Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0101/10
Data do Acordão:04/21/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
INDEFERIMENTO TÁCITO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
PROJECTO
DECISÃO
DECISÃO FINAL
PROCEDIMENTO
Sumário:I - A reclamação deduzida ao abrigo do 16º da Lei nº. 53-E/2006, de 29/12, presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias.
II - Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento.
III - Deste modo, é intempestiva uma impugnação judicial deduzida em 20.11.2007, quando a reclamação graciosa havia sido apresentada em 02.07.2007 e só em 02.01.2008 veio a ser proferido despacho expresso de indeferimento.
IV - O acto que determina a notificação para exercício do direito de audição é um mero acto preparatório da decisão final que, mesmo quando contém projecto de decisão (como impõe o n.º 5 do artº. 60.º da LGT), não dispensa um ulterior acto final de decisão do procedimento, que, mesmo quando concorda com o teor da proposta de decisão, é um acto distinto daquela, materializado numa declaração de concordância, como se estabelece no n.º 1 do artº. 77.º da LGT.
V - O projecto de decisão de indeferimento de reclamação graciosa de acto de liquidação de taxa municipal, notificado ao reclamante para exercício do direito de audição, nos termos do artº. 60.º, n.º 5, da LGT, não se transforma automaticamente em decisão final pelo facto de o reclamante nada dizer.
Nº Convencional:JSTA000P11697
Nº do Documento:SA2201004210101
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. A…, LDA, veio recorrer da decisão da Mmª Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, que rejeitou por intempestividade, a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação da taxa referente a lona publicitária, relativa ao quatro trimestre do ano de 2005 no montante de € 2.546,04, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:
Iª). A Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” entendeu julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção, e consequentemente, absolveu a IMPUGNADA, ora RECORRIDA do pedido, uma vez que, apesar de a RECORRENTE não ter exercido o seu direito de audição prévia, tal não revela que tenha sido emitido qualquer acto expresso de indeferimento.
IIª). Sucede porém que, não tendo a RECORRENTE exercido o seu direito de audição prévia no prazo de 10 dias, a verdade é que ocorreu um indeferimento expresso, e a decisão da RECORRIDA tornou-se válida e eficaz.
IIIª). Ora, a RECORRIDA notificou a RECORRENTE do projecto de decisão de indeferimento do pedido formulado, para que esta em 10 dias exercesse o direito de audição prévia.
IVª). Contudo, a RECORRENTE não exerceu o mencionado direito no prazo estabelecido.
Vª). Assim sendo, e porque a RECORRENTE não reagiu contra o mencionado projecto, a verdade é que se verificou o indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra o tributo referente à factura nº 40000046487.
VIª). Pelo que, tendo a RECORRIDA notificado a RECORRENTE da sua intenção de indeferir, e não tendo a RECORRENTE contestado, o projecto passou de intenção, a uma decisão válida e eficaz.
VIIª). Ora, contrariamente ao proclamado na Douta Sentença, a RECORRENTE não deduziu o articulado inicial, com fundamento no indeferimento tácito, e sim com fundamento no indeferimento expresso, pois após o decurso do prazo que dispunha para exercer o seu contraditório, relativamente ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação, o mesmo passou a produzir os seus efeitos, ou seja, a Reclamação foi indeferida expressamente.
VIIIª). Perante o exposto, mal andou o Tribunal “a quo” ao julgar procedente a excepção da caducidade do direito de acção procedente, e consequentemente absolveu a RECORRIDA do pedido.
IXª). Assim, a excepção da caducidade do direito de acção, jamais poderia ter sido julgada procedente, uma vez que, ocorreu o indeferimento expresso.
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, julgando improcedente a excepção da caducidade do direito de acção, decidindo V. Exas no sentido do provimento do presente recurso, conforme é do direito e da justiça.
