Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0334/16.2BEPRT
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25691
Nº do Documento:SA1202003040334/16
Data de Entrada:10/11/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:D...... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…….., B………., C……… e D……… intentaram, no TAF do Porto, contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA), acção administrativa especial pedindo a anulação dos actos que definiram o valor das suas pensões de aposentação e o recálculo desses montantes.

O TAF julgou a acção parcialmente procedente anulou os actos impugnados e ordenou o recálculo do valor das pensões das Autoras tendo em atenção o disposto no artigo 43º do Estatuto de Aposentação.

E o TCA Norte, para onde as Autoras e a CGA apelaram, concedeu provimento ao recurso das Autoras, negou provimento ao recurso da CGA, revogou a sentença recorrida, anulou os actos impugnados e ordenou o recálculo das pensões das Autoras com a desaplicação do citado artigo 43º do Estatuto de Aposentação.

É desse Acórdão que a CGA, vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF, depois de sinalizar que as questões decidendas eram as de “saber se as Autoras têm direito à pensão de aposentação sem penalizações e se o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação enferma de inconstitucionalidade..... ao determinar que o regime da aposentação voluntária se fixa com base na lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação”, concluiu que aquela inconstitucionalidade se não verificava por as Autoras, na data em que requereram a sua aposentação, já saberem “que ficariam sujeitas ao regime que estivesse em vigor à data do despacho que lhes concedesse a aposentação. Isto porque, o regime do artigo 43.º do EA aplicado já se encontrava em vigor antes de as Autoras terem requerido a aposentação.”
Restava, assim, saber se elas tinham direito à pensão sem penalizações, questão a ser apreciada segundo o regime jurídico vigente à data da prática do acto que concedeu a aposentação.
Nesta conformidade, a fórmula de cálculo da pensão de 80% prevista na Lei nº 11/2014 era correcta e erradas as taxas de redução utilizadas pela Ré, de acordo com a taxa de redução de percentagem prevista no art. 37.º A do EA e atendendo à idade de 59 anos prevista no anexo II do DL 299/2005 (e não à idade de 59 anos e 6 meses tomada em conta pela CGA). Por ser assim julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a recalcular as pensões de aposentação das autoras, de acordo com a taxa de redução de percentagem prevista no n.º 3 do art. 37.º A do EA e atendendo à idade de 59 anos prevista no anexo II do DL 299/2005.

As Autoras e a CGD apelaram para o TCAN e este, depois de afirmar que improcedia a alegada nulidade por omissão de pronúncia, revogou a sentença recorrida e julgou a acção procedente com o seguinte discurso fundamentador:

