só agora foi esgrimido pelo que e porque os recursos visam a alteração das decisões judiciais, não cabendo ao tribunal que os decide a pronúncia sobre temas que não foram apreciados pelo tribunal recorrido, salvo os de conhecimento oficioso, a questão ficou de fora, também, do âmbito do presente recurso. Só poderia ser de outro modo se o recorrente tivesse invocado, perante este Supremo Tribunal Administrativo, a nulidade do acórdão impugnado, por omissão de pronúncia. Não o tendo feito, essa eventual nulidade, cujo conhecimento a lei não permite ex oficio, não pode ser conhecida.
Eis por que, improcedendo tais conclusões das alegações do recurso, este fica votado ao insucesso também nessa parte.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios:

Neste segmento recursório, ampara o recorrente que a AT deve ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de IS anulado (€191.622,23) e pago em 27 de Dezembro de 2002 (cf. alínea h) dos factos provados).
Isso porque perfilha o entendimento de que o lapso do contribuinte que está na origem da incorrecção da liquidação desse montante apenas ganha expressão quando a AT executa — por intermédio do cálculo do imposto — a decisão ilegal de tributar previamente tomada e é nesse primeiro momento que reside a ilegalidade qualificada como erro imputável aos serviços para efeitos dos artigos 43.° e 100.º da LGT.
Também nesta parte se subscreve a resolução encontrada na sentença ao considerar que:
“Nos termos do artigo 100º da LGT, a procedência total ou parcial de processo judicial a favor do sujeito passivo, determina a imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
Tal significa que a anulação do acto de liquidação implica a restituição do valor do imposto e dos juros compensatórios indevidamente pagos pelo contribuinte.
Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, importa, em primeiro lugar, determinar a legislação aplicável, para o que releva a natureza jurídica destes juros.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário — anotado e comentado”, volume I, pp. 470-472, “Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem fundamento constitucional. (...) A natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, previstos no art. 35º da LGT, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual”.
A sentença recorrida, arrimando-se à doutrina do Acórdão deste STA de 24 de Março de 1999, proferido no Processo n° 23135, condensada no seu sumário disponível em www.dgsi.pt, considera que “O pagamento de juros indemnizatórios traduz-se na efectivação da responsabilidade civil extra contratual e, porque assim é, o mesmo é regulado pela lei vigente no momento do facto gerador dessa responsabilidade”.
Nessa senda, veio a concluir – e bem! -que o facto gerador da responsabilidade é o acto de liquidação inquinado de erro, pelo que, tendo o acto de liquidação impugnado sido emitido em 2 de Setembro de 1996 (cfr. alínea D) dos factos provados supra), é in casu aplicável o disposto no artigo 24° do CPT.
Rezava assim esse normativo na parte que releva para a solução do caso
“1. Haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços.
(...)
3. O montante dos juros referidos no número anterior será calculado para cada imposto, nos termos dos juros compensatórios devidos a favor do Estado, de acordo com as leis tributárias.
(...)
6. Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data de emissão da respectiva nota de crédito”.
No ponto, a sentença referencia a jurisprudência pacífica neste assunto e que aponta para que se julga que existiu um erro imputável aos serviços, para efeitos de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, quando fica demonstrado no processo que o acto impugnado está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito (cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2008, de 24 de Fevereiro de 2010 e de 17 de Dezembro de 2014, proferidos, respectivamente, nos Processos nºs 622/08, 22/10 e 841/14, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt).
À luz daquele regime legal e seguindo a jurisprudência que se veio de referir, afigura-se-nos que também nesta questão falha a razão ao recorrente, sendo irrepreensível o tratamento dado à mesma na sentença recorrida.
Como nesta se anota, no caso dos autos, a anulação parcial do acto impugnado alusiva ao imposto apurado no ano de 1992 e no tocante à operação reconhecida com o n° 20007, de 22 de Maio de 1992, procede de errada quantificação da matéria tributável, sendo que patenteia a decorrendo da alínea H) do probatório que a impugnante efectuou o pagamento do imposto.
É neste conspecto que cabe avaliar se ocorre um erro imputável aos serviços fundante da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Nesse sentido e como se objectiva nos autos a anulação do acto no que se refere à operação n° 20007 ficou a dever-se ao valor da operação apurado para efeitos de cálculo do imposto, tendo a impugnante logrado demonstrar nos presentes autos que tal montante ascendeu a PTE 5.755.984,60, montante que corresponde ao contravalor em escudos de FRF 246.038,96.
Emerge também da alínea P) do probatório que o valor tido em conta AT no âmbito da elaboração do relatório de inspecção, teve por base os elementos fornecidos pelo contribuinte, provando-se que no que concerne à aludida operação, este havia inscrito, erroneamente, no respectivo livro de registos, o montante de FRF 246.603.037,96.
Vale isto por dizer que o valor da operação considerado pela AT consistiu no valor indicado pelo sujeito passivo, inscrito manualmente no livro de registos, ainda que por lapso dos seus serviços administrativos.
Do que vem dito estamos em perfeita sincronia com a Mª Juíza a quo na afirmação de que não se pode ter por verificado um erro imputável aos serviços da AT até porque a própria impugnante reconhece que o valor da operação foi internamente registado de forma errada, o que significa que o erro que afecta o acto de liquidação teve por base um dado fornecido pelo sujeito passivo.
Acresce ainda que, como também se enfatiza na sentença recorrida, o contravalor em escudos do montante da operação, ora apurado, no montante de 5.755.984,60, corresponde ao valor líquido efectivamente creditado na conta do cliente e que resulta, como reconhece a impugnante, do câmbio utilizado (taxa de câmbio oficial de selagem e câmbio da data da operação), sendo certo que a Administração Tributária, aquando da acção inspectiva, apenas teve acesso aos câmbios médios mensais, tal como fornecido pelo contribuinte (cfr. alínea C) dos factos provados supra), susceptíveis de gerar distorções no valor em escudos.
Adita-se ainda, sufragando o que se refere na sentença, que a AT, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, teve oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria, porquanto a ora impugnante invocou, no âmbito desse procedimento, a existência de um erro no valor da operação em apreço, mas o certo é que, como resulta da decisão proferida naquela sede (cfr. alínea L) dos factos provados supra), a impugnante, no âmbito do procedimento, não logrou demonstrar o real valor da operação, de FRF 246.037,96, e não de FRF 246.603.037,96, como considerado pelos serviços, apenas o conseguiu fazer na presente impugnação judicial.
Por assim ser, é forçoso epilogar que não se pode entender que a AT ao decidir sobre a reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação, tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar posição sobre a situação do contribuinte com pressupostos correctos, não se representando nos autos um erro imputável aos serviços.
Em suma: não se acham verificados os requisitos para a condenação no pagamento dos juros indemnizatórios impetrados pela impugnante pelo que, tal como decidido na sentença recorrida, a impugnação improcede, também quanto a este pedido.
Como improcede o atinente fundamento recursório.

