Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:064/23.9BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
INVOCAÇÃO
VÍCIOS
AVALIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.
Nº Convencional:JSTA000P31804
Nº do Documento:SAP20240124064/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (DSCJC)
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.ºs 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro [doravante “RJAT”], interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão arbitral proferido em 3 de abril de 2023 no processo n.º 464/2022-T, do Centro de Arbitragem Administrativa [“CAAD”], que julgou integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado por A... SA, NIF ...46, com sede no Campo ..., concelho e distrito de Faro, ... ... e, consequentemente, declarou ilegais e anulou parcialmente as liquidações de IMI n.ºs ...03 de 07-03-2018, ...03 e ...03 de 08-06-2018, relativas ao ano de 2017; ...03 de 23-03-2019, ...03 de 23-03-2019, e ...93 de 14-09-2019, relativas ao ano de 2018; ...03, ...03 e ...03 de 08-04-2020, relativas ao ano de 2019; ...03 de 07-04-2021, ...93 e ...93 de 16-06-2021, relativas ao ano de 2020, no montante total de € 542.755,28, invocando oposição entre o ali decidido e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de fevereiro de 2023, tirado no processo n.º 102/22.2BALSB.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.

B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo

C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 464/2022-T, de 03.04.2023 e o Acórdão fundamento n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023.

D. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

E. Em ambas as decisões está em causa:

i. A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação sobre o património regulados pelo Código do imposto municipais sobre o património (IMI);

ii. Pese embora no caso do Acórdão Fundamento esteja em causa o Adicional ao IMI, e na decisão recorrida o AIMI, o núcleo essencial da estrutura tributária é idêntica, ambos são impostos municipais sobre o património, não havendo dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação;

iii. Por outro lado, em ambos os casos estão em causa as normas de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos;

iv. No Acórdão fundamento estão em causa os atos de liquidação de 2017, 2018, 2019 e 2020 assim como na decisão recorrida.;

v. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção;

vi. Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.

F. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.

G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,.

H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.

I. Enquanto que no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

J. Em sentido oposto, a decisão recorrida vem preconizar o entendimento que “Apesar da não impugnabilidade (normal) de atos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT que lhes serviu de base, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade (excecional) de revisão oficiosa de atos tributários (incluindo liquidações de IMI) "com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte".

K. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com o acórdão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e uniformiza a jurisprudência sobre esta matéria.

L. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”.

M. A jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do ato que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do ato de liquidação, incluindo os casos em que mesma seja despoletada por um pedido de revisão oficiosa.

N. No caso em apreço, não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

O. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

P. Em suma, entre a decisão recorrida e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência.».

Concluiu pedindo fosse o recurso para uniformização de jurisprudência aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, fosse revogada a decisão arbitral recorrida e fosse a mesma substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente.

O recurso foi admitido, com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que condensou nas seguintes conclusões:

«(…)

A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso na sequência do recurso por oposição de julgados (que segue, nos termos do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no CPTA), interposto pela AT da Decisão Recorrida proferida no âmbito do processo 464/2022-T;

B. Na Decisão Recorrida, o Tribunal Arbitral julgou ilegais e ordenou a anulação (total e parcial, respetivamente) da decisão de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa e das Liquidações Contestadas em resultado da verificação de uma situação de injustiça grave ou notória resultante da aplicação de uma fórmula ilegal de fixação do VPT de terrenos para construção e que legitima a autorização da revisão da matéria tributável nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT;.

C. O Recurso apresentado pela Recorrente nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 152.º do CPTA tem por fundamento a alegada oposição da Decisão Recorrida com o Acórdão Fundamento do STA proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB;

D. A Recorrente considera que: “(...) analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com o acórdão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e uniformiza jurisprudência sobre esta matéria” – cf. artigo 19.º do Recurso e Conclusão O das Alegações de Recurso da Recorrente;

E. No entendimento da Recorrente: “(...) apesar de se verificar identidade substancial da situação fáctica com a da decisão arbitral de que se recorre, existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito”, o que “(...) leva à adoção de soluções opostas expressas” - cf. pág. 1/17 do recurso apresentado pela AT.

