Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01315/17.4BEPRT
Data do Acordão:11/03/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
CRÉDITO LABORAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO DE RECLAMAÇÃO
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I – As “decisões interpretativas de inconstitucionalidade”, repetidamente formulados pelo TC, da norma do nº 8 do art. 2º do DL nº 59/2015, de 21/4, «na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão», não impõem a extirpação daquela norma (com a consequente repristinação do regime pretérito – constante do revogado “Regulamento do Código de Trabalho”), mas apenas a admissibilidade de adequadas causas de suspensão/interrupção na aplicação daquele prazo de um ano, estabelecido na referida norma, para reclamação ao “Fundo de Garantia Salarial” de créditos emergentes de contratos de trabalho.
II – Assim, tendo o Autor, no caso dos autos, visto cessar o seu contrato de trabalho em 1/10/2015 (em plena vigência, pois, do DL nº 59/2015), era-lhe aplicável o prazo de um ano, a contar dessa data, para requerer ao “FGS” créditos emergentes do contrato de trabalho, nos termos estabelecidos no nº 8 do art. 2º daquele diploma legal.
III – Tendo o Autor apresentado requerimento ao “FGS” em 18/1/2017, fê-lo tempestivamente, pois que, embora ultrapassando o prazo de um ano (concretamente, 1 ano, 3 meses e 17 dias), deve descontar-se o período de 162 dias (cerca de 5 meses e meio) que mediou entre a instauração do processo de insolvência do empregador (em 31/5/2016) e 30 dias após a respetiva sentença declaratória (10/11/2016).
IV – Efetivamente, o pedido de declaração de insolvência do empregador deve ser considerado causa de suspensão do prazo (de um ano) legalmente estabelecido para reclamação ao “FGS” dos créditos, até à respetiva declaração de insolvência, como consequência direta daqueles juízos de inconstitucionalidade formuladas pelo TC, ainda que o legislador somente através da Lei nº 71/2018, de 31/12, viesse a estabelecer tal causa de suspensão em obediência a essas decisões de inconstitucionalidade.
Nº Convencional:JSTA00071595
Nº do Documento:SA12022110301315/17
Data de Entrada:09/14/2022
Recorrente:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, I.P.
Recorrido 1:A………………….
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (FGS)”, demandado na presente acção administrativa, interpôs o presente recurso de revista do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 25/3/2022 (cfr. fls. 426 e segs. SITAF), que concedeu provimento ao recurso de apelação que o Autor, A…………………, interpusera da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF/Porto), de 25.10.2021 (cfr. fls. 342 e segs. SITAF), e, revogando esta sentença, julgou a ação totalmente procedente.

2. O Recorrente/Réu “FGS” concluiu do seguinte modo as suas alegações do presente recurso de revista (cfr. fls. 452 e segs. SITAF):

«A. O requerimento do aqui Recorrido foi apresentado ao FGS em 18.01.2017, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma prevê um prazo de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. Este prazo é um prazo de caducidade.
E. Nesse sentido decidiu a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 10/2021.
F. O TCA NORTE, revogou esta sentença, por acórdão de 03/2022, considerando que seria de aplicar o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no art.º 309 do Código Civil, porquanto seria de aplicar a solução legal do regulamento do FGS estabelecida na Lei n.º 35/2004, de 29/07 com a alteração da Lei n.º 9/2006, de 20/03.
G. Porém, este diploma legal estava revogado,
H. Não podendo, pois, ter aplicação ao requerimento do Recorrido.
I. Assim, teremos de concluir que estamos perante um prazo de caducidade do direito de requerer os créditos e,
J. Não perante um prazo de prescrição dos créditos.
K. Pelo que, o prazo de um ano para requerer créditos emergentes ao FGS estava ultrapassado na data da apresentação do requerimento ao FGS pelo Recorrido, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,

Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a sentença proferida pelo TAF do Porto em 25/10/2021».

3. O Recorrido/Autor, A………………….., apresentou contra-alegações, sem conclusões, pugnando pelo improvimento do presente recurso de revista e pela consequente manutenção do Ac.TCAN recorrido (cfr. fls. 465 e segs. SITAF).