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3. Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cfr. Ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13), importará aferir se se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, cuja aplicação é excepcional.
Ante as antagónicas soluções jurídicas em apreciação, propendemos para sufragar a doutrina constante do douto acórdão do contencioso administrativo do colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 20/10/2015 (rec. nº 0468/15), coincidente com a já firmada no Plenário da secção do contencioso tributário, e com aquela que aparentemente vem sendo seguida pelo colendo Supremo Tribunal de Justiça, por ser a que, em nosso entendimento, melhor se harmonizará com o quadro legal, ponto de partida de toda a actividade interpretativa (art. 9º, nº 2 do CC).
Aderimos, pois, à solução que aponta para que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art. 6°, n°7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se - se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas (como sucedeu nos presentes autos) - que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não se consideraram verificados, sendo consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não contemplará seguramente essa dispensa.
Ademais, o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente deverá ser, por isso, exercitado durante o processo, nomeadamente mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere sem excepções à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa: na verdade, tal incidente destina se a reformar a conta que "não estiver de harmonia com as disposições legais" (art.º 31° n° 2 do RCP) ou a corrigir erros materiais ou a elaboração de conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no art.° 30° n° 3.
Assim e acolhendo de pleno a solução tal-qualmente propugnada e seguida por este Tribunal Supremo, impõe-se in casu reduzir a taxa de justiça, em função de tal – nesse sentido tem vindo a decidir o S.T.A. desde os seus acórdãos de 29-10-14, 26-11-14 e 10-12-14, proferidos, respectivamente nos processos n.ºs 166/14, 398/12, e 1374/13, conforme resulta em www.dgsi.pt., o que vale por dizer que deve ser consentida a redução de 50% do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P.,
Com efeito, in casu, ponderado o montante da taxa de justiça que será devida, esta não se afigura desproporcionada em face do concreto serviço prestado, uma vez que foram várias as questões apreciadas no presente recurso, e nenhuma delas é de complexidade inferior à comum, pelo contrário, foram tratadas questões complexas, e por outro lado, que não foram tratadas anteriormente pela jurisprudência.
Custas pela impugnante na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 95%, e, quanto ao mais, sem custas, atenta a isenção subjectiva da Fazenda Pública nos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004 (cfr. artigos 527° do CPC, 3º, nº 1, alínea a) do RCPT e 14°, n° 1 do Decreto-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro), sem prejuízo da redução acima consentida.
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Lisboa, 1 de Julho de 2020. – José Gomes Correia (relator) – Nuno Bastos (com a declaração anexa) – Gustavo Courinha.
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Declaração de Voto

