Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01862/16.5BEPRT 01319/17
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PENA DE ADMOESTAÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:O artigo 51º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infracções tributárias ex vi do artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e não se encontra legalmente excluída a possibilidade da sua aplicação a contra-ordenações que o RGIT classifica como graves ou a infracções que, por natureza, representam um grave incumprimento de deveres legais e denotam um comportamento censurável, como é o caso do retardamento da entrega do montante do IVA exigível.
Nº Convencional:JSTA000P26026
Nº do Documento:SA22020060301862/16
Data de Entrada:11/22/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – A Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, em 28 de Julho de 2017, revogou a decisão de aplicação da coima no montante de €31.971,77 e aplicou à arguida A……., S.A., com os sinais dos autos, como sanção pela contra-ordenação que lhe foi imputada, a admoestação, veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado pela arguida, e, em consequência, revogou a decisão recorrida que aplicou a coima no montante de €31.971,77, aplicando, por sua vez, à recorrente, como sanção da contra-ordenação que lhe foi imputada, uma admoestação, o qual se circunscreve à questão de direito do pressuposto do reduzido grau de ilicitude para proferir a admoestação, tal qual foi considerado pelo douto Tribunal a quo.
B. Decidiu a douta sentença, pela substituição da coima administrativa fixada no montante de €31.971,77, pela pena de admoestação nos termos do art. 51º do RGCO.
C. Foi praticada pela arguida, uma contra-ordenação grave que lhe foi imputada na forma negligente, conforme consta dos factos n.º 6 e 7, dados como provados na douta sentença, cominada nos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, ambos do RGIT, face à classificação que se encontra no art. 23.º do RGIT.
D. O montante do imposto em função do qual o tipo legal da contra-ordenação p.p. no artigo 114.º números 2 e 5 do RGIT fixa os limites da coima aplicável – é de € 106.572,57 (cfr. os n.ºs 6 e 7 do probatório), sendo, pois, os limites mínimo e máximo da coima aplicável, ex vi do disposto nos artigos 114.º números 2 e 5, alínea a) e 26.º números 4 do RGIT, de € 31.971,77 (15% do imposto em falta) e de € 45.000,00 (limite máximo da coima abstractamente aplicável – cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º do RGIT, em conjugação com o n.º 2 do seu artigo 114.º), respectivamente.
E. Quanto ao regime da pena de admoestação, previsto no art. 51º do RGCO, aplicável subsidiariamente, por força do art. 3º, alínea b) do RGIT, é entendimento unânime na jurisprudência, que a lei faz depender a sua aplicação de determinadas condições, que não se verificam nos presentes autos e a que não se pode deixar de atender, concretamente, no que ao presente caso concerne, o reduzido grau de ilicitude.
F. A infracção cometida não se revela, objectivamente, de reduzida gravidade, face à classificação estabelecida no art. 23.º do RGIT, pelo que a admoestação não é legalmente possível.
G. Entendeu a douta sentença a quo, que estariam reunidos os pressupostos para aplicação do disposto no art. 51.º do RGCO, pelo que substituiu a decisão administrativa fixada, pela pena de admoestação.
H. Considera a Fazenda Pública, que a decisão a quo padece de erro de direito, por violação do disposto no art. 51.º do RGCO, ex vi art. 3.º, alínea b) do RGIT, em conjugação com o disposto nos artigos 23.º, 26.º e 114.º, todos do RGIT, dado estar em causa uma contra-ordenação grave, pelo que a pena de admoestação não logra a satisfação das necessidades de prevenção, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas legais aplicáveis
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença, com as legais consequências».


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer, de extensa fundamentação (v. teor integral a fls. 269 a 278 SITAF), no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. O Serviço de Finanças de Matosinhos 2 instaurou o processo de redução de coima n.º 3514201560000058240 em nome de A………., S.A. por pagamento do imposto fora de prazo – cfr. fls. 55 dos autos.
2. A Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu em 7.09.2015 para o ViaCTT a A………, S.A. “notificação para pagamento de coima com redução” para pagamento do montante de €2.664,31 - cfr. verso de fls. 56 dos autos.
3. A notificação a que se alude em 2. foi entregue na caixa postal electrónica da Recorrente em 7.09.2015 – cfr. verso de fls. 56 dos autos.
4. Em 23.10.2015, A……., S.A efectuou o pagamento do montante de €2.664,31 – cfr. fls. 57 dos autos.
5. Em 22.10.2015, o Serviço de Finanças de Matosinhos 2 levantou o auto de notícia n.º 351420150600000347762 em nome de A…….., S.A. – cfr. fls. 51 dos autos.
6. A Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu a A………., S.A. “notificação para apresentação de defesa” de onde decorre o seguinte: “(…) Montante da coima: Mínimo: €31.971,77 Máximo: €45.000,00 (…)” – cfr. fls. 52 dos autos.
7. Pelo Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 2, foi proferida em 11.03.2016 decisão nos seguintes termos:

melhorado de forma sensível).
[…] “
– cfr. fls. 45 dos autos.