Defende ainda, nas mesmas, que será inconstitucional uma interpretação do regime legal que não preveja a interposição de ação laboral como causa de suspensão do prazo para requerimento dos créditos laborais ao “FGS”, referindo a este propósito:

«(…) 34. Ora, o fundamento do Recorrente não passa pelo crivo da consagração do Estado de Direito, na medida em que torna aleatórios e arbitrariamente subversíveis os pressupostos do exercício de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores.
35. Também do ponto de vista de justiça constitucional, a sobredita aleatoriedade resulta, em, perante os mesmos pressupostos substantivos de facto e de direito, sem causa de discriminação alguma que não o acaso, se denegar, potencialmente, a uns trabalhadores e conferir a outros, uma prestação do Estado Social, ou seja, resulta numa ofensa do princípio e do direito Fundamental à igualdade de tratamento consagrado no art. 13º da CRP.
36. Com tal interpretação estar-se-ia a admitir isso mesmo, pelo que deverá ser declarada a INCONSTITUCIONALIDADE da interpretação dada ao conjunto normativo do art. 2º nº 8 e nº 9 do DL 59/2015, de 21.04, conjugado com o art. 323º do CC e os arts. 2º, 13º e 59º nº 3 da CRP, redundando na violação do Estado de Direito, do direito dos trabalhadores e do princípio e direito fundamental à igualdade de tratamento.
37. Aliás, interpretação diversa levaria a que um trabalhador, ao invés de recorrer aos tribunais do trabalho para reconhecimento e cobrança dos seus créditos laborais, passasse a preferir requerer a insolvência da entidade patronal como forma privilegiada de ser pago, o que é a perversão completa do sistema.
38. Considera o Recorrido que a única interpretação do art. 2º nº 8 do citado diploma compatível com a Diretiva é a de que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho salvo se tenha sido suspenso ou interrompido o prazo prescricional do crédito, com a propositura da ação de insolvência ou instauração da competente ação laboral.
Nestes termos e nos demais de direito, que V.ªs Exas. doutamente suprirão, deverá o Recurso interposto pelo FGS ser julgada improcedente, por não provado, e, em consequência, ser confirmado o Acórdão recorrido, com todos os efeitos legais, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!».


4. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 14/7/2022 (cfr. fls. 488/489 SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) O tribunal de 1ª instância - TAF do Porto - julgou improcedente a acção e absolveu o FGS do pedido. Na linha da decisão administrativa, entendeu que à luz do «DL n° 59/2015, de 21.04» - novo regime do FGS -, quando o requerimento para pagamento foi apresentado ao FGS - 18.01.2007 - já tinha caducado o direito do requerente o poder fazer. Assim, todo o discurso jurídico da sentença parte do «pressuposto» da aplicação ao caso de norma inovatória - artigo 2°, n° 9, do novo regime do FGS, aditado pela Lei 71/2018, de 31.12, na sequência de «acórdãos do Tribunal constitucional» - onde se prevêem causas suspensivas do prazo disposto no artigo 20, n° 8, do regime jurídico em referência.
O tribunal de 2ª instância - TCAN - concedeu provimento à apelação do FGS, revogou o assim decidido, e «julgou totalmente procedente a acção». Fê-lo por entender que «o pressuposto» em que laborou a decisão do tribunal de 1ª instância está errado, porque - a seu ver - não existe qualquer conexão temporal entre a norma inovatória e o caso dos autos. E, continua, não sendo esta norma aplicável ao caso concreto, temos que numa primeira aproximação o deveria ser a norma do artigo 2°, n° 8 - na redacção original do DL n° 59/2015, de 21.04 - que, todavia, foi declarada inconstitucional - embora, ainda, «sem força obrigatória geral» - pelo Tribunal Constitucional - acórdão n° 328/2018, de 27.06, e recente acórdão n° 374/2022, de 29.06 -, o que leva - sempre a seu ver - por repristinação - artigo 282°, n°1, da CRP - a retomar a solução legal consagrada no Regulamento do Código do Trabalho – aprovado pela Lei 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei 9/2006, de 20.03 -, e a aplicar, ao caso, o prazo geral de prescrição de 20 anos - previsto no artigo 309° do CC -, que estava longe de terminar.
Agora é o FGS que discorda, e, imputando erro de julgamento de direito ao acórdão do tribunal de apelação, dele pede «revista».
Estas questões relativas ao regime do FGS vêm sendo objecto de grande controvérsia, e objecto de múltiplas decisões jurisdicionais, mesmo dos tribunais superiores.
No presente caso, porém, não é inteiramente líquida a bondade da decisão recorrida, nem a mesma se enquadra dentro de parâmetros decisórios já antes adoptados. Além disso, constata-se que o «acórdão recorrido» procedeu a uma construção jurídica algo rebuscada, fazendo operar a repristinação do anterior regime jurídico «em termos que não se mostram suficientemente convincentes», e saltando do regime da caducidade para o da prescrição sem aparente «fundamento». Trata-se de discurso jurídico pouco plausível, a justificar a intervenção do tribunal de revista.
E, se acrescentarmos ao que fica dito, a multiplicidade destes casos que ainda pendem em tribunal, obviamente que tudo aponta para que deva ser admitida a «revista», para que este Supremo Tribunal incuta segurança e certeza à decisão deste tipo de litígios.
Assim, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo».