II. Em contra alegações, o recorrido veio concluir pela forma seguinte:
1ª) Considera a Recorrente que a douta Sentença Recorrida merece censura, entendendo em síntese que “mal andou o Meritíssimo Juiz “a quo” ao julgar procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção”, pois contrariamente ao que foi decidido, entende ser de considerar que a impugnação judicial foi deduzida dentro do prazo para o exercício do direito de impugnar, atento o indeferimento expresso ocorrido na sequência do não exercício do direito de audição prévia;
2ª) Alega a Recorrente que decorrido o prazo de 10 dias para o exercício do direito de audição prévia, o seu não exercício determina a ocorrência do indeferimento expresso; o qual torna o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa válido e eficaz, verificando-se o aludido indeferimento expresso; e por isso,
3ª) Entende a Recorrente que a petição de impugnação judicial em causa foi deduzida não do indeferimento tácito mas antes do indeferimento expresso, dado que terminado o prazo de 10 dias para o exercício do direito de audição prévia, ocorre a intenção de indeferir expressamente a reclamação;
4ª) Ao invés do alegado pela Recorrente, entende a ora Recorrida que a douta Sentença não suscita qualquer censura, e por esse facto deve manter-se na ordem jurídica, por inexistência de vícios;
5ª) Está assim o presente Recurso vaticinado ao insucesso;
6ª) Pois, a Recorrente defende que decorrido o prazo de 10 dias para o exercício do direito de audição prévia, sem que o mesmo seja exercido, ocorre então o indeferimento expresso da reclamação deduzida;
7ª) Porém, tal entendimento não colhe provimento;
8ª) Com efeito, a Constituição da República Portuguesa (CRP) reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito, nos termos do disposto no artº. 267°, nº 5 da CRP;
9ª) O artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT) veio concretizar este direito no domínio do procedimento tributário, elencando as situações em que é obrigatória a audiência dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito;
10ª) Em tal artigo é preceituado o momento em que deve ser efectivado o direito de audição - antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, entre outros -, sendo certo que o mesmo é exercido finda a instrução e antes da decisão final;
11ª) Dispõe ainda o nº 4 do artº. 60º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Princípio da Participação, que: “em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto de decisão e sua fundamentação (...)“ (destaque nosso);
12ª) Tal como referem Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, in “Audição - Participação - Fundamentação: A Co-Responsabilização do Sujeito Passivo na Decisão Tributária”, em sede de Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, págs. 274 e 275, disponível na net: “Existe, assim, um novo momento no procedimento tributário, situado antes da produção de um acto tributário definitivo e destinado a influenciar o conteúdo dispositivo desse mesmo acto, de que constitui formalidade essencial” (destaque nosso);
13ª) Tal direito permitirá ao sujeito passivo, para além do direito a ser ouvido, expor as razões que sustentam o seu entendimento, configurando esta uma das vertentes deste mesmo direito;
14ª) Contudo, resulta claro que, e tal como refere António Lima Guerreiro, em anotação à Lei Geral Tributária, “o direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma “prévia instrução procedimental ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias exames necessários à prolação do acto”;
15ª) Assim sendo, e salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, a ora Recorrida considera que a interpretação efectuada pelo Meritíssimo Juiz a quo é a correcta;
16ª) Resulta assim do supra exposto inequívoco que o indeferimento expresso não ocorre decorrido o prazo para o exercício do direito de audição prévia;
17ª) Pois, tal notificação para o exercício desse direito contém o projecto da decisão e sua fundamentação, e antecede a decisão definitiva do procedimento, nos termos expressamente previstos no nº 4 do artº. 60º da Lei Geral Tributária (LGT) - (destaque nosso), como se verificou na situação em questão;
18ª) Resulta inequívoco que o direito de audição prévia é exercido antes da decisão final, consubstanciando aquele direito uma possibilidade de pronúncia sobre uma intenção de decisão (destaque nosso);
19ª) A audição prévia é efectuada após a conclusão da instrução do procedimento e antes de ser proferida a decisão final;
20ª) Tanto assim que é expressamente afirmado no texto do Of. N° 779/DAJAF/DAT/07, que a Recorrente “fica notificada (...) para exercer o direito de audição (...) atento o projecto de decisão de indeferimento do pedido formulado no processo identificado em epígrafe (...)” — (destaque nosso);
21ª) Realidade esta que a própria Recorrente reconhece nas suas alegações quando expressamente afirma que: “(…) a Recorrida notificou a Recorrente do projecto de decisão de indeferimento do pedido formulado (...); Assim, não tendo a Recorrente exercido o seu direito de audição prévia, no prazo de 10 dias, o projecto de decisão de indeferimento da reclamação deduzida (...) (...) Na verdade, não tendo a Recorrente reagido contra o projecto (...)“ou seja a Recorrida notificou a intenção de indeferir (...)“ (destaque nosso);