8. O Serviço de Finanças de Matosinhos 2 remeteu à A…….., S.A notificação da decisão descrita em 7. – cfr. fls. 80 dos autos.
9. A notificação a que se alude em 8. foi recepcionada em 12.04.2016 – cfr. fls. 80 dos autos.


2. Do Direito

Está em causa, nos presentes autos, a decisão judicial que revogou a decisão de aplicação de coima no montante de €31.971,77 (infracções do disposto nos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 alínea a), do CIVA, punidas pelo artigo 114.º n.º 2 e n.º 5 alínea a) do RGIT) e a substituiu por uma admoestação, prevista no artigo 51.º do RGCO.

A questão jurídica que vem suscitada no âmbito do presente recurso é a de saber, em suma, se aquela decisão judicial enferma ou não de erro de julgamento, atenta a classificação das contra-ordenações prevista no artigo 23.º do RGIT. Em outras palavras, saber se o requisito de “reduzida gravidade”, que é pressuposto da admoestação (artigo 51.º, n.º 1 do RGIT), se deve ou não identificar com a categoria de “contra-ordenações simples”, prevista no n.º 2 do artigo 23.º do RGIT, i. e., com as contra-ordenações puníveis com coima cujo limite máximo não exceda €15.000.

Ora, a questão suscitada no âmbito do presente recurso foi já, por diversas vezes, tratada na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, em sentido que aqui iremos reiterar, remetendo, por todos, para o acórdão de 19 de Junho de 2019 (processo 02584/15) e para a jurisprudência aí referida. Transcrevemos algumas passagens relevantes dessa decisão, que servem de fundamento para a decisão que aqui se adopta: «[…] o n.º 1 do art. 51.º do RGCO, artigo que prevê a admoestação, não restringe a respectiva aplicação às contra-ordenações leves nem a veda relativamente às contra-ordenações graves; diz, isso sim, que “[q]uando a reduzida gravidade da infracção [...] o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação” [...] a nosso ver, o facto de uma contra-ordenação ser classificada como grave à luz do critério estabelecido pelo n.º 3 do art.º 23. do RGIT - com o único efeito de possibilitar a aplicação de sanções acessórias - não implica necessariamente que, nos casos em que não é aplicada sanção acessória, fique arredada a possibilidade de ser sancionada com uma admoestação, que essa possibilidade fique “desde logo, legalmente excluída” [...] Por outro lado, se relativamente à dispensa da coima, prevista no art. 32.º do RGIT, o legislador não restringiu a possibilidade às contra-ordenações classificadas como leves nos termos do art. 23.º do mesmo Regime (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.ª edição, anotação 4 ao art. 32.º, pág. 321, que afirmam: «a não exigência também de diminuta ilicitude permite concluir que o campo de aplicação da norma não se limita às contra-ordenações de reduzida gravidade».), mal se compreenderia que tivesse estabelecido essa restrição relativamente à admoestação, que constitui ainda uma sanção (e não dispensa dela).

Acresce que o critério do art. 23.º do RGIT, exclusivamente determinado em função do montante da coima, não se nos afigura ajustado quando erigido em único critério para medir a antijuricidade do comportamento e, assim, aferir da "gravidade da infracção" prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO[...]».

Assim, pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Sem custas [nos termos dos artigos 94.º, n.º 3 e 4 do RGCO e artigo 66.º do RGIT].

Lisboa, 3 de Junho de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (com declaração de voto) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.


***

Concordo com os fundamentos e voto a decisão de negar provimento a este recurso jurisdicional, porque a recorrente, apenas, colocou ênfase na tese de estar em causa contraordenação grave, dando a entender que a pena de admoestação só será aplicável a contraordenações simples, presente a classificação/definição positivada no art. 23.º do RGIT.

*

[Elaborei em computador e revi]

Lisboa, 3 de junho de 2020

Aníbal Ferraz