5. O Ministério Público junto deste STA, conquanto notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA (cfr. fls. 496 SITAF), não emitiu parecer.

6. Colhidos os vistos, o processo vem submetido à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Constitui objeto do presente recurso de revista apreciar e decidir se o Acórdão do TCAN recorrido procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação, interposto pelo Autor, ao julgar, contrariamente ao decidido em 1ª instância pelo TAF/Porto (Juízo Administrativo Social), que o Autor havia apresentado tempestivamente (em 18/1/2017), ao FGS, requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, uma vez que se aplicaria “in casu” o prazo prescricional geral de 20 anos (art. 309º do CC) – ainda longe do seu termo final – e não o prazo de 1 ano estipulado pelo art. 2°, n° 8 (na redacção original do DL n° 59/2015, de 21/4 – “Novo Regime do FGS”), por ter sido esta norma declarada inconstitucional, embora ainda sem “força obrigatória geral”, pelo Tribunal Constitucional, o que imporia a “repristinação” (nos termos do art. 282° n° 1 da CRP) do regime legal antes ditado pelo Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29/7, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20/3. Sendo certo que, contrariamente ao decidido em 1ª instância, não seria de aplicar ao caso o regime estatuído pelo inovatório nº 9 do referido art. 2º do DL nº 59/2015 (“NRFGS”), aditado pela Lei nº 71/2018, de 31/12 (que veio prever causas de suspensão do estipulado prazo de 1 ano, na sequência dos referidos julgamentos de inconstitucionalidade por parte do TC), por ser posterior à apresentação, em 18/1/2017, do requerimento do Autor, não se encontrando, pois, ainda em vigor nesta data.

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III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. O Ac.TCAN recorrido deu como provados os seguintes factos (retificando o teor da respetiva alínea B quanto à data em que o Autor propôs contra a entidade patronal “Acção de Processo Comum”):

«A) O Autor trabalhou para a sociedade “B……………….., Lda” (NIPC ……………), com a categoria de “Professor” desde 01.07.2011 até 01.10.2015, data em que o contrato de trabalho cessou por iniciativa do Autor por justa causa – admitido por acordo.

B) Em 16.12.2015, o Autor propôs contra a entidade patronal “Acção de Processo Comum”, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, sob o n.º 2301/15.4T8VLG, tendo sido proferida sentença em 05.07.2017 e transitada em julgado em 15.09.2017, nos termos da qual foi citada em 07.01.2016 a entidade patronal “B………………., Lda” (NIPC…………….) e exarado na referida sentença o seguinte:
«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
(…)».
- Cfr. certidão junta com a petição inicial como documento número de ordem 13, a folhas 52 do SITAF e certidão do Tribunal de Trabalho, a folhas 156/158 do SITAF.

