Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0984/15
Data do Acordão:11/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:PROPINAS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Sumário:I - A propina devida a estabelecimento público de ensino constitui uma taxa que é coercivamente cobrada através de processo de execução fiscal, da competência dos serviços da administração tributária, em conformidade com o disposto nos arts. 10º, nº 1, al. f), 148º, nº 1, al. a), 149º, e 151º, todos do CPPT.
II - Sendo a execução fiscal um processo judicial que fica na dependência do tribunal tributário logo que (e apesar de) instaurada no serviço de finanças, não pode concluir-se que o tribunal tributário não é competente para a apreciação da oposição que o executado dirige a essa execução, até porque do disposto nos artigos 151º e 152º do CPPT resulta que quando a execução corre nos serviços de finanças a respectiva oposição tem de ser deduzida perante o tribunal tributário, só sendo admissível a sua apresentação nos tribunais comuns quando a execução foi instaurada e corre termos nesses tribunais.
Nº Convencional:JSTA000P19720
Nº do Documento:SA2201511180984
Data de Entrada:07/17/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. O Ministério Público recorre da sentença que, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 30/3/2015, julgou improcedente a oposição que A………., com os demais sinais dos autos, deduziu à execução fiscal nº 3603201201086286, contra si instaurada e pendente no Serviço de Finanças de Leiria 2, para cobrança de quantia proveniente de propinas liquidadas pela Universidade de Coimbra.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. A criação de taxas e a respectiva cobrança, tal como sucede com os impostos, estão sujeitos ao princípio da legalidade, de acordo com o preceituado no art. 8º nº 2 a) da LGT;
2. Nem todas as taxas cabem na previsão do art. 148º nº 1 a) do CPPT, desde logo, as devidas a pessoas colectivas de direito privado, como sejam as universidades privadas, não obstante o bem público por elas prestado, vigorando ainda nesse caso o art. 3º do DL 241/93, de 8/7;
3. Aquele art. 148º distingue, em separado, nos seus nºs 1 a) e 2 a), a competência para a execução de tributos e demais contribuições financeiras a favor do Estado, e de outras prestações devidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público, respectivamente, pelo que não prevendo, o mencionado artigo, de modo expresso, a cobrança de taxas devidas a estas últimas pessoas nesse nº 1, apenas através do nº 2 tal seria possível;
4. Desse modo, a al. a), do nº 1 do citado artigo, ao não prever a cobrança de taxas devidas a "outras pessoas colectivas de direito público", diferentes do Estado, deverá ser interpretada no sentido de compreender apenas as taxas devidas à administração directa do Estado, isto é, à pessoa colectiva de direito público do Estado, entendido na sua acepção restrita, a de Estado Administração, segundo o qual "O Estado é apenas a pessoa colectiva de direito público interno que no seio da comunidade... tem o Governo por órgão".
5. O que, mas, está de acordo com o estatuído no art. 3º nºs 2 e 3 da LGT, que classificando como tributos as "taxas" e demais contribuições financeiras, mas agora a favor de entidades públicas, o respectivo regime legal geral depende de lei especial;
6. Daí que, mesmo nos casos de taxas cobradas por entidades públicas, assentes na prestação concreta de um serviço público, ou na utilização de um bem do domínio público, necessitam, para a respectiva execução através do processo de execução fiscal, nos termos do CPPT, de uma fonte legislativa própria, como sucedeu, por exemplo e respectivamente, nos art.s 7º nº 3 e 11° da Portaria nº 215/2012, de 17/7, com a taxa de segurança alimentar e nos arts. 20º nº 2 e 23º nº 2, do DL 216/2009, de 4/9, com as taxas descritas no seu art. 18º-A, relativas ao uso privativo dos bens do domínio público;
7. Igualmente outros exemplos se podem mencionar em que a competência, através do processo de execução fiscal, foi atribuída pelo legislador em normas legais específicas, não obstante a natureza de "taxas" dos créditos exequendos. E independentemente da natureza, da pessoa colectiva de direito público ou não, do credor e do serviço público pelo mesmo prestado;
8. Não existindo lei habilitante que autorize a cobrança da quantia exequenda, que fixe a entidade/pessoa competente para promover a execução ou que atribua competência ao processo de execução fiscal, tal implica a ilegalidade de todo o procedimento em virtude da incompetência da AT e deste TAF, em razão da matéria, para tal cobrança;
9. A situação em apreço apenas poderia integrar, em abstracto, a previsão do art. 148º nº 2 a) do CPPT, por considerarmos estar face a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo, sendo para tal necessário que estivéssemos perante "processo de execução fiscal nos casos e termos expressamente previstos na lei", conforme se prevê em tal norma;
10. Parece, mas, ter sido esse o entendimento veiculado no Ofício-Circulado nº 60093/2012-30/11 da DSGCT, ao estatuir que só "as prestações pecuniárias devidas a instituições de ensino superior público, e estabelecidas por acto administrativo, podem ser objecto de cobrança coerciva declinando-se, aí, não só, a aplicação da al. a), do nº 1 do art. 148º do CPPT, como a competência da Administração Tributária para a execução das devidas às universidades privadas;
11. Não existindo lei especial que abranja tal solução, sendo as Leis 113/97, de 16 de Setembro e 37/2003 de 22 de Agosto, totalmente omissas quanto a tal matéria, teria de se recorrer ao disposto no artigo 155º nº 1 do CPA, de acordo com o qual "quando, por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, seguir-se-á, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal regulado no Código do Processo Tributário";
12. Não sufragamos esse entendimento pois a criação das propinas, enquanto taxas, foram criadas pelas leis supra mencionadas e desse modo têm na sua génese um acto legislativo, sendo a exigência da UC no momento da inscrição, do valor da propina, um acto de cobrança;
13. Acresce que a fixação dos valores respectivos, bem como as respectivas condições, são oriundas de um acto regulamentar, que por definição é geral e abstracto, por contraposição ao acto administrativo, que é individual e concreto, ou seja, é por definição uma estatuição autoritária relativa a um caso concreto, praticado por um órgão da administração no uso de poderes administrativos e que visa produzir efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos.
