Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02804/17.6BELSB
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24084
Nº do Documento:SA12019011102804/17
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… intentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do acto da Ministra da Administração Interna que lhe aplicou a pena de demissão de agente da Polícia de Segurança Pública.

Aquele Tribunal indeferiu a requerida medida cautelar.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou.

É desse acórdão que o Requerente vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Resulta da MF que o Recorrente foi mandado parar pela polícia quando conduzia um motociclo com uma matrícula que estava atribuída a um veículo ligeiro; que circulava com excesso de velocidade; que desobedeceu ao sinal de paragem e iniciou uma fuga por várias ruas, durante a qual desobedeceu a diversos sinais vermelhos de regulação do tráfego, acabando por colidir com um conjunto de tractor e reboque; que não era possuidor de habilitação legal para conduzir o motociclo e que este não possuía seguro de responsabilidade civil.
Com fundamento nestes factos foi-lhe instaurado processo disciplinar que culminou com a prática do acto da Sr.ª Ministra da Administração Interna que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
O Recorrente pediu a suspensão de eficácia desse acto. E o TAC de Lisboa, onde o requerimento foi apresentado, indeferiu esse pedido.
Decisão que foi fundamentada na inexistência do fumus boni iuris.
Com efeito, e muito embora se verificasse o periculum in mora - por a privação do vencimento do Requerente determinar que o seu rendimento disponível passasse a ser manifestamente insuficiente para ele poder prover às suas necessidades básicas e às do seu agregado familiar - não era provável que o acto suspendendo sofresse das ilegalidades que o mesmo lhe apontara.

O Requerente recorreu para o TCA, sem êxito já que este confirmou a decisão censurada.
Com efeito, a sentença não era nula já que “na mesma são enunciados os factos pertinentes para a decisão e expostas as razões de direito que conduziram ao não decretamento da providência. Resultam absolutamente claros os fundamentos de facto e de direito subjacentes à decisão judicial recorrida, sendo perfeitamente perceptíveis as razões que levaram a Mm.ª Juíza a quo a concluir que não se mostram preenchidos os requisitos que permitem decretar a providência cautelar requerida.”

E também não errara na apreciação do requisito do fumus boni iuris, visto, por um lado, o Recorrente não ter razão quando sustentava que ocorria a prescrição do procedimento disciplinar - por se lhe aplicar o prazo de 18 meses previsto no art. 1º/3 do Estatuto de 2008 - já que o regime que se lhe aplicava não era o do referido Estatuto mas o regime disciplinar especial do pessoal com funções policiais dos quadros da PSP e, por outro, por o acto suspendendo não sofrer das ilegalidades que lhe apontara.

3. Como se acaba de ver a questão que se suscita nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, sufragando a decisão do TAF, considerou que não ocorria o fumus boni iuris e, com esse fundamento, confirmou o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia do acto ora em causa.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas pelo Recorrente e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, a presente providência foi indeferida por as instâncias terem concluído que se não verificava o fumus boni iuris, conclusão que tudo indica não merecer a censura que lhe é dirigida uma vez que a mesma decorreu de uma desenvolvida e plausível fundamentação jurídica, com invocação de jurisprudência atinente.
É certo que está em causa uma questão – a prescrição do procedimento disciplinar - cuja relevância jurídica é significativa, sobretudo porque a sua resolução passa pela identificação da lei aplicável e tal obriga a realizar operações com alguma complexidade jurídica. Mas também o é que o Acórdão recorrido na resolução dessa questão seguiu a jurisprudência deste Supremo onde se esclareceu que:
“V - O Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/2008 (e revogado pela Lei nº 35/2014, de 20/6 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - LGTFP), introduziu no que respeita à prescrição, alterações importantes relativamente ao regime do ED, aprovado pelo DL nº 24/84, estabelecendo no nº 6 do art. 6º, um prazo de prescrição do procedimento autonomizado relativamente ao prazo para instauração do procedimento disciplinar.
VI – De acordo com o art. 1º, nº 3 do Estatuto Disciplinar de 2008, este não é aplicável ao pessoal com funções policiais dos quadros da PSP por este estar submetido a um regime disciplinar especial.” – Acórdão de 28/06/2018, rec. 299/18.

Deste modo, tendo-se em conta que o Acórdão recorrido decidiu acordo com esta jurisprudência, que, ao fazê-lo, tudo indica que ajuizou acertadamente e que a sua decisão constitui a regulação da situação apenas durante a pendência do processo principal – onde mais desenvolvidamente se apreciarão os vícios imputados ao acto suspendendo - não se justifica a admissão do recurso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 11 de Janeiro de 2019. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.