C) Em 31.05.2016, foi requerida a insolvência da entidade patronal “B……………., Lda” (NIPC ……………….) que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3, sob o processo n.º 178/16.3T8STS – cfr. certidão do Tribunal de Comércio - documento 5 junto à petição inicial.

D) Em 13.09.2016, foi proferida sentença no processo n.º 178/16.3T8STS, que declarou a insolvência de B………………., Lda” (NIPC …………………) transitada em julgado em 10.10.2016 - cfr. certidão do Tribunal de Comércio - documento 5 junto à petição inicial.

E) Em 18.01.2017, o Autor apresentou no Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital do Porto A/C Fundo de Garantia Salarial, “Requerimento para Pagamento de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho”, com o seguinte teor:
«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
(…)».
- Cfr. folhas 66 do processo administrativo.

F) Em 31.01.2017, pelos Serviços da Entidade Demandada, foi prestada informação com o seguinte teor:
«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
Conclusão e proposta de decisão
Pelas razões de facto e de direito invocadas, propõe-se o indeferimento da pretensão formulada pelo requerente supra identificado, com fundamento no não preenchimento do requisito exigido pelo n.° 8, do art. 2.°, do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21/04.
(…)» .
- Cfr. folhas 69/70 do processo administrativo, folhas 243/340 do SITAF.

G) Em 14.02.2017, o Autor foi notificado da proposta de indeferimento do requerimento acima referido - admitido por confissão; cfr. ponto 8 do exercício do direito de audição prévia, a folhas. fls. 122-134 do processo administrativo e folhas 243/340 do SITAF.

H) O Autor apresentou resposta à decisão referida no ponto antecedente através do exercício do direito de audição, tendo a petição dado entrado nos serviços do Réu em 17.02.2017, com a aposição do registo de entrada n.º 12094 – cfr. folhas 134 do processo administrativo.

I) Em 10.03.2017, com parecer concordante da Chefe de Equipa do FGS – CDist. Porto, foi elaborada informação pelos Serviços do Réu onde consta, para o que ora interessa, o seguinte:
«(…)
(fotografia na decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida)
(…)».
- Cfr. folhas 140/141 do processo administrativo.

J) Após a elaboração da informação acabada de referir, sancionada com o respectivo parecer concordante, foi elaborada pelo Núcleo do Fundo de Garantia Salarial, informação datada de 14.03.2017, que acolheu os fundamentos vertidos na informação acima referida, no qual recaiu o Parecer concordante da Senhora Coordenadora do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Departamento de Gestão Financeira – Núcleo Fundo de Garantia Salarial, de 15/03/2017 - cfr. folhas 137-138 do processo administrativo.

K) Sobre a informação e parecer acabados de referir recaiu o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 15.03.2017, indeferindo a pretensão do ora Autor - cfr. folhas 143 do processo administrativo; folhas 255/344 do SITAF.

L) Do qual foi dado conhecimento ao Autor por ofício de 15.03.2017, com o seguinte teor:
«(…) - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec - Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.» - Cfr. documento 2 junto à petição inicial.

M) A petição inicial relativa à presente lide foi apresentada em juízo no dia 29-05-2017 - cfr. folhas 1 SITAF».

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III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. Como resulta dos autos e do que supra se referiu, o Ac.TCAN recorrido revogou a sentença de 1ª instância por entender que, na sequência do julgamento de inconstitucionalidade já várias vezes proferido pelo TC, ainda que apenas com força de caso julgado nos processos respetivos, e não com força obrigatória geral, se impunha a repristinação do regime anterior, estabelecido pelo Regulamento do Código do Trabalho, donde resultava, “in casu”, um prazo de prescrição geral de 20 anos para o requerimento ao “FGS” de créditos emergentes de contrato de trabalho, o qual se encontrava ainda longe do seu termo final.

