Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0529/11.5BEPRT 01455/17
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:OPOSIÇÃO
INCOMPETÊNCIA
CÂMARA MUNICIPAL
INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I – O processo de execução fiscal é o meio processual adequado para a cobrança coerciva da dívida exequenda sob exame relacionada com as despesas realizadas pela autarquia local com a demolição de imóvel, como medida de tutela da legalidade urbanística, constituindo o título executivo a certidão comprovativa das despesas, passada pelos serviços camarários competentes (art.108º n°2 RJUE aprovado pelo DL n° 555/89,16 Dezembro).
II - Mas ocorre a incompetência da autarquia local para a instauração do processo de execução fiscal pois são os serviços da administração tributária que têm competência genérica para a instauração dos processos de execução fiscal (art.10º, n°1 al. f) CPPT) competindo aos respectivos órgãos executivos a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributaria (art.56° n°3 Lei das Finanças Locais - Lei n° 2/2007,15 Janeiro vigente na data da instauração da execução).
III - A exclusão da competência das autarquias locais para cobrança coerciva de dívidas de natureza não tributária já estava prevenida no regime das anteriores leis das finanças locais e mantém-se na actual regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais (art.17° n°5 da Lei n° 1/79, de 2 Janeiro; art.22° nº 5 da Lei nº 1/87, de 2 Janeiro; art.30° n°4 da Lei nº 42/98,de 6 Agosto e art. 15º al. c) da Lei n° 73/2013 de 3 Setembro).
IV- Não obstante, a atribuição às autarquias locais das competências conferidas aos órgãos periféricos locais para a cobrança coerciva de dívidas tributárias apenas abrange os tributos administrados por aquelas autarquias (art.7° DL n° 433/99, de 26 Outubro, diploma que aprovou do CPPT).
V – O art.115º do CPA aprovado pelo Decreto-Lei n° 442/91,de 15 Novembro, disposição de carácter geral, já apontava no sentido da competência dos serviços da administração tributária para a instauração das execuções fiscais para a cobrança coerciva de quantias pecuniárias (sem natureza tributária) devidas a pessoas colectivas públicas por força de um acto administrativo.
VI - Na situação relatada nos pontos antecedentes e como expressão processual, verifica-se a ilegitimidade activa do órgão executivo autárquico como exequente, excepção dilatória cuja procedência determina a absolvição dos executados da instância (arts.30°,576°, n°2 e 577° al. e) do CPC ex vi do artº.2° al. e) do CPPT).
VII - Vindo a recorrente invocar agora as normas que, segundo ela, padeceriam de inconstitucionalidade, mas fazendo apenas um juízo genérico de inconformidade das normas aplicadas na sentença recorrida interpretadas do modo e sentido antes expostos com normas constitucionais, sem melhor substanciar a respectiva violação dos princípios, significa que a recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal, as amparadas violações dos ditos princípios constitucionais e legais, sendo que nem este Tribunal conseguiria, se o pretendesse fazer ex officio, conhecer de tais vícios uma vez que os mesmos não resultam imediatamente apreensíveis face aos argumentos esgrimidos pela apelante e o que foi decidido na sentença. Dito de outro modo: a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos princípios constitucionais e legais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas.
Nº Convencional:JSTA000P26337
Nº do Documento:SA2202009160529/11
Data de Entrada:12/20/2017
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, visando a revogação da sentença do Tribunal Tributário do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por A…………, B………… e C…………….., m.ids. nos autos, no processo de execução fiscal n° 465/10 instaurado para cobrança coerciva de dívida referente ao custo dos trabalhos de demolição com remoção de escombros do prédio sito na Rua …………, n.º ………….., da freguesia …………., concelho de Vila Nova de Gaia e acrescidos, no montante global de €56.791,42.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente FAZENDA PÚBLICA seguintes conclusões:

“1ª - Com o devido respeito, entende o recorrente que a douta sentença ao decidir como decidiu errou no seu julgamento, violando o disposto nos artigos 149º e 152º do CPPT, conjugados com o artigo 7° do D.L. 433/99, de 26 de Outubro, o nº 3 do artigo 15º também do CPPT, o nº 3 do artigo 1°, o nO 1 do artigo 18° e o artigo 61º da Lei Geral Tributária, o artigo 108° do D.L. 555/99, de 16 de Dezembro, o artigo 155° do CPA, ao alínea a) do nº 1 do artigo 35° da Lei 75/2013, de 12 de Setembro, bem como entende haver inconstitucionalidade nesta interpretação por violação do disposto nos artigos 6°, nO 1, 237º, nº 2, 29º e 240º da Constituição da República Portuguesa.
2ª - Elucide-se que na base do título executivo está um procedimento de vistoria que culminou com a execução coerciva de ordem de demolição e que não tendo os oponentes procedido ao pagamento das respectivas despesas realizadas foi, nos termos do artigo 108º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), emitida certidão de dívida e instaurado processo de execução fiscal.
