Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01260/13
Data do Acordão:11/21/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:AUTARCA
PERDA DE MANDATO
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - De acordo com o preceituado no art. 6º, n.º 2, alínea a), da LEOAL (Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14.8) o cidadão declarado insolvente, em insolvência qualificada como fortuita, considera-se inelegível até ocorrer a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.º do CIRE.
II - Nos termos do art. 8º, n.º 1, alínea b), da Lei n.° 27/96, de 1.8, perdem o mandato os membros dos órgãos autárquicos que “Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis …”.
Nº Convencional:JSTA00068469
Nº do Documento:SA12013112101260
Data de Entrada:10/18/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA NORTE DE 2013/04/19
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXCEPC
Legislação Nacional:L 27/96 DE 1996/08/01 ART8 N1 B ART10.
L 1/2001 DE 2001/08/14 ART6 N2 A.
CIRE04 ART235 SEGS ART244.
Jurisprudência Nacional:TC 553/2013
Referência a Doutrina:MENEZES LEITÃO - CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO ALMEDINA 50ED PÁG243.
CATARINA SERRA - O NOVO REGIME PORTUGUÊS DA INSOLVÊNCIA UMA INTRODUÇÃO PÁG73-74.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I Relatório

A………… interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte de 19.4.2013 que negou provimento ao recurso interposto e confirmou a sentença do TAF do Porto que julgou procedente a acção proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e declarou a perda de mandato do ora Recorrente.

Para tanto alegou, vindo a concluir assim a sua alegação:
I- Por acórdão proferido em 19 de Abril de 2013, decidiu o Tribunal «a quo» não conceder provimento ao recurso, aderindo à decisão da 1ª instância a qual declarou a perda de mandato do ora Recorrente.
II- Refere o douto acórdão em crise, que “(...) o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 6° impede a elegibilidade para os órgãos das autarquias locais dos falidos e insolventes, salvo se reabilitados. Não se configura a necessidade de realizar uma interpretação ab-rogante, uma vez que não se vislumbra nenhuma contradição entre o disposto na Lei Orgânica n° 1/2001 de 14 de Agosto e o CIRE. (...)”
III- Baseando-se para tal em que “(...) mesmo eliminando a reabilitação, por, em abstracto, já não existir tal regime actualmente, sempre ficaria a parte restante da norma: são inelegíveis os insolventes.
IV- E ainda, que neste contexto, o sentido da decisão final da exoneração do passivo restante prevista no CIRE não pode deixar de ser o mesmo que o previsto no CPEREF quanto à reabilitação. (...)”;
V- Referindo ainda, que “(...) a ideia do legislador é a mesma em ambos os diplomas, por referência à ratio legis do artigo 6° no 2, alínea a): os insolventes reintegrados plenamente na vida económica já são elegíveis, permitindo a lei que comecem de novo (...). E, na mesma lógica que estava subjacente à ratio legis da previsão da reabilitação, só a partir desse momento poderão (pessoas singulares declaradas insolventes) encontrar-se em situação de elegibilidade, porque “frescas”, “limpas”, em suma, reabilitadas. (...)”;
VI- Porém, e salvo melhor opinião, tal interpretação não pode ser feita nesse sentido, isto porque, em primeiro lugar, o instituto da reabilitação previsto no Decreto-Lei n.° 132/93 deixou de ter paralelo em qualquer dos regimes revogatórios subsequentes.
VII- Nesse seguimento, não sendo possível ao Recorrente, ao abrigo do disposto no CIRE, lançar mão deste instituto, deve ser feita uma interpretação ab-rogante no sentido em que a declaração de insolvência deixou de constituir causa de inelegibilidade, conforme opinião doutrinária da Prof. Dra. Catarina Serra, professora de Direito da Universidade do Minho “Considero que este artigo da inelegibilidade esta revogado, porque o novo Código de Insolvência nem sequer prevê a reabilitação de que fala a lei eleitoral autárquica”.