Voto a decisão, com os seguintes fundamentos:

I. Na primeira parte das doutas alegações de recurso e nas alíneas “A” a “I” das respetivas conclusões o Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida por não se ter pronunciado sobre a questão de saber como se resolve o confronto entre o dever do sigilo bancário e o dever de colaboração com as autoridades fiscais à luz da legislação em vigor aquando da ocorrência dos factos relevantes.


A decisão que fez vencimento, pressupondo o dever de decisão sobre a questão suscitada, contrapôs que o tribunal recorrido se pronunciou sobre a questão suscitada, embora num outro âmbito (a propósito da violação do princípio da igualdade).


A meu ver, a sentença recorrida não padece do vício que lhe é imputado, mas por outra razão: por não haver o dever de decisão.


É que sobre a matéria respetiva já se tinha pronunciado nos autos o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de janeiro de 2012. Acórdão este que, tendo transitado em julgado, resolveu definitivamente a questão nesta parte suscitada, tornando-a imodificável pelo próprio tribunal que a proferiu e por qualquer outro tribunal, no âmbito de um recurso ordinário.


Enfatize-se que todas as questões relacionadas com o poder de fiscalizar os pressupostos de isenção do imposto impugnado nos autos e do seu relacionamento com o dever da ali impugnante de salvaguardar o sigilo bancário, bem como aquelas que se relacionam com o ónus de prova dos factos constitutivos do direito à isenção desse imposto estão definitivamente resolvidas por decisão já transitada em julgado, o que obsta a que qualquer outro tribunal sobre elas se pronuncie.


II. Nos artigos 56.º a 165.º das doutas alegações de recurso e nas conclusões “J” a “N” das respetivas conclusões, o Recorrente invoca o erro de julgamento quanto à questão da aplicabilidade ao procedimento a que os autos se reportam o despacho do Senhor Ministro das Finanças n.º 386/99-XII, de 14 de outubro de 1999 e que a sentença recorrida transcreve na alínea “G” dos factos provados.


Ao entendimento firmado na sentença recorrida (segundo o qual o referido despacho abrangia apenas «os procedimentos de inspeção em curso») contrapôs o Recorrente a violação da regra “tempus regit actum”, a errada interpretação do mesmo despacho e a necessidade de observar a igualdade de tratamento de todos os contribuintes que se encontrassem em idênticas situações.


Sobre a violação da regra “tempus regit actum” teria retorquido apenas que não vem ao caso. Na verdade, o que o Recorrente pretende a este propósito é que o tribunal aplique as regras que, na sua ótica, resolveriam a tal antinomia entre os poderes de inspeção tributária e o dever de sigilo bancário da inspecionada (os artigos 34.º, do Decreto-Lei n.º 363/78 e os artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, dos quais retira que o dever de colaboração com as autoridades fiscais cede perante o dever de sigilo bancário). Só que – independentemente de a questão nem poder ser agora discutida, pelas razões já acima referidas – estas regras não têm nenhuma pertinência para a resolução da questão suscitada, que é a de saber qual o âmbito procedimental de um despacho que se limitou a ordenar a suspensão de procedimentos em curso.


Sobre a errada interpretação do despacho do Sr. Ministro das Finanças (isto é, sobre se é errada a interpretação no sentido de este despacho não ter incluído no seu âmbito todos os procedimentos administrativos de todos os tipos), diria apenas que o erro alegado não tem nenhuma base de sustentação. É que o que ali se ordenou foi a suspensão de todos os procedimentos «de natureza idêntica ou similar ao referido» na carta enviada pela Associação Portuguesa de Bancos e que se transcreve na alínea “F” dos factos provados. Que ali se queixava especificamente da atuação dos serviços de inspeção tributária e requeria a definição de um quadro regulamentar que definisse o âmbito e a forma de atuação desses serviços.