F. É firme o entendimento da Recorrida de que o recurso apresentado pela AT não deve ser admitido já que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a interposição do recurso de oposição de julgados previsto no artigo 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT e no art.º 152.º do CPTA e, em particular, por inexistir contradição quanto à mesma questão fundamental de direito;

G. Em primeiro lugar, o mecanismo processual utilizado pelos contribuintes para discutir a legalidade das liquidações de imposto, com vista a obter o reembolso do imposto pago em excesso não é o mesmo na Decisão Recorrida e no Acórdão Fundamento o que, de acordo com a mais recente jurisprudência uniformizada deste Pleno do STA (Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 23.02.2023, proferido no processo n.º 097/22.2BALSB) é suficiente para que se conclua pela inadmissibilidade do recurso apresentado pela AT.

H. Conforme resulta da jurisprudência do STA plasmada no Acórdão, de 23.02.2023, proferido no processo n.º 097/22.2BALSB e que é inteiramente aplicável ao caso em análise: “O diverso modo escolhido pelos sujeitos passivos para discutirem a legalidade das liquidações efectuadas com base em VPT que não puseram oportunamente em causa determina, por si só, a diversidade de soluções a que chegou cada um dos acórdãos arbitrais” sendo que “(...) a diversidade de decisões não resultou de uma diferença na interpretação e aplicação de um mesmo quadro jurídico, mas antes ficou a dever-se à circunstância de os sujeitos passivos terem reagido contra as liquidações através de diversos meios processuais”;

I. O STA considerou, assim, que não é possível “(...) afirmar-se que as decisões em confronto tenham decidido a mesma questão fundamental de direito em sentido divergente, divergência essa imprescindível como requisito para o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência.” - Cf. Acórdão, de 23.02.2023, proferido no processo n.º 097/22.2BALSB;

J. No segmento decisório do referido Acórdão do STA pode ler-se: “O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, no caso entre as Decisões arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT) e, inexistindo essa oposição, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.” - Cf. Acórdão, de 23.02.2023, proferido no processo n.º 097/22.2BALSB;

K. Ora, o caso em análise nos presentes autos de recurso é idêntico ao que foi analisado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão acima chamado à colação e reproduzido, reclamando, por conseguinte, a mesma solução jurídica: a inadmissibilidade do recurso por oposição de julgados e o consequente não conhecimento do mérito do recurso por este douto STA;

L. Em segundo lugar, no caso em apreço não existe sequer similitude das normas aplicadas na medida em que, conforme demonstrado nas presentes contra-alegações de recurso, a Decisão Recorrida nem sequer chamou à colação e, por isso, não aplicou as normas constantes dos artigos 76.º e 77.º do CIMI que são precisamente as normas centrais da análise efetuada no Acórdão Fundamento;

M. Ao invés, limitou-se o Tribunal a quo na Decisão Recorrida a aplicar e interpretar os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, não tendo tecido qualquer comentário ou consideração a respeito dos artigos 76.º e 77.º do CIMI;

N. Em terceiro lugar, no recurso apresentado, a AT enunciou a questão a decidir nos seguintes termos: “(...) de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário” - cf. Artigo 21.º e conclusão K do Recurso apresentado pela AT, que foi, de resto, a questão fundamental de direito no Acórdão Fundamento.

O. Já na Decisão Recorrida, o douto Tribunal Arbitral acatou a jurisprudência deste Pleno do Supremo Tribunal Administrativo plasmada no Acórdão Fundamento relativamente ao erro imputável aos serviços da AT ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e emitiu pronúncia sobre as seguinte três questões jurídicas relevantes:

(i) a questão de saber se das ilegalidades cometidas pela AT na fixação do VPT dos terrenos para construção havia resultado uma situação de injustiça grave ou de injustiça notória por erro não imputável a comportamento negligente da Recorrida;

(ii) a questão de saber se verificados os referidos pressupostos de recurso ao mecanismo excepcional previsto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, é ou não possível solicitar a revisão oficiosa tendo particularmente em conta que estas normas autorizam expressamente a revisão da matéria tributável (incluindo atos de fixação do VPT) ainda que com consequência e impacto diretos nos atos tributários (i.e., nas liquidações de imposto); e,

(iii) a questão da determinação do termo inicial do prazo de apresentação de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4, da LGT.