Rejeitou, assim, o TCAN, o julgamento do TAF/Porto (JAS) uma vez que teve por inaplicável ao caso o “NRFGS”, aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21/4, pois que: por um lado, a norma do nº 8 do art. 2º do “NRFGS”, ainda que temporalmente já vigente à altura da cessação do contrato de trabalho (em 1/10/2015) e da apresentação do requerimento do Autor ao FGS (em 18/1/2017), foi julgado inconstitucional pelo TC; e que, por outro lado, o nº 9 do mesmo art. 2º – que veio prever causas de suspensão ao prazo de 1 ano estipulado no nº 8 (em resposta aos referidos julgamentos de inconstitucionalidade por parte do TC) - só foi aditado pela Lei nº 71/2018, de 31/12, pelo que ainda não se encontrava em vigor em qualquer daquelas duas datas.

10. Julgamos, porém, tal como vem defendido pelo Recorrente “FGS”, que não há lugar, no caso, à repristinação do regime anterior ao “NRFGS”, aprovado pelo DL nº 59/2015, contrariamente ao entendido pelo Ac.TCAN recorrido.

Não se contestam, como é óbvio, os vários julgamentos de inconstitucionalidade proferidos pelo TC relativamente à norma ínsita no nº 8 do art. 2º do “NRFGS” – cfr. Acs.TC nºs 328/2018 (retificado pelo Ac. nº 447/2018), 583/2108, 251/2019, 270/2019, 575/2019, 576/2019, 152/2020 e 374/2022 -, nem se olvida que, nos termos do art. 282º nº 1 da CRP, «A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado».

Sucede, porém, que há que distinguir as decisões de inconstitucionalidade total de uma norma – que redunda no seu pleno afastamento da ordem jurídica e, consequentemente na “repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”, daqueloutras decisões – chamadas “interpretativas” - que não rotulando de inconstitucional, em termos plenos, a norma “sub judice”, julgam antes desconforme com a CRP (inconstitucional, portanto) determinada interpretação da norma em causa.

Neste tipo de “decisões interpretativas” de inconstitucionalidade – como explicado em “Constituição Portuguesa Anotada”, Jorge Miranda/Rui Medeiros, vol. III, 2ª ed., “Universidade Católica Editora, 2020, pág. 748 -, o TC declara “a inconstitucionalidade de um dos sentidos possíveis do preceito normativo (decisão interpretativa de acolhimento) ou, pelo contrário, apela[r] à interpretação conforme à Constituição para recusar a declaração de inconstitucionalidade (decisão interpretativa de rejeição)”.

Ora, é este (decisão interpretativa de acolhimento) o caso das já repetidas decisões de inconstitucionalidade da norma ínsita no nº 8 do art. 2º do “NRFGS”, aprovado pelo DL nº 59/2015, já que o TC – v. o Ac. nº 328/2018 (com a retificação do Ac. nº 447/2018) – “apenas” decidiu «Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão» (sublinhado nosso).

Assim, resulta deste julgamento que não foi declarada a desconformidade com a CRP da integralidade da norma – nomeadamente, e relevantemente, do prazo de 1 ano nela estipulado para a reclamação de créditos junto do “FGS”– mas apenas a circunstância de, nessa norma, segundo a interpretação sob escrutínio, não se prever ou admitir qualquer causa de suspensão do seu curso, designadamente, como refere o Acórdão do TC, “o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente, cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito”; o que gera, por outro lado, “diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência”.

É que, para a ponderação dos efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade em sede de fiscalização concreta, cabe apreciar o caso julgado em termos de – conforme dita o nº 2 do art. 80º da Lei nº 28/82, de 15/11 (LO do TC) – a decisão recorrida dever ser reformada «em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade».

O que, no caso da norma em causa nos presentes autos, que foi julgada inconstitucional “na interpretação segundo a qual o prazo de um ano (…) é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”, não obriga a extirpar a norma da ordem jurídica (com o consequente efeito de repristinação das normas por ela revogadas), mas apenas à reforma das decisões recorridas, no sentido de não se ter como insuscetível de interrupção ou suspensão o decurso do prazo de 1 ano estipulado na norma.