Sobre a desigualdade de tratamento em procedimentos já concluídos «contra Sucursais Financeiras Exteriores localizadas na Zona Franca da Madeira para averiguação dos pressupostos dos benefícios previstos no artigo 41.º do EBF», o que diria, em primeiro lugar, é que não estão em situação igual os contribuintes em procedimentos em curso e os que têm procedimentos concluídos e com liquidações já emitidas; em segundo lugar, que a administração não teria fundamento legal para suspender procedimentos de segundo grau (reclamações graciosas) que correm no interesse dos reclamantes, a menos que estes o requeressem no próprio procedimento; em terceiro lugar, que a ilegalidade das decisões de não suspensão das reclamações graciosas não afeta a legalidade das liquidações adrede efetuadas nem a impugnação dessas decisões conduz à devolução dos procedimentos respetivos à Administração Tributária, atenta a preferência absoluta, neste âmbito, pelos meios judiciais de impugnação (ver o disposto no artigo 111.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário). O que acontece nestes casos é que todas as reclamações graciosas (as suspensas e as decididas) são apensadas à impugnação para apreciação judicial da legalidade das liquidações que tiveram por objeto.


III. Nos artigos 166.º a 237.º das doutas alegações de recurso e nas alíneas “O” a “Z” das respetivas conclusões, o Recorrente invoca o erro de julgamento quanto à questão da violação do princípio da proporcionalidade. Alegando, na essência, que se lhe estava vedada a liquidação não lhe pode ser exigido o pagamento.


Assinalaria a este propósito que o Recorrente parte de um pressuposto que se deve ter por indemonstrado (o de que lhe estava vedado o cumprimento do dever de retenção do imposto quando os substituídos não autorizam o fornecimento dos seus dados bancários para aferição dos pressupostos do direito à isenção).


Depois, referiria que não é desproporcionada a solução jurídica de não conceder isenção tributária a quem se recusa a fornecer elementos que permitam a verificação dos pressupostos de isenção respetiva se – conforme já decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (transitado em julgado), o ónus de prova dos factos constitutivos do direito à isenção recai sobre quem o arroga.


E terminaria esta questão referindo, de passagem, que a Administração Tributária não pretende sobrepor-se ao dever legal de segredo bancário dos substitutos nem à reserva da intimidade da vida privada dos substituídos, mas exercer o seu dever de verificação dos pressupostos do direito a um benefício fiscal e extrair as devidas consequências, nesse plano, da sua não demonstração por parte de uns e de outros.


IV. Nos artigos 238.º a 249.º das doutas alegações de recurso e nas alíneas “AA” e “BB” das respetivas conclusões, o Recorrente invoca o erro de julgamento quanto à questão da violação dos princípios da imparcialidade e da justiça. Se bem interpreto, por ter onerado a instituição obrigada à retenção e a quem competia defender o sigilo bancário em vez de onerar com o imposto o beneficiário da isenção e a quem competia abrir mão do interesse protegido por esse sigilo.


Ora, o que eu diria a este propósito é que não pode derivar daqui nenhuma violação do princípio da imparcialidade, porque a lei é que diz a quem é que a Administração Tributária deve exigir o cumprimento das obrigações tributárias e quem é responsável pelo seu pagamento, sendo a atuação desta legalmente vinculada.


A verdadeira questão seria a de saber se a Administração Tributária deveria ter solicitado a autorização judicial para aceder aos elementos bancários antes de exigir o imposto do substituto legal. Questão que enquadro no âmbito do dever de investigação procedimental e sobre a qual remeteria para o já decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, visto que essa matéria está intimamente relacionada com a questão do ónus probatório dos pressupostos do direito à isenção, matéria sobre a qual este tribunal já não se pode pronunciar nesta sede.


V. Nos artigos 250.º a 273.º das doutas alegações de recurso e nas alíneas “CC” a “II” das respetivas conclusões, o Recorrente invoca o erro de julgamento na parte em que se apreciou o vício da insuficiência ou incongruência da fundamentação.


Há aqui dois vícios: um – alegado fundamentalmente no artigo 259.º – tem a ver com a falta de identificação dos concretos atos ou contratos subsumíveis à previsão do artigo 54.º da Tabela; outro – alegado nos artigos 262.º e seguintes – tem a ver com a obscuridade no apuramento da matéria tributável.


