Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:052/19.0BALSB
Data do Acordão:03/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
LEASING
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I – O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto a uma mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT).
II – Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
III - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Nº Convencional:JSTA000P25679
Nº do Documento:SAP20200304052/19
Data de Entrada:06/26/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A............, SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2, 3 e 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 28 de Maio de 2019 no processo n.º 498/2018-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

B. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

C. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

D. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

E. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Requerente têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

F. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

G. Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

H. Ambas apuraram um montante a deduzir inferior ao apurado por recurso ao pro rata provisório.

I. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD

J. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

K. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

L. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral que «Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo. Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.»

M. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

N. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

O. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

P. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

Q. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça”.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A. A AT veio interpor recurso para o STA da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 498/2018-T, que julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra a ilegalidade dos actos tributários consubstanciados nas autoliquidações de IVA respeitantes ao ano de 2016.

B. Decisão esta que considera estar em oposição com o acórdão proferido pelo STA no âmbito do processo n.º 0485/17, datado de 15-11-2017 (acórdão fundamento) alegando existir contradição sobre a mesma «questão fundamental de direito» entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento.

C. A «questão fundamental de direito» em apreço nos presentes autos é a correcta determinação da percentagem do IVA dedutível (pro rata) dos sujeitos passivos mistos, mais concretamente se a AT dispõe (ou não), nos termos do direito nacional constituído, da faculdade de mitigar o pro rata.

D. Ou seja, se nos termos do quadro legislativo em vigor – maxime dos artigos 16.º e 23.º do Código do IVA – a AT pode, ou não, impor ao sujeito passivo misto que na determinação do pro rata dedutível considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados: a decisão recorrida entende que não pode ao passo que o acórdão fundamento entende que pode.

E. Ora, caso o STA entenda que se encontram preenchidos os requisitos legais - formais e substanciais – para que o presente recurso seja admitido, considera então a Recorrida que o entendimento que deve prevalecer e vingar, e como tal sancionado por este Venerando Tribunal em sede do presente recurso, é o vertido na decisão recorrida, dado que, com o devido respeito, é esse que encontra efectivamente suporte nos termos do nosso direito constituído, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23.º do Código do IVA.

SENÃO VEJAMOS

F. Em causa nos presentes autos estão as autoliquidações de IVA relativas ao ano de 2016, as quais tiveram por base o Ofício-Circulado n.º 30108, que trata do direito à dedução do IVA de bens e serviços de utilização mista por parte dos sujeitos passivos que desenvolvem simultaneamente actividades sujeitas (locação financeira) e isentas (concessão de crédito) desse imposto.

G. Os fundamentos dos actos tributários sob impugnação assentam no Ofício-Circulado n.º 30108, considerando a AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata apenas pode ser incluída a componente dos juros e não já a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de locação financeira e de ALD celebrados pela Recorrida.

H. Antes do mais, e ao invés do que resulta do acórdão fundamento, que se apoia no acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA).

I. Para além disso, no caso em apreço seria essencial considerar que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.

J. Do acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso em apreço e em conformidade com o Ofício-Circulado n.º 30108, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Recorrida de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

K. No acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que naquele processo foi correctamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.

L. Em conclusão e como defende a doutrina citada nestas alegações [Cfr. J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS e JOSÉ MARIA MONTENEGRO], não é verdade que a disposição constante do artigo 23.º do Código do IVA reproduz ipsis verbis e em substância, a aludida norma constante do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva.

M. Em nenhum lugar da lei nacional se confere poderes à AT para mitigar o pro rata.

N. Não foi essa, de todo, a opção do legislador nacional.

O. A opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa – como, eventualmente, ao abrigo da Directiva do IVA, poderia ter sido… mas não foi – a possibilidade de alterar as componentes do cálculo do pro rata no caso concreto.

P. Situação essa que facilmente se pode confirmar do mero confronto (livre de conceitos pré-determinados) do que consta literalmente da Directiva do IVA e do Código do IVA.

Q. Com efeito, como bem referem J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS «(…) o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23º), ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração ao pro rata de dedução» (cfr. pág. 21 do Parecer já junto com documento n.º 2).

R. Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Directiva do IVA preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro-rata) a verdade é que não foi essa a opção seguida pelo legislador nacional no Código do IVA.

S. Efectivamente, e como muito bem refere o citado autor JOSÉ MARIA MONTENEGRO «É verdade que a Sexta Diretiva no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo» [Cfr. JOSÉ MARIA MONTENEGRO, ob.cit., pág. 321].

T. Considera a Recorrida que ao assumir que nos termos do artigo 23.º do Código do IVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro-rata o acórdão fundamento subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido no direito nacional constituído, fazendo consequentemente uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.

U. No entendimento da Recorrida, tal pode (e deve) ser facilmente confirmado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Directiva do IVA (bem como da Directiva do IVA) e no Código do IVA: constata-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa – como eventualmente poderia tê-lo feito – a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro rata no caso concreto.

V. Acresce que, a solução proposta no acórdão fundamento – de expurgar, para efeitos de apuramento do pro rata, do numerador e do denominador da fracção parte da renda correspondente à amortização – não só ignora o disposto na alínea h) do n.º 3 do artigo 16.º do CIVA, que manda tributar toda a renda, como não tem qualquer apoio no nosso quadro normativo nacional.

W. A posição assumida na decisão recorrida – e que contraria a solução acima referida do acórdão fundamento – foi bem defendida, de forma corajosa, diga-se, e unânime, nos processos arbitrais conhecidos sobre esta matéria: os Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T e 581/2018-T.

X. Vejamos em concreto, porque manifestamente elucidativo, de forma resumida, cada uma dessas decisões:

Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017 (proferida a 20 de Novembro de 2017, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa):

“(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA. E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. (…).”

“Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.”

“Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”

Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 311/2018 (proferida a 09 de Janeiro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro José Poças Falcão):

“Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23.º-4 do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado n.º 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado”.

“A solução proposta pela AT de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais”.

“(…), as liquidações ora impugnadas, na linha ou em cumprimento do determinado no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009 [que traduz o entendimento da AT de que para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros], enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito".

Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 312/2017 (proferida a 16 de Janeiro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente a Juíza Conselheira Fernanda Maçãs):

“(…) entende o Tribunal que a requerente tem razão, porquanto o artigo 23.º do Código do IVA não confere poder à AT de impor a um sujeito passivo que opte pelo método do pro rata, condições acrescidas à verificação da percentagem de dedução, para além do comando normativo imposto pelo n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA (…).”

“(…) tem razão a Requerente quando refere que, in casu, ocorre erro de interpretação do direito interno português que afecta a decisão do TJUE, verificando-se, como diz «uma premissa factual manifestamente errada».”

“(…) a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.”

Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 335/2017 (proferida a 29 de Novembro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa):

“(…) tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução.”

“Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».”

“Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.”

“Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”

Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018 (proferida a 25 de Março de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha):

“Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA”.

Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 581/2018 (proferida a 17 de Junho de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente a Juíza Conselheira Fernanda Maçãs):

“Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga aos serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê”.

Y. Termos em que – tal como foi unanimemente considerado nas aludidas decisões do CAAD (as únicas conhecidas sobre este tema) – não se pode senão concluir-se no sentido da ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA em crise, porquanto a Directiva do IVA e o próprio CIVA que transpôs aquela para o ordenamento jurídico nacional não “(…) legitimam que se altere o modo de composição da percentagem de dedução autorizada para o “IVA residual”, constante dos “custos comuns” que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo” (vide página 47 do Parecer junto como Documento n.º 2).

Z. Devendo, consequentemente, o STA confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no Processo 498/2018-T, firmando-a como jurisprudência deste Supremo Tribunal, afastando-se da decisão proferida pelo acórdão fundamento.

V. DO PEDIDO

Nestes termos, requer-se a V. Exas., ao abrigo do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, e observado o regime do recurso regulado no artigo 152.º do CPTA – e caso entenda que deve admitir e apreciar o presente recurso por considerar preenchidos os requisitos formais e substanciais da sua admissibilidade – que se dignem a julgar totalmente improcedente o presente recurso, mantendo, assim, a decisão arbitral recorrida na ordem jurídica, com todas as consequências legais.

