Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01370/13
Data do Acordão:01/29/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:ACESSO
ENSINO SUPERIOR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
MEIO PROCESSUAL ADEQUADO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Sumário:I - A identificação do Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor afere-se em função do pedido e da causa de pedir, sendo, para esse efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma, por se tratar de questão atinente ao mérito da pretensão.
II - A utilização do processo de intimação previsto no art.º 109.º do CPTA depende não só da alegação e prova de que o alegado direito, liberdade ou garantia está ameaçado mas também da alegação e prova de que, no caso, se impõe uma urgente decisão de mérito e desse processo ser a única forma da lesão ou ameaça ser removida.
III - Este meio processual não é, assim, a via normal de reacção em situações de lesão ou ameaça de lesão visto a sua utilização só poder ter lugar quando for seguro que a propositura de uma acção administrativa cumulada com um pedido de tutela cautelar é incapaz de proporcionar a efectiva tutela do direito, liberdade ou garantia ameaçada.
IV - O legislador do CPTA acolheu uma formulação do citado normativo que admite a possibilidade de outros direitos que não os direitos, liberdades e garantias fundamentais ou análogas merecerem protecção célere e por meios processuais expeditos, isto é, quis adoptar um conceito que abrangesse um maior número de direitos do que os indicados no art.º 20.º/5 da CRP.
V - Não sendo razoável esperar que as normas que estabeleciam o acesso ao ensino superior dos alunos do ensino recorrente não pudessem ser alteradas é forçoso concluir que a alteração introduzida pelo DL 42/2012 e a sua aplicação à situação em que o Autor se encontrava não se traduziu numa violação do princípio da protecção da confiança.
Nº Convencional:JSTA000P16973
Nº do Documento:SA12014012901370
Data de Entrada:10/18/2013
Recorrente:MEC
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A……… requereu, no TAC de Lisboa, a intimação do Ministério da Educação e Ciência para que este se abstivesse dedesaplicar o regime legal decorrente do DL 42/2012, de 22/02, à ora Requerente quer quanto a actos passados quer para o futuro, no âmbito do ano lectivo de 2011/2012 e do Concurso Nacional de Acesso e Ingresso Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento do recurso e em confirmar a decisão recorrida. Ensino Superior Público para o ano lectivo de 2012/2013.”
Em síntese, alegou que a nova forma de avaliação dos alunos do ensino recorrente do ensino secundário resultante da redacção dada aos art.ºs 11.º e 15.º do DL 74/2004 pelo DL 42/2012 não lhe era aplicável uma vez que tal se traduziria na violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança constitucionalmente consagrados. E isto porque, atenta a sua condição de estudante do ensino recorrente, anterior à publicação do DL 42/2012, o seu acesso ao ensino superior deveria obedecer unicamente às regras estabelecidas no DL 74/2004, isto é, deveria depender apenas dos resultados obtidos em avaliação sumativa interna. A aplicação da nova redacção dos citados normativos à sua situação, obrigando-a a realizar exames nacionais e a ser classificada em função dos resultados destes, era inadmissível e violava de forma surpreendente e inaceitável as suas legítimas expectativas, o que se traduzia na violação dos apontados princípios.

O TAC de Lisboa, julgou improcedentes as excepções suscitadas pelo Requerido - a impropriedade do meio processual utilizado e a incompetência material do Tribunal - e, no tocante ao mérito, julgou a pretensão procedente e deferiu a intimação requerida.
O Tribunal era competente porque não estava em causa a função legislativa ou política do Governo mas, apenas e tão só, saber se o regime legal saído do DL 42/2012 era, ou não, aplicável à situação da Requerente. E nada havia que censurar na escolha do meio processual utilizado uma vez que a intimação prevista no art.º 109.º do CPTA era adequada à defesa do direito aqui invocado – desde logo, porque ela destinava-se a tutelar direitos, liberdades e garantias em casos de especial urgência ou que, de outro modo, não pudessem ser exercidos em tempo útil e, no caso, estava-se perante uma situação de eminente lesão; depois, porque o direito que aqui se pretendia defender tinha natureza análoga a um direito fundamental.
No tocante ao mérito, considerou que as alterações introduzidas pelo DL 42/2012, de 22/02, ao DL 74/2004, de 26/03, se traduziam na “violação dos princípios constitucionais da protecção da confiança, da proporcionalidade e ainda na violação do direito fundamental de natureza análoga aos direitos fundamentais, o direito de acesso ao ensino, protegidos pela CRP, e que vinculam o legislador ordinário.

Decisão que o Ministério da Educação e Ciência impugnou no TCAS mas sem êxito já que este considerou que o Tribunal recorrido havia feito correcto julgamento tanto nas questões processuais como na questão de mérito.