A resposta a estes dois vícios é, a meu ver, muito diferente.


O primeiro é um vício novo. Nunca foi alegado perante o tribunal recorrido, como se alcança da leitura dos artigos 18.º a 24.º da petição inicial. E, assim sendo, também não pode ser apreciado nesta sede.


O segundo levanta uma questão prévia: como acontece, infelizmente, com demasiada frequência, não foram juntos ao processo administrativo todos os mapas e quadros a que a Recorrente se refere (e que foram utilizados no recálculo do imposto de selo). O que, na prática, nos obriga a colocar a questão de saber se a sentença deve ser anulada, nesta parte, para aquisição de melhor prova.


Parece seguro, em todo o caso, que as eventuais deficiências de fundamentação de que padeçam os mapas anexos (de que restam alguns exemplares nas páginas 19 a 39 do segundo processo administrativo em apenso), não foram de molde a obstaculizar o acesso da Recorrente ao itinerário cognoscitivo do Recorrente. Foi o que o próprio reconheceu no artigo 18.º da reclamação graciosa ao anunciar que conseguiu chegar – ainda que «por sucessivas tentativas» ao que os autores do relatório dizem ser o imposto de selo devido.


O que, depois, confirma nos artigos 146.º e seguintes, fazendo o roteiro do pensamento adotado no relatório, analisando criticamente os mapas, identificando os produtos financeiros, revendo os cálculos e contrapondo outros. Que, por seu turno, deu lugar a uma proficiente argumentação na impugnação substantiva dos vícios, a que só poderia aceder quem dominasse todos os aspetos do seu conteúdo fundamentador.


E, assim sendo, as invalidades de que padeça o ato impugnado neste segmento não são de molde a produzir o efeito anulatório, porque não obstaculizaram o fim visado com a exigência de fundamentação, que o Recorrente alcançou por outra via. Como de resto preceitua agora a alínea b) do n.º 5 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo, traduzindo em lei expressa um entendimento há muito firmado na jurisprudência dos tribunais desta jurisdição.


VI. Nos artigos 274.º a 304.º das doutas alegações de recurso e nas alíneas “JJ” a “MM” das respetivas conclusões, o Recorrente alega que a Administração Tributária não demonstrou a existência do facto tributário relativamente a todas as operações identificadas nas listagens fornecidas pelo Banco nem faz a destrinça entre o que não foi tributado por estar a ser indevidamente isento e o que já não podia ser tributado por ter sido previamente sujeito à tributação.


Conclui dizendo que, ou se pedia a autorização para o levantamento do sigilo bancário ou se recorria a métodos indiciários.


Invoca fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.


Importa começar por referir que, de acordo com o relatório de inspeção tributária, o sujeito passivo foi confrontado, no decurso da inspeção, com a conclusão de que não tinha sido liquidado imposto de selo nas operações de financiamento designadas “Feares”, “B…. Export”, “Filims/Felim” e “Financiamentos externos/internos à Exportação”. E, em sequência, este transmitiu aos funcionários da inspeção que estas operações tinham sido canalizadas para a sucursal financeira exterior da Madeira e que, por esse motivo, estavam, no seu entendimento, isentas de imposto de selo.


E o que daqui retiro, inelutavelmente, é que foi o próprio Banco inspecionado a assumir que nenhuma dessas operações foi tributada e a razão porque o fez.


Pelo que o que causa agora alguma perplexidade é que o Recorrente venha agora pôr em causa as informações prestadas pelo Banco no exercício do seu dever de colaboração com os funcionários da inspeção e venha até a pôr em causa a existência das operações identificadas nas listagens que ele próprio forneceu. Ao vir agora pôr tudo em causa como se tais declarações não tivessem sido prestadas e as listagens não tivessem sido fornecidas, o Recorrente presta-se a um exercício argumentativo que, a meu ver, se aproxima perigosamente de uma litigância de má fé.


Retornando ao caso, diria a este propósito que não havia que recorrer a métodos indiciários, porque foi a própria instituição bancária que informou que essas operações existiram e que não foi liquidado imposto, tendo ainda explicado porque o fez.


Sobre a questão de saber se a Administração Tributária deveria ter averiguado o direito à isenção e socorrido, para o efeito, ao mecanismo previsto no artigo 34.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 363/78, diria que o conhecimento dessa questão se encontra prejudicado por já existir nos autos uma decisão transitada em julgado que sobre ela se pronunciou.