3ª - O artigo 108° não regula o modo como se processa o processo de cobrança, nem, parece-nos, tal faria sentido, pois afigura-se-nos que, aliás, como noutras situações idênticas, é suficiente que se determine que a cobrança é efectuada por execução fiscal e depois só basta socorrer-nos das normas do processo de execução fiscal para sabermos como o mesmo se deverá processar, normas essas constantes do CPPT, como bem entende o tribunal a quo.
4ª - Não é questão em litígio e a sentença não põe em causa, que a dívida em apreço é uma dívida ao Município e que é cobrada através do processo de execução fiscal.
5ª - As normas aplicáveis à execução fiscal estão previstas no Título IV do CPPT, artigos 148 e seguintes e a competência para a execução fiscal está estipulada na Secção II que abrange os artigos 149°, 150º e 151º do CPPT.
6ª - Nos termos do artigo 149º do CPPT e artigo 10º, nº 1, alínea f) do CPPT compete aos serviços da administração tributária instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no nº1 do artigo 151º, nada dizendo relativamente às autarquias locais.
7ª - Contudo o artigo 7° do D.L. 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou o CPPT, diz-nos que as competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respectiva autarquia e o nº 3 do artigo 1º da Lei Geral Tributária também estipula que as autarquias locais integram a administração tributária.
8ª - Deste modo, ao aplicarmos o artigo 1490 aos tributos administrados pelas autarquias em conjugação com este artigo 7° do D.L. 433/99, só podemos concluir que se considera órgão de execução fiscal a autarquia local onde deva legalmente correr a execução, apenas na sua redacção, temos de substituir o "serviço periférico local da administração tributária" pela autarquia local.
9ª -E, por isso, os Serviços Municipais da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia são competentes para instaurar e fazer prosseguir contra os oponentes a execução fiscal em causa.
10ª - A douta sentença ao não ter assim entendido violou o disposto no artigo 149º do CPPT, conjugado com o artigo 7º do D.L. 433/99, de 26 de Outubro e o nº 3 do artigo 10 da Lei Geral Tributária.
11ª - Estabelecendo o artigo 108º do RJUE a cobrança coerciva das despesas realizadas com a execução coerciva em processo de execução fiscal, então as autarquias locais podem recorrer ao processo de execução fiscal previsto no CPPT para cobrarem coerciva mente dívidas que não provenham apenas das receitas tributárias a que têm direito.
12ª - Os artigos nº 3 do artigo 56° da lei das Finanças Locais e do artigo 70 do D.L. 433/99, na interpretação dada na sentença apenas fundamenta a utilização do meio processual execução fiscal e não a competência, pelo que a utilização de tais normativos não serve de fundamento ao decidido: incompetência dos serviços municipais da CMVNG, pelo que o tribunal ao utilizar estes fundamentos também errou no seu julgamento de direito.
13ª - Analisando bem as questões, o artigo 155º do CPA é inaplicável ao presente caso, porquanto mais do que atribuir competência para a tramitação da execução fiscal legitima a cobrança de créditos mediante o processo de execução fiscal e no presente caso, essa legitimação não se funda no artigo 155° do CPA mas sim no artigo 108º do RJUE.
14ª - Por outro lado, a dívida em causa não foi fixada por acto administrativo, mas pela própria lei, pois é o referido artigo 108° nº 1 que determina que as quantias relativas às despesas realizadas com a execução coerciva são da conta do infractor, pelo que, a decisão sob recurso ao decidir, como decidiu, também violou o disposto no artigo 155º do CPA.
15ª - A questão da competência para tramitar o processo de execução fiscal, a existir, é um vício da própria execução e, como tal, deve ser suscitada no próprio processo de execução e não na oposição à execução, como estipula o artigo 61° da Lei Geral Tributária a incompetência deve ser conhecida oficiosamente pelos serviços da administração tributária ou pode ser arguida pelos interessados.
16ª - Deste modo, esta questão devia ter sido arguida no processo de execução fiscal e não na presente oposição à execução, pelo que o Tribunal não é competente para a apreciar, ao ter efectuado tal apreciação violou o disposto no artigo 61º da LGT.
17ª - Considerando o disposto no artigo 152° do CPPT, conjugado com o artigo 7º do D.L. 433/99 e na alínea a) do nº 1 do artigo 35° da Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, tratando-se de execução fiscal de uma dívida ao Município quem tem competência para o representar em juízo e defender os seus interesses é o Presidente da Câmara Municipal, pelo que, independentemente do serviço por onde tramita a execução fiscal é o Presidente da Câmara Municipal que é parte legítima na execução fiscal.
18ª - Na verdade a legitimidade há-de-se aferir pela qualidade de credor tributário, como estipula o nº 3 do artigo 15º do CPPT e sendo o crédito em causa uma dívida ao Município, questão que nunca foi posta em causa - o credor tributário é o Município, sendo a sua liquidação e cobrança da responsabilidade municipal.