É contra este julgamento que se dirige a presente revista, a qual foi admitida por ter sido “reconhecida a complexidade jurídica superior ao comum das questões da falta de jurisdição dos tribunais administrativos e da impropriedade do meio utilizado e a elevada relevância comunitária da questão de mérito, para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.
Nela se formularam as seguintes conclusões:
1. Considerou-se o Tribunal a quo competente para julgar o presente litígio, quando este exorbita do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos, uma vez que tem por objecto imediato as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 42/2012 relativamente às condições de acesso ao ensino superior, e não uma actuação, material ou jurídica (concreta ou normativa), ou uma omissão do Ministério da Educação e Ciência, eventualmente lesivas de uma posição jurídica substantiva subjectiva.
2. Na origem do litígio não está, portanto, uma relação jurídica administrativa, mas um diploma legal, a cuja autoridade formal não se sobrepõe a autoria moral do mesmo.
3. Com efeito, a responsabilidade pelas alterações operadas pelo Decreto-Lei nº 42/2012 é do Governo na qualidade de Legislador e não do Governo, representado pelo Ministério da Educação e Ciência, na qualidade de Administração.
4. E não basta a presença de uma norma jurídica para afirmar a existência de uma relação jurídica administrativa; é indispensável a própria relação intersubjectiva e o facto concreto que a constitui.
5. Deste modo, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo ignorou o critério constitucional da competência jurisdicional dos tribunais administrativos e procedeu a um controlo da constitucionalidade das normas do Decreto-Lei n.º 42/2012, que só na aparência é concreto, já que o que verdadeiramente é submetido a julgamento é a lei, não sendo, por isso, a inconstitucionalidade que lhe é imputada um incidente no processo, mas o seu próprio objecto.
6. O Tribunal a quo carece, assim, de competência em razão da jurisdição para julgar o presente litígio, tendo a Acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 2.º e 212.º, n.º 3, da CRP, bem como o artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do ETAF.
7. Inclusivamente, tal foi já reconhecido em duas sentenças relativas a processos com o mesmo objecto (Processos n.ºs 529/12.08BEPRT e 922/12.6BEPRT, ambos do TAF do Porto).
8. E não foi seguramente a natureza cautelar desses processos que determinou a absolvição do Ministério da Educação e Ciência, uma vez que o meio processual escolhido obviamente não constitui critério de competência jurisdicional.
9. De facto, um tribunal administrativo não passa a ser competente quando, sendo a causa a mesma, o pedido é outro, para mais de condenação, no âmbito de uma tutela urgente.
10. Aliás, sendo o objecto da causa o mesmo, não se compreenderia que um tribunal administrativo fosse competente para o seu julgamento em sede de tutela principal, urgente e definitiva, mas já não em sede de tutela cautelar.
11. Confirma-o a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 10.09.2012, relativa ao Processo n.º 1918/12.3BEPRT, proferida no âmbito de uma acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, cuja decisão se reproduz:
A definição do regime de acesso ao ensino superior corresponde a uma opção de política legislativa, emanada por um órgão com poder legislativo (Governo); e, como acto normativo que é, não esgota a sua aplicação a um caso concreto, mas aplica-se a todos os cidadãos que se encontrem na situação definida na previsão legal. Tratando-se de uma competência do poder legislativo, não pode o Tribunal Administrativo interferir directamente no tipo de solução encontrada ou adoptada pelo poder político. Daí que o seu conhecimento esteja impedido à jurisdição administrativa.”
12. Acresce que não basta a evocação da lesão de um direito fundamental ou de um princípio com a mesma natureza para fundamentar a competência jurisdicional de um tribunal administrativo. É indispensável identificar o bem jurídico supostamente ofendido assim como a causa da alegada lesão.
13. Ora, no presente caso, não está em causa um direito, liberdade ou garantia, nem sequer a alegada lesão pode ser imputada ao Ministério da Educação e Ciência.
14. Mas ainda que o Tribunal fosse competente e estivesse em causa uma posição jurídica com esta grandeza, também a acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias não seria o meio idóneo, por a tutela cautelar antecipatória se revelar adequada à sua protecção.
15. A prová-lo está o facto de o decretamento de uma providência cautelar antecipatória, como a admissão provisória ao concurso nacional de acesso ao ensino superior, não gerar uma situação de irreversibilidade jurídica ou fáctica, capaz de comprometer o efeito útil da sentença a proferir no processo principal, i.e., capaz de consumir o objecto do processo principal.
16. Como se referiu, tivesse a Recorrida sido admitido provisoriamente ao concurso nacional de acesso ao ensino superior nos termos pretendidos, e uma sentença de mérito desfavorável determinaria necessariamente a aplicação do Decreto-Lei nº 42/2012 (agora, Decreto-Lei n.º 139/2012).
17. Comprova-se, assim, e na suposição forçada de o Tribunal ser competente e de estar em causa um direito, liberdade ou garantia, que a tutela cautelar, designadamente através da providência de admissão provisória a concursos, é possível e suficiente e não gera qualquer inexorabilidade jurídica ou fáctica que inutilize a sentença a proferir no processo principal.
18. Ao aparentemente convocar como critério de adequação do meio processual a medida da precariedade da situação jurídica de quem reclama e obtém tutela, no confronto entre tutela principal urgente e tutela cautelar, o Tribunal a quo despromove, sem fundamento para tal, a acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias a tutela alternativa à tutela cautelar, e até preferencial.
19. Deste modo, ao desconsiderar a natureza excepcional e subsidiária da acção de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, o acórdão recorrido violou o artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
20. Finalmente, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 42/2012 não põem em crise o direito de acesso ao ensino superior, pois do núcleo essencial deste direito social não constam seguramente as condições de candidatura a este nível de ensino.
21. Aliás, a própria Recorrida foi colocada no par Universidade do Porto/Curso de Farmácia no concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2011, não sendo legítima a confusão entre o direito de acesso ao ensino superior e o interesse no ingresso no curso de Medicina.
22. Mais: a protecção constitucional dispensada a este direito (art.º 76.º, n.º 1) visa garantir a igualdade de oportunidades no acesso, propósito que o Decreto-Lei nº 42/2012 veio justamente favorecer.
23. Tão-pouco pode considerar-se violado o princípio da protecção da confiança, porquanto a expectativa da Recorrida não se refere a um bem jurídico, muito menos dotado de dignidade constitucional, mas à possibilidade de se candidatar ao ensino superior apenas com a nota interna obtida no ensino recorrente, que frequentou apenas para garantir a respectiva melhoria.
24. Decorre inclusivamente da jurisprudência constitucional que princípio da protecção da confiança não acomoda toda e qualquer expectativa, nem seguramente acolhe a expectativa de quem reclama um tratamento de excepção que implique discriminação negativa de outros sujeitos.
25. É que o princípio da protecção da confiança não vale per se, mas por referência ao bem jurídico objecto da confiança, que certamente não pode ser uma qualquer vantagem competitiva no acesso ao ensino superior.
26. Confirma-se, assim, a baixa juridicidade da expectativa da Recorrida, bem como a desproporcionalidade da tutela que reclama.
27. Nesta conformidade, por todos factos e argumentos trazidos aos autos pelo Ministério da Educação e Ciência, prova-se que estão reunidas as condições para que se verifique a procedência do presente recurso, devendo o Ministério da Educação e Ciência ser absolvido.

Não foram apresentadas contra alegações

O Ilustre Magistrado do M.P. emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.


FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO.
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. A requerente, no Externato ………, sito no Porto, concluiu o ano lectivo de 2010/2011, o curso Científico-Humanístico de Ciências Sociais e Humanas (cfr. doc. de fls. 11 dos autos, e admissão por acordo).
2. A requerente, concluiu o ano lectivo de 2010/2011, no curso Científico-Humanístico de Ciências Sociais e Humanas, com a média de 20 valores (cfr. doc. de fls. 12 e 13 dos autos, e admissão por acordo).
3. A requerente não se candidatou ao ensino superior no ano lectivo de 2011/2012 (confissão, cfr, art.º 4º do r.i.).
4. O termo do prazo para a inscrição na 1.ª fase dos exames finais nacionais do ensino secundário, cujo calendário decorre entre 23.02 e 02.03 (admissão por acordo).


II. O DIREITO

O presente recurso dirige-se contra o Acórdão do TCAS que confirmou a sentença do TAC de Lisboa que - depois de se declarar competente para julgar o presente conflito e declarar que o meio processual previsto no art.º 109.º do CPTA era idóneo para satisfazer a pretensão requerida – deferiu o pedido de intimação e condenou o Requerido no pedido.
Decisão que o Recorrente reputa de errada por diversas ordens de razões; por um lado, porque o que ora está em causa é a função político-legislativa do Governo e a pretensão que a Requerente formula é a de que o Tribunal declare inconstitucionais certas normas do DL 42/2012, matéria para a qual o mesmo não tem competência pelo se deveria ter julgado procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, por outro, porque, o meio processual utilizado não foi o próprio; e, finalmente, porque a publicação daquele DL e as consequências que dela advinham não importavam a violação de direitos ou princípios constitucionalmente consagrados, designadamente, o direito ao acesso ao ensino superior ou o princípio da protecção da confiança.