Por último, e quanto à dúvida fundada sobre a existência do facto tributário, responderia que, não tendo sido carreados factos que coloquem em dúvida as informações prestadas pelo Banco e não existindo, por isso, razões objetivas para delas duvidar, não estão verificados os pressupostos do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.


VII. Nos artigos 305.º a 313.º e 314.º a 334.º das doutas alegações de recurso e nas alíneas “NN” a “OO” e “PP” a “SS” das respetivas conclusões, o Recorrente invoca uma insuficiente subsunção dos factos às normas aplicáveis porque a Administração Tributária não distinguiu entre operações isentas e operações tributadas e entre operações com não residentes ou estabelecimentos estáveis de não residentes.


Trata-se do desenvolvimento do exercício argumentativo já aludido no ponto anterior e para o qual por isso, me limitaria a remeter. Acrescentaria apenas que, nesta parte, a Administração Tributária não se escudou na ausência de colaboração do contribuinte, antes se baseou na parte em que, por não estar em causa o sigilo bancário, essa colaboração existiu.


VIII. Nos artigos 335.º a 347.º das doutas alegações de recurso e na alínea “TT” das respetivas conclusões, o Recorrente alega que, tendo apurado divergências injustificadas entre o imposto de selo por si apurado e o calculado pela Administração Tributária, o tribunal recorrido decidiu nada apreciar por não estarem explicitadas ou concretizadas essas divergências. Com o que não se conforma, por entender que, se mais não concretizou, foi porque não o podia fazer. Porque as correções respetivas não estão devidamente fundamentadas.


Ora, o que eu diria a este propósito é que não está aqui em causa o dever de fundamentação do ato impugnado, mas o dever de decisão da sentença recorrida, isto é, saber se o tribunal de primeira instância teria o dever de apreciar um vício que lhe foi concretamente apresentado, mas que não foi devidamente consubstanciado.


E a esta questão não pode o tribunal de recurso responder senão em sentido negativo. Tendo o Recorrente identificado divergências na quantificação da matéria tributável ou em aspetos quantitativos da determinação do facto tributário, o seu dever era explicitar como é que chegou a essas divergências, para que o tribunal pudesse aceder ao seu próprio itinerário cognoscitivo e valorativo.


Divergir agora para a falta de fundamentação do ato impugnado no segmento respetivo é apontar a um alvo novo e invocar um vício que o tribunal recorrido não poderia ter apreciado, por não lhe ter sido apresentado nesses termos e não ser do conhecimento oficioso. E que, por isso, também não pode integrar o objeto do presente recurso.


IX. Nos artigos 348.º a 363.º das doutas alegações de recurso e nas alíneas “UU” a “WW” das respetivas conclusões, o Recorrente invoca o erro de julgamento na parte referente à alegada ilegalidade da tributação sobre os juros nos termos do artigo 120.º-A da Tabela Geral do Imposto de Selo. Alegando, a este respeito, que só havia lugar à liquidação do imposto de selo sobre os juros se os empréstimos estivessem sujeitos ao depósito compulsório (cfr. circular n.º 18/91, de 5 de agosto, da 6.ª Direção dos Serviços da DGSI). E que cabia à Administração Tributária demonstrar que o Banco de Portugal impôs a constituição do depósito compulsório no documento de autorização das operações o que, acrescenta, poderia ser facilmente verificado pelos serviços de fiscalização. Como, em seu entender, decorre do documento n.º 4 junto à petição inicial.


A este propósito, começaria por salientar que o erro de julgamento nesta parte invocado não se reconduz apenas a matéria de direito e que a factualidade correspondente, alegada nos artigos 272.º a 273.º da petição inicial, não foi levada aos factos provados. Sendo que o julgamento de facto da primeira instância não faz parte do âmbito do recurso e não pode ser agora sindicado.


A admitir-se que o Recorrente pretende que competia à Administração Tributária demonstrar que os serviços de fiscalização não podiam aceder, por si só, à informação correspondente, responderia negativamente, por se tratar de facto alegado pelo Recorrente para demonstração de um vício por si invocado e por recair sobre quem os alega o ónus de demonstrar os vícios invocados.


Por último, observaria que a invocação de um vício por remissão para o teor de uma circular da DGCI não consubstancia a alegação de uma ilegalidade, isto é, o erro sobre a interpretação ou subsunção de uma norma legal, se na sua exposição não é invocado nenhum argumento legal e a própria circular para que remete também não o contém.



(Nuno Bastos)