P. Do exposto resulta que não está em causa na Decisão Recorrida e no Acórdão Fundamento a mesma questão fundamental de direito e que, por conseguinte, não existe qualquer contradição que justifique a apresentação de recurso por oposição de julgados;

Q. E em face de tudo isto, a única conclusão possível só pode ser a de que a questão fundamental de Direito em causa na Decisão Recorrida e no Acórdão Fundamento não é idêntica, o que conduz necessariamente à inadmissibilidade do presente recurso, o que desde já se requer que seja declarado por este douto STA com todas as consequências legais, incluindo, designadamente, o não conhecimento do mérito do recurso.

R. Subsidiariamente e sem conceder, ainda que se considere existir oposição de julgados na dimensão exigida pelo artigo 152.º do CPTA e artigo 25.º do RJAT, sempre deverá manter-se a Decisão Recorrida proferida pelo Tribunal a quo, que bem andou ao considerar que a Recorrida podia recorrer ao mecanismo excepcional de revisão oficiosa previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT;

S. O recurso apresentado pela AT deve, assim, ser julgado improcedente por manifesta falta de fundamento legal, por inexistir qualquer erro de julgamento e porque a solução jurídica a que chegou o douto Tribunal a quo não merece qualquer reparo, devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica;

T. Na realidade, todos os elementos da boa hermenêutica legislativa corroboram a posição adoptada pela Recorrida do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT;

U. Neste contexto, importa não esquecer que os mecanismos de revisão oficiosa de atos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços da AT e com fundamento em injustiça grave ou notários são muito diferentes e merecem uma análise distinta, separada e autónoma neste contexto na medida em que:

(i) O mecanismo excecional de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória assenta em pressupostos bastante rígidos e apertados, representando o último reduto dos contribuintes para fazer face a situações de injustiça clamorosa e evidente (i.e., situações de injustiça grave ou notória) que são consideradas graves e cuja manutenção na ordem jurídica é suscetível de pôr em causa a própria essência de qualquer Estado de Direito democrático;

(ii) Ao contrário do n.º 1 do artigo 78.º da LGT que apenas faz referência à “(...) revisão dos actos tributários” sem qualquer alusão ou referência à revisão da matéria tributável, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT estabelece expressamente a possibilidade de, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário se promover a revisão da matéria tributável (no caso, a revisão dos atos de fixação do VPT dos terrenos para construção), ainda que, naturalmente, com impacto nas liquidações - i.e., nos atos tributários - que sejam objeto do pedido de revisão oficiosa. Esta norma não tem qualquer limitação no que diz respeito aos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários pelo que a Recorrida só pode assumir que os mesmos não estão (nem poderiam estar) excluídos do âmbito de aplicação da norma; e,

(iii) A entidade para decidir e autorizar a revisão oficiosa em cada um dos procedimentos é distinta.

V. Uma interpretação diferente daquela que é adotada pela Recorrida não teria na letra da lei o mínimo de correspondência que é exigido nos termos legais na medida em que os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT estabelecem expressamente (ainda que a título excecional) a possibilidade de revisão dos atos de fixação de valores patrimoniais tributários enquanto atos abrangidos no conceito de matéria tributável, ao contrário do mecanismo previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT que não contém uma referência expressa à revisão da matéria tributável (i.e., à revisão dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários com impacto nos atos tributários) mas apenas à revisão dos atos tributários;

W. Para além do exposto, uma interpretação diversa daquela que é propugnada pela Recorrida e daquela que foi adotada pelo Tribunal a quo na Decisão Recorrida, a ser adotada por este douto Pleno do STA, esvaziaria de conteúdo útil o disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT e, em particular, a referência expressa à revisão da matéria tributável que abrange necessariamente os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários na medida em que os mesmos não foram excluídos pelo legislador, devendo sempre assumir-se que o legislador soube exprimir-se de forma adequada;.

X. Restringir ou eliminar uma impugnabilidade que resulta expressamente da lei (no caso, nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT) constituiria uma agressão ostensiva e manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva e da proibição da denegação da justiça plasmados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição e, bem assim, do princípio constitucional da legalidade tributária.

Y. De facto, estando em causa uma situação de injustiça grave e ostensiva, uma interpretação do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT diferente daquela que é adotada pela Recorrida colide frontalmente com os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e da proibição da denegação da justiça, devendo, por conseguinte, ser afastada.