Analisemos, pois, essas críticas, visto as mesmas envolverem as questões que foram consideradas jurídica e socialmente relevantes e ter sido essa a razão que justificou a admissão desta revista.
Tais questões foram já analisadas no Acórdão deste Tribunal de 27/11/2013 (proc. 1413/13) pelo que, tendo este sido relatado pelo relator deste Acórdão, nos limitaremos a seguir, com modificações de pormenor, o que então se escreveu.

1. O art.º 1.º/1 do ETAF estatui que “os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” competindo-lhes, entre outras, julgar as questões relativas “à tutela de direitos fundamentais, bem como de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.” [seu art.º 4.º/1/a)]
Se assim é, e se a identificação do Tribunal materialmente competente se afere em função dos termos em que pretensão do Autor é desenhada, dos fundamentos em que se baseia e do pedido formulado (Vd., a título exemplificativo, Acórdãos Tribunal de Conflitos de 11/7/00 (Conflito n.º 318), de 3/10/00, (Conflito n.º 356), de 6/11/01 (Conflito n.º 373), de 5/2/03, (Conflito n.º 6/02), de 29/10/2006 (Conflito n.º 18/06) e de 15/07/2007 (Conflito n.º 5/07) e do Pleno do STA de 9/12/98, rec. n.º 44.281 (BMJ 482/93) e do STJ de 21/4/99, rec. n.º 373/98 e Manuel de Andrade ”Noções Elementares de Processo Civil” pg. 88 e seg.s.), e se a Requerente se limitou a alegar que a aplicação à sua situação dos critérios inovadores introduzidos pelo DL 42/2012 no acesso ao ensino superior constituía uma violação dos princípios da segurança e da protecção da confiança e a peticionar que o Ministério da Educação fosse intimado a admitir a sua candidatura ao ensino superior de acordo com os termos do disposto no DL 74/2004 sem as alterações introduzida pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22/02 é manifestamente evidente que a pretensão Requerente não é a desaplicação das normas inovatórias do DL 42/2012 por via do controlo, em termos gerais e abstractos, da sua constitucionalidade - pedido que, na realidade, não fez - mas, apenas e tão só, que essas normas não fossem aplicadas à sua situação e, portanto, que o seu acesso ao ensino superior não dependesse do que nelas se prescrevia. Ou seja, o que a Requerente pede é que o Tribunal imponha à Administração uma conduta de non facere – não aplicar ao seu caso a avaliação prevista na redacção dada aos art.ºs 11.º e 15.º do DL 74/2004 pelo DL 42/2012 – e uma conduta positiva – classificá-la de acordo com o regime vigente até publicação deste último diploma – e não que analise a constitucionalidade de certas normas do novo diploma.
Nesta conformidade, e não estando em causa a apreciação da constitucionalidade em abstracto das apontadas normas mas, apenas e tão só, a aplicação das novas regras legais de acesso ao ensino superior ao caso do Autor, o conflito que se nos apresenta é um litígio de ordem administrativa atenta a natureza das relações estabelecidas em resultado da citada alteração legal, a forma que revestiram, os fins que se visam concretizar e os poderes em que os seus sujeitos nela estão investidos.
E, porque assim, não cabe censurar o Tribunal a quo este quando decidiu que a competência para dirimir o presente conflito está sediada nos Tribunais Administrativos. – vd., entre os mais recentes, os Ac.s deste STA de 20/06/2013 (rec. 418/13) e de 10/07/2013 (rec. 560/13).
Improcede, nesta parte, o recurso.

2. O Recorrente também censura o Acórdão sob revista por este ter entendido que o legislador do CPTA admitiu a utilização da intimação prevista no art.º 109.º do CPTA para defesa dos direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias uma vez que, nos termos da Constituição. Censura que parte do pressuposto de que, no caso, não está em causa um direito, liberdade ou garantia, nem sequer uma lesão que possa ser imputada ao Ministério da Educação e Ciência pelo que advoga que se revogue a decisão recorrida e se convole esta intimação numa providência cautelar antecipatória seguida do correspondente processo principal, visto tal ser suficiente e adequado à protecção do direito reivindicado.
Vejamos se litiga com razão.

3. O CPTA - procurando concretizar o prescrito no art.º 20.º/5 da CRP (Introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/97 e que estatui que “Para defesa de direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” (sublinhados nossos))) - introduziu uma nova e privilegiada forma de defesa dos direitos, liberdades e garantias - o processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias - o qual só poderá ser aplicado quando haja necessidade da “célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa (e esta) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º” (art.º 109.º/1).
O que significa que só se pode recorrer a este meio processual quando (1) haja urgência na obtenção de uma decisão que imponha à Administração uma determinada conduta, (2) a necessidade de que ela decida o mérito da causa por tal se revelar a única forma de assegurar em tempo útil o exercício do direito, liberdade ou garantia ameaçado, e (3) que a defesa deste direito, liberdade e garantia não possa ser eficazmente feita por outra via. O que vale por dizer que a via processual prevista no art.º 109.º do CPTA não é a via normal de reacção em situações de lesão ou ameaça de lesão visto a sua utilização só poder ter lugar quando for seguro que o pedido de tutela cautelar cumulado com a propositura de uma acção administrativa é incapaz de proporcionar a efectiva tutela do direito, liberdade ou garantia ameaçada. “O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações - e apenas nessas - em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.” - Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 1.ª ed., pag. 538.
Por tais razões, o CPTA concedeu aos Tribunais um poder de injunção que o habilita a decretar, de forma rápida e em tempo útil, uma decisão que põe termo ao conflito através da imposição das medidas necessárias à salvaguarda do direito, liberdade ou garantia ameaçada por acções ou omissões da Administração.

Questão mais complexa, mais controversa e, por isso, ainda não resolvida doutrinária e jurisprudencialmente é a de saber quais são os direitos, liberdades e garantias que podem ser defendidos através deste tipo de processo.
Será que este visa assegurar apenas os direitos, liberdades ou garantias fundamentais ou análogos ou será que o mesmo também pode ser utilizado quando estão em causa outro tipo de direitos?

4. O normativo constitucional que serviu de fonte ao legislador do CPTA para instituir o processo de intimação previsto no art.º 109.º foi o n.º 5 do art.º 20.º da CRP, onde se dispôs que seriam assegurados aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade que lhes garantissem a tutela efectiva, em tempo útil, dos seus direitos, liberdades e garantias pessoais.
O que, desde logo, permitiu que se defendesse que este meio processual estava confinado à defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais e que, por isso, a sua utilização estava vedada quando fossem outros os direitos, liberdades ou garantias violadas. Entendimento que o Acórdão deste STA de 18/11/2004 (proc. 978/04) acolheu ao indeferir um pedido de intimação com, entre outros, o fundamento de que “a petição não permite reconhecer uma qualquer situação jurídica individualizada susceptível de se integrar no conceito de direito, liberdade ou garantia pessoal (Sublinhado nosso.) não se evidenciando que a actuação dos Requeridos, tal como ela se mostra delineada pelos Requerentes, se apresenta como atentatória do exercício de um direito, liberdade ou garantia das Requerentes, não se colocando, por isso, a necessidade da adopção de medidas adequadas ao pleno restabelecimento e cabal exercício dos aludidos direitos, liberdades e garantias.” Ou seja, ainda que de uma forma não muito assertiva, este Aresto dá a entender que só os direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal poderiam ser defendidos através do processo de intimação consagrado no art.º 109.º do CPTA.