As Autoras imputam à sentença recorrida erro de julgamento de direito, por (i) inconstitucionalidade do artigo 43º n.º 1 o Estatuto da Aposentação na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, e (ii) consequentemente errada a não desaplicação do referido artigo 43º n.º 1 e errada aplicação da Lei n.º 11/2014, ao manter, quanto à fórmula de cálculo de pensão de aposentação, a percentagem de 80% para efeito de cálculo da parcela P1, e, bem assim, por, aquando da aplicação das taxas de redução previstas no artigo 37º-A, n.º 4 do EA, não ter sido aplicado o n.º 4 deste preceito – vigente à data dos pedidos de aposentação – nos termos do qual o número de anos de antecipação a considerar para a determinação da taxa global de redução da pensão atribuída aos subscritores é reduzido de 12 meses por cada período de 3 anos de serviço que exceda 30 anos de serviço à data e, que o subscritor atinge os 55 anos de idade.
Já a Caixa Geral de Aposentações assaca-lhe violação do disposto nos artigos 37°-A e 43° do EA no n.° 2 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 229/2005, de 29/12, considerando que, no caso, a idade a ter em conta para efeitos do cálculo da percentagem de redução prevista no n.º 3 do art.º 37-A do EA, terá que corresponder aos 59 anos e 6 meses previstos para 2014 no Anexo II ao Decreto-Lei nº 229/2005, de 29/12 (última idade de acesso que vigorou no contexto do Decreto-Lei nº 229/2005 até ao seu afastamento pelo n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março).
Sobre a questão agora trazido a litígio, pronunciou-se recentemente o Tribunal Constitucional [cfr. Acórdão n.º 134/2019, de 17.02.2019, disponível em www.tribunalconstitucional.pt], tendo aquele Tribunal Superior decidido declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do segmento do artigo 43º, n.º 1 do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei nº. 66-B/2012, de 31/12, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, com fundamento nos artigos 2º e 13º da CRP; norma essa que já fora julgada inconstitucional no Acórdão n.º 195/2017, tendo tal juízo sido reiterado pelo Acórdão n.º 130/2018 e pelas Decisões Sumárias nºs. 235/2017, 101/2018 e 148/2018.
......
Assim, tendo o Tribunal Constitucional declarado a inconstitucionalidade do artigo 43º, n.º 1 do EA, na redação dada pela Lei nº. 66-B/2012, de 31.12, por violação dos artigos 2º e 13 da CRP, erradicando tal norma da ordem jurídica, a mesma é inconstitucional desde o início da sua vigência, com a consequente repristinação do regime anterior.
Pelo que, perante a declarada inconstitucionalidade do artigo 43º do EA nos termos e com o alcance supra expostos, falece o título jurídico em que os actos impugnados basearam a atribuição e cálculo das pensões de aposentação das Recorrentes Autoras, os quais são ilegais, como sustentam as Recorrentes, devendo ser anulados.
Sendo assim, procede o erro de julgamento de direito imputado pelas Recorrentes Autoras no âmbito do recurso interposto quanto à decisão recorrida.
Julgamento que tem directa repercussão nos erros de julgamento imputados à sentença pela Recorrente CGA.
Com efeito, reiterando a CGA a aplicação à situação das Autoras do regime vigente à data da decisão de aposentação, mormente em matéria de idade legal de aposentação, penalizações, e fórmula de cálculo das pensões ...... deve claudicar o recurso da CGA no domínio versado, considerando a já referida eliminação do ordenamento jurídico do artigo 43º n.º 1 do E.A., na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação.
Improcede, assim, o recurso interposto pela Ré Caixa Geral de Aposentações..”

3. A CGA não se conforma com tal decisão pelo que pede a admissão desta revista para a qual formula as seguintes conclusões:
“1.ª Verificam-se, no caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, já que, com a sua interposição pretende-se obter uma melhor interpretação do direito, no âmbito de uma questão jurídica de elevada complexidade e importância social, na medida em que o Tribunal a quo defende a desaplicação da norma do art.º 43.º do EA na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12 – o que a CGA aceita, em face da declaração de inconstitucionalidade daquela norma pelo Tribunal Constitucional (a que se alude na decisão recorrida) – mas ao mesmo tempo admite a aplicação, ao caso das Recorridas, de uma norma que já não existia à data dos seus requerimentos de aposentação ... .
3.ª O regime legal a observar terá que ser (assim o determinou o Tribunal Constitucional) aquele que estava em vigor à data do pedido de aposentação. No entanto, ao condenar a CGA a fixar as pensões em causa “…considerando a percentagem de 90% quanto à remuneração relevante auferida em 2005, na parcela P1…” o Tribunal a quo não se terá apercebido que, na data dos pedidos, já não estava em vigor a percentagem de quota de 10% estabelecida no Artigo único, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de março.”

4. Como resulta do exposto a questão suscitada nesta revista traduz-se em saber qual o regime jurídico que se deve aplicar ao pedido de aposentação antecipada formulado pelas Autoras, o que envolve não apenas a interpretação das normas do Estatuto da Aposentação, maxime do seu art.º 43, mas também a sua interacção com outros diplomas legais.
Esta questão foi já suscitada em duas revistas, que foram admitidas - Acórdãos de 14/06/2018 (rec. 533/18) e de 11/02/19 (rec 355/16) – as quais já foram julgadas – Acórdãos de 21/02/19 e de 27/06/2019, respectivamente – tendo, nesta última, sido proferida decisão que vai de encontro à pretensão das Autoras. Todavia, e porque no primeiro daqueles Acórdãos a situação em causa não era inteiramente sobreponível à presente e porque o Aresto de 27/06/2019 constitui uma primeira decisão nesta complexa matéria, justifica-se a admissão da revista tanto mais quanto é certa a sua relevância jurídica e social.


DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 4 de Março de 2020. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.