Z. Pelo que, caso seja objeto de apreciação deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Recorrida, sob pena de, fazendo-se outra interpretação do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5 da LGT, se violar os princípios constitucionais da justiça tributária, da igualdade e da legalidade tributária previstos nos artigos 266.º, n.º 2, 13.º e 103.º, n.º 3, da CRP, respetivamente, e, bem assim, do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva e da proibição da denegação de justiça previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.».

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, tendo concluído que não se mostram reunidos os requisitos para o conhecimento do mérito do presente recurso.

Tendo as partes sido notificadas do conteúdo do douto parecer a que alude o parágrafo anterior, nenhuma delas respondeu.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

a) A avaliação pela AT dos [t]errenos para construção com o artigo matricial identificado infra, inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Lagos, e a fixação dos respetivos VPTs ocorreu nas seguintes datas (cf. alegado no artigo 11.º da Resposta da AT, e não contestado pela Requerente):

- 19-02-2009: ...97;

- 16-11-2012: ...38, ...39, ...40, ...41, ...42, ...43, ...44, ...49, ...50, ...51, ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62, ...63, ...64, ...65, ...66, ...67, ...68, ...69, ...70, ...71, ...72, ...73, ...74, ...75, ...76, ...77, ...78, ...79, ...80, ...81, ...82, ...84, ...85, ...87, ...88, ...89, ...90, ...93, ...94, ...95, ...96, ...35, ...40,

- 17-11-2012: ...94, ...95, ...96, ...97, ...98, ...99, ...00, ...01, ...02, ...03, ...04, ...05, ...06, ...07, ...08, ...09, ...17, ...18, ...19, ...20, ...21, ...22, ...23, ...24, ...25, ...26, ...27, ...28, ...29, ...30, ...31, ...32, ...33, ...36, ...37.

- 18-11-2012: ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...91, ...92, ...93, ...36, ...37, ...39.

- 11-12-2012: ...86.

- 22-04-2016: ...44.

- 18-03-2017: ...80.

b) Em 31.12.2017 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais ...84, ...-2585, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...91, ...92, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...98, ...99, ...00, ...01, ...02, ...03, ...04, ...05, ...06, ...07, ...08, ...09, ...17, ...18, ...19, ...20, ...21, ...22, ...23, ...24, ...25, ...26, ...27, ...28, ...29, ...30, ...31, ...32, ...33, ...36, ...37, ...38, ...39, ...40, ...41, ...42, ...43, ...44, ...49, ...50, ...51, ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62, ...63, ...64, ...65, ...66, ...67, ...68, ...69, ...70, ...71, ...72, ...73, ...74, ...75, ...76, ...77, ...78, ...79, ...80, ...81, ...82, ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...35, ...36, ...37, ...39, ...40 e ...44 (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).

c) Por referência a 31.12.2018 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais matriciais ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...91, ...92, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...98, ...99, ...00, ...01, ...02, ...03, ...04, ...05, ...06, ...07, ...08, ...09, ...17, ...18, ...19, ...20, ...21, ...22, ...23, ...24, ...25, ...26, ...27, ...28, ...29, ...30, ...31, ...32, ...33, ...36, ...37, ...38, ...39, ...40, ...41, ...42, ...49, ...50, ...51, ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62, ...63, ...64, ...65, ...66, ...67, ...68, ...69, ...70, ...71, ...72, ...73, ...74, ...75, ...76, ...77, ...78, ...79, ...80, ...81, ...82, ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...35, ...36, ...37, ...39, ...40 e ...44 (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).

d) Em 31.12.2019 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Lagos, sob os artigos matriciais matriciais ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...91, ...92, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...98, ...99, ...00, ...01, ...02, ...03, ...04, ...05, ...06, ...07, ...08, ...09, ...17, ...18, ...19, ...22, ...23, ...24, ...25, ...27, ...28, ...29, ...31, ...38, ...39, ...41, ...49, ...50, ...51, ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62, ...63, ...64, ...65, ...66, ...67, ...68, ...69, ...70, ...71, ...72, ...73, ...74, ...75, ...76, ...77, ...78, ...79, ...80, ...81, ...82, ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...35, ...36, ...37, ...39, ...40 e ...44 (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).