19ª - Sendo certo que o nº 1 do artigo 18° da Lei Geral Tributária estipula que o sujeito activo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente quer através de representante, in casu é o Município que tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação
20ª - E que não existe norma legal expressa que atribua à Autoridade Tributária competência para a representação processual dos órgãos executivos municipais.
21ª - Deste modo, a sentença sob recurso ao decidir pela ilegitimidade activa do Presidente da Câmara Municipal violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 35º da Lei nº 75/2013 e o nº3 do artigo 15° do CPPT e o nº 1 do artigo 18º da Lei Geral Tributária, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que considere que o Presidente da Câmara é parte legítima no presente processo.
22ª - Com fundamento nos argumentos constantes do Acórdão nº 553/1994 do Tribunal Constitucional que reproduzimos, muito embora se refiram, à data, às taxas municipais, os mesmos também se aplicam às dividas não tributárias dos Municípios, suscitamos, desde já, para os devidos efeitos a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação dada pela sentença sob recurso aos normativos legais invocados, nomeadamente das normas conjugadas dos artigos 149° e 152º do CPPT e artigo 7° do D.L. 433/99, de 26 de Outubro bem como do artigo 155º do Código de Procedimento Administrativo, por violação dos artigos 6º, nº 1, 237º, nº 2, 29º e 240º da Constituição.
23ª - Assim, a sentença sob recurso, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 149º e 152° do CPPT, conjugados com o artigo 7º do D.L. 433/99, de 26 de Outubro, o nº 3 do artigo 15° também do CPPT, o nº 3 do artigo 1º, o nº 1 do artigo 18º e o artigo 61º da Lei Geral Tributária, o artigo 108° do D.L. 555/99, de 16 de Dezembro, o artigo 155º do CPA, ao alínea a) do nº 1 do artigo 35º da Lei 75/2013, de 12 de Setembro, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que considere haver legitimidade activa e conclua pela improcedência da oposição à execução fiscal ou seja revogada por aplicação inconstitucional dos artigos 149º e 152° do CPPT em conjugação com o artigo 7° do D.L. 433/99, de 26 de Outubro por violação dos artigos 6º, nº 1, 237º, nº 2, 29º e 240° da Constituição.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença por violar os comandos legais atrás invocados, com as legais consequências, como é de JUSTIÇA.”

Foram formuladas contra-alegações em concluídas assim pelos recorridos:


Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento por, em substância, se lhe afigurar que para a utilização, pela CM recorrente, do processo de execução fiscal como meio processual adequado à cobrança coerciva da dívida exequenda sob análise, carecer de competência da autarquia local para a instauração do processo de execução fiscal, o que tem como expressão processual, a ilegitimidade activa do órgão executivo autárquico como exequente, excepção dilatória cuja procedência determina a absolvição dos executados da instância (arts.30°,576° n°2 e 577° al. e) CPC vigente/art.2° al. e) CPPT).

Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. – Fundamentação

2.1.- Dos Factos

Na decisão recorrida e de acordo com os elementos existentes nos autos considerou-se ser a seguinte a factualidade assente:
1. Em 30/01/2003, A………….. solicitou ao Sr. Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia a realização de vistoria ao imóvel sito na Rua ……….., n.º ……………, da freguesia …………….., do concelho de Vila Nova de Gaia, atento o estado de deterioração do prédio – Cfr. fls. 2 do processo administrativo apenso.
2. Em 05/03/2003, funcionários municipais da secção de vistorias administrativas da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia elaboraram informação de onde consta, além do mais, o seguinte:
«Trata-se de um prédio urbano, localizados à face das Rua ………., com os n.ºs ……….. e rua ……………, da freguesia …………., propriedade de A…………. e outros, (…), que esteve presente no acto da vistoria.
(…)
Face ao exposto e atendendo a que existe perigo para a segurança de pessoas e bens, dado que o prédio se localiza à face de dois arruamentos, os peritos são de parecer que para o prédio em questão, deverá notificar-se o proprietário a dar cumprimento ao abaixo mencionado: - Deverá no prazo máximo de 30 dias, proceder à demolição total do prédio em questão, no que se refere à cobertura e paredes interiores e exteriores, incluindo remoção de escombros para vazadouro público da responsabilidade do requerido, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 89.º do Dec. Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações constantes no Dec. Lei n.º 177/01 de 04 de Junho.» – cfr. fls. 6-8 do processo administrativo apenso aos autos.
3. Por ofícios remetidos sob correio registado com avisos de receção assinados em 29/05/2003 e 30/05/2003, foram notificados nos termos referidos em 2), A…………., C…………. e B…………… – cfr. fls. 9-19 do processo administrativo apenso aos autos.