22ª) Assim sendo, a administração tributária cumpriu o ónus de facultar o seu direito de audição, direito esse que assiste aos particulares exercerem-no ou não, o que na presente situação a Recorrente entendeu não o fazer;
23ª) Repita-se não sendo exercido tal direito, não ocorre indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pela Recorrente, contrariamente ao alegado pela mesma nas suas alegações;
24ª) Pelo que não assiste razão à Recorrente quando alega a ocorrência do indeferimento expresso resultante do não exercício do direito de audição;
25ª) Com efeito, e ao invés do alegado pela Recorrente, a petição de impugnação apresentada foi interposta do indeferimento tácito da aludida reclamação graciosa; sendo, por isso, intempestiva;
26ª) Dispõe o nº 1 do artº. 20º do CPPT que “os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil (…)”;
27ª) Tem sido entendimento unânime da Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que o prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso — v. o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n°04618/04 -Viseu, em 30-10-2008; o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 016140, em 22-09-93; o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo nº 0392/05, em 06-10-2005;
28ª) Entendimento este igualmente corroborado pelo Tribunal Central Administrativo Norte - v. o douto Acórdão proferido no processo n° 04618/04-Viseu, em 30-10-2008;
29ª) Decorre do disposto no 16° do Regime Geral das Taxas, aprovado pela Lei n°53- E/2006, de 29.12, que:
“1. Os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação;
2. A reclamação é deduzida perante o órgão que efectuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação;
3. A reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias;
4. Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento;
5. A impugnação judicial depende de prévia dedução da reclamação prevista no nº 2 do presente artigo”;
30ª) Com efeito, o supracitado preceito introduziu regras específicas para as garantias impugnatórias dos contribuintes quando estejam em causa taxas para as autarquias locais;
31ª) Ora, e de acordo com a supracitada disposição legal o acto tácito de indeferimento formou-se decorridos 60 dias a contar da interposição da reclamação graciosa, o qual ocorreu em 3 de Agosto de 2007;
32ª) Aliás, a impugnação apresentada pela Recorrente só podia ser interposta do indeferimento tácito da reclamação graciosa, dado que não fora proferido indeferimento expresso sobre a mesma;
33ª) Tal como bem decidiu a douta Sentença recorrida, da fundamentação de facto dada como provada na mesma - v. alíneas E) e J) da mesma - resulta inequívoca a extemporaneidade da impugnação judicial em causa, em virtude de o termo do prazo para a sua interposição terminar em 2 de Novembro de 2007, e a mesma ter sido apresentada em 20 de Novembro de 2007;
34ª) Pelo que, improcede o pretendido pela Recorrente quanto à tempestividade da impugnação judicial por si deduzida, em virtude de o objecto da mesma ser o indeferimento tácito;
35ª) De tudo o foi exposto, deve a douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo manter-se, com a fundamentação constante da mesma, improcedendo o recurso.
Nestes termos e nos demais de direito, invocando o douto Suprimento de V. Exas, se requer que seja negado provimento ao Recurso, com a consequente manutenção da douta Sentença Recorrida, para que assim se faça a já costumada JUSTIÇA!
III. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 280/281, pronunciando-se pela improcedência do recurso, com a confirmação da decisão recorrida.
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A) A impugnante é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços na área da publicidade e de marketing, concepção e produção de artes gráficas, projectos, consultoria e representações.
B) No âmbito dessa sua actividade, a Impugnante, faz exploração comercial de publicidade, designadamente, através da afixação de suportes publicitários em empenas cegas ou fachadas laterais de edificações particulares sediadas na cidade de Lisboa.
C) Em 31/05/2007 foi emitida a factura n.º 40000046487 no montante total de €2.549,04, pela “publicidade em empenas ou fachadas laterais”, “taxa referente a lona publicitária, referente ao 4º trimestre de 2005.
D) A lona publicitária em causa foi afixada em imóvel de propriedade particular.
E) A impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação mencionada em C) em 02/07/2007.
F) Em 20/11/2007 foi assinado o aviso de recepção referente ao ofício nº779/ DAJAF/ DAT/ 07 pelo qual a Câmara Municipal de Lisboa notificou a impugnante para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 10 dias, nos termos da alínea a) do n.º 1 da Lei Geral Tributária sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa mencionada em E).
G) A impugnante não exerceu o direito de audição prévia para o qual foi notificada.
H) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho datado de 02/01/2008.
I) Em 17/01/2008 foi assinado o aviso de recepção referente à notificação da impugnante do indeferimento da reclamação graciosa.
J) A impugnante apresentou impugnação judicial em 20/11/2008.
VI. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se a impugnação judicial deduzida pela recorrente do acto de liquidação de taxa de publicidade, no montante de 2.549,04 euros, efectuada pelo Município de Lisboa, é ou não tempestiva.