Acresce que – por se tratar de causa de valor superior a € 275.000,00 e, dada a postura das partes no presente litígio –, desde já, se requer a V. Exas. que, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, se dignem a determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 435 a 437 dos autos, pronunciando-se pela verificação, no caso sub judice, dos requisitos legalmente impostos para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.

No que respeita ao mérito do recurso, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto relembra que este STA tem vindo a entender de forma reiterada e uniforme que o Acórdão proferido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no Processo C-183/13 (Acórdão Banco Mais) “sustenta a posição de que a norma do artigo 23.º/2/3 do CIVA reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo17.º/5/3.º parágrafo/ c) da Sexta Diretiva – atual artigo 173.º/2/ c) da DIVA”, posição esta à qual adere. Porém, como “não resulta do probatório e dos autos se a utilização dos bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira”, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto considera que “se impõe anular, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, a decisão arbitral impugnada, para ser substituída por outra que decida após a ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que o regime jurídico, ora, sustentado”.

4 – Notificada do parecer do Ministério Público junto deste STA, e por dele discordar, a recorrida veio exercer o seu direito de resposta ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do CPTA no qual, e em suma, reitera que “o artigo 23.º do CIVA não é uma transcrição (nem literal nem em substância) do artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Directiva do IVA (como também não o era do artigo 17.º da Sexta Directiva)” e solicita a este Supremo Tribunal Administrativo que, “de forma livre e despida de qualquer preconceito ou ideias pré-concebidas” e não se “deixando acomodar pelo erro do TJUE”, analise, “com atenção, o que dispõe efectivamente a nossa legislação, mais concretamente, o citado artigo 23.º do CIVA, e conclua se efectivamente o mesmo constitui, ou não, uma transposição ipsis verbis do artigo 173.º da Directiva do IVA”.

5 - Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -

6 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.

7 – Matéria de facto

7.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

A. Factos provados

- A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações) e que exerce, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração);

- Para efeitos de IVA, a Requerente é um sujeito passivo misto (realiza operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito);

- Apresentou tempestivamente, conforme se observa dos documentos juntos sob os n.ºs 1 a 12, as declarações periódicas do IVA relativas ao ano de 2016, a saber:

− Em 16 de Fevereiro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 17/05/2016;

− Em 22 de Março de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2016 que substituiu por outra declaração entregue em 05/04/2016;

− Em 13 de Abril de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2016 que substituiu por outra declaração entregue em 06/05/2016;

− Em 17 de maio de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/06/2016;

− Em 23 de Junho de 2016, a Requerente submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/07/2016;

− Em 13 de Julho de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Junho de 2016.

− Em 10 de Agosto de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 30/08/2019;

− Em 12 de Setembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Agosto de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 03/10/2016;

− Em 24 de Outubro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 09/11/2016;

− Em 29 de Novembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 07/12/2016;

− Em 16 de Dezembro de 2016, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2016, que substituiu por outra declaração entregue em 04/01/2017;

− Em 16 de Janeiro de 2017, submeteu, via Internet, a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2016.

- Em todas as primeiras declarações de cada período do ano de 2016 apresentadas, o Requerente teve em conta o IVA suportado com base no cálculo do pro rata provisório de 14%;

- Na declaração correspondente ao período de Dezembro de 2016, o Requerente corrigiu os valores deduzidos ao longo do ano, por força do pro rata definitivo de 15% determinado para o exercício de 2016, com observância das instruções da AT constantes do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009.

- Por força da adoção da doutrina da AT, o montante do IVA a deduzir pelo Requerente diminuiu de € 1 801 174,82 para €442 911,84.

- O imposto relativo a todas as declarações periódicas de IVA aqui em causa encontra-se pago.

- A Requerente apresentou, em 09/02/2018, reclamação graciosa das autoliquidações de IVA acima referidas,

- Esta reclamação, a que foi atribuído o número ...2018..., foi indeferida por despacho de 6/07/2018(cfr. doc. n.º 13).

