Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0792/05.0BEALM 0178/15
Data do Acordão:05/03/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:UTILIDADE PÚBLICA
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA
CONTRIBUIÇÃO PREDIAL
Sumário:O artigo 22.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 423/83, com as alterações preconizadas pelo Decreto-Lei n.º 485/88, de 30/12, e pelo Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro, não foi revogado pelo diploma que aprovou o EBF, pelo que se mantém em vigor a norma que prevê que as empresas proprietárias e as explorações dos empreendimentos novos, referidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 3.º, gozarão das isenções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º pelo prazo de 7 anos, contado da sua abertura ao público, e da redução a 50% das taxas dos mesmos impostos e taxas nos 7 anos seguintes.
Nº Convencional:JSTA000P30938
Nº do Documento:SA2202305030792/05
Data de Entrada:02/25/2015
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A..., S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico, interposto do indeferimento da reclamação graciosa, tendo como objeto a liquidação de Contribuição Autárquica referente prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...60 relativo ao ano de 2002.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 105 a 117 do SITAF.
I – A atribuição da utilidade turística ao Hotel conferiu o direito de gozar de isenção contribuição autárquica/IMI pelo período de sete anos, conforme decorre do disposto no artigo 16º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, e bem assim, tratando-se de um empreendimento novo, da redução da taxa a 50% nos sete anos seguintes, ao abrigo do disposto no artigo 22º do referido diploma legal.
II. O artigo 22º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, prevê que “as empresas proprietárias e as exploradoras dos empreendimentos novos, referidas nas alíneas a) e c) do nº1 do artigo 3º, gozarão das isenções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 16º pelo prazo de 7 anos, contado da sua abertura ao público e da redução a 50% das taxas dos mesmos impostos e taxas nos 7 anos seguintes.
III. A aplicação de tal benefício fiscal não depende do expresso reconhecimento no despacho de atribuição de utilidade turística, sendo de aplicação automática.
IV. Tendo beneficiado de isenção total no período compreendido entre 1992 e 1999, a Recorrente deverá beneficiar ainda da redução a 50% das taxas de Contribuição/IMI nos sete anos subsequentes, incluindo o exercício sub judice – ano 2002.

I.2 – Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir Parecer com o seguinte conteúdo:
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Almada exarada a fls. 48 e seguintes, que julgou improcedente a acção de impugnação judicial apresentada contra o acto de indeferimento de recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, por sua vez apresentada contra o acto de liquidação de contribuição autárquica relativa ao ano de 2002 e incidente sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...60.
Considera a Recorrente que a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, já que em face do disposto nos artigos 162 e 22° do Dec.-Lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, a recorrente beneficia da isenção de contribuição autárquica/IMI durante um período de sete anos e da redução da taxa a 50% nos sete anos seguintes.
Acrescenta em abono da sua tese que a aplicação de tal benefício fiscal não depende do expresso reconhecimento no despacho de atribuição de utilidade turística, sendo de aplicação automática.
E termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
2.1 Decorre da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida que a recorrente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...60, no qual se encontra instalado uma unidade hoteleira denominada “Hotel ...”, à qual foi atribuída utilidade turística a titulo definitivo, por despacho do senhor secretário de estado do turismo, datado de 18/08/1992, ao abrigo dos artigos 2°, n°1, 32, n°1, alínea a), 4°, 5°, n°1, al a), 7°, nº 1 e 3, todos do Dec.-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.
Mais decorre da sentença recorrida que no ano de 2003 a AT emitiu liquidação de contribuição autárquica referente ao ano de 2002 e incidente sobre o referido prédio, da qual foi apresentada reclamação graciosa por parte da recorrente, que invocou ter direito à redução da taxa de CA em 50%, a qual não havia sido atendida na liquidação.
Tanto aquela reclamação graciosa como o recurso hierárquico posteriormente apresentado foram indeferidos com o fundamento de que tal benefício teria que constar do despacho de atribuição de utilidade turística e o despacho do senhor secretário de estado era omisso nessa parte.
2.2 Para se decidir pela improcedência da acção a Mma. juiz “a quo” considerou o seguinte: “Por outro lado, como bem refere o DMMP, face ao propósito subjacente ao Estatuto dos Benefícios Fiscais de sistematizar a concessão dos diversos benefícios fiscais, parece não aspectos que não estejam regulados”, porém, tais aspectos serão os relacionados com a classificação de utilidade turística, e não com a concessão de benefícios fiscais, cuja previsão, no caso dos empreendimentos a que tenha sido atribuída essa classificação, passou a esgotar-se no disposto no art.° 53° do EBF”.
E concluiu-se na sentença recorrida que «no caso em apreço, está afastada a previsão da redução da taxa a 50% num segundo período de sete anos, já que no art° 53º do EBF se prevê exclusivamente a isenção de contribuição autárquica por um período de sete anos».
2.3 A questão que importa analisar consiste em saber se a recorrente beneficia ou não, em relação à sua unidade hoteleira sita em ..., do benefício fiscal de redução em 50% da taxa de contribuição autárquica referente ao ano de 2002.
Com vimos, na sentença recorrida a resposta a esta questão foi negativa, com base no entendimento de que esse benefício fiscal não estava previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Dec.-Lei n° 215/89, de 1 de Julho, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989, e que nessa parte afastou a disciplina contida no Dec.-Lei n° 423/83, de 5 de Dezembro.
Conforme resulta igualmente da sentença recorrida, a declaração de utilidade turística atribuída à unidade hoteleira da Recorrente foi atribuída ao abrigo do Dec.-Lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, diploma legal que previa como benefício fiscal, para além da isenção de contribuição predial nos primeiros 7 anos, a redução a 50% da taxa do mesmo imposto nos 7 anos seguintes (art.s 16º, n°1, alínea a), e 22°, n°11).