e) Por sua vez, em 31.12.2020 a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho de Lagos, sob os seguintes artigos matriciais matriciais ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...91, ...92, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...98, ...99, ...00, ...01, ...02, ...03, ...04, ...05, ...06, ...07, ...08, ...09, ...18, ...22, ...24, ...25, ...27, ...28, ...29, ...38, ...39, ...49, ...50, ...51, ...52, ...53, ...54, ...55, ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62, ...63, ...64, ...65, ...66, ...67, ...68, ...69, ...70, ...71, ...72, ...73, ...74, ...75, ...76, ...77, ...78, ...79, ...80, ...81, ...82, ...84, ...85, ...86, ...87, ...88, ...89, ...90, ...93, ...94, ...95, ...96, ...97, ...35, ...36, ...37, ...39, ...44 e ...80 (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).

f) A AT fixou o VPT destes Terrenos para Construção tendo em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização e de afetação), bem como a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI (cf. cadernetas prediais juntas ao PPA como Documento 2).

g) A Requerente foi notificada e procedeu ao pagamento do valor indicado nas liquidações de IMI n.ºs ...03 de 07-03-2018, ...03 e ...03 de 08-06-2018, relativas ao ano de imposto de 2017, no valor de € 205.409,19; ...03 de 23-03-2019, ...03 de 23-03-2019 e ...93 de 14-09-2019, relativas ao ano de imposto de 2018, no valor de € 200.426,24; ...03, ...03 e ...03, de 08-04-2020, relativas ao ano de imposto de 2019, no valor de € 195.379,13; ...03 de 07-04-2021, ...93 e ...93 de 16-06-2021, relativas ao ano de imposto de 2020, no valor de € 187.180,89 (cf. liquidações de IMI e respetivos comprovativos de pagamentos juntos ao PPA como Documento 3).

h) Caso o VPT dos Terrenos para Construção supra identificados tivesse sido fixado sem considerar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, ou a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, o montante do IMI liquidado e pago com referência aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 teria sido inferior ao referido na alínea (g), sendo a diferença de € 542.755,28 (cf. alegado pela Requerente nos artigos 14.º e 18.º do PPA, e não contestado pela Requerida).

i) Em 30-12-2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra as Liquidações Contestadas, com fundamento quer em erro imputável aos serviços, quer em injustiça grave ou notória (nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT), solicitando a anulação parcial das mesmas liquidações por entender que assentaram em VPTs determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal (cf. Documento 1 junto ao PPA).

j) A AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro meses referido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT (cf. alegado pela Requerente no artigo 26.º do PPA, e não contestado pela Requerida).

k) A Requerente apresentou o PPA no dia 01-08-2022.».

2.2. O acórdão fundamento consignou que a decisão arbitral ali recorrida fez constar o seguinte julgamento da matéria de facto: «(...)

Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a. No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

§ Liquidação com o n.º ...08, referente ao ano 2017, no montante total de € 4.025.291,53;

§ Liquidação com o n.º ...33, referente ao ano 2018, no montante total de € 4.054.699,52;

§ Liquidação com o n.º ...85, referente ao ano 2019, no montante total de € 3.580.298,52;

§ Liquidação com o n.º ...02, referente ao ano 2020, no montante total de €2.979.749,57.

b. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de AIMI supra identificadas, conforme informação disponível no Portal das Finanças;

c. As sobreditas liquidações foram processadas com base nos VPT’s que à data de 1 de janeiro de cada um dos anos (2017, 2018, 2019 e 2020) constavam das respetivas matrizes... d. ... e fixados entre 2008 e 2017 (Doc 4, com o PPA);

e. Em parte, as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção...f. ... e que haviam sido fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas respectivas cadernetas prediais urbanas;

g. Os citados prédios são os terrenos para construção identificados na seguinte Tabela, elaborada pelo Requerente e junta aos autos (Doc 6, com o PPA) e que espelham os VPT’s que constavam da matriz respetiva em 1 de janeiro de cada um dos anos a que respeitam:

IMAGEM

h. Em 25/05/2021 o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas alegando errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto no cálculo do VPT dos terrenos para construção;

i. A 12/10/2021 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do Valor Patrimonial Tributários(VPT) que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas.

j. A AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar os sobreditos coeficientes [conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2019 e 2020 - Documento 5 que junta em anexo com o PPA];

k. - Não se conformando com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, correspondente pedido de revisão oficiosa destes atos tributários;

l. – O referido pedido de revisão oficiosa considerou-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.

