Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0303/09.9BEMDL
Data do Acordão:05/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24522
Nº do Documento:SA1201905100303/09
Data de Entrada:04/24/2019
Recorrente:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE
Recorrido 1:A......,LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………, Lda intentou, no TAF de Mirandela, contra a Agência Portuguesa do Ambiente, acção administrativa especial pedindo a declaração de nulidade do acto da Ré que não lhe disponibilizou as licenças de emissão (LE) de CO2 que lhe foram atribuídas e a condenação da mesma a lançar na sua conta as licenças a que tem direito.

Aquele Tribunal julgou a acção procedente, anulou o acto impugnado e condenou a Ré a emitir novo acto expurgado do vício que o inquinava.

Decisão que o TCA Norte confirmou.

É desse acórdão que a Agência Portuguesa do Ambiente recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora exerce a actividade industrial de fabricação de produtos de barro para a construção, emitindo gases com efeito de estufa, designadamente C02, e porque essas emissões ultrapassavam o mínimo estabelecido para Portugal com benefício de isenção necessitava de licença para emitir os gases que excediam o referido mínimo. Sendo que para controlo dessa emissão a Agência Nacional do Ambiente elabora um registo designado de RNLE - Registo Nacional de Licenças de Emissão – onde cada empresa tem uma conta onde são registadas as toneladas de C02 emitidas anualmente.
Em 24.07.2008 – data em que a Autora ainda não tinha requerido a sua Licença Ambiental, o que só fez em 10.09.2008 - a Ré notificou-a de que, não tendo, até ao momento, sido apresentado o respectivo pedido de Licença Ambiental, considera esta Agência que não estão reunidos os pressupostos legais necessários para que seja concretizada a atribuição de LE com efeito de estufa. Mais se informa que as LE vos serão atribuídas tão breve a situação de incumprimento em apreço se encontre ultrapassada e no montante correspondente ao ano em que tal ocorrer.
Inconformada, a Autora impugnou esse acto, pedindo a declaração da sua nulidade, para o que invocou que mesmo estava inquinado por vícios de violação de lei.

O TAF anulou o acto impugnado por ter entendido que:
Analisando os vícios invocados pela Autora verifica-se que estes procedem apenas de uma questão: a independência da licença de emissão de gases face à licença ambiental.
... É que, constatando-se que não é exigência legal a detenção de licença ambiental para a emissão de licença de emissão de gases ambientais, todo o procedimento envolvente ficará irremediavelmente inquinado.
........
A exigência a que a Ré alude apenas veio a ser instituída ..... com o Decreto-lei 154/2009, de 6/07, ..... diploma que apenas entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação logo superveniente face à questão sub judice.
Por ser assim, não é difícil de antever que a Ré não tinha cobertura legal para praticar o ato de indeferimento, violando com a sua conduta o art.º 25º, n.º 3, do Decreto-lei 173/2008, de 26/08 ......
Não havendo norma legal que permitisse à Ré decidir no sentido em que decidiu, como já se expôs, necessariamente há um vício de incompetência, por falta de habilitação legal para praticar aquele ato com aquela fundamentação.
.........
Deste modo, ante o exposto, procede a presente ação por vício violação de lei, anulando-se o ato praticado e condenando-se a Ré a praticar novo ato que não recuse a emissão da licença requerida com o fundamento de que a Autora não possui licença ambiental.”

O TCA, para onde a Ré apelou, manteve aquela decisão com um discurso de que se destaca:
...
1. Da caducidade do direito de acção.
Esta questão só agora em sede de recurso foi suscitada. .....
Em sede de recurso jurisdicional ..... apenas podem ser tratadas questões que tenham sido invocadas ou suscitadas em primeira instância, salvo as de conhecimento oficioso.
Não se pode, por isso, conhecer nesta sede de recurso desta questão, pelo que este fundamento do recurso não colhe.