Por sua vez o art. 16°, n°4, do referido diploma legal, consagra que os benefícios atribuídos a cada caso e os respectivos prazos são definidos no despacho de atribuição da utilidade turística.




Todavia e no caso concreto dos autos o despacho de concessão de utilidade turística é omisso nessa parte.
Posteriormente, esse preceito legal foi alterado pelo artigo 4° do Dec.-Lei nº 38/94, de 8 de Dezembro, no sentido de que a medida e os prazos dos benefícios fiscais a conceder a empreendimentos de utilidade turística apenas passou a ser obrigatória nos casos de isenção ou redução de taxas devidas por licenças aos governos civis e à direcção-geral de espectáculos. Por esse motivo a jurisprudência do STA passou a entender que os demais benefícios previstos naquele diploma eram de aplicação automática, desde que cumpridos os requisitos ali estabelecidos (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 16/12/2009, de 02/10/2010 e de 27/01/2010, proferidos nos processos 936/09, 935/09 e 01119/09, respectivamente).
Entretanto e perante a aprovação da reforma fiscal (IRS, IRC, CA e EBF) e com o propósito de clarificação do sistema no âmbito dos incentivos fiscais, o artigo 3° do Dec.-Lei n°485/88, de 30 de Dezembro, procedeu à extinção de benefícios fiscais previstos em diversa legislação avulsa, prevendo na sua alínea 22 a revogação, a partir da entrada em vigor do referido diploma legal e sem prejuízo da “manutenção dos já concedidos e dos regimes de caducidade previstos na legislação ao abrigo da qual estão a ser usufruídos”, dos benefícios fiscais constantes das alíneas a) e c) do n°1 do artigo 16°, no que respeita à contribuição industrial e ao imposto complementar — secções A e B, o artigo 19° e, bem assim, as constantes dos artigos 16° a 27° do Decreto-Lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, na parte que com aqueles benefícios estejam correlacionadas”, ou seja, que se relacionem com a contribuição industrial e imposto complementar. Já os benefícios relativos à isenção de contribuição predial e redução da taxa não foram revogados (cfr., a este propósito, o acórdão do STA de 16/12/2009, processo 936/09).