Mas esta interpretação foi logo posta em causa com o argumento de que não seria curial que o uso desta intimação fosse restringido à defesa dos direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal já que, para além destes, outros direitos, liberdades e garantias - como, por ex., os que se traduziam na defesa dos direitos, liberdades e garantias de participação política ou social - também deveriam ser assegurados através de meios judiciais céleres e prioritários (Vd. G. Canotilho, Direito Constitucional, 7.º ed., pg.s 506 e 507.). E Aroso de Almeida e F. Cadilha foram ainda mais longe ao defenderam, de forma clara, que processo previsto no art.º 109.º do CPTA se destinava a proteger “todo e qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, sem que haja, aqui, que distinguir entre direitos, liberdades e garantias pessoais e direitos, liberdades e garantias de conteúdo patrimonial. Com efeito, é verdade que, com a introdução desta nova forma de processo, propósito primacial do legislador foi dar cumprimento a uma imposição constitucional que apenas se reporta aos direitos, liberdades e garantias pessoais: cfr. artigo 20.º, n.º 5, da CRP. Mas o que é certo é que, nem em nenhum dos artigos que integram a presente Secção, nem no próprio título da Secção, o legislador introduziu qualquer restrição. Afigura-se, pois, que, embora pudesse não o ter feito, o legislador optou por ir além da mera concretização da Constituição e, assim, por estender o âmbito de intervenção deste processo de intimação à protecção de todo e qualquer direito, liberdade ou garantia. Por outro lado, como o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga (cfr. artigo 17.º da CRP), também não se vê fundamento para excluir os direitos de natureza análoga do âmbito de intervenção deste processo” (Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 1.ª ed., pag. 537, com sublinhado nosso.). E Aroso de Almeida - lembrando que na exposição de motivos da proposta de lei que esteve na origem do CPTA se disse que o processo de intimação foi desenhado como um instrumento de grande elasticidade que o “Juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência” - afirmou que o mesmo foi configurado como um modelo polivalente ou de geometria variável (Vd. Manual de Processo Administrativo, 2010, pg. 411.).
Finalmente, poderá ainda invocar-se Carla Amado Gomes que sustenta que “a apresentação de um pedido de intimação para protecção de direito, liberdades e garantias não pessoais não deve ser recusado ... com base no argumento de que tais direitos não cabem no campo da intimação prevista no art.º 109.º do CPTA, lido em conformidade com a Constituição. O julgador pode (e deve), naturalmente, negar provimento ao pedido desde que verificada a ausência de qualquer dos pressupostos fixados no art.º 109.º do CPTA .... mas é-lhe vedado rejeitar a pretensão com base na exigência da natureza pessoal do direito ofendido.” E que por isso cumpria “inscrever a intimação para protecção de quaisquer direitos, liberdades e garantias com assento constitucional no conjunto das inovações trazidas pelo CPTA ... para ficar.” – CJA, n.º 50, pg. 41 e 43, com sublinhado nosso (Igual entendimento foi defendido pela mesma Autora no estudo publicado na Revista do M.P., n.º 104 – Out./2005, pg.s 97 e seg.s.)
Pode, por isso, afirmar-se que a doutrina se tem inclinado no sentido de que o art.º 109.º do CPTA deve ser interpretado de forma abrangente por forma a que ele possa servir de amparo à defesa de quaisquer direitos, liberdades ou garantias acolhidos na Constituição - consagrados ou não no Capitulo I do Título II da CRP - desde que se verifiquem os requisitos de admissibilidade nele fixados.

5. A jurisprudência, porém, tem tido dificuldades em encontrar uma posição unívoca sobre esta matéria.
Com efeito, para além do já citado Acórdão deste STA de 18/11/2004 - que parece ter-se inclinado a considerar que só os direitos pessoais podem ser defendidos através deste meio processual - vários outros se pronunciaram, uns de forma expressa outros de forma implícita, sobre esta questão e nem todos comungaram do mesmo entendimento.

Assim, por ex., o Acórdão de 20/12/2007 (rec. 775/07) discursou do modo que se segue sobre a questão que ora nos ocupa:
“Liminarmente, cabe sublinhar que estamos perante uma questão adjectiva, não substancial, de alegado erro ou inadequação do meio processual aos fins visados pela demandante («petitum»), e que são a peticionada intimação das entidades demandadas a reconhecerem o direito que a Autora se arroga, e a praticarem determinados actos como forma de reparar uma situação de ilegalidade que pretensamente a prejudicou.
E sendo uma questão de natureza processual, a mesma só adquire relevância em sede impugnatória caso se demonstre que a adopção do meio processual utilizado teria subvertido ou inquinado, só por si, o resultado da lide, de forma a poder afirmar-se que outro seria esse resultado com a adopção de outro meio ou expediente processual.
O que no fundo está em causa é saber se a concessão da tutela judiciária pretendida, ainda que intentada com recurso a um meio processual distinto daquele que a lei propugna, deve sobrelevar em relação a aspectos formais ou adjectivos, injustificando a anulação de actos processuais que apenas tiveram o condão de veicular aquela concessão de tutela. É que, se assim for - como julgamos que é - então esta questão assumirá uma relevância menor no desenvolvimento da presente impugnação, cedendo a uma mais valia processual, de conformação substantiva do litígio, concretizadora de uma opção conservativa dos actos processuais reclamada pelo primado da tutela jurisdicional efectiva (art.ºs 20.º da CRP e 2.º do CPTA).
A bom dizer, essa questão da forma do processo deverá ser tida como irrelevante e não decisiva, desde que na forma processual efectivamente adoptada se não tenham postergado actos essenciais ao contraditório, à instrução, à igualdade das partes, e a um justo desenvolvimento da instância («fair process»), e seja curial afirmar que a pretensão formulada pela Autora cabe razoavelmente na veste do meio processual utilizado, apresentando-se como formalmente harmónica com a pronúncia típica desse mesmo meio processual.
É o que julgamos acontecer na situação sub judice, afigurando-se evidente que a pronúncia de intimação reivindicada pela demandante não se mostra desadequada ao modelo de processo utilizado, pelo que, independentemente da catalogação do direito em causa como direito fundamental análogo ou não, sempre se revelaria de todo injustificada a anulação ou desaproveitamento do modelo processual utilizado.”
O que significa que este Aresto, colocado perante uma situação muito semelhante à que se nos apresenta, entendeu que a resolução da questão de saber se o processo de intimação era o meio próprio para defender o direito aí reclamado não era especialmente relevante já que, tratando-se de uma questão meramente processual, essa relevância só poderia ser considerada se fosse evidente que outro seria o resultado se outro tivesse sido o meio ou expediente processual utilizado. E, concluindo que esse perigo não se concretizara e que a requerida intimação não se mostrava desadequada à pretensão do Autor, decidiu que não só não havia razão para a anulação ou desaproveitamento dessa intimação como dos actos já tramitados.
Ou seja, este Aresto, na análise da adequação do meio processual utilizado, desvalorizou a importância do direito que se visava defender – apesar do Recorrente ter afirmado que a intimação prevista no art.º 109.º do CPTA não era o meio próprio atenta a “inexistência de um alegado direito fundamental ou de natureza análoga a tutelar por uma decisão urgente de fundo” – colocando o acento tónico na questão de saber se aquela intimação poderia servir as finalidades que a Requerente pretendia alcançar e, respondendo positivamente a esta interrogação, concluiu que haveria que respeitar o princípio da economia processual e aproveitar os termos processuais já cumpridos.

É, assim, lícito concluir que essa jurisprudência - que depois foi seguida nos Acórdãos de 16/01/2008 (rec. 909/07) e de 17/01/2008 (rec. 910/07) - admitiu a possibilidade do processo de intimação ora em causa ser utilizado nos casos em que estava em causa a intimação da Administração a permitir a realização de determinados exames sem se preocupar com a natureza – fundamental ou não fundamental, pessoal ou não pessoal - do direito que fundava tal pedido.

Por sua vez, no Acórdão de 13/07/2011 (proc. 428/11), numa situação de evidente similitude com a presente, escreveu-se o seguinte:
Mas a circunstância do direito de acesso ao ensino superior não poder ser qualificado como um direito fundamental ou um direito análogo não afecta o desfecho da lide uma vez que, por um lado, o processo previsto no art.º 109.º do CPTA se aplica à protecção de todos os direitos, liberdades e garantias e, por outro, o que ora é decisivo é saber se a pretensão que a Autora aqui pretende fazer valer merece ser juridicamente protegida. E a resposta a essa interrogação tem de ser afirmativa visto ser inegável que ela tem direito a reclamar que o seu acesso à universidade se processe de acordo com a lei, constituindo esse direito uma base suficiente para que ela possa reagir em juízo contra qualquer ilegalidade lesiva.” ( Sublinhado nosso)
E o Acórdão da Secção de 7/10/2009 (rec. 884/09) também comungou desse entendimento ao afirmar que “A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º.
Como se vê, o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não pode ser utilizado sempre que esteja em causa assegurar a satisfação de um direito, liberdade ou garantia, exigindo-se também que a célere emissão de uma decisão de mérito seja indispensável para assegurar o respectivo exercício, em tempo útil.”
Entendimento que o Acórdão do Pleno de 18/02/2010 (proc. 884/09) não acompanhou já que sentenciou “que o processo previsto nos arts. 109º e ss. do CPTA existe para a protecção de direitos, liberdades e garantias, adjectivando, «grosso modo», a previsão do art. 20.º, n.º 5, da CRP. Tais direitos são os fundamentais ou os que lhes sejam análogos (cfr. o art. 17º da CRP), e não quaisquer outros direitos subjectivos, dotados de menor premência” sem, contudo, desenvolver as razões de uma tal afirmação.
Nesta conformidade, não só este Supremo como as instâncias, como se pode ver pelo Acórdão recorrido, não estão seguros nesta matéria.
Impõe-se, por isso, tomar posição e decidir essa questão.

6. E a primeira observação a fazer é a de que a fonte onde o legislador do CPTA foi buscar inspiração para o citado normativo foi o n.º 5 do art.º 20.º da CRP – onde, como já se disse, se garante a existência de procedimentos judiciais céleres e prioritários para defesa de direitos, liberdades e garantias pessoais.
O que significa que o legislador constitucional quis colocar o acento tónico nos direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal, independentemente destes serem, ou não, fundamentais ou análogos pelo que, sob pena de se cair numa interpretação inconstitucional do art.º 109.º do CPTA, não se poderá limitar a utilização desta via processual apenas aos direitos fundamentais ou analogados. Tanto mais quanto é certo que na transposição do citado preceito constitucional para a legislação ordinária o legislador foi claro em definir que a intimação nele prevista se destinava à protecção de direitos, liberdades e garantias sem estabelecer que o seu uso estava limitado aos direitos, liberdades e garantias (vd. a epígrafe da Secção II, do Capítulo II, e o corpo do art.º 109.º onde o mesmo está integrado). Se assim é, isso só pode querer dizer que o legislador do CPTA escolheu propositadamente uma formulação que não originasse qualquer controvérsia na identificação dos direitos que poderiam ser defendidos através deste meio processual o que se compreende uma vez que, por um lado, a definição do que sejam direitos fundamentais ou análogos não tem assento constitucional e, por outro, a doutrina e a jurisprudência estão ainda longe de terem preenchido esse conceito de uma forma clara e convincente para todos.
Com efeito, abstraindo-nos de certos direitos de que ninguém duvida que são fundamentais – como, por ex., o direito à vida, à liberdade religiosa, de expressão, de participação política, à segurança, à saúde, ao trabalho – muitos são os direitos que se discute serem, ou não, fundamentais, controvérsia essa que se multiplica quando se procura identificar quais são os direitos análogos.
Por essa razão, o legislador do art.º 109.º do CPTA quis adoptar um conceito que abrangesse um maior número de direitos do que os indicados no normativo constitucional evitando, dessa forma, colocar o interessado perante a situação de dificuldade quando pretende defender um seu direito já que muitas vezes, não é fácil saber se o mesmo é, ou não, fundamental ou análogo e, portanto, ter dificuldade em identificar se o pode defender através daquela via. Sendo certo que nada o impedia de o fazer.
Todavia, esta indefinição legal não permite que se possa sustentar que o art.º 109.º do CPTA é aplicável na defesa de todo e qualquer direito pois direitos haverá que pela sua diminuta relevância pessoal, social ou patrimonial não merecem esse tipo de tutela. Com efeito, sendo a utilização deste meio processual excepcional, já que ela só pode ter lugar quando o invocado direito, liberdade ou garantia está a ser violado e ser essa a única forma de remover a lesão, terão de ser as circunstâncias do caso a constituir o elemento decisivo para identificar o meio processual que se deve utilizar. O que, por um lado, sossegará todos aqueles que, justamente, temem que o uso dessa via processual possa ser vulgarizado e, por outro, garantirá que ninguém possa ver o seu direito ser violado ou, mesmo, destruído só por se entender que o mesmo não é fundamental ou análogo.

Mas uma outra razão, conjugada com o que se acaba de dizer, conduz-nos à mesma conclusão.
Com efeito, este Supremo tem vindo, repetidamente, a afirmar que, em homenagem aos princípios antiformalista e pro actione, a lei deve ser interpretada de modo a que se privilegie o acesso a uma tutela judicial efectiva e, por isso, que são de rejeitar interpretações restritivas no tocante ao preenchimento dos pressupostos processuais. Entendimento que, por maioria de razão, deve ser acolhido quando se suscitem dúvidas sobre a forma mais adequada de obter aquela tutela, sem que tal signifique que a mera invocação da violação de um direito ou interesse legalmente protegido baste para o autor ver reconhecido o direito de escolher o meio processual a que quer recorrer já que, como é sabido, o legislador “consagrou as formas e sequências de actos processuais que considerou serem, relativamente às diferentes espécies de pretensões materiais dedutíveis em juízo, os instrumentos mais adequados e equitativos para alcançar a racionalidade das decisões e a realização da justiça material.” (Acórdão do STA de 16/01/2008 (rec. 909/07).

Em suma, a escolha do presente meio processual encontra respaldo na letra do no art.º 109.º do CPTA.

7. Mas mesmo que assim não fosse também não haveria lugar à declaração de impropriedade desta intimação como forma de alcançar a pretensão aqui formulada pelas razões indicadas no Acórdão de 20/12/2007 (rec. 775/07) acima parcialmente transcrito.
Com efeito, se é de admitir, como aí se admitiu, que o que é decisivo é saber se o direito que o Autor pretende fazer valer merece ser juridicamente protegido e se essa protecção poderá ser alcançada através desta via processual, então ter-se-á de concluir que, por um lado, o direito a reclamar que o acesso à universidade se processe de acordo com uma determinada lei constitui uma base suficiente para que se possa reagir em juízo e, por outro, que esta intimação é mais garantias dá na defesa desse direito e que a mesma não pode ser considerada inadequada. Ademais, não só o Recorrente não alegou que a sua utilização prejudicava os seus direitos como a anulação ou o desaproveitamento dos trâmites já processados para além de injustificada constituía uma violação do princípio da economia processual.

8. No caso, não só é certo que o que está em causa é a tutela do direito de aceder ao ensino superior como não se pode duvidar da necessidade de uma decisão célere visto que, se não o for, os interesses da Requerente poderão ficar irremediavelmente comprometidos. Daí a insuficiência da convolação desta intimação numa providência cautelar já que daí poderia uma de duas coisas:
- a medida cautelar ser deferida e, a final, o direito reclamado não ser reconhecido o que tinha por consequência a Requerente ter frequentado o ensino superior e, no limite, ter-se licenciado mas sem proveito já que, com a declaração de que o acesso a esse ensino foi irregular, veria perdidos os anos em que o frequentou e teria de refazer a sua vida académica universitária desde o início.
- a medida cautelar ser indeferida mas, a final, o seu direito ser reconhecido o que também redundava numa perda de tempo já que só iria iniciar a frequência do curso desejado depois de vários anos de estudo noutro curso (ou noutra actividade), isto é, depois de vários anos perdidos.
O que nos leva a concluir que a pretensão formulada nestes autos não pode ser alcançada satisfatoriamente através de uma medida cautelar antecipatória cumulada com a propositura de uma acção e que a mesma só pode, obter rápida e satisfatória resposta através do presente meio processual.
Daí que, nesta parte, se julgue o recurso improcedente.

Resta analisar se o Aresto sob revista fez correcto julgamento no tocante à decisão de mérito.

9. A Requerente concluiu o Curso Científico Humanístico de Ciências Sociais e Humanas no ano lectivo 2010/2011 com a média de 20 valores mas não se candidatou ao ensino superior no ano de 2011/2012. E quando pretendeu fazê-lo não o pode fazer por as normas que estabeleciam as regras referentes à classificação final dos alunos do ensino recorrente terem sido alteradas pelo DL 42/2012, que introduzindo alterações no DL 74/2004, passaram a obrigá-los a submeterem-se, como todos os restantes alunos, aos exames nacionais.
É esta alteração que a Requerente pretende que não lhe seja aplicada – por tal se traduzir na violação do princípio da protecção da confiança e do direito ao acesso ao ensino superior - e, por isso, requereu que o Ministério da Educação fosse intimado a respeitar as regras existentes à data do seu ingresso no ensino recorrente.

O Acórdão sob revista - confirmando a sentença do TAC de Lisboa - considerou que aquela situação configurava uma violação do princípio da confiança e isto porque a entrada em vigor da nova lei (DL 42/2012) ocorreu quando a Requerente já tinha concluído o ensino secundário recorrente e obtido a nota exigida para o acesso ao ensino superior, pelo que as novas regras trazidas por aquele diploma constituíram uma súbita, significativa e desfavorável alteração da sua situação estatutária, que lhe não deram possibilidade de se poder preparar para os exames que agora lhe eram exigidos, tanto mais quanto é certo que estava convencido que esse acesso iria ser feito de acordo com as facilidades concedidas pelas normas revogadas.

Vejamos se ao assim decidir fez correcto julgamento.

10. O ensino recorrente, disciplinado no DL 74/2004, de 26/03, destinou-se a possibilitar a melhoria das qualificações culturais, técnicas, profissionais e pessoais dos adultos que tivessem abandonado os estudos regulares e já estivessem integrados no mercado de trabalho ou à espera dessa integração por forma prepará-los para esse mercado ou para a melhoria da sua situação profissional. O que se traduziu na criação de cursos científico-humanísticos, tecnológicos e artísticos especializados que visavam “proporcionar uma segunda oportunidade de formação que permita conciliar a frequência dos estudos com uma actividade profissional” (vd. Respectivo preâmbulo)
Mas essa vertente não esgotava as suas potencialidades já que, se era certo que a sua finalidade primacial era a apontada também o era que o mesmo podia ser uma porta de entrada no ensino superior sem, todavia, estar previsto que o mesmo fosse a via normal desse acesso e, muito menos, como a via privilegiada nesse caminho. E a certeza de que a prioridade daqueles cursos foi a formação de adultos que não usufruíram na idade própria da formação académica e profissional adequada ou a sua preparação para uma mais fácil integração no mercado de trabalho ou para a melhoria da sua situação profissional colhe-se na forma como a certificação dos cursos concluídos nesse ensino foi prevista.
Com efeito, o art.º 15.º do DL 74/2004 estabeleceu que “para a certificação da conclusão de um curso do ensino recorrente, bem como de um curso profissional de nível secundário, não é obrigatória a aprovação nos exames nacionais, excepto nos casos em que o aluno pretenda prosseguir estudos de nível superior.” (n.º 3, com sublinhado nosso). O que quer dizer que o preocupou o legislador desse diploma não foi o nível dos conhecimentos académicos que aquele tipo de ensino permitia obter – e daí a desnecessidade da realização de exames nacionais para alcançar a certificação – mas a aquisição de conhecimentos virados para a vida prática, para o enriquecimento e a valorização pessoal e profissional dos adultos. O que, todavia, não impedia que o aluno do ensino recorrente ingressasse no ensino superior desde que se sujeitasse à realização de exames nacionais.
Todavia, tanto o DL 74/2004 como a Portaria 550-E/2004, que o complementou, só obrigava os alunos do ensino recorrente a submeterem-se, no final do secundário, a exames nacionais quando quisessem prosseguir os seus estudos no ensino superior. O que significa que legislador não quis que no acesso ao ensino superior pudesse haver distinção entre os alunos do ensino regular e os alunos do ensino recorrente garantindo que, nesse acesso, ambos estavam submetidos às mesmas regras. As quais não se mantiveram inalteradas por muito tempo já que o DL 24/06, de 6/02, veio dar novas redacções aos art.º 11.º e 15.º do DL 74/2004 e estas, quebrando aquela sintonia, passaram a permitir que os alunos do ensino recorrente pudessem aceder ao ensino superior sem terem de se submeter à avaliação externa, isto é, sem terem de se sujeitar aos exames nacionais elaborados pelos serviços centrais do Ministério da Educação.
O que quer dizer que menos de dois anos depois da publicação do DL 74/2004, o regime nele instituído de acesso ao ensino superior para os alunos do ensino recorrente foi substancialmente alterado e dessa alteração resultou um evidente favorecimento desses alunos em relação aos alunos do ensino regular. As alterações que não se ficaram por aí já que os art.ºs 11.º e 15.º do DL 74/2004 vieram a sofrer nova alteração com a publicação do DL 4/2008, de 7/01, a qual, neste ponto, não foi significativa pois dela não resultou a obrigatoriedade dos alunos do ensino recorrente se submeterem aos exames nacionais. Todavia, o mesmo não sucedeu com a publicação do DL 42/2012, de 7/01, o qual procurando “restaurar a matriz enformadora dos cursos científico-humanísticos do ensino recorrente” e distinguir a situação dos alunos que pretendiam obter uma mera certificação do ensino secundário dos alunos que visavam prosseguir os seus estudos a nível universitário, deu novas redacções aos art.ºs 11.º e 15.º do DL 74/2004 as quais se destinaram a “clarificar as condições de candidatura ao ensino superior por parte dos alunos dos cursos científico-humanísticos do ensino recorrente.”– vd. respectivo preâmbulo.
Dessa forma regressou-se à matriz original do DL 74/2004, pelo que após a publicação do diploma de 2012 os alunos do ensino recorrente que completassem o ensino secundário e quisessem transitar para o ensino superior tinham de submeter aos exames nacionais, visto o resultado destes ser indispensável para a atribuição da classificação final.
A descrição acabada de fazer do regime legal relativo ao acesso dos alunos do ensino recorrente ao ensino superior permite-nos ficar a saber que o mesmo, apesar de alguma estabilidade, sofreu significativas alterações ao longo do tempo e que, por isso, nenhum aluno avisado poderia ter como assente que as normas que regulavam esse acesso eram intocáveis e que, por isso, o seu acesso ao ensino superior sem necessidade de se submeterem a exames nacionais estava garantido.
Mas tais alterações não se traduziram numa violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica.
Com efeito, como se decidiu no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 355/2013, de 27/07/2013:
“O relevo das alterações legislativas descritas supra não é negligenciável, visto que torna mais exigente o regime de acesso ao ensino superior por parte dos alunos que frequentem um curso científico-humanístico do ensino recorrente e, em particular, para aqueles que, antes da frequência de um tal curso, já houvessem concluído um curso do ensino secundário não recorrente. Aqueles de entre estes alunos que estivessem em condições de se candidatar ao ensino superior no concurso de 2012 vêem, em Fevereiro – portanto, já no segundo trimestre do ano lectivo de 2011/12 - a sua situação substancialmente revista, pois a sua candidatura àquele nível de ensino passa a estar dependente da realização de mais exames nacionais, dependendo a classificação final do ensino secundário, já não apenas da avaliação sumativa interna a uma série de disciplinas, mas também da avaliação sumativa externa apurada a partir daqueles exames.
Porém, tampouco restam dúvidas relativamente à premência do interesse público inerente às normas impugnadas, talqualmente evidenciado pelo preâmbulo do Decreto-lei n.º 42/2012. Aí pode detectar-se, com efeito, um escopo premente no sentido de «restaurar a matriz enformadora dos cursos científico-humanísticos de ensino recorrente», e de reproduzir no regime jurídico deste a distinção entre aqueles alunos que pretendem uma «mera certificação do ensino secundário» daqueles que “visam o prosseguimento dos estudos” através do acesso ao ensino superior.
As normas em crise – os artigos 11.º, n.ºs 4 e 6 e 15.º, n.º 5 – são, pois, normas retrospectivas, isto é, normas que afectam situações constituídas no passado e que continuam em formação na vigência da lei nova. Isto é assim porque a candidatura ao ensino superior é um processo de formação contínua, pelo que as normas visadas vêm, no fundo, afectar ou condicionar um processo ainda não concluído, cujas bases ou pressupostos se iniciaram em momento anterior à respectiva entrada em vigor (v., entre outros, o Acórdão n.º 399/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, fora dos casos de retroactividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo-ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica «um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas». Neste sentido, «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança (...), terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (cfr. Acórdão n.º 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tudo está em saber, portanto, em que circunstâncias a afectação da confiança dos cidadãos deve ser considerada «inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa», sendo sobejamente conhecidos os critérios que a jurisprudência constitucional estabilizou a este propósito (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 287/90, 303/90 e 399/10, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar (i); e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, o que remete para uma ponderação a efectuar nos termos do princípio da proibição do excesso (ii).
Por outras palavras, a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida legislativa à luz do princípio da protecção da confiança dependerá, em primeiro lugar, de um juízo sobre a legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, que deverão ser fundadas em boas razões, e cuja consistência carece, de acordo com a jurisprudência constitucional, da exteriorização de uma conduta estadual concludente e apta a gerar expectativas de continuidade, por um lado, e da materialização ou tradução em actos (“planos de vida”) da confiança psicológica dos particulares, por outro.
Comprovada essa legitimidade, segue-se, em segundo lugar, um juízo quanto à prevalência do interesse público subjacente à medida sobre o interesse individual (a expectativa legítima) sacrificado pela mesma (cfr. Acórdão n.º 556/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mesmo quando as alterações legislativas evidenciem aquela prevalência, é ainda necessário apurar se a afectação da confiança assim implicada não é desrazoável ou excessiva, ou seja, «se o fim do legislador podia ser alcançado por via menos agressiva da confiança e dos interesses dos particulares – por exemplo, através da previsão de disposições transitórias ou indemnizatórias» (Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2011, p. 269).

4. Cumpre transpor as considerações excogitadas para o caso vertente. Ora, é certo que, como aliás é sublinhado pelo tribunal recorrido, o legislador vinha dotando a normação aplicável ao ensino recorrente de alguma estabilidade, para isso contribuindo a não promoção de alterações legislativas num período compreendido entre 2006 e 2012. No entanto, os alunos agora afectados – e neste grupo incluem-se todos aqueles que não perspectivem o ensino recorrente com um desiderato de «mera certificação do ensino secundário», sejam ou não já detentores dessa certificação – vinham beneficiando de um regime de privilégio injustificado relativamente aos alunos dos cursos científico-humanísticos ministrados em regime diurno e que pretendessem, igualmente, aceder ao ensino superior. As normas em crise são, na verdade, meramente declarativas da convicção – aliás, de conhecimento geral – de que o ensino recorrente estava a ser instrumentalizado para finalidades contrárias à sua «matriz enformadora», e de que a prolongada inércia legislativa na correcção desta matéria urgia ser invertida.
Admitir, atento este quadro, que expectativas legítimas e fundadas em boas razões possam ter medrado nos alunos em causa é no mínimo questionável. De facto, talqualmente se alertou supra, a legitimidade das expectativas dos cidadãos não está dependente do apuramento de uma mera convicção psicológica destes na estabilidade de um dado regime jurídico, antes carece de ser escrutinada à luz de um filtro objectivo, que teste a repercussão que a conduta estadual possa razoavelmente ter produzido nos cidadãos afectados, e à luz de um filtro normativo, o qual, mais do a que licitude das expectativas, deve determinar a validade-legitimidade (as «boas razões») destas tendo em conta os princípios jurídico-constitucionais vigentes. Posto isto, se o período de tempo transcorrido desde a última alteração legislativa ao regime jurídico do ensino recorrente pode ter dado alguma consistência às expectativas dos indivíduos abrangidos, certo é que a legitimidade destas surge inelutavelmente afectada, não só porque a reacção estadual se afigurava objectivamente expectável, como porque tais expectativas não se acham fundadas em boas razões, isto é, em razões compatíveis com a teleologia normativa do ordenamento jurídico-constitucional.
Esta conclusão, sublinhe-se, não briga com a decisão adoptada por este Tribunal na jurisprudência constante dos Acórdãos n.ºs 176/2012, 275/2012 e 277/2012 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Aí, com efeito, o Tribunal, instado a apreciar a validade das alterações produzidas no regime especial de acesso ao ensino superior de que são beneficiários os atletas de alta competição (cfr. artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99, de 2 de outubro, na redação dada pelo artigo 46.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1 de outubro) concluiu pela legitimidade das expectativas daqueles, mas apenas em virtude de tal alteração legislativa tomar em consideração factos já parcialmente realizados (classificações obtidas em provas realizadas antes da entrada em vigor das referidas normas), o que não sucede in casu.
No caso vertente, o juízo quanto à prevalência do interesse público torna-se, por conseguinte, dispensável, pelo que há que concluir, atento o exposto, que as normas em crise não importam qualquer violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima dos cidadãos.”

Por outro lado, é manifestamente evidente que a alteração legislativa que a Requerente aqui censura não viola o seu direito ao ensino superior uma vez que ela continuará a ele poder aceder, desde que, como é evidente, preencha os requisitos de que esse acesso depende.
Vd., neste sentido, acórdãos deste STA de 13-7-2011, (rec. 345/11), de 20/06/2013 (rec. 418/13) e de 10/07/2013 (rec. 560/13).

Termos em que os Juízes deste Tribunal acordam em conceder provimento ao recurso e, revogando o Acórdão recorrido, julgar a acção improcedente, absolvendo o Réu de pedido.
Sem custas.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2014. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – António Bento São Pedro – Abel Ferreira Atanásio (com a declaração de voto junta).

Declaração de voto

1.1. Não acompanho a fundamentação do acórdão quando afirma que a intimação prevista no artigo 109.º é aplicável a todos os direitos, quaisquer que sejam (do que ressalva, apenas, a diminuta relevância pessoal, social ou patrimonial).
O acórdão não opta entre aqueles que consideram a aplicação do preceito aos direitos, liberdades e garantias pessoais, conforme o artigo 20.º, n.º 5, da Constituição, e aqueles que o consideram aplicável a esses mas também aos direitos fundamentais de natureza análoga; o acórdão segue uma tese máxima, a de que tudo está abrangido.
Creio que a tese certa será a que ficou afirmada no citado acórdão do Pleno de 18.2.2010, processo 884/09.
Acrescentarei, apenas, que não teria dúvidas em abranger directamente todos os direitos, liberdades e garantias, aí onde a jurisdição administrativa for aplicável, da Parte II, Título II, da Constituição da República. Portanto, não só os do Capítulo 1 desse Título, mas também os dos dois outros capítulos. O demais é abrangido se e enquanto caindo na previsão do artigo 17.º da mesma Constituição.
Desse modo, haverá uma completa paridade entre o conceito estabelecido na lei e o conceito estabelecido na Constituição da República, não vislumbrando razão para divergência.
1.2. No caso dos autos, a discussão centrar-se-ia em saber se o direito que a interessada quer fazer valer, não sendo direito inscrito na Parte l, Título II, da Constituição da República, é direito fundamental de natureza análoga a qualquer desse Título II.
O acórdão, atenta a sua formulação, não teve que enfrentar essa questão, pois que lhe é indiferente.
Na circunstância, e independentemente de uma discussão sobre a natureza em geral do direito de acesso ao ensino superior, não se revela violação desse direito de acesso. Na verdade, o que se discute não é qualquer impedimento de acesso ao ensino superior. Discute-se é a necessidade de, para aceder, a interessada ter de seguir regras gerais ou, antes, poder seguir regras especiais do ensino recorrente.
Por isso, pelo menos nas circunstâncias do caso, não está em causa qualquer direito integrável no quadro indicado no ponto 1.1.
1.3. Ainda assim, creio que sempre se deveria conhecer do mérito do caso (como se conhece, partindo de outra base), pelas razões que subsidiariamente vêm indicadas no acórdão, com suporte na doutrina do aresto também citado de 20/12/2007, recurso 775/07.
2. Quanto ao mérito, não acompanho a fundamentação no segmento em que ao sustentar a não violação do princípio da confiança o acórdão esgrime o argumento de que «nenhum aluno avisado poderia ter como assente que as normas que regulavam esse acesso eram intocáveis», atentas as várias alterações legislativas. A variação legislativa nada releva quanto ao princípio da confiança e da segurança. É que há-de ter-se a confiança de que as alterações legislativas são legais, são constitucionais, portanto, que elas mesmo respeitam o princípio da confiança.
O problema está unicamente em saber se certa ou certa alteração legislativa não respeita esse princípio, ou seja, se é inconstitucional. É esse o problema dos autos. E nesse ponto, bem, julgou-se não ter havido tal violação.

Abel Ferreira Atanásio