E é a solução que se compagina com o especificamente determinado no nº 3 do citado art. 80º da LO do TC: «No caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação no processo em causa».

Na verdade, uma decisão de inconstitucionalidade faz caso julgado nos justos termos em que é proferida, isto é, “em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade”. Se este julgamento é só proferido relativamente a uma determinada interpretação da norma – como foi aqui o caso -, é somente esta interpretação que é abarcada pelo caso julgado da decisão de inconstitucionalidade.

E que isto é assim, resulta do próprio teor do julgamento de inconstitucionalidade: veja-se que o Ac.TC nº 328/2018 tem o cuidado de referir que o seu julgamento não abarca a norma em si – ou seja, a parte da norma em que estipula um prazo de 1 ano para o requerimento ao “FGS” dos créditos emergentes do contrato de trabalho, mas somente a não previsão ou admissão de causas de interrupção ou suspensão daquele prazo nela previsto.

Lê-se, efetivamente, no Ac.TC este esclarecimento:
«Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito» (sublinhado nosso).

Isto é: resulta esclarecido que a inconstitucionalidade declarada refere-se à interpretação da norma enquanto não admitindo causas de interrupção ou de suspensão do prazo nela estipulado, e não ao prazo “em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão”.

E, ao contrário do que aparentemente se poderia retirar da parte decisória, nem sequer é abrangido pelo caso julgado da decisão de inconstitucionalidade a interpretação do prazo como sendo um prazo de “caducidade”, pois que o Acórdão não deixou também de esclarecer, a este propósito, que «não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção (…)».

É que «ao determinar o sentido e alcance do juízo de inconstitucionalidade emitido pelo TC, não deve o juiz limitar-se a uma pura análise dos termos literais e expressos da decisão, devendo antes interpretá-la adequadamente, de modo a “iluminar” tal juízo “por todo o discurso fundamentador que antecede a decisão” (Acórdão nº 519/98)» (Carlos Lopes do Rego in “Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Almedina, Jan/2010, pág. 301).

Por outro lado, a extirpação da norma “sub judice” com consequente efeito de repristinação do regime pretérito – tal como entendido pelo Ac.TCAN aqui recorrido – resulta também afastada pelo próprio Ac.TC ao comentar as eventuais consequências do juízo de inconstitucionalidade tal como por si formulado.

Na verdade, o Ac.TC nº 328/2018, na sua parte final, pondera:
«Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção)».

Ora, como parece óbvio, uma ponderação deste tipo seria completamente deslocada e incompreensível no caso de uma declaração de inconstitucionalidade que impusesse a extirpação da norma, já que, neste caso, a solução seria linear pois que só poderia ser a da aplicação do repristinado regime pretérito.

Se é sublinhado pelo próprio TC que caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto, designadamente quanto a interrupções e suspensões do prazo, é porque se está perante a declaração de uma determinada interpretação da norma que manifestamente não bule com o prazo nela estipulado, mas somente com a falta de previsão ou inadmissibilidade de interrupção ou de suspensão de tal prazo.

Ora, não se opondo o juízo constitucional ao prazo de 1 ano estipulado no nº 8 do art. 2º do DL nº 59/2015, impondo apenas que este prazo preveja necessárias causas de suspensão ou de interrupção (nomeadamente, como expressamente aponta, “o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente”), o que haverá é que criar, relativamente àquele estipulado prazo, a previsão de ajustadas causas de suspensão/interrupção “dentro do espírito do sistema” (cfr. art. 10º nº 3 do C.C.) - isto é, nas próprias palavras do TC, decidir “quando se deve verificar a suspensão ou interrupção” daquele prazo.

Em conclusão, entendemos que não é de adotar, no presente caso, a solução seguida pelo Ac.TCAN recorrido de repristinação do regime pretérito, na sequência de uma total extirpação da ordem jurídica da norma contida no nº 8 do art. 2º do “NRFGS” aprovado pelo DL nº 59/2015.

11. Mas, sendo assim, há que “determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa)”.

É, afinal, a tarefa que já vimos que o TC entreviu como necessária e foi, precisamente, a tarefa a que se abalançou o TAF/Porto.