Em 1 de Janeiro de 1989, entrou em vigor o Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Dec.-Lei n° 442-C/88, de 30 de Novembro, que veio substituir a contribuição predial, e cujo artigo 3° dispunha que, «as isenções temporárias que tenham sido concedidas ao abrigo de disposições do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n° 45 104, de 1 de Julho de 1963, e demais legislação anterior ao presente diploma, manter-se-ão até á sua extinção, referidas à contribuição autárquica».
Todavia, à data da entrada em vigor do Código de Contribuição Autárquica, não havia sido concedida à recorrente qualquer isenção de contribuição predial que nos termos daquele normativo se pudesse manter como referente agora à contribuição autárquica.
Como decorre do n°2 do artigo 16° do Dec.-Lei n° 423/83, de 5 de Dezembro, o prazo de duração das isenções previstas no n°1 não poderá ultrapassar 7 anos e conta-se da data da abertura ou reabertura ao público do empreendimento. Na sentença recorrida não consta a data da abertura ao publico da unidade hoteleira em causa, mas considerando que a confirmação da utilidade turística deve ter sido requerida no prazo de 6 meses a contar dessa abertura ao público e que o despacho que a concedeu a título definitivo data de 18/08/1992, a mesma terá ocorrido nesse mesmo ano de 1992. Como o prazo da isenção é de 7 anos, a mesma terminaria em 1998 e no entendimento da Recorrente a partir de 1999 beneficiaria do prazo de 7 anos de redução de taxa —cfr. art. 22° da petição inicial da impugnação judicial e conclusão IV das alegações de recurso.
Atentos tais considerandos há que aferir em que termos releva a atribuição de utilidade turística concedida no ano de 1992, data em que estava em vigor o Código da Contribuição Autárquica e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, à luz de cuja disciplina deve analisar-se a bondade da pretensão da recorrente.
A contribuição autárquica sendo um “imposto predial” como a contribuição predial que substituiu é um imposto com características diversas, por incidir sobre o valor patrimonial dos prédios, enquanto a contribuição predial incidia sobre o seu rendimento. E nessa medida é normal que o regime de isenções tenha sofrido alterações.
De acordo com o preâmbulo do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Dec.-Lei n° 215/89, de 1 de Julho (Com efeitos desde 1 de Janeiro de 1989— artigo 1°, n°2, do DL 215/89, de 10 de Julho), este diploma «contém os princípios gerais a que deve obedecer a criação das situações de beneficio, as regras da sua atribuição e reconhecimento administrativo e o elenco desses mesmos benefícios, com o duplo objectivo de, por um lado, garantir maior estabilidade aos diplomas reguladores das novas espécies tributárias e, por outro, conferir um carácter mais sistemático ao conjunto dos benefícios fiscais.»
Ainda segundo o mesmo preambulo, «quanto aos benefícios, em especial, importa salientar a preocupação havida com a garantia da continuação dos benefícios fiscais existentes à data de entrada em vigor dos novos impostos sobre o rendimento, prevendo-se para o efeito mecanismos adequados, cujo objectivo é o de fazer reflectir nos novos impostos os benefícios que se reportavam aos impostos extintos».
Como refere Nuno Sá Comes (in “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, CTF nº 359, pág. 25), «o Estatuto dos Benefícios Fiscais…, não contém todo o regime jurídico aplicável aos benefícios fiscais dos novos impostos sobre o rendimento e da nova contribuição autárquica, corolário da reforma, pois também os referidos novos códigos tributários contêm medidas desagravadoras que devem ser qualificadas como benefícios fiscais, sem prejuízo da ressalva dos anteriores benefícios fiscais, constantes dos códigos tributários e demais legislação avulsa, relativos quer aos impostos sobre a despesas (v.g. IVA) quer sobre o capital (v.g. sisa e imposto sucessório), quer à legislação aduaneira (v.g. imposto sobre automóveis, pautas aduaneiras, etc.) que, obviamente, os mantiveram em vigor».
Todavia e neste particular o CCA não prevê a atribuição de qualquer benefício fiscal em sede de contribuição autárquica (apenas o artigo 12° previa isenções, o qual foi entretanto revogado pelo n°2 do artigo 42° da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro).
Já o EBF no seu artigo 53º veio consagrar disciplina específica relativa a “prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística”. Dispunha o referido preceito, na sua redacção original:
Artigo 53.°
Prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística
1 - Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos
a que tenha sido atribuída a utilidade turística.
2 - Os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística a título prévio beneficiarão da isenção prevista no número anterior a partir da data da atribuição da utilidade turística, desde que tenha sido observado o prazo fixado para a abertura ou reabertura ao público do empreendimento ou para o termo das obras.
3 - Os prédios urbanos afectos ao turismo de habitação beneficiam de isenção de contribuição autárquica por um período de sete anos cantado a partir do termo das respectivas obras.
4-Em todos os aspectos que não estejam regulados neste artigo ou no Código da CA aplicar-se-á, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro.
Com a Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, o referido preceito legal passou a ter a seguinte redacção:
Artigo 53.°
Prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística
1- Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.
(Redacção inicial)
2- Os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística a título prévio beneficiarão da Isenção prevista no número anterior a partir da data da atribuição da utilidade turística, desde que tenha sido observado o prazo fixado para a abertura ou reabertura ao público do empreendimento ou para o termo das obras.
(Redacção inicial)
3-Os prédios urbanos afectos ao turismo de habitação beneficiam de isenção de contribuição autárquica por um período de sete anos contado a partir do termo das respectivas obras.
(Redacção inicial)
4-Nos casos previstos neste artigo, a isenção será reconhecida pelo chefe da repartição de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deverá ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da data da publicação do despacho de atribuição da utilidade turística.
(Redacção da Lei n.º 39-8/94, de 27 de Dezembro)
5 - Se o pedido for apresentado para além do prazo referido no número anterior, a isenção iniciar-se-á a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação, cessando, porém, no ano em que findaria, caso o pedido tivesse sido apresentado em tempo.
(Aditado pela Lei n.º 39-8/94, de 27 de Dezembro)
6-Em todos os aspectos que não estejam regulados neste artigo ou no Código da CA aplicar-se-á, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro.
(Aditado pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro)
Nos termos do n°1 do artigo 4º do EBF, os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento, sendo que os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, enquanto os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento,
Por seu lado o n°1 do artigo 14° do E.B.F. prescreve que «salvo disposição em contrário, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende de iniciativa dos interessados, mediante, … requerimento autónomo dirigido especificamente à obtenção do benefício previsto.»
Todavia, aquando da atribuição da utilidade turística à unidade hoteleira da recorrente — ano de 1992— estava em vigor a primitiva redação do artigo 53º, pelo que não haveria necessidade de apresentação de requerimento para beneficiar da isenção de contribuição autárquica pelo período de 7 anos a contar da data da abertura da unidade hoteleira, a qual decorria directamente da lei.
E assim sendo, tal isenção extinguir-se-ia no ano de 1998, sendo que a partir de 1999 a recorrente não beneficiava de qualquer benefício fiscal em sede de contribuição autárquica, designadamente de redução da respectiva taxa, por inexistir norma que a consagrasse. E como é sabido, sendo os impostos criados por lei, a qual determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (art. 106°, n°2, da CRP), não pode haver isenções que não constem taxativamente da lei.
Do que se deixou dito temos que concluir que a pretensão da recorrente não pode proceder. Desde logo porque o legislador da Reforma Fiscal não fez uma transposição do regime dos benefícios fiscais consagrados no Dec.-Lei n° 423/83 e referentes à contribuição predial para o EBF e agora referentes à contribuição autárquica (com excepção do disposto no art. 5º do Dec.-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, relativo às isenções de contribuição predial resultantes de acordo celebrado pelo Estado).
Como refere Nuno Sá Gomes (in “os Benefícios Fiscais na Reforma Fiscal de 1988/89”, jornadas de Homenagem ao prof. Doutor Pitta e Cunha, Almedina, pág.297 e seguintes), « com a entrada em vigor dos novos impostos sobre o rendimento e da CA ficaram revogados, em princípio, os benefícios fiscais relativos aos impostos extintos, sem prejuízo dos direitos adquiridos ao abrigo da legislação revogada», ainda que se tenham ressalvado os direitos adquiridos ao abrigo dos benefícios fiscais constantes da legislação revogada e se tenham integrado os anteriores benefícios no novo sistema de tributação “sempre que se tratasse de desagravamento fiscal que o permitia”.
E face ao propósito subjacente ao Estatuto dos Benefícios Fiscais de sistematizar a concessão dos diversos benefícios fiscais, parece não oferecer dúvidas de que a nova disciplina instituída no artigo 53º pretendeu afastar aquela que havia sido prevista no Dec.-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro. E nessa medida, afastada se encontra a previsão da redução da taxa a 50% num segundo período de 7 anos, já que ali se prevê apenas a isenção de contribuição autárquica por um período de 7 anos. É certo que o n°6 do citado art. 53º remete para o regime do DL 423/83, “em todos os aspectos que não estejam regulados”, mas tais aspectos são os relacionados com os pressupostos da concessão da utilidade turística e não com a concessão de benefícios fiscais, cuja previsão aquele preceito esgota.
3. Em face do exposto é nos termos supra expostos, entendemos que a sentença recorrida ao julgar improcedente a pretensão da recorrente em ver reconhecido o benefício fiscal invocado e ver anulada parcialmente a liquidação impugnada, fez correcta interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.