4. Com data de 18/05/2005, o Sr. Vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia proferiu despacho com o seguinte teor:
«Com referência ao processo 74/03V.P., que corre os seus termos no Sector de Vistorias Administrativas, foi, por despacho de 09 de Julho de 2003, do Exmo. Senhor Vereador do Pelouro da Fiscalização, ordenado aos proprietários, A………., C…………, e B…………., para proceder, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 3, do Derecto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, no prazo de 30 dias, á demolição total do prédio em questão, no que se refere à cobertura paredes interiores e exteriores, incluindo remoção de escombros para vazadouro público do imóvel sito na Rua ……….. n.º ……….., da freguesia ………….., deste Concelho.
Apesar de devidamente notificados, os proprietários não cumpriram com o que lhes foi ordenado no prazo que foi fixado para o efeito.
Assim, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 91.º e 107.º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia tomará posse administrativa do citado imóvel a partir do próximo dia 31 de Maio de 2005, pelas 9:30 horas, e pelo período necessário ao cumprimento do ordenado, com custas a cargo dos requeridos» – cfr. fls. 97 do processo administrativo apenso aos autos.
5. Em 18/05/2005, o Sr. Vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia emitiu mandado para tomada de posse administrativa e demolição do imóvel referido em 1) – cfr. fls. 109 do processo administrativo apenso aos autos.
6. Por ofícios de 19/05/2005, remetidos pela Secção de Vistorias Administrativas da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, sob correio registado com avisos de receção assinados em 23/05/2005 e 27/05/2005, foram os Oponentes A………. e B………….., notificados nos seguintes termos:
«Informa-se V. Ex.ª que, por despacho do Exmo. Senhor Vereador deste Pelouro, datado de 2005/05/18, cuja cópia se junta, foi determinada a posse administrativa do imóvel em referência, com início em 31 de Março de 2005, do corrente ano, para a demolição total do prédio no que se refere à cobertura e paredes interiores e exteriores, incluindo a remoção de escombros para vazadouro público.
Mais se informa V. Exa.ª que, nos termos do art. 108.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, ser-lhe-ão posteriormente debitadas as quantias despendidas com os referidos trabalhos, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que tenhamos que suportar para o efeito.» – cfr. fls. 98-108 do processo administrativo apenso aos autos.
7. Em 31/05/2005, foi dado cumprimento ao mandado referido em 5) – cfr. fls. 111 do processo administrativo apenso aos autos.
8. Os trabalhos de demolição e remoção de escombros, efetuados pela empresa D…………., Lda., foram concluídos em 23/06/2005 – cfr. fls. 129 do processo administrativo apenso aos autos.
9. Com data de 30/06/2005, a empresa D…………., Lda. emitiu a fatura n.º 2511, dirigida ao Município de Vila Nova de Gaia, referente aos trabalhos referidos em 8), no valor total de € 41.531,00 – cfr. fls. 62-1a do processo de execução apenso aos autos.
10. Por ofícios de 23/09/2005, remetidos sob correio registado, com avisos de receção assinados, foram os Oponentes A……….., C……….. e B…………., notificados para, no prazo de 20 dias, procederem ao pagamento voluntário das despesas referentes aos trabalhos executados, no montante de € 41.531,00, sob pena de em caso de incumprimento a referida quantia ser cobrada judicialmente em processo de execução fiscal, conforme dispõe o n.º 2 do art.º 108.º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei 177/01, de 04 de Junho – cfr. fls. 133-135 do processo administrativo apenso aos autos.
11. Com data de 21/02/2006, a empresa D………….., Lda. emitiu declaração em que refere que recebeu do Município de Vila Nova de Gaia a quantia de € 20.765,50, referente a 50% do valor da fatura referida em 9) – cfr. fls. 62-6a do processo de execução apenso aos autos.
12. Com data de 13/04/2006, a empresa D…………., Lda. emitiu recibo pela quantia de € 20.765,50, referente ao recebimento do valor remanescente da fatura referida em 9) – cfr. fls. 63-10a do processo de execução apenso aos autos.

13. Porque os Oponentes não pagaram o valor referido em 10) no prazo que lhes foi fixado, responsáveis da Direção Municipal de Administração e Finanças do Município de Vila Nova de Gaia extraíram, em 16/09/2010, em nome daqueles, a correspondente certidão de dívida, com base na qual a Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia instauro, contra os mesmos, o processo de execução fiscal n.º 465/2010 - cfr. fls. 158 do processo administrativo apenso aos autos e informação do mesmo constante.
14. Por ofícios datados de 21/09/2010, remetidos sob correio registado com aviso de receção assinado em 13/10/2010, foram os Oponentes citados no processo de execução fiscal referido em 13), pela quantia exequenda de € 41.531,00, acrescida de € 14.951,16, a título de juros de mora e de € 309,26, referentes a custas do processo - cfr. fls. 51-57 dos autos.
15. Sob correio registado de 25/10/2010, os Oponentes remeteram a petição inicial da presente oposição à Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia - Cfr. fls. que antecede a p.i. nos autos.