A.2. Factos não provados

Não ficou demonstrado:

- que o Requerente tivesse impugnado ou reclamado dos VPT´s que serviram de base às liquidações documentadas e impugnadas.».


***

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. A primeira questão a decidir é a de saber se estão reunidos os pressupostos substantivos do conhecimento do mérito do recurso.

Com efeito, o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, o que significa que tem no seu fundamento a oposição entre decisões e inclui na sua finalidade a uniformização de jurisprudência.

Ora o recurso interposto com tal fundamento pressupõe – como a própria norma indica – que a decisão arbitral recorrida se oponha a outra decisão arbitral ou a acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo quanto à mesma questão fundamental de direito.

O que significa que o recurso só deve prosseguir para a apreciação do seu mérito quando os arestos em confronto tenham apreciado a mesma questão fundamental de direito e a tenham decidido de forma oposta.

Sendo que para concluir que a questão de direito é a mesma importa, desde logo, que seja substancialmente idêntico o quadro normativo a aplicar e que seja substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida (quanto aos seus elementos típicos fundamentais).

E bem se compreende que assim seja porque, se não houver identidade no enquadramento jurídico ou na factualidade a subsumir, não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes ou com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Vejamos, então se estes pressupostos estão reunidos no caso.

Podemos adiantar desde já que o acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento apreciaram a mesma questão fundamental de direito.

Que, em abstrato, se traduzia em saber se, não tendo o sujeito passivo requerido segunda avaliação dos prédios nos termos do artigo 76.º do Código do IMI ou impugnado o resultado da segunda avaliação nos termos do artigo 77.º do mesmo Código, podia arguir a ilegalidade das liquidações subsequentes com fundamento em vícios imputáveis à avaliação desses prédios.

O quadro legislativo era o mesmo e a factualidade subjacente era também substancialmente idêntica.

No caso da decisão arbitral recorrida, estava em causa o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI de 2017 a 2020, tendo como fundamento vícios imputados aos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis respetivos.

Vícios que, se traduziam no facto de terem sido aplicados, na avaliação de terrenos para construção, coeficientes de localização e de afetação, que se considerou serem especificamente aplicáveis a prédios edificados.

No caso do acórdão fundamento, estava em causa a legalidade de decisão arbitral que apreciou o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI de 2017 a 2020, tendo como fundamento vícios imputáveis a atos de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis respetivos.

Vícios que, naquele caso, se traduziam no facto de terem sido aplicados na avaliação de terrenos para construção, coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, que a ali Requerente considerava serem especificamente aplicáveis a prédios edificados.

A única diferença a reportar a partir desta análise diz respeito ao imposto liquidado que, no caso do acórdão arbitral recorrido, é o IMI e, no caso do acórdão arbitral fundamento, é o AIMI.

Mas essa diferença não nos deve impressionar, no caso. Porque, como se disse, não são as operações de liquidação em si mesmas (nem as normas que lhes subjazem) que estão em causa. O que está em casa é a ocorrência de ilegalidades em operações a montante das liquidações e o respetivo regime de impugnação administrativa. Sendo que nem o regime dessas operações nem o regime da sua impugnação administrativa difere consoante se trate de IMI ou de AIMI.

Nas contra-alegações de recurso e nas alíneas “G” a “Q” das respectivas conclusões, a Recorrida defende que não é a mesma a questão fundamental de direito porque não foi o mesmo o mecanismo processual utilizado pelos contribuintes para discutir a legalidade das liquidações de imposto.

Assim, no caso do acórdão fundamento, o pedido de revisão oficiosa foi apresentando ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, isto é, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Já no caso do acórdão arbitral recorrido, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado também ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da mesma Lei, isto é, com fundamento em injustiça grave e notória.

Mas do facto de os fundamentos invocados nos respetivos pedidos de revisão não serem integralmente sobreponíveis não deriva que os meios procedimentais sejam distintos. Deriva, quando muito, que foi utilizado o mesmo meio procedimental com distinta fundamentação.