I.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A decisão recorrida tem a seguinte matéria de facto:
A) Por despacho do Secretário de Estado do Turismo, datado de 18 de Agosto de 1992, foi atribuída a utilidade turística a título definitivo — nos termos do disposto nos artigos 2°, n° 1, 3°, n° 1 ai. a), 4°, 5°, n° 1 al a), e 7°, nº s 1 e 3 do D.L. n° 423/83, de 5 de Dezembro — ao Hotel ..., classificado de duas estreias, sito na estrada Nacional nº ...0, ..., freguesia ..., concelho ..., de que é proprietária e exploradora a sociedade aqui impugnante (cfr. Aviso da Direcção-Geral de Turismo, publicado no DR III Série, de 29.10.1992 — a fls. 10 dos autos);
B) No decorrer de 2003, a impugnante recepcionou a liquidação de CA do
ano de 2002— relativa ao prédio urbano ...60, da freguesia ..., correspondente à unidade hoteleira referida na alínea antecedente —, tendo da mesma apresentado reclamação graciosa (por acordo);
C) Em 11.11.2004, após ter sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa da CA relativa ao ano de 2002, a ora impugnante apresentou recurso hierárquico, alegando que a atribuição de utilidade turística ao Hotel lhe conferiu o direito a gozar não só da isenção de contribuição autárquica pelo período de sete anos, contados da abertura ao publico do empreendimento, como também da redução de 50% da taxa de contribuição autárquica nos sete anos seguintes ao término daquela isenção, nos termos dos artigos 16º e 22°, n° 1, do D.L. n° 423/83, de 05.12. (cfr. fls. 6 dos autos);
D) Em 03.12.2004, foi elaborada a informação n° ...4, da Direcção de
serviços da Contribuição Autárquica, cujo teor aqui se da por reproduzido, no sentido de indeferir o recurso hierárquico referido na alínea anterior, designadamente considerando o disposto no art° 53º, n° 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, conjugado com o disposto no n° 2 do art° 2°, n° 1 do art° 11º, n°s 3 e 4° do art° 16° do D.L. 423/83, de 5 de Dezembro, e concluindo que o hotel em causa fica “isento de contribuição autárquica, por um período de sete anos, contados da data de abertura ao publico, ou seja de 1992 a 1998, inclusive, nada se afigurando acrescentar, no atinente a alegada redução de taxa, nos sete anos posteriores ao período de isenção, excepto no caso de ser o despacho de atribuição da utilidade turística a determinar a sua aplicação. Portanto, uma vez que não existe qualquer despacho, no sentido da redução de taxa de contribuição autárquica, lançada no ano de 2002, opina-se pelo não provimento do recurso hierárquico, por falta de sustentação legal” (cfr. fls. 5 a 8 dos autos);
E) Por despacho 11.07.2005, proferido pelo Subdirector-Geral dos Impostos, e exarado sobre a informação referida na alínea antecedente, foi indeferido o recurso hierárquico referido em C) (cfr. fls. 5 dos autos);
F) Por ofício datado de 12.08.2005, foi a impugnante notificada do despacho de indeferimento referido na alínea anterior (cfr. fls. 4 dos autos).