14. A solução encontrada na decisão recorrida implicará, na cobrança de propinas, entre as universidades privadas e públicas, uma diferenciação desproporcional de regimes jurídicos aplicáveis, com base num mesmo facto jurídico/tributário com a mesma natureza, origem, finalidade e destinatário, com consequências diferentes, mormente, ao nível dos institutos da prescrição e da respectiva interrupção e suspensão, só pelo facto do credor se tratar de uma entidade pública ou privada, quando a igualdade entre universidades públicas e privadas, na sua criação e actividade, é um princípio legalmente consagrado, nomeadamente, no art. 39º da Lei nº 62/2007, de 10/9, a reclamar, por isso, uma clarificação e opção legislativa;
15. Em face do que fica exposto, entendemos que a douta sentença recorrida violou o artigo 148º do CPPT, 155º do CPA, 8º nº 2 a) da LGT e 21º nº 1 e 212º nº 3 da CRP, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que considere incompetente a Administração Tributária/Serviço de Finanças e este Tribunal, em razão da matéria, para cobrança da dívida exequenda.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público não emitiu Parecer.

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) No ano lectivo de 2004/2005, o Oponente matriculou-se na Universidade de Coimbra no curso de Engenharia Mecânica - por confissão, artigo 1º da p.i.;
B) Em 24/09/2012, foi elaborado pela Universidade de Coimbra, o instrumento constante a fls. 10 dos Autos, denominado “Certidão de Dívida” e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, referindo o seguinte: «(...)
Entidade Exequente
Universidade de Coimbra
Morada: Paço das Escolas
3004-531 Coimbra
NIF: 501617582
………… . Reitor da Universidade de Coimbra e legal representante da exequente, em cumprimento da deliberação do Conselho de Gestão da Universidade de Coimbra, tomada em reunião de 16/03/2012, nos termos do disposto no artigo 51° dos Estatutos da Universidade de Coimbra, homologados pelo Despacho n.º 43/2008, do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 168, de 1 de Setembro de 2008, certifica que o aluno abaixo identificado frequentou o curso de Engenharia Mecânica, no ano lectivo de 2003/2004, e que, tendo o tributo sido liquidado no acto da inscrição de cujo montante foi notificado naquele acto bem como dos respectivos prazos para o pagamento, não efectuou o pagamento voluntário da divida que abaixo se discrimina, no prazo devido para o efeito, que terminou em 24 de Setembro de 2012.
Certifica ainda, para efeitos de instauração de processo de execução fiscal para cobrança da referida dívida de que o devedor é executado, os outros elementos abaixo descritos.
Executado – A……... - SF 3603 – Leiria 2
R. ……….., ………. - …………. – Leiria
2415-576 Leiria
NIF ………….
N° Processo – 501001110_200405
Data de emissão - 24-09-2012
N.º Certidão de Dívida - 2012/30811
NATUREZA DA DÍVIDA - Propinas do ano lectivo 2004/2005
Descrição da dívida exequenda: TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 1188,35
(...)»;
C) Em 03/10/2012, foi instaurado em nome do Oponente no Serviço de Finanças de Leiria 2 o processo de execução fiscal n° 3603201201086286, no valor de 1.188,35 €, referente a propinas - cfr. fls. 32 do Processo Administrativo apenso aos Autos;
D) Em data não determinada, mas antes de 11/12/2012, o Serviço de Finanças de Leiria 2 remeteu para o Oponente a citação referente ao PEF n.º 3603201201086286 - por confissão, artigo 12° da p.i. conjugado com o teor da informação de fls. 13 dos Autos;
E) A p.i. foi apresentada em 11/12/2012 junto do Serviço de Finanças de Leiria 2 – cfr. fls. 3 dos Autos.