Mais se provou que:
16. Pela Ap. 1, de 04/01/1988, foi inscrita a aquisição do prédio urbano descrito sob o n.º 181/19850521 na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, situado na Rua ……………, n.ºs ……….., freguesia …………, por partilha de herança, a favor de:




– cfr. o documento 2 junto com a petição inicial.
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Com interesse para a decisão a proferir, não existem outros factos, alegados ou resultantes da instrução da causa, a dar como provados ou não provados para além dos supra elencados.
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A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo apenso, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados, não tendo sido particularmente valorados os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos Oponentes, uma vez que estas se limitaram a corroborar a factualidade já assente por tais documentos, nada de relevante tendo acrescentado quanto ao seu contexto que merecesse ser vertido no probatório.
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2.2.- Fundamentação jurídica

A recorrente CM Vila Nova de Gaia subleva-se contra a sentença do TT do Porto que, com fundamento na falta de competência da CM para a instauração do processo de execução fiscal para a cobrança coerciva de dívida resultante de despesas com obras de demolição de imóvel objecto de posse administrativa, geradora da ilegitimidade activa daquela, julgou a presente oposição procedente e, em consequência, determino a absolvição dos Oponentes da instância executiva, assacando-lhe erro de julgamento de direito porque fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis aos factos.
Na verdade, os oponentes e ora recorridos para reagirem contra a cobrança coerciva de dívida relativa ao custo dos trabalhos de demolição coerciva com remoção de escombros do prédio sito na Rua Soares dos Reis, n.º 402-412, da freguesia de Mafamude, concelho de Vila Nova de Gaia e acréscimos legais, na quantia exequenda global de € 56.791,42, invocaram como principal causa de pedir a incompetência da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia para instaurar a execução por não estar em causa dívida com natureza tributária.
Na sentença foi declarada a procedência dessa causa de pedir com base no seguinte discurso fundamentador:
“(…)Ora, na situação dos autos, sendo certo que não há ato impugnado (veja-se, v.g. que não está em causa qualquer decisão de reversão), um dos vícios invocados – a incompetência da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia para instaurar a execução – é apresentado a título preliminar, sendo os demais alegados a título subsidiário, pois os Oponentes apenas os invocam, para a eventualidade de se entender que os Serviços da Câmara Municipal têm competência para proceder à cobrança coerciva da dívida exequenda.
Vamos, por isso, começar pela análise deste fundamento.
Da (in)competência dos Serviços da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia para procederem à cobrança coerciva da dívida exequenda
Alegam os Oponentes que a Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais), não atribui competência aos municípios para a cobrança coerciva de dívidas que não sejam provenientes de taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributária, pelo que os serviços da respetiva Câmara não têm competência para o efeito.
Por seu turno, sustenta a Câmara Municipal, a este respeito, que a competência para a cobrança da dívida em apreço não lhe advém da Lei das Finanças Locais mas do disposto no artigo 108.º do RJUE, conjugado com o artigo 1.º, al. c) do CPPT e que tendo a autarquia competência para instaurar execução fiscal por dívidas de natureza fiscal, por maioria de razão a tem para cobrar este tipo de dívidas, que não tendo natureza fiscal, é cobrada no processo de execução fiscal e que, de todo o modo, sempre a situação pode ser subsumida num reembolso ao Município pelo pagamento que teve de fazer por despesas que eram da responsabilidade do infrator, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 148.º do CPPT, pelo que a autarquia tem competência para a instauração da execução.
Vejamos.
Na alínea i) do artigo 204.º do CPPT, admite-se como fundamento de oposição à execução qualquer outro fundamento a provar apenas por documento e que não envolva a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda nem represente interferência em matéria da exclusiva competência.
Como salienta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado”, 6.ª Edição, 2011, vol. III, pág. 498 e seguintes (anotação 38 ao artigo 204.º), trata-se de uma disposição residual em que são enquadráveis todas as situações não abrangidas pelas outras alíneas do mesmo número, em que exista um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afeta a sua exigibilidade, tais como, entre outras, a existência de uma autorização para o pagamento em prestações, a pendência de processo contencioso ou gracioso com efeito suspensivo, os vícios do despacho que ordena a reversão da execução, ou ainda, como aqui nos interessa, a incompetência do órgão de execução fiscal, na medida em que a oposição é o meio processual previsto para o executado contestar a pretensão executiva, funcionando como uma contestação, podendo nela ser suscitadas exceções dilatórias.