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo TAF de Almada, a qual julgou improcedente a impugnação judicial interposta pela A..., S.A., contra o acto de indeferimento de recurso hierárquico por ela apresentado, do indeferimento da reclamação graciosa deduzido, por sua vez, contra a liquidação contribuição autárquica referente a prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...60 (no qual se encontra instalado uma unidade hoteleira denominada Hotel ... classificada como utilidade turística) relativo ao ano de 2002.
Para decidir pela improcedência do recurso, considerou o Tribunal a quo, em síntese, que “…nos termos do art° 11° do EBF, na redacção aplicável ao caso dos autos, o direito aos benefícios fiscais deve sempre reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos. Assim sendo, o quadro normativo a atender será o vigente à data do despacho conjunto de atribuição de utilidade turística, ou seja, no caso em apreço, em 18 de Agosto de 1992.” E, acrescenta a decisão recorrida, que “… como bem refere o DMMP, face ao propósito subjacente ao Estatuto dos Benefícios Fiscais de sistematizar a concessão dos diversos benefícios fiscais, parece não oferecer dúvidas de que a nova disciplina instituída no artigo 53º do EBF pretendeu afastar aquela que havia sido prevista no D.L. n° 423/83, de 5 de Dezembro. É certo que o n° 4 (posteriormente n°6) do citado art° 53º remete para o regime do D.L. 423/83, “em todos os aspectos que não estejam regulados”, porém, tais aspectos serão os relacionados com a classificação de utilidade turística, e não com a concessão de benefícios fiscais, cuja previsão, no caso dos empreendimentos a que tenha sido atribuída essa classificação, passou a esgotar-se no disposto no art° 53° do EBF.” E, neste sentido, concluiu a sentença recorrida que “…está afastada a previsão da redução da taxa a 50% num segundo período de sete anos, já que no art° 53° do EBF se prevê exclusivamente a isenção de contribuição autárquica por um período de sete anos.”