VI.1. A decisão recorrida pronunciou-se pela intempestividade da impugnação invocando os seguintes argumentos:
a) Está em causa a impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa do referido acto de liquidação;
b) Para efeitos de impugnação judicial a reclamação graciosa presume-se indeferida caso não seja decidida no prazo de 60 dias (artº 16º, nº 3 da Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro;
c) De acordo como nº 4 do mesmo diploma, desse indeferimento tácito cabe impugnação judicial no prazo de 60 dias a contar da notificação do mesmo;
d) Esse prazo conta-se nos termos do artº 279º do Código Civil (artº 20º, nº 1 do CPPT);
e) E, tal como já decidido pelo STA, o artº 16º acima citado é uma norma processual de aplicação imediata, pelo que se aplica ao caso dos autos, uma vez que a notificação ocorreu já em 2007;
f) Ora, assim sendo, de acordo com os prazos referidos no artº 16º citado, o último dia do prazo para deduzir impugnação foi o dia 02.11.2007. Deste modo, tendo a mesma sido apresentada em 20.11.2007, é intempestiva.
g) E, tendo ocorrido embora a notificação do indeferimento expresso em 02.01.2008, este acto de indeferimento irreleva para os autos, uma vez que é posterior à instauração da impugnação e não constitui objecto desta.
V.I.2. A recorrente, por sua vez, entende que a sentença errou pelos seguintes motivos:
a) Não tendo a recorrente exercido o seu direito de audição na reclamação graciosa, para cujo efeito tinha sido notificada, o projecto de indeferimento que lhe foi comunicado passou de intenção a uma decisão válida e eficaz;
b) Deste modo, a impugnação foi deduzida contra acto expresso de indeferimento - manifestado no projecto de decisão – e não, como se concluiu na sentença, de acto de indeferimento tácito;
c) Assim, tendo a recorrente sido notificada em 20.11.2007 do projecto de indeferimento, a impugnação nessa data apresentada é tempestiva.
VI.3. O recorrido Município de Lisboa, por sua vez, entende que a sentença recorrida fez correcta aplicação da lei, pelo que deve ser confirmada.
VII. O artº 16º da Lei nº. 53-E/2006, de 29/12, sob a epígrafe “garantias”, estabelece o seguinte:
“1. Os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação.
“2. A reclamação é deduzida perante o órgão que efectuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação.
“3. A reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias.
“4. Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento.
“5. A impugnação judicial depende da prévia dedução da reclamação prevista no nº. 2 do presente” .
Para efeitos da aplicação deste artigo, recordemos os factos relevantes para o efeito, acima dados como provados:
A recorrente deduziu reclamação graciosa (alínea E do probatório), em 02.07.2007.
Em 20.11.2007 foi notificada para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de audição prévia consagrado na Lei Geral Tributária (alínea F) do probatório).
A recorrente não exerceu aquele direito e a reclamação foi indeferida por despacho datado de 02.01.2008 (Alíneas G) e H) do probatório), notificado em 17.01.2008 (alínea I) do probatório).
A recorrente apresentou a impugnação judicial em 20.11.2008.
Ora, desde logo se vê que, atenta a data da apresentação da reclamação, em face dos nºs 3 e 4 do artº 16º transcrito, o prazo para impugnação com fundamento em acto de indeferimento tácito terminou em 02.11.2007.
Deste modo, e não existindo acto expresso de indeferimento, o qual só veio a ocorrer em 02.01.2008, não podia este constituir objecto da impugnação, pelo que outra decisão não podia ser tomada que não a adoptada na sentença recorrida.
VIII. Há, porém, que tomar posição quanto à pretensão da recorrente de ver considerada como decisão de indeferimento o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, à qual não respondeu.
Alega a recorrente, como já se referiu acima, que não tendo a recorrente contestado o projecto de decisão “o projecto passou de intenção, a uma decisão válida e eficaz”, passando “a produzir todos os seus efeitos, ou seja, a Reclamação foi indeferida expressamente”.
A recorrente nenhum apoio legal ou doutrinário acrescenta em defesa deste entendimento, mas, desde já adiantaremos que o mesmo não colhe o apoio legal.
Com efeito, tal como refere o recorrido nas suas contra-alegações a Constituição da República Portuguesa reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito, nos termos do disposto no artº. 267°, nº 5 da CRP.
O artigo 60° da LGT veio concretizar este direito no domínio do procedimento tributário, preceituando o momento em que deve ser efectivado o direito de audição - antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, entre outros -, sendo certo que o mesmo é exercido finda a instrução e antes da decisão final.
Dispõe ainda o nº 4 do artº. 60º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Princípio da Participação, que: “em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto de decisão e sua fundamentação (...)“
Tal direito permitirá ao sujeito passivo, para além do direito a ser ouvido, expor as razões que sustentam o seu entendimento, tentando levar a administração tributária a inverter o sentido da decisão.