Outrossim, tem a jurisprudência entendido que não obstante a oposição à execução fiscal tenha, em regra, como escopo a extinção, total ou parcial da execução fiscal, podendo ter também como finalidade a suspensão da execução [Como salienta Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, a oposição à execução fiscal terá por finalidade a mera suspensão da execução, «nos casos em que seja afectada por qualquer motivo a exigibilidade da dívida, por motivo não definitivo, mas meramente temporário», como, v.g., «nos casos em que o fundamento seja ter existido concessão de uma moratória», nos casos em que exista «obstáculo meramente temporário ao prosseguimento da execução, como a existência de um processo de falência ou de insolvência ou de recuperação de empresa (actualmente, à face do CIRE, de insolvência)», nos casos de «ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia de um acto de liquidação e, apesar disso, ser instaurada execução», ou «ter sido decidida a suspensão do processo executivo, por autoridades superiores da administração tributária, e o serviço de finanças onde corre termos o processo de execução fiscal não ter efectivado tal suspensão», tudo fundamentos enquadráveis na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT], isso não significa que não possa ter outras finalidades, designadamente, a mera absolvição da instância executiva derivada da falta de pressupostos processuais (cfr. arts. 571.º, n.ºs 1 e 2, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, do CPC), à semelhança do que sucede no processo civil, em que a oposição do executado é o meio processual adequado para a invocação de qualquer falta de pressupostos processuais (art. 729.º, alínea c), do CPC), devendo entender-se a oposição à execução fiscal como o meio processual adequado a contestar a pretensão executiva, quer o fundamento invocado seja substancial quer seja meramente formal (cfr. neste sentido, os Acórdãos do STA proferidos em 10/10/2012 e 16/12/2015, nos processos n.º 0361/14 e 0726/12, respetivamente).
Aqui chegados e assente que está que a incompetência do serviço onde corre termos a execução pode constituir fundamento de oposição à execução, nos termos do disposto na alínea i) do artigo 204.º do CPPT, resta averiguar se essa incompetência se verifica, ou não, na situação vertente.
Desde logo, e sendo certo que o CPPT é aplicável à cobrança coerciva das dívidas exigíveis em processo de execução fiscal, a verdade é que a cobrança de créditos de natureza não tributária – sejam eles dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo ou de reembolsos ou reposições - através do processo de execução fiscal depende sempre da existência de lei expressa que preveja tal forma de cobrança (cfr. o art. 1.º, al. c) e o corpo e as alíneas a) e b) do art. 148.º, n.º 2, ambos do CPPT).
Cumpre, no entanto, realçar que o n.º 2 do art. 148.º do CPPT apenas prevê essa cobrança no processo de execução fiscal nos casos e condições expressamente previstos na lei e nada mais, não constituindo uma norma de atribuição de competência a quaisquer Serviços para a instauração da execução fiscal.
Assim, com relevância para o caso dos autos, importa considerar o disposto no artigo 108.º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação (RJUE), onde se prevê que as quantias que a Administração tenha de suportar que decorram da execução coerciva de demolições para tutela da legalidade urbanística são de conta do infrator, devendo este, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, pagá-las voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, sob pena de, não o fazendo, tais quantias serem cobradas judicialmente em processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão, passada pelos serviços competentes, comprovativa das despesas efetuadas.
Resulta, pois, da norma em causa que, nesses casos, a Administração está dispensada de promover qualquer procedimento declarativo, podendo de imediato obter a satisfação do seu crédito pecuniário no âmbito do processo de execução fiscal, sendo suficiente para firmar a existência da dívida, a certidão passada pelos serviços competentes, comprovativa das despesas efetuadas.
De notar, contudo, que a norma em causa apenas estabelece a cobrança coerciva de tais quantias em processo de execução fiscal, mas já não regula os modos como este processo de cobrança se processa: se através dos Serviços de Finanças ou se através dos Serviços Municipais competentes.
Por outro lado, importa ainda notar que de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 56.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) [Vigorou entre 01/01/2007 e 31/12/2013 tendo sido revogada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro que estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais, com entrada em vigor em 01/01/2014], vigente à data da instauração da execução (cfr. o item 10) do probatório), «Compete aos órgãos executivos a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar, aplicando-se o Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as necessárias adaptações.».
Ou seja, não há dúvidas de que, de harmonia com este normativo, as autarquias locais têm competência para a instauração de processos de execução fiscal, a tramitar nos seus próprios serviços, para a cobrança da generalidade das receitas de natureza tributária.
Porém, como resulta do teor literal da norma em causa, a competência dos órgãos das autarquias locais para a instauração de execuções fiscais limita-se àquelas em que se tem em vista a cobrança de receitas de natureza tributária. Isto é, apesar de não serem claras as razões para excluir da competência das autarquias locais a competência para a instauração de execuções fiscais relativamente a dívidas de natureza não tributária, a verdade é que a norma em causa não permite outra interpretação. De resto, este era o regime igualmente previsto nas Leis das Finanças Locais anteriores (cfr. art. 17.º, n.º 5 da Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, art. 22.º, n.º 5 da Lei n.º 1/87, de 2 de janeiro e art. 390.º, n.º 4 da Lei n.º 42/98, de 6 de agosto) e, bem assim o é, no atual regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais que lhe sucedeu, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, em cujo artigo 15.º, al. c) se atribui aos municípios a «Possibilidade de cobrança coerciva de impostos e outros tributos a cuja receita tenham direito, nos termos a definir por diploma próprio».