II. Inconformada com o assim decidido recorre a Impugnante, ora Recorrente, para este Tribunal, alegando que pela leitura da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro “…é facilmente percetível que o legislador apenas revogou o regime do artigo 16º do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, na parte relativa à Contribuição Industrial e Imposto Complementar.”, donde conclui que o referido diploma permanece em vigor na sua regulação fiscal, apesar das alterações preconizadas pelo Decreto-Lei n.º 485/88, de 30 de Dezembro, assim como do Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro. Donde, termina em jeito conclusivo, peticionando que deve beneficiar “…da redução a 50% das taxas de Contribuição/IMI nos sete anos subsequentes, incluindo o exercício sub judice – ano 2002.”

III. Cabe, atento o exposto, responder primariamente à questão central de saber se a recorrente tem direito ou não ao benefício fiscal de redução em 50% da taxa de Contribuição Autárquica relativa à sua unidade hoteleira nos sete anos seguintes ao término, relativamente ao ano de 2002, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro.

IV. Ora, cabe a este respeito deixar claro que este processo é, em quase tudo, idêntico àquele sobre o qual já de debruçou este Tribunal, tendo lavrado Acórdão no âmbito do Processo n.º 1057/12, de 1 de Julho de 2020.
Foi, então, aí decidido por unanimidade que: “Questão diversa, e que se situa noutro plano, é a de saber se o benefício consignado no art.° 22.º n.º 1 do DL n.º 423/83, de 05/12 foi ou não revogado na sequência da entrada em vigor do EBF.
Alega a Fazenda Pública que o legislador integrou o regime de isenção total de contribuição autárquica aplicável aos prédios afectos a empreendimentos declarados de utilidade turística no art.º 43.º do EBF, não sendo plausível que tenha deixado de fora do EBF o benefício de isenção parcial dos mesmos, não se encontrando prevista no EBF qualquer redução de taxa.
No que concerne a esta questão considerou o Tribunal Tributário de Lisboa que o regime jurídico da utilidade turística constitui um regime especial em matéria de benefícios fiscais, relativamente ao regime geral que consta do EBF, e que resulta do artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil que a lei geral não revoga lei especial, excepto se for outra a intenção inequívoca do legislador.
Vejamos, pois.
O EBF, na redacção vigente à data dos factos (redacção do DL 198/01, de 3/7) previa no seu artº 43º, nº 1 que «Ficam isentos de contribuição autárquica por um período de sete anos os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística».
Por seu turno o nº 4 do mesmo normativo dispunha que «em todos os aspectos que não estejam regulados neste artigo ou no Código da CA, aplicar-se-á, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro.».
Esta redacção era idêntica à dos n°s. 1 e 6 do artº 53º do EBF, na redacção original (Decreto-Lei n.º 215/89 de 1 de julho).
Ora, pese embora condensados no Estatuto dos Benefícios Fiscais, publicado pelo Decreto-Lei n.º 215/89 de 1 de julho, os benefícios fiscais encontram também regulação em vários diplomas fiscais e outra legislação avulsa. E, como vimos o Decreto-Lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro, estabelecia inicialmente um conjunto de benefício fiscais ao sector do turismo.
O artigo 3.°, alínea 22) do Decreto-Lei n.° 485/88, de 30 de Dezembro revogou alguns daqueles benefícios, sem prejuízo da manutenção dos já concedidos. Mantiveram-se benefícios, designadamente, em matéria de contribuição predial, de sisa e imposto sobre sucessões e doações e de imposto de selo.
Sucede que já depois da entrada em vigor do EBF (1 de Janeiro de 1989, artº 1º do Decreto-lei nº 215/89 de 1 de Julho) o Decreto-Lei n.° 38/94, de 8 de Fevereiro, alterou a redacção do Decreto-Lei n.° 423/83, de 5 de Fevereiro, eliminando alguns empreendimentos dos enquadráveis para efeitos de atribuição da utilidade turística e alterou a redacção dos artsº 3º e 16º, bem como revogou a alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma legal, mas manteve inalteradas as isenções e reduções de impostos e taxas previstas no seu artº 22º, nº 1.
Ou seja, já na vigência do EBF o legislador manteve a redacção do artº 22º, nº 1 do Decreto-lei n.° 423/83, que prevê de uma forma explícita e clara que as empresas proprietárias e as explorações dos empreendimentos novos, referidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 3.º, gozarão das isenções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º pelo prazo de 7 anos, contado da sua abertura ao público, e da redução a 50% das taxas dos mesmos impostos e taxas nos 7 anos seguintes.
Acresce referir que também no DL 287/2003 de 12/11, que aprovou a reforma de tributação do património, o legislador salvaguardou expressamente a manutenção em vigor dos benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, constantes de legislação avulsa – artº 31º nº 6 do DL 287/2003.
Ora, como bem refere a recorrida, impõe-se uma leitura conjunta dos diplomas para efectuar o enquadramento legal da situação em apreço.
Assim há que ter em conta que o artigo 22º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, contempla o caso específico dos empreendimentos novos, prevendo um benefício acrescido para as empresas proprietárias e as explorações dos empreendimentos novos, benefício que não contempla o mesmo tipo de situações que estão previstas no artigo 43º, nº1 do EBF e que se manteve na vigência do EBF.
Daí que se conclua bem andou a sentença recorrida ao julgar que o artº 22º, nº 1 do Decreto-lei nº 423/83, com as alterações preconizadas pelo Decreto-Lei n.º 485/88, de 30/12, e pelo Decreto-Lei n.º 38/94, não foi revogado pelo diploma que aprovou o EBF, pelo que se mantém em vigor a norma que prevê que as empresas proprietárias e as explorações dos empreendimentos novos, referidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 3.º, gozarão das isenções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º pelo prazo de 7 anos, contado da sua abertura ao público, e da redução a 50% das taxas dos mesmos impostos e taxas nos 7 anos seguintes.
Pelo que fica dito improcede também este fundamento do recurso.” (sublinhados nossos) – disponível em www.dgsi.pt.