O Ac.TCAN recorrido criticou a sentença de 1ª instância por esta ter decidido aplicar ao caso – concretamente, ao requerimento do Autor apresentado ao FGS em 2017 - uma norma entrada em vigor posteriormente: o nº 9 do art. 2º do “NRFGS” aditado pela Lei nº 71/2018.

Mas, se bem interpretamos a razão dessa solução adotada pelo TAF/Porto, ela não terá sido produto, propriamente, de mero lapso de aplicar uma norma ainda não em vigor à data dos factos, mas sim por ter - precisamente - entendido que a solução legal que o legislador veio a editar em 2018 em resposta aos julgamentos de inconstitucionalidade do TC - através do aditamento do nº 9 ao art. 2º do “NRFGS”, prevendo diversas causas de suspensão do prazo de 1 ano fixado no nº 8 -, correspondia, afinal, à “melhor interpretação do direito infraconstitucional” que os tribunais comuns sempre teriam que efetuar na sequência do afastamento da norma (“rectius” do afastamento da “construção normativa” ou da “dimensão interpretativa” julgada pelo TC como desconforme à CRP).

Daqui que o TAF/Porto tenha julgado que, aquando da apresentação do requerimento do Autor ao FGS (em 18/1/2017), o prazo de 1 ano, contado desde 1/10/2015 (data da cessação do contrato de trabalho do Autor) - prazo previsto no nº 8 do art. 2º do “NRFGS”, em vigor desde 4/5/2105 – estivesse já esgotado. O que ditou o seu julgamento de improcedência da ação.

E fê-lo porque, ao empreender a tarefa, prevista como necessária pelo TC, de, na sequência da sua decisão interpretativa de inconstitucionalidade, caber ao tribunal comum “determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional”, nomeadamente, decidindo “quando se deve verificar a suspensão ou interrupção” do prazo estipulado, o TAF/Porto, adotando, para tanto, a solução legal editada pelo legislador em 2018 (com a adição do nº 9 ao art. 2º do “NRFGS”), concluiu que, ainda que ponderadas as causas de suspensão do prazo aditadas – entre as quais não releva a interposição pelo trabalhador de ação contra a entidade patronal -, sempre o prazo se esgotara antes do requerimento endereçado pelo Autor ao “FGS”.

E entendemos que, efetivamente, a solução adotada pelo legislador em 2018, ao prever, pelo aditamento de um nº 9 ao art. 2º do “NRFGS”, específicas causas de suspensão do prazo em questão, é plenamente utilizável pelo aplicador, ainda que antes de 2018, na sequência dos juízos de inconstitucionalidade formulados pelo TC e como forma de lhes dar adequada resposta, em termos de assegurar a necessária conformidade constitucional.

12. Considerando os factos dados como provados nos autos, verificamos, desde logo, que todas as datas relevantes se situam posteriormente à data da entrada em vigor do “NRFGS”, que ocorreu em 4/5/2015 (cfr. art. 5º do DL nº 59/2015).

Efetivamente, o contrato de trabalho do Autor cessou em 1/10/2015.

E o requerimento para pagamento dos créditos emergentes desse contrato foi apresentado pelo Autor ao “FGS” em 18/1/2017.

Pelo que não se apresenta aqui, quanto ao prazo relevante para a reclamação de créditos ao “FGS”, qualquer questão de sucessão de leis no tempo, já que apenas é aplicável a lei nova (isto é, o “NRFGS”).

Sucede, porém, que, embora definindo o TAF/Porto corretamente, em nosso entendimento, o regime aplicável – prazo de um ano, previsto no nº 8 do art. 2º do “NRFGS”, mas com aplicação da suspensão desse prazo desde a instauração de insolvência até 30 dias após a prolação da respetiva sentença, tal como viria a ser determinado no posteriormente aditado nº 9, em obediência ao juízo de inconstitucionalidade formulado pelo TC -, o TAF/Porto, por alguma razão, se terá equivocado na aplicação prática desse regime ao caso concreto dos presentes autos.