Ademais, esta mesma conclusão é corroborada pelo art. 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, diploma que aprova o CPPT, onde o uso da expressão «tributos administrados por autarquias locais», tanto na epígrafe como no corpo do artigo (prevê-se neste artigo que «as competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respectiva autarquia.»), é demonstrativo de que as autarquias locais só podem recorrer ao processo de execução fiscal, previsto no CPPT, para cobrarem coercivamente as dívidas que provenham das receitas tributárias a que têm direito.
E, finalmente, confirmando esta conclusão, temos o artigo 155.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), então vigente, norma de caráter geral que autoriza a utilização do processo de execução fiscal relativamente às dívidas que devam ser pagas por força de ato administrativo (a que sucedeu o artigo 179.º do atual CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), onde se estabelecia, no seu n.º 2 que «Para o efeito, o órgão administrativo competente emitirá nos termos legais uma certidão, com valor de título executivo, que remeterá, juntamente com o processo administrativo, à repartição de finanças do domicílio ou sede do devedor.», o que pressupõe a competência dos serviços da Administração Tributária para a instauração das execuções fiscais de dívidas não tributárias fixadas por ato administrativo, com o consequente afastamento da competência dos serviços camarários para o efeito (cfr. neste sentido, o Cons. Jorge Lopes de Sousa, in ob. citada, vol. III, págs. 34-35, anotação 11 ao art. 148.º).
Resta, pois, concluir, da conjugação das normas supra citadas, que pese embora a dívida em causa nos autos deva ser cobrada no processo de execução fiscal, os Serviços da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia não tem competência para instaurar e fazer prosseguir tal processo, mas apenas para emitir a certidão de dívida que valerá como título executivo, sendo, para o efeito, competentes os serviços da Administração Tributária.
Ora, a incompetência dos Serviços Municipais da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia para instaurar e fazer prosseguir contra os Oponentes a execução fiscal em causa nos autos, configura uma situação de falta de legitimidade ativa no processo de execução fiscal, que, como é sabido, tem natureza judicial (cfr. o n.º 1 do artigo 103° da LGT), i.e. de falta de um pressuposto processual (cf. art. 30.º, n.º 1 do CPC).
Ilegitimidade ativa que, constituindo uma exceção dilatória, não pode conduzir a uma decisão sobre o mérito da pretensão formulada, não havendo lugar à extinção da execução (pois não será qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), mas antes impõe que o juiz se abstenha de conhecer do pedido, proferindo uma decisão de absolvição dos Oponentes da instância executiva (arts. 278.º, n.º 1, alínea d) e 608.º, n.º 1 do CPC), de molde a acautelar, se a tal nada mais obstar, a possibilidade de instauração de nova execução pelos Serviços competentes.
Termos em que deve a presente oposição proceder.”
O assim fundamentado e decidido merece a nossa plena concordância solução, de resto, sufragada pelo EPGA no seu douto Parecer.
Assim, na esteira deste, e evocando o ponto de vista doutrinário defendido por Jorge Lopes e Sonsa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5ª edição 2007 Volume II pp.368/371 anotação 43 ao art.204º, também entendemos que a verificada incompetência dos serviços da CM Vila Nova de Gaia para a instauração de execução fiscal, reflectindo-se na inexequibilidade do título executivo e na inexigibilidade da dívida exequenda, constitui fundamento legal de oposição (art.204° n°1 al. i) CPPT conjugado com o artº 108º n°2 RJUE aprovado pelo DL n° 555/99,16 Dezembro).
Com efeito, podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei, dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo (artº148° n°2 al. a) CPPT).
Por assim ser, é incontrovertível que as quantias referentes a despesas realizadas pela autarquia local com a demolição de imóvel, como medida de tutela da legalidade urbanística, são cobradas coercivamente em processo de execução fiscal, constituindo título executivo a certidão comprovativa das despesas, passada pelos serviços camarários competentes (art.108º n°2 RJUE aprovado pelo DL n° 555/89,16 Dezembro).
Do antedito, é forçoso concluir que os serviços da administração tributária têm competência genérica para a instauração dos processos de execução fiscal (art.10º, n°1 al. f) CPPT) competindo aos respectivos órgãos executivos a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributaria (art.56° n°3 Lei das Finanças Locais - Lei n° 2/2007,15 Janeiro vigente na data da instauração da execução).
Acontece que a exclusão da competência das autarquias locais para cobrança coerciva de dívidas de natureza não tributária já estava prevenida no regime das anteriores leis das finanças locais e mantém-se na actual regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais (art.17° n°5 da Lei n° 1/79, de 2 Janeiro; art.22° nº 5 da Lei nº 1/87, de 2 Janeiro; art.30° n°4 da Lei nº 42/98,de 6 Agosto e art. 15º al. c) da Lei n° 73/2013 de 3 Setembro).