V. Ora, atenta a fundamentação expendida no Acórdão vindo de citar, e da qual não vemos razão para divergir, limitamo-nos a aderir integralmente à mesma, reconhecendo, por isso, o direito da ora Recorrente ao benefício fiscal traduzido na redução em 50% das taxas de Contribuição Autárquica aplicáveis ao empreendimento hoteleiro constante dos autos, anulando-se parcialmente a liquidação de Contribuição Autárquica, relativa ao ano de 2002, na correspondente medida.

VI. Considerando o que acabamos de concluir, impõe-se responder, de seguida, à questão de saber se saber se a Recorrente tem direito a indemnização pelos custos incorridos com a garantia por si prestada nos termos previstos no artigo 53.º da LGT e 171.º do CPPT.
Ora, trata-se de questão que este Supremo Tribunal não pode, em rigor, apreciar em sede de Recurso, pelo facto de a sua análise ter ficado prejudicada em 1.ª Instância e não caber ao Tribunal ad quem, num recurso que é de mera anulação, conhecer em substituição do Tribunal a quo.
Assim sendo, caberá exclusivamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada conhecer desta questão, pelo que os autos deverão a ele descer para que tal suceda.


III. CONCLUSÕES
O artigo 22.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 423/83, com as alterações preconizadas pelo Decreto-Lei n.º 485/88, de 30/12, e pelo Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro, não foi revogado pelo diploma que aprovou o EBF, pelo que se mantém em vigor a norma que prevê que as empresas proprietárias e as explorações dos empreendimentos novos, referidos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 3.º, gozarão das isenções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º pelo prazo de 7 anos, contado da sua abertura ao público, e da redução a 50% das taxas dos mesmos impostos e taxas nos 7 anos seguintes.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida, anulando-se parcialmente a liquidação de Contribuição Autárquica, relativa ao ano de 2002, e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Recorrido para conhecimento da questão cujo julgamento foi julgado prejudicado, se a tal nada mais obstar.

Custas pela Recorrida, com dispensa da Taxa de Justiça, por não ter apresentado alegações na presente instância.

Lisboa, 3 de Maio de 2023. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.