E, se é certo que a administração tributária pode manter a decisão de indeferimento – e isso pode muito bem suceder quando, num caso como o dos autos, o interessado não oferecer elementos de facto ou de direito que, no entendimento da administração tributária, possam conduzir a solução jurídica diversa do projecto de indeferimento – também não é menos certo que essa decisão pode ser alterada.
Daí que, um projecto de indeferimento constitui sempre uma decisão provisória, mas que não goza de qualquer eficácia. Ainda que a decisão venha a ser exactamente igual à do projecto, só a decisão final do procedimento é válida e produz os legais efeitos, e só contra esta o interessado pode reagir judicialmente.
O que acabou de se dizer resulta com toda a clareza do Acórdão deste Tribunal, de 09.12.2009, proferido no Recurso nº 0594/09, num caso idêntico ao dos presentes autos, onde ficou escrito o seguinte:
“De harmonia com o preceituado no artº. 16.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, a impugnação judicial dos actos de liquidação de taxas das autarquias locais está dependente de prévia reclamação graciosa, que tem de ser apresentada no prazo de 30 dias, a contar da notificação da liquidação.
No caso em apreço, a ora Impugnante observou este regime, tendo apresentado tempestivamente a reclamação graciosa.
Até ao momento em que a ora Impugnante apresentou esta impugnação judicial, não tinha sido proferido um acto expresso de indeferimento.
Na verdade, o despacho que ordenou a sua audição sobre a proposta de indeferimento, não é um acto de indeferimento, mas um acto preparatório da decisão final.
Por outro lado, a tese defendida pela Impugnante, de que os actos que ordenam a audição prévia sobre propostas de indeferimento se transformam em actos de indeferimento expresso se o interessado nada disser, não tem qualquer fundamento legal.
O acto que determina a notificação para exercício do direito de audição é um mero acto preparatório da decisão final que, mesmo quando contém projecto de decisão (como impõe o n.º 5 do artº. 60.º da LGT), não dispensa um ulterior acto final de decisão do procedimento, que, mesmo quando concorda com o teor da proposta de decisão, é um acto distinto daquela, materializado numa declaração de concordância, como se estabelece no n.º 1 do artº. 77.º da LGT,
Por isso, é de considerar assente que, até ao momento em que foi apresentada a presente impugnação judicial, não tinha sido proferido um acto expresso de indeferimento da reclamação graciosa, nem o projecto de decisão se transformou em decisão.
Assim, não podia a Recorrente impugnar um inexistente acto expresso de indeferimento da reclamação graciosa, pois a impugnação carece de objecto.
Por outro lado, o acto que ordenou a notificação para exercício do direito de audição também não é impugnável, por não ser lesivo e não ser o acto final do procedimento, e, na falta de norma especial que disponha em contrário, só actos lesivos e actos finais dos procedimentos tributários são contenciosamente impugnáveis (art. 54.º do CPPT).
Assim, não tendo sido proferido um acto expresso de indeferimento, a impugnação apenas poderia ter por objecto a ficção de indeferimento tácito daquela reclamação graciosa, que se forma com o decurso do prazo legal de decisão, no caso, após o decurso de 60 dias a contar da entrada da reclamação nos serviços do Município de Lisboa (arts. 16.º, n.º 3, do RGTAL e 57.º, n.º 5, da LGT), isto é, em 31-8-2007.
Mas, o aproveitamento da petição como impugnação do indeferimento tácito não pode concretizar-se, pois, de harmonia com o disposto no art. 16.º, n.º 4, do RGTAL, do indeferimento tácito de reclamação graciosa cabe impugnação judicial a interpor no prazo de 60 dias a contar do indeferimento e, no caso, tendo-se formado indeferimento tácito em 31-8-2007, a impugnação judicial podia ser apresentada até 30-10-2007 e ela só o foi em 20-11-2007.
Por isso, tem de se concluir que a impugnação do indeferimento tácito é intempestiva, como se entendeu na sentença recorrida, e que a impugnação do inexistente indeferimento expresso invocado pela Recorrente, carece de objecto, pelo que é impossível, pois o processo de impugnação judicial tem de ter por objecto um acto, real ou ficcionado, como decorre do disposto no artº. 124.º do CPPT.”
Em face de tudo o que ficou dito, improcedem as conclusões das alegações da recorrente e, em consequência, o recurso.
IX. Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso jurisdicional e absolver o Município de Lisboa da instância, com esta fundamentação.
Custas pela Recorrente, com procuradoria de 1/6.
Lisboa, 21 de Abril de 2010. - Valente Torrão(relator) – Isabel Marques da Silva – Brandão de Pinho.