Também é pacífico que a atribuição às autarquias locais das competências conferidas aos órgãos periféricos locais para a cobrança coerciva de dívidas tributárias apenas abrange os tributos administrados por aquelas autarquias (art.7° DL n° 433/99, de 26 Outubro, diploma que aprovou do CPPT).
Como enfatiza o DPGA no seu douto Parecer, disposição de carácter geral igualmente apontava no sentido da competência dos serviços da administração tributária para a instauração das execuções fiscais para a cobrança coerciva de quantias pecuniárias (sem natureza tributária) devidas a pessoas colectivas públicas por força de um acto administrativo (art.115º do CPA aprovado pelo Decreto-Lei n° 442/91,de 15 Novembro).
Chancelando, por todo o exposto, a tese da sentença, igualmente sufragada pelo Ministério Público em ambas as instâncias, somos a concluir que (i) a utilização do processo de execução fiscal é o meio processual adequado para a cobrança coerciva da dívida exequenda sob exame; (ii) ocorre a incompetência da autarquia local para a instauração do processo de execução fiscal e (iii) o que acarreta como expressão processual, a ilegitimidade activa do órgão executivo autárquico como exequente, excepção dilatória cuja procedência determina a absolvição dos executados da instância (arts.30°,576°, n°2 e 577° al. e) do CPC ex vi do artº.2° al. e) do CPPT).
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Semelhante entendimento não configura, contrariamente ao sustentado pela recorrente, a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação dada pela sentença sob recurso dos normativos legais aplicados, nomeadamente das normas conjugadas dos artigos 149° e 152º do CPPT e artigo 7° do D.L. 433/99, de 26 de Outubro bem como do artigo 155º do Código de Procedimento Administrativo, por violação dos artigos 6º, nº 1, 237º, nº 2, 29º e 240º da Constituição.
O certo é que a ora recorrente veio agora invocar concretamente as normas que padeceriam de inconstitucionalidade, mas faz apenas um juízo genérico de inconformidade das normas aplicadas na sentença recorrida interpretadas do modo e sentido antes expostos com normas constitucionais, sem melhor substanciar a respectiva violação dos princípios.
Significa que o recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal as amparadas violações dos ditos princípios constitucionais e legais, sendo que nem este Tribunal conseguiria, se o pretendesse fazer ex officio, conhecer de tais vícios uma vez que os mesmos não resultam imediatamente apreensíveis face aos argumentos esgrimidos pela apelante e o que foi decidido na sentença. Dito de outro modo: a falta de concretização/densificação das enumeradas violações dos princípios constitucionais e legais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre as mesmas (cfr. acórdão deste S.T.A.-SCT de 23/10/2019, no Processo nº179/19.8BEPFN).
Na verdade, a recorrente limita-se a remeter para os argumentos constantes do Acórdão nº 553/1994 do Tribunal Constitucional, explicitando até que, muito embora se refiram, à data, às taxas municipais, os mesmos também se aplicam às dívidas não tributárias dos Municípios.
Por outro lado, a alegada inconstitucionalidade, para além de não ter qualquer fundamento legal como decorre da solução dada à litis nos termos constantes da sentença e sufragados pelo Ministério Público e por este Tribunal, não se encontra devidamente substanciada até porque aquele douto aresto do TC versava “… inequivocamente [sobre as]… normas conjugadas dos artigos 37º e 42º, alínea a), do Código de Processo Tributário que, nos processos judiciais tributários que tenham a ver com receitas lançadas e liquidadas pelas câmaras municipais, estas não podem aí actuar por si, como seria seu direito, antes cabendo a sua representação obrigatória ao representante da Fazenda Pública, e pertencendo, na generalidade dos casos - as excepções são apenas as contempladas no artigo 73º, alínea d), do ETAF -, a representação da Fazenda Pública a entidades inseridas na administração fiscal do Estado, vocacionadas por definição para defender os interesses tributários deste ente público, é forçoso concluir-se que aquelas normas são, na parte em que estabelecem aquela representação obrigatória a cargo de representantes da Fazenda Pública pertencentes à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, inexoravelmente inconstitucionais, por violação dos artigos 6º, nº 1, 237º, nº 2, 239º e 240º da Lei Fundamental”, logo, tinha a ver com a recusa da “…aplicação, com fundamento na violação dos artigos 6º, nº 1, 237º, nº 2, 239º e 240º da Constituição, das normas conjugadas dos artigos 37º e 42º, alínea a), do Código de Processo Tributário, na parte em que determinam que, nos processos judiciais tributários que tenham a ver com receitas lançadas e liquidadas pelas câmaras municipais, estas sejam representadas obrigatoriamente por um representante da Fazenda Pública pertencente à administração tributária do Estado” e não com a [falta de] competência da recorrida para a instauração do processo de execução fiscal.
Daí que não tenha guarida a sua pretensão.

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Do que fica dito, resulta inexoravelmente o improvimento do recurso com a deducional confirmação da sentença na ordem jurídica.

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3. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
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Lisboa, 16 de Setembro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro