Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01811/20.6BEBRG
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28568
Nº do Documento:SA22021112401811/20
Data de Entrada:11/12/2021
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:DIRECTOR DO INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL DE BRAGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, Lda., Recorrente nos autos à margem referenciados, notificada do douto acórdão proferido que julgou improcedente o recurso apresentado, e porque com o mesmo não se conforma, pelo presente vem interpor recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando nos termos do disposto nos artigos 283.º e 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário pelo que apresenta as respetivas alegações e conclusões de recurso.

Concluiu, nos seguintes termos:
1 - Foi a Recorrente notificado do acórdão proferido, nos termos do qual foi julgado improcedente o recurso apresentado.
2 - Sendo que, não se conformando com tal decisão, o Recorrente apresenta recurso nos termos do disposto nos artigos 283.º e 285.º do CPPT.
3 - Porquanto, o acórdão proferido revela-se manifestamente violador do disposto no artigo 266.º da CRP, o que se crê será reconhecido e declarado por este Venerando Tribunal.
4 - O Recorrente apresentou reclamação pugnando pela ilegalidade da penhora do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, sob o n.º 750, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201100149705 e aps.
5 - Pois que, em julho de 2019 a Recorrente requereu junto do Instituto de Segurança Social o pagamento prestacional da dívida vencida.
6 - Sendo que, tal pedido foi deferido e ainda foi esclarecido que “(…) a suspensão do processo de execução fiscal (e, consequentemente, a não realização de penhoras) apenas se ocorrerá com a confirmação do pagamento da 1.ª prestação do acordo ora autorizado (…)”.
7 - Pelo que, e nos termos da decisão - vinculativa - proferida pelo Instituto de Segurança Social, com o pagamento da primeira prestação ocorreu a suspensão da tramitação executiva dos processos de cobrança.
8 - Pelo que, não se alcança o fundamento com que o Tribunal a quo conclui que “(…) a Recorrente tinha forçosamente de conhecer essa obrigação - de prestação de garantia - pois esta consta do formulário que ela própria preencheu para efetuar o pedido de pagamento em prestações (…)”.
9 - O próprio Tribunal a quo reconheceu expressamente que “(…) é certo que o IGFSS informou a Reclamante que «a suspensão do processo de execução fiscal (e, consequentemente, a não realização de penhoras) apenas ocorrerá com a confirmação do pagamento da 1.ª prestação do acordo autorizado», mas, como dissemos, tal não tem a virtualidade de suspender a execução fora dos quadros legais (o que constituiria uma violação do princípio da legalidade e colocaria em causa o indisponível crédito tributário) (…)”.
10 - Sucede que, tal alegada obrigação nunca lhe foi comunicada pela Recorrida – nem tal facto resulta da matéria assente.
11 - Em momento algum, foi a Recorrente notificada - através de notificação dirigida à sua sede e por este recebida - quanto à necessidade de prestar garantia com vista à suspensão da tramitação executiva.
12 - Pelo contrário, resulta demonstrado nos autos que a Administração informou o Recorrente que tal suspensão ocorreria com o pagamento da primeira prestação.
13 - Tal comunicação consubstancia um verdadeiro ato administrativo, no seu conceito amplo, enquadrável no regime previsto nos artigos 152.º e 153.º do CPA.
14 - Ou seja, a decisão proferida pela Administração que precedeu o ato de penhora, é um ato administrativo que se enquadra no processo administrativo tributário.
15 - Pelo que, contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal a quo, está o mesmo sujeito ao regime da ilegalidade dos atos tributários por manifesta violação do preceituado na Constituição da República Portuguesa.
16 -Na verdade, nos termos artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa que “(…) a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. (…) Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (…)”.
17 - In casu, resultou demonstrado que a Administração proferiu decisão no sentido de determinar que a suspensão da tramitação executiva não dependia da prestação de garantia - o que é enquadrável na previsão do artigo 208.º, n.º 2 do Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social.
18 - Pelo que, atenta a decisão proferida pela Administração - que dispensava a prestação de garantia com vista à suspensão da tramitação executiva - o ato subsequente de penhora é manifestamente ilegal por contrário à decisão anteriormente proferida e, mais gravemente, é violador do disposto no artigo 266.º da CRP.
19 - Com efeito, e contrariamente ao entendimento preconizado pelo Tribunal a quo, está na disponibilidade do Serviço - do Chefe de Secção - a dispensa de prestação de garantia (vide artigo 52.º, n.º 5 da LGT).
20 -Desta forma, o ato de penhora realizado é igualmente violador do princípio basilar do procedimento tributário.
21 - Atento o supra exposto, ao julgar improcedente o recurso apresentado o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 55.º da LGT e o disposto no artigo 266.º da CRP.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis impõe-se a revogação da decisão proferida e a substituição por acórdão que determine a procedência da reclamação apresentada por ilegalidade da penhora realizada.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, pelo que, há, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não se encontra no âmbito deste tipo de recurso o conhecimento de questões de constitucionalidade, bem como não é permitido o conhecimento de questões de facto, cfr. n.ºs. 3 e 4.
A questão que a recorrente coloca, saber se o acto que lhe deferiu o pagamento em prestações a eximiria de prestar garantia idónea de modo a suspender a tramitação do processo executivo, encontra-se intimamente ligado com a matéria de facto que se julgou provada, ou seja, a decisão recorrida para decidir nos termos em que o fez louvou-se na matéria de facto que as instâncias consideraram provada e de onde resultava a necessidade de a recorrente acompanhar o pagamento em prestações mediante a prestação de garantia idónea afctos G) e H).
Ou seja, a questão que vem colocada reduz-se à singularidade do caso concreto, não assumindo uma relevância jurídica ou social que se revista de importância fundamental, sendo certo, que também não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer erro manifesto na decisão que foi proferida que imponha a admissão do recurso.
Assim, o recurso não pode ser admitido, por não se mostrarem reunidos os critérios legais para a sua admissão.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso excepcional de revista.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 24 de Novembro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.