Na verdade, após a correta conclusão, aposta na sentença, de que:
«Já o período que mediou entre a data de instauração da acção de insolvência (31/05/2016) e 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência (10/10/2016), que se computa em 162 dias, deverá ser considerado causa de suspensão do prazo de um ano que se iniciou em 01/10/2015 (data da cessação do contrato de trabalho)»,

resulta incompreensível esta sua conclusão:
«Porém, considerando que entre a data de cessação do contrato de trabalho do Autor em 01/10/2015 e a data de apresentação do requerimento junto da ED em 18/01/2017, impõe-se concluir que mesmo considerando o período que mediou entre a data de instauração da acção de insolvência e 30 dias após prolação da sentença, que se computa em 162 dias, o prazo de um ano previsto no art. 2º nº8 do NRFGS se mostra consideravelmente ultrapassado».

Na verdade, entre 1/10/2015 (data da cessação do contrato) e 18/1/2017 (data da apresentação do requerimento ao “FGS”), mediou um pouco mais de um ano (concretamente, 1 ano, 3 meses e 17 dias).

Mas, retirando o aludido período de suspensão do prazo entre 31/5/2016 e 10/11/2016 (isto é, desde a data da instauração do processo de insolvência e 30 dias após o trânsito da respetiva sentença declaratória), que se cifra nos referidos 162 dias – cerca de 5 meses e meio -, temos que na data de apresentação do requerimento ao “FGS” ainda não tinha expirado o prazo de um ano, já que aos 1 ano, 3 meses e 17 dias haverá que subtrair os cerca de 5 meses e meio (162 dias) de suspensão do prazo (de 31/5/2016 a 10/11/2016) – o que perfaz, como é óbvio, menos de 1 ano.

Assim sendo, ainda que corroborando o entendimento de 1ª instância quanto ao regime jurídico aplicável, é de concluir de modo oposto quanto à sua aplicação ao caso concreto dos presentes autos. Ou seja, é de concluir, como o Ac.TCAN recorrido, pela procedência da presente ação proposta pelo Autor, ainda que por diferente fundamentação.

13. Defende, o Autor/Recorrido, nas suas contra-alegações – para além de sustentar os fundamentos e a decisão do Ac.TCAN recorrido – que sempre seria inconstitucional uma interpretação que não considerasse relevante, como causa de suspensão do prazo, a par da prevista propositura de ação de insolvência, também a instauração da competente ação laboral contra a entidade patronal.

Defende, pois, que a única interpretação do art. 2º nº 8 do “NRFGS” compatível com a CRP é a de que o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até uma ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho salvo se tenha sido suspenso ou interrompido o prazo prescricional com a propositura da ação de insolvência ou instauração da competente ação laboral.

No entanto, em face da conclusão a que chegámos relativamente à procedência da ação, torna-se desnecessário apreciar esta argumentação, visto que se tornou inútil, para a decisão, a sua ponderação.

14. Por tudo o exposto, ponderando que o requerimento foi apresentado pelo Autor ao “FGS” no prazo de um ano legalmente previsto no “NRFGS”, considerada a causa de suspensão previstas no nº 9 do art. 2º do mesmo (desde a instauração do processo de insolvência do empregador até 30 dias após o trânsito da respetiva sentença declaratória), é de negar provimento ao presente recurso de revista interposto pelo “FGS”, julgando-se a ação procedente, como julgado no Ac.TCAN recorrido, ainda que com a diferente fundamentação acima exposta.


*

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao presente recurso de revista interposto pelo Recorrente/Réu “Fundo de Garantia Social”, mantendo-se, assim, o julgamento de procedência da ação formulado pelo Acórdão do TCAN recorrido, ainda que com diferente fundamentação.

Custas a cargo do Recorrente “FGS”.

D.N.

Lisboa, 3 de novembro de 2022 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (Voto o Acórdão, revendo posição anteriormente defendida, designadamente no Acórdão de que fui adjunta proferido em 31/10/2019, no âmbito do processo nº 0776/17.6BEPRT).