- Em 08/10/2018, a Requerente apresentou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral.

7.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.° 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).


2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).
Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»”.


8 – Decidindo

8.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a recorrente que “entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto”, consubstanciada na circunstância de que “em ambos ao Acórdãos, Autora e Requerente têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades dele isentas de IVA. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração). Ambas corrigiram valores deduzidos ao longo de um período fiscal (2016 e 2010, respectivamente), por força do pro rata definitivo determinado para o respectivo ano, dado terem observado as instruções da Autoridade Tributária constantes no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009. Ambas apuraram um montante a deduzir inferior ao apurado por recurso ao pro rata provisório. Ambas imputam aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD”. Ademais, sublinha a Recorrente que “estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas”, verificando-se “uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito” nos dois arestos em confronto.

Nas conclusões das suas contra-alegações (e no direito de resposta posteriormente exercido) a Recorrida nada referiu, em concreto, quanto à verificação dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA pronunciou-se pela existência de oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto.

Posição esta com a qual inteiramente concordamos pois que, compulsado o probatório fixado nos presentes autos e o probatório fixado no Acórdão Fundamento, verificamos que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas.

Com efeito, tanto no caso subjacente à decisão arbitral recorrida como no caso subjacente ao Acórdão Fundamento estamos perante sujeitos passivos que são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e de aluguer de longa duração (ALD).

Nos exercícios fiscais sob análise em cada um dos processos, ambos os Sujeitos Passivos estavam enquadrados no regime normal mensal de IVA enquanto sujeitos passivos mistos, que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Nos dois casos, ambos os sujeitos passivos corrigiram os valores deduzidos a título provisório ao longo do exercício fiscal por força da aplicação de um pro rata definitivo, que foi determinado para o respectivo ano ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009. Com esta operação, ambos os sujeitos passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir inferior ao que foi apurado por recurso ao pro rata provisório.

Sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma – a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados –, tendo sido objecto de decisões expressas opostas num e noutro caso.

No Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).

Pelo contrário, pode ler-se na decisão arbitral recorrida, e em suma, que apesar de se poder admitir, à luz da referida Jurisprudência que a Directiva IVA permitia ao legislador nacional “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que o legislador interno não transpôs para o direito nacional essa prerrogativa, “pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”. Como tal, “a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo”.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada no Acórdão fundamento oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justifica a prossecução do presente recurso, que deve prosseguir para conhecimento do respectivo mérito.

8.2 Do mérito do recurso

Conforme já se deixou exposto anteriormente, a questão objecto do presente recurso consiste em saber se a decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição dos bens locados.

Se para a recorrente a decisão arbitral não pode ser mantida na ordem jurídica por estar em desconformidade, designadamente, com a jurisprudência europeia resultante do acórdão proferido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no Processo C-183/13 (Acórdão Banco Mais), diferente é o posicionamento da recorrida, para quem o entendimento vertido na decisão arbitral recorrida é o que encontra efectivo suporte no direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos estatuído no direito nacional constituído. Para a Recorrida, que cita diversas decisões arbitrais em seu abono, “em nenhum lugar da lei nacional se confere poderes à AT para mitigar o pro rata”, tanto mais que o disposto no artigo 23.º do Código do IVA “não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA)”. Ademais, “nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”.

Por seu turno, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto sublinha que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender de forma reiterada e uniforme que o Acórdão proferido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no Processo C-183/13 “sustenta a posição de que a norma do artigo 23.º/2/3 do CIVA reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo17.º/5/3.º parágrafo/ c) da Sexta Diretiva – atual artigo 173.º/2/ c) da DIVA”, jurisprudência esta à qual adere. Não obstante este entendimento, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto sublinha que “não resulta do probatório e dos autos se a utilização dos bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira”, o que se revela “essencial para, em função da jurisprudência do TJUE, aferir se a parcela das rendas dos contratos relativa à amortização do capital deve ou não constar do numerador e do denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução”, o que impõe a baixa dos autos para alargamento da matéria de facto.

Em resposta, a Recorrida reitera o pedido dirigido a este Supremo Tribunal Administrativo de que, “de forma livre e despida de qualquer preconceito ou ideias pré-concebidas” e não se “deixando acomodar pelo erro do TJUE”, analise, “com atenção, o que dispõe efectivamente a nossa legislação, mais concretamente, o citado artigo 23.º do CIVA, e conclua se efectivamente o mesmo constitui, ou não, uma transposição ipsis verbis do artigo 173.º da Directiva do IVA”.

Vejamos.

A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).

Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.

Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.

A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.

E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.

Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.

E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.

Sucede que a Recorrida põe em causa a aplicabilidade desta jurisprudência do TJUE ao caso dos autos, arguindo que o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA “não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA)”.

Mas sem razão que lhe assista.

Vejamos as disposições legais em causa:

O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação (nosso sublinhado).

E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:

(…)

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.

Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão)”.

Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - parágrafos 25 e 26.

Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços»”.

E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.

Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Aquilo que importa, portanto, é que “sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”.

Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista. Assim, e porque este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.


- Decisão -

9 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.

Custas pela Recorrida, que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atendendo ao carácter parcialmente remissivo da presente decisão, o que a torna de “complexidade inferior à comum”.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 4 de Março de 2020. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (Vencido) - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo Lopes Courinha.

***

Vencido.

Entendo que entre a decisão (arbitral) recorrida e o acórdão fundamento as situações de facto subjacentes não são idênticas, sem prejuízo dos pontos de contacto identificados neste aresto (« (…) estamos perante Sujeitos Passivos que são instituições de crédito e que exercem, entre outras, actividades de leasing (locação financeira) e de concessão de crédito ao consumo.
Nos exercícios fiscais sob análise em cada um dos processos, ambos os Sujeitos Passivos estavam enquadrados no regime normal mensal de IVA enquanto sujeitos passivos mistos, ou seja, enquanto sujeitos passivos que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.
Nos dois casos, ambos os Sujeitos Passivos corrigiram os valores deduzidos a título provisório ao longo do exercício fiscal por força da aplicação de um pro rata definitivo, que foi determinado para o respectivo ano ao abrigo das instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30/01/2009. Com esta operação, ambos os Sujeitos Passivos apuraram um montante efectivo de imposto a deduzir inferior ao que foi apurado por recurso ao pro rata provisório. »).
Na verdade, diferentemente, sem paralelo na primeira, o acórdão (fundamento) do STA laborou, além do mais, sobre a seguinte factualidade, que considero relevante: «

(…).

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

(…).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

(…).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).»

Assim, com relevância, na minha perspetiva, no acórdão fundamento, a mais, em sede factual, foi considerado que, no ano de 2010, a impugnante, além do método de afetação real (que na decisão arbitral não é referenciado), utilizou um pro rata específico, onde incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros, os valores pagos, pelos locatários, correspondentes ao capital em dívida, nos contratos resolvidos por perda total do bem, bem como, nos resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, em que a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, emitindo a correspondente fatura.

Por fim, de forma que julgo determinante, a solução inscrita, no acórdão fundamento, segundo a formulação deste aresto (« (…) entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”). »), decorre, objetiva e consequentemente, da circunstância de, na sentença visada por ele, ter sido julgado não provado que os custos, suportados pela, aí, impugnante, em relação aos quais esta não conseguiu determinar a que operações respeitavam, dissessem respeito à disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação. E para melhor se perceber este apontamento, não podemos olvidar que a sentença confirmada pelo acórdão fundamento, foi proferida em cumprimento do determinado em anterior acórdão do STA (datado de 3 de junho de 2015 – proc. 970/13-30): «…, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.»

Nesta conformidade, porque os pressupostos de facto, versados nas duas decisões em apreço, não incorporam a substancial semelhança exigida para se afirmar verificada a oposição entre elas, julgaria findo este recurso, para uniformização de jurisprudência.

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[ Elaborei em computador e revi ]
Lisboa, 4 de março de 2020
Aníbal Augusto Ruivo Ferraz