Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01485/17
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão que confirmou a decisão de caducidade de uma providência cautelar de pagamento de prestações sociais sem as quais a requerente ficará sem meios de subsistência.
Nº Convencional:JSTA000P22848
Nº do Documento:SA12018012501485
Data de Entrada:12/22/2017
Recorrente:A.....
Recorrido 1:INST DA SEGURANÇA SOCIAL. I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)


1. Relatório

1.1. A…….. recorreu nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 9 de Novembro de 2017, que confirmou a decisão proferida pelo TAF de Leiria, o qual por seu turno declarou a caducidade da providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias, intentada contra O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL I.P. e decretada, por sentença de 8 de Janeiro de 2017, com fundamento no incumprimento de condições impostas nessa sentença.

1.2. Fundamenta a admissibilidade da revista na relevância social da questão em causa, dado que, na sentença que decretou a providência, se deu como assente que a requerente vivia sem ter forma alguma de prover ao seu sustento e habitação, estando em causa a sua própria sobrevivência.

1.3. E entidade requerida pugna pela não admissão da revista, uma vez que a resolução do caso não ultrapassa os limites do caso concreto.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acórdão recorrido confirmou a decisão da primeira instância através da qual foi declarada a caducidade de uma providência cautelar de regulação provisória de quantias.

As ocorrências processuais mais relevantes subjacentes às decisões foram as seguintes:

1) As quantias cujo pagamento se decretou a título provisório – por sentença de 8-1-207 - foram, a acrescer ao rendimento social de inserção no montante de € 180,00, as seguintes:

a) uma pensão social de invalidez no montante de € 202,34 mensais;

b) o complemento extraordinário de solidariedade no valor de € 17,61 mensais;

c) o duodécimo do subsídio de Natal de € 18,31 mensais;

d) uma quantia adicional de € 50,00 para fazer face a despesas de electricidade e gás.

2) Foram, todavia, fixadas, as seguintes condições resolutivas:

a) a falta de apresentação pela requerida junto da entidade requerida de novo requerimento de atribuição de pensão social de invalidez;

b) recusa da requerente em prestar esclarecimentos e a devida cooperação com a entidade requerida, seja em sede de acompanhamento das acções de inserção acordadas nos contratos de rendimento social de inserção, seja no âmbito da instrução do procedimento com vista à atribuição de invalidez, caso a entidade requerida venha a elaborar relatório dos serviços de acção social a que alude o art. 12º do Dec. Lei 464/80, de 13 de Outubro, referente à situação social e económica da requerente;

c) verificação de uma das seguintes vicissitudes, no âmbito da instrução do procedimento com vista à atribuição da pensão social de invalidez: ou recusa da requerente em sujeitar-se ao oportuno relatório médico da comissão de verificação de incapacidades permanentes a que alude o art. 12º do Dec. Lei 464/80, de 13 de Outubro; ou, após sujeição da requerente ao relatório daquela comissão, emissão de parecer, vertido nesse relatório, de teor desfavorável à constatação de incapacidade da requerente;

d) inobservância, pela requerente, de todas as acções de inserção doravante estipuladas nos contratos de inserção (devendo a entidade requerida, caso o aludido relatório médico da comissão de verificação de incapacidades permanentes venha a declarar a incapacidade da requerente, reformular as acções de inserções estipuladas nos contratos de inserção social doravante celebrados com a requerente, suprimindo as acções relativas ao plano pessoal de emprego e ao acompanhamento na procura de emprego, ou substituindo-as por outras mais adequadas), enquanto durar a atribuição do RSI;

e) recusa da requerente em alocar os recursos financeiros ora disponibilizados pela entidade requerida a uma alimentação própria mais saudável e equilibrada, bem como a uma eventual medicação necessária e a despesas fundamentais para melhoria das condições de habitabilidade.

3) A decisão proferida pelo TAF de Leiria, a requerimento da entidade requerida, considerou verificadas pelo menos as condições resolutivas, acima referidas nas alíneas a), b), c) e d) consequentemente decretou a caducidade da providência.

4) O TCA Sul depois de analisar o recurso da ora recorrente concluiu:

Embora constitua entendimento do Tribunal, ao contrário do entendido pelo TAF de Leiria, não se verificar a condição resolutiva enunciada no item a) dado a falta de informação médica (emitida no formulário SVI 007) não deve ser imputada à recorrente, considera-se verificado o incumprimento ao determinado pelo TAF de Leiria na decisão proferida em 8 de Janeiro de 2017, imputável à recorrente pelo que se mostram preenchidas as condições resolutivas expressas na referida decisão.

Assim, e embora não se questione que sem as prestações sociais em apreço a recorrente ficará sem meios de subsistência, tal situação é-lhe imputável, face ao supra referido, pelo que o despacho não violou o direito à vida, à igualdade social e à diferenciação positiva (…)”.

Em suma o TCA Norte entendeu que apesar de se verificarem os factos que determinaram a concessão da providência e que se resumiam na constatação de que a requerente se encontrava “sem meios de subsistência” a verificação de algumas das condições resolutivas era-lhe imputável e portanto impunha-se a caducidade da providência decretada.

3.3. A situação deste processo tem subjacente uma situação de facto (dada como provada na sentença que decretou a providência) onde se deu por assente que “a requerente se alimenta essencialmente de pão, água e algum arroz (…). Em consequência da falta de alimentação, a requerente encontra-se faminta e desvalida. (…) Aqui chegados - diz a sentença – não restam dúvidas quanto à gravidade da degradação de vida da requerente (…) Estamos perante uma pessoa que, de há muitos anos a esta parte, não consegue prover sequer às suas necessidades mais básicas. Atento o quadro indiciariamente demonstrado supra exposto, torna-se mister concluir que a requerente se encontra profundamente depauperada, vivendo num quadro de indigência (…) a manutenção desta situação crítica e de grave carência económica, se não se alterasse como aqui requerido, certamente manter-se-ia, assim perpetuando um quadro de indigência e carência socioeconómica, estado que a perdurar poderia causar-lhe ainda maiores danos, desde logo, ao nível da saúde.”

Perante este quadro factual – que o acórdão reconhece subsistir sem as prestações sociais que lhe foram concedidas na providência - é de aceitar o recurso de revista. Na verdade, estão em causa condições mínimas de dignidade humana – pois como diz o acórdão recorrido não se questiona sequer que – sem as prestações caducadas – “a recorrente ficará sem meios de subsistência”. Ora, a impugnação de uma decisão judicial, por força da qual, a recorrente ficará, para já, sem meios de subsistência, coloca sem dúvida uma questão de importância social fundamental. Não é pelo facto de dizer respeito a uma só pessoa que a questão perde relevância social, uma vez que está em causa (de acordo com a matéria de facto provada) a própria sobrevivência da requerente.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.