VIII- Não podendo, de todo em todo, por força das regras e princípios constitucionais, aceitar-se o que se lê no acórdão “que, mesmo eliminada a reabilitação, por, em abstracto, já não existir tal regime actualmente, sempre ficaria a parte restante da norma: são inelegíveis os insolventes” - tal poderia correr o risco de ser interpretado - o que não se acredita - como admitindo uma capitis diminutio perpétua de quem alguma vez fosse declarado insolvente. Uma ilegalidade por omissão teria esse efeito. (neste sentido o Parecer do Prof. Dr. Jorge Miranda, que ora se junta)
IX- Em segundo lugar, e sem prescindir, a entender-se o mesmo sentido do instituto da reabilitação ao instituto da exoneração do passivo restante, por também aqui se permitir a reabilitação económica do devedor insolvente, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Recorrente nunca poder ser à decisão final da exoneração do passivo restante, mas sim ao despacho inicial;
X- Uma vez que, não se pode deixar de atender, em primeiro lugar aos requisitos necessários para ser proferido o despacho inicial de exoneração, em segundo lugar aos efeitos de uma insolvência considerada culposa ou fortuita e, por último, à possibilidade de cessação antecipada do procedimento de exoneração (art. 243° CIRE) e da revogação da exoneração (art 246 CIRE);
XI- Isto porque, se é no despacho inicial da concessão do benefício da exoneração do passivo restante em que há porventura os requisitos mais apertados a preencher e provar, logo, deve considerar-se que este pedido efectuado pelo devedor, corresponde ao pedido de reabilitação previsto no CPEREF;
XII- Até porque, é desta ponderada análise de dados objectivos que se vai aferir se o devedor é merecedor de uma nova oportunidade e se está apto para observar a conduta que lhe será imposta;
XIII- Salvo o devido respeito por diferente opinião, só nestes casos, ser indeferido o pedido de exoneração do passivo restante; a insolvência ser considerada culposa; a haver cessação antecipada do procedimento de exoneração (artº. 243° CIRE) ou ainda, revogação da exoneração (artº. 246° CIRE), se poderia, aí sim, considerar que o devedor não se encontra reabilitado e, como tal, inelegível;
XIV- Na verdade, para ser reabilitado o insolvente, tinha que alegar e provar que agiu no exercício da sua actividade com lisura e com a diligência normal, isto é, de boa-fé, honradamente, de forma atenta e cuidada à sua actividade, com inteiro respeito pelos interesses dos seus contratantes, sempre procurando não lesá-los nem prejudicá-los;
XV- O mesmo se aplica quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, em que o insolvente tem que preencher determinados requisitos de ordem substantiva, desde logo, que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência;
XVI- Pelo que, ao ser proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, nesta fase, é já possível concluir ter tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e de boa fé, pois a atribuição deste benefício pressupõe uma rigorosa análise sobre o comportamento do devedor/insolvente;
XVII- Mais, sendo as inelegibilidades ou incapacidades eleitorais passivas os factos, as circunstâncias ou os atributos que impedem alguém (um cidadão, estando em causa uma eleição política) de aceder à qualidade de destinatário de um acto electivo.
XVIII- O princípio é a capacidade; a inelegibilidade (art. 50º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa) é uma restrição, uma compressão do conteúdo de um direito para a salvaguarda de um bem ou um interesse constitucionalmente protegido (art. 18°, n° 2 CRP) ou, quando atinge certa pessoa em concreto uma intervenção restritiva. E restrição ou intervenção restritiva têm de ter sempre um fundamento material bastante.
XIX- Em suma, face a certas circunstâncias ou ocorrências, verificados os pressupostos constantes da Constituição e da lei, os cidadãos, individualmente considerados, podem sofrer restrição, suspensão ou mesmo privação de algum ou alguns dos seus direitos, liberdades e garantias.
XX- No entanto, tem de se estabelecer adequados meios de protecção não só para salvaguarda da constitucionalidade, mas, sobretudo, para protecção da verdade e das pessoas contra quaisquer formas de arbítrio de poder.
XXI- Pelo que, e a entender-se reabilitação prevista na parte final do art. 6°, n° 2, alínea a) da Lei Orgânica n° 1/2001, tendo em conta a modificação legislativa superveniente provocada pela entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, esta só pode fazer-se corresponder à decisão inicial de exoneração do passivo restante. (neste sentido o Parecer do Prof. Dr. Jorge Miranda)
XXII- Dado que traduz uma restrição ao Recorrente do direito, liberdade e garantia de participação política, previsto no art. 50° da CRP e como as restrições e as intervenções restritivas devem ser apreendidas sempre restritivamente e in dubio pro libertate, e atendendo a que a insolvência foi qualificada como fortuita. (também neste sentido o Parecer do Prof. Dr. Jorge Miranda)
XXIII- Uma vez que, a entender-se que seria de se fazer corresponder à decisão final de exoneração ao fim de cinco anos pelejaria com o art. 18°, n°2 da CRP, sendo aquela norma (art. 6°, n° 2 a) da Lei Orgânica n° 1/2001) inconstitucional, o que aqui expressamente se invoca. (conforme Parecer do Prof. Dr. Jorge Miranda aqui junto)
XXIV- Assim, mal andou o Tribunal «a quo», ao afirmar estar preenchido o tipo de ilícito previsto no artigo 8°, n° 1, alínea b) da Lei n° 27/96 de 01/08, uma vez que deve considerar-se que este artigo da inelegibilidade está revogado, porque o novo Código de Insolvência nem sequer prevê a reabilitação de que fala a lei eleitoral autárquica;
XXV- Ou, caso assim não se entenda, deve considerar-se o devedor reabilitado uma vez proferido o despacho inicial da exoneração do passivo restante, quando a insolvência tenha sido considerada fortuita, como sucedeu no presente caso.
XXVI- Da insolvência qualificada como fortuita não resultam efeitos nas limitações da capacidade jurídica, havendo apenas efeitos na esfera jurídica do insolvente;
XXVII- Apenas quando a mesma é qualificada como culposa, decreta a inibição de administrar património de terceiros, inibição para o exercício de comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação ou ainda empresas públicas ou cooperativas, etc., nos termos do art. 189° da Lei 16/2012 de 20 de Abril;
XXVIII- Os efeitos da declaração de insolvência são aqueles que vêm previstos no seu regime especial, não lhe podendo ser aplicados quaisquer outros;
XXIX- Entende o Recorrente que resulta evidente que o que subjaz ao impedimento previsto na Lei Orgânica é que exista ou tenha existido uma conduta culposa determinante da situação de falência ou insolvência, devendo ter-se em consideração a culpa do agente;
XXX- Sendo que, apenas um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo;
XXXI- Pelo que não haverá lugar à perda de mandato, por motivos de insolvência, na medida em que tenha sido proferido despacho de exoneração de passivo restante, e a insolvência haja sido qualificada como fortuita e não dolosa, enquadrando-se no âmbito do artigo 10º da Lei de 27/96, de 01/08;
XXXII- Logo, não existindo qualquer actuação dolosa, culpa grave, mera culpa ou até simples negligência neste caso, uma vez que a insolvência foi qualificada como fortuita, tanto a sua como a da B…………, não haverá lugar à perda de mandato, nos termos do n° 1 do art. 10º da Lei 27/96, de 01/08. E isto porque a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção;
XXXIII- Não resulta da matéria de facto dada como provada que a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos cargos pelo Recorrente, não ficassem garantidos.
XXXIV- Aliás, em nada é afectada, mostrando-se, salvaguardada a transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local;
XXXV- Por tudo o exposto, o douto acórdão sob censura faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nas disposições conjugadas da alínea a) do n° 2 do art. 6° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14/08 e na alínea b) do nº 1 do art. 8° da Lei 27/96, de 1 de Agosto;
XXXVI- Impondo-se a revogação do referido acórdão, por outro de acordo com a pretensão do insolvente, devendo ser revogada a decisão de perda de mandato, nos termos do disposto no artº 10° da Lei 27/96 de 01/08.”

O Magistrado do Ministério Público, junto do TCA Norte, contra-alegou nos seguintes termos:
“A- Questão Prévia: Não Admissibilidade do Recurso.
O recurso de revista a que alude o n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o legislador delineou o recurso de revista, em especial, se atentarmos nos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA’s em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Assim, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância, sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, a acontecer, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador - cfr. a Exposição de Motivos do CPTA.
Compete, por isso, ao recorrente que pretende lançar mão do recurso previsto no art° 150° do CPTA expor ao Tribunal ad quem as razões pelas quais, no seu entender, ocorrem os pressupostos da sua admissão.
Sucede, porém, que o recorrente nada alega em favor da admissibilidade de revista, limitando-se a apontar algumas ilegalidades (violação de lei ordinária e de princípios constitucionais), que assaca ao acórdão recorrido.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem reiteradamente afirmado que o art° 150º, n° 1 do CPTA não pode ser entendido como consagrando um recurso generalizado de revista - pois que das decisões dos TCAS proferidas na sequência de recurso de apelação não cabe, por via de regra, revista para o STA - mas antes como prevendo um recurso verdadeiramente excepcional admitido apenas em casos muito restritos.
Competia, assim, ao recorrente, pretendendo lançar mão deste particular instrumento processual, expor ao Tribunal ad quem as razões pelas quais, no seu entender, ocorriam, no caso, os pressupostos da admissão da revista. Todavia, omite de forma absoluta, não só qualquer argumentação tendente a demonstrar a relevância jurídica ou social da questão ou a clara necessidade de melhor aplicação do direito, mas até a simples afirmação de que ocorre, no caso, algum dos apontados pressupostos legais da admissão da revista.
Nestes termos, não vindo alegada nem, consequentemente, demonstrada a verificação de qualquer dos pressupostos da admissão do recurso, o mesmo deve ser rejeitado.
Sem conceder, no acórdão recorrido não se