2. Das nulidades processuais de omissão do despacho saneador e de notificação das partes para a apresentação de alegações escritas.
Em face dos factos descritos nos artigos 16º e 17º da matéria de facto dada como provada, dúvidas não subsistem de que o processo já continha despacho saneador e que as partes já tinham sido notificadas nos termos e para os efeitos previstos no artigo 91º, n.º 4, do CPTA (de 2002), tendo a Autora apresentado alegações escritas e a Ré tendo optado pela sua não apresentação.
Assim, a prolação de novo despacho saneador e de nova notificação das partes para os efeitos previstos no artigo 91º, nº 4, do CPTA violaria o trânsito em julgado dos aludidos despachos já proferidos nos autos e que não foram objecto de recurso, salvo a falta de interesse em agir, excepção dilatória que foi julgada não verificada no primeiro acórdão proferido por este Tribunal.
......

3. Da nulidade da sentença: condenação em objecto diverso do pedido.
É certo que a Autora na petição inicial pede a declaração da nulidade do acto impugnado, mas o vício de violação de lei que invoca conduz à anulabilidade do acto e não à sua nulidade.
O vício está correctamente invocado – vício de violação de lei. - A consequência que o vício gera é que está mal qualificada, sendo certo que o Tribunal tem liberdade de qualificação jurídica da mesma.
.....
A consequência do vício verificado - a anulabilidade - é um minus relativamente à consequência que lhe é assacada pela Autora – a nulidade – e, virtualmente, a primeira está contida na segunda, sendo aquela mais restritiva do que esta.
.........
Assim, nada obsta a que o Tribunal decrete a anulabilidade em vez de declarar, como a Autora pede, a nulidade, não tendo ocorrido condenação em pedido diverso do formulado pela Autora”

3. Nesta revista a Agência Portuguesa do Ambiente pede declaração de nulidade do Acórdão recorrido:
- Por a Autora ter peticionado a nulidade do acto impugnado e este ter sido anulado, o que configurava uma condenação em objecto diverso do pedido.
- Por, no referente à questão da caducidade do direito de acção, os fundamentos invocados para indeferir o seu conhecimento encontrarem-se em oposição com a decisão.
- Para além disso verificava-se a violação de caso julgado formal por o Acórdão do TCAN, de 18/03/2016, ter ordenado “a baixa do processo à primeira instância para proferir despacho saneador conforme ao supra decidido e, sendo o caso, o processo prosseguir os seus normais trâmites” e o Acórdão recorrido ter entendido que o despacho saneador foi proferido e não foi julgado nulo em nenhuma instância.”

4. Como se acaba de ver a Recorrente não questiona a decisão de fundo que determinou a Autora a instaurar esta acção, isto é, não ataca a decisão que considerou que o acto impugnado estava ferido por vício de violação de lei por se fundar nas disposições de diploma que só entrou em vigor posteriormente à sua prática. Limitando-se a pô-la em causa com fundamento em vícios do próprio Acórdão e na violação de caso julgado formal.
Todavia, se bem virmos, tudo indica que aquele Aresto julgou bem.
Com efeito, parece não existir dúvida de que o mesmo decidiu acertadamente quando afirmou que a anulabilidade - é um minus relativamente à consequência que lhe é assacada pela Autora – a nulidade – e, virtualmente, a primeira está contida na segunda e que, por ser assim, a Ré não foi condenada em objecto diverso do pedido. Ao que acresce que a Recorrente não se pode queixar desse julgamento pois, de nenhum modo, foi por ele prejudicado.
Como também que há razão para censurá-lo quando nele se decidiu que a caducidade do direito de acção não era uma questão de conhecimento oficioso e que, por isso, tendo essa questão sido suscitada apenas na apelação, não havia obrigatoriedade no seu conhecimento.
Finalmente, o Acórdão recorrido explicou com clareza e plausibilidade porque razão entendia que não se havia formado caso julgado formal no tocante ao saneador.
Nesta conformidade, a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito sendo certo, por outro lado, que nenhuma das questões suscitadas no recurso merece a qualificação de questão, jurídica ou socialmente, fundamental.
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A Recorrente requer que, não sendo admitida a revista, o recurso seja convolado em reclamação para a Conferência.
Todavia, esta não é a sede para formular um tal requerimento pelo que o mesmo vai indeferido.
DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Porto,10 de Maio de 2019. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.