Não existe, assim, o pretendido paralelismo entre a situação dos autos e a que foi tratada no processo n.º 097/22.2BALSB, que contrapunha a reclamação graciosa ao abrigo do disposto no artigo 68.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário à revisão de atos tributários efetuada ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

De qualquer modo, não foi o facto de não ter sido expressamente invocada que impediu o Tribunal Arbitral, no caso do acórdão fundamento, de apreciar e decidir da viabilidade da revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória. Pelo que nem por aí se pode afirmar que não tenha sido decidida a mesma questão fundamental de direito.

Também nas contra alegações de recurso e nas alíneas “L” a “M” das respectivas conclusões, a Recorrida defende que não existe similitude das normas aplicadas, porque o acórdão arbitral recorrido não aplicou as normas constantes dos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, que são as normas centrais da análise efetuada no acórdão fundamento.

Ora, isso não é verdade. Desde logo porque o acórdão arbitral recorrido convocou o decidido no acórdão fundamento a esse propósito e declarou expressamente acatar o julgamento da questão e os seus fundamentos no âmbito da sua própria decisão.

O que sucede é que, do mesmo passo, o acórdão arbitral recorrido entendeu interpretar o acórdão cuja solução declarou acatar no sentido de que dele não resultava que ficasse precludida a possibilidade de arguição da errónea fixação do valor patrimonial tributário no pedido de revisão dos atos de liquidação de IMI e AIMI e desde que esse pedido fosse fundado em injustiça grave e notória.

Ainda nas contra-alegações de recurso e nas alíneas “N” a “Q” das respectivas conclusões, a Recorrida defende que não é a mesma a questão fundamental de direito porque não é a mesma a questão de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário e a questão de saber se a fixação o valor patrimonial tributário resultou numa situação de justiça grave e notória por erro não imputável a comportamento negligente do sujeito passivo e se, em consequência, os atos de liquidação devem ser anulados por estarem também reunidos os restantes pressupostos da revisão.

Parece-nos evidente que não é assim. Por um lado, na questão, genericamente formulada, de saber se na impugnação do ato de liquidação subsequente podem ser arguidos vícios imputados à avaliação dos imóveis já está contida a questão de saber se é possível fazê-lo através do procedimento de revisão. Por outro lado, se a questão por decidida no sentido da sua inadmissibilidade fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se estão (ou estavam) reunidos os demais pressupostos da revisão.

Resulta de todo o exposto que, efetivamente, a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento apreciaram a mesma questão fundamental de direito.

Assim sendo, deve também entender-se que lhe deram uma resposta divergente, visto que a decisão arbitral recorrida entendeu que para a questão de saber se era possível a impugnação da liquidação com fundamento em vícios imputáveis à fixação o valor patrimonial tributário dos imóveis importava aferir se tinha sido pedida a revisão da liquidação com fundamento em injustiça grave e notória. E o acórdão fundamento, confrontado com situação substancialmente idêntica, não fez qualquer ressalva ou distinção.

Nada obsta, por isso, ao conhecimento do mérito do recurso.

O que se fará de seguida.

3.2. O Supremo Tribunal Administrativo já uniformizou jurisprudência sobre esta questão.

Fê-lo precisamente através do acórdão invocado como fundamento no presente recurso, onde ficou decidido que «[d]eixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável».

Trata-se de um entendimento que não importa agora rever, até porque foi reafirmado no acórdão da Secção do Pleno do Contencioso Tributário de 25 de outubro de 2023, tirado no recurso n.º 047/23.9BALSB, e bem assim no acórdão da mesma Secção de 22 de novembro de 2023, tirado no recurso n.º 0115/23.7BALSB.

Aliás, neste último acórdão ficou expressamente consignado que o acórdão fundamento deve ser interpretado no sentido de que o artigo 78.º (incluindo o seu n.º 4) não é aplicável nestas situações.

Significa isto que a decisão arbitral recorrida não está de acordo com a mais recente jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, motivo por que, nos termos e com os fundamentos expendidos no referido acórdão, se impõe dar provimento ao recurso e anular a decisão recorrida.


***

3.3. Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário do acórdão fundamento:

Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.

4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pelo Recorrido, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais e tendo em conta a manifesta simplicidade da causa.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 24 de janeiro de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo (vota a decisão ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil) – Fernanda de Fátima Esteves.