3.1. Dado que o Ministério Público suscitara a incompetência, em razão da matéria, do Tribunal Tributário para conhecimento da matéria versada na presente oposição à execução fiscal, a sentença recorrida logo começou por apreciar tal questão, julgando-a improcedente, por entender que as propinas têm a natureza de tributos (taxas) e, por isso, a respectiva cobrança executiva está abrangida pela al. a) do nº 1 do art. 148º do CPPT.
E em seguida, posto que o oponente invocara como fundamentos da oposição a prescrição da dívida exequenda (art. 48º da LGT e al. d) do nº 1 do art. 204º do CPPT) e a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade (art. 45º da LGT e al. e) do nº 1 do art. 204º do CPPT), a sentença passou a apreciar tais fundamentos, julgando-os, porém, improcedentes e julgando, consequentemente, também improcedente a oposição.
Do assim decidido discorda o recorrente Ministério Público, continuando a sustentar o entendimento de que o Tribunal Administrativo e Fiscal e os Serviços de Finanças são incompetentes, em razão da matéria, para a cobrança de propinas pela Universidade de Coimbra, embora não conteste que esta constitui um estabelecimento público de ensino superior.
Esta questão (competência) é, portanto a questão a dirimir.
Vejamos

3.2. Antes de mais, importa referir que, tal como, aliás, invoca o MP, fundando-se o recurso na violação das regras de competência em razão da matéria sempre seria admissível por força do disposto na al. a) do nº 2 do art. 629º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente. Independentemente, portanto, do valor processual e de ser superior ou inferior à alçada do Tribunal.

3.3. Quanto ao mérito, trata-se de questão que foi já abordada e apreciada nos acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do STA, prolatados em 11/3/2015 e 28/10/2015, nos procs. n.ºs 01153/14 e 0604/15, respectivamente e nos quais se concluiu pela competência do Tribunal Tributário para conhecer de oposição a execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças para cobrança coerciva de dívida proveniente de propinas.
Concordamos com a doutrina ali expendida, a qual é transponível para o presente caso – sendo, aliás, as alegações substancialmente idênticas - e se encontra alicerçada nas razões jurídicas aí sumariados da seguinte forma:
«I - As propinas assumem a natureza jurídica de taxas dado que a prestação pecuniária, sem carácter sancionatório, que constituem pressupõe uma contraprestação específica, a cargo da Universidade em benefício do estudante.
II - Tendo sido instaurada uma execução fiscal para cobrança coactiva do montante exequendo, sempre os Tribunais tributários seriam competentes para conhecer da oposição deduzida contra essa execução, sob pena de se negar ao executado o direito de se opor a tal execução, sendo certo que, os tribunais comuns nunca seriam competentes para conhecer de uma oposição deduzida contra uma execução fiscal que é um processo judicial, na dependência do juiz do Tribunal Tributário, ainda que a maior parte dos seus trâmites sejam praticados pela administração tributária – artº 49º, nº 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 151º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
III - Nos termos do disposto no artº 148º, nº 1, a) do Código de Procedimento e Processo Tributário, o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva de «Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, (...), entre outros demais, a legitimar a cobrança coerciva das propinas mediante processo de execução fiscal.»
Ora, como se salienta no citado aresto de 28/10/2015 (proc. nº 0604/15) «(...) sendo inquestionável que a propina devida a estabelecimento público de ensino constitui uma taxa à luz da tipologia consagrada no art. 4º da LGT [como se deixou bem evidenciado no acórdão prolatado pelo STA em julgamento ampliado realizado no dia 22/04/2015, no âmbito do proc. nº 1957/13], sendo, por consequência, inevitável a sua cobrança através de processo de execução fiscal, da competência dos serviços da administração tributária [em conformidade com o disposto nos arts. 10º, nº 1, alínea f), 148º, nº 1, alínea a), 149º e 151º, todos do CPPT], é inconcebível a tese sustentada pelo Recorrente, não só porque sendo a execução fiscal um processo judicial se deve entender que fica na dependência do tribunal tributário logo que é instaurada no serviço de finanças (embora a intervenção do juiz fique reservada para as situações previstas no nº 2 do art. 151º do CPPT), não havendo, assim, como advogar que o tribunal tributário não é competente para a apreciação da oposição que o executado dirigiu a essa execução, como, também, porque do disposto nos arts. 151º e 152º do CPPT resulta, de forma clara, que quando a execução corre nos serviços de finanças a respectiva oposição tem de ser deduzida perante o tribunal tributário, só sendo admissível a sua apresentação nos tribunais comuns quando a execução à qual é dirigida também corra nesses tribunais
E dado que, como supra se deixou dito, concordamos com esta fundamentação, só podemos concluir pela improcedência do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, dado que quem recorre é o Ministério Público.
Lisboa, 18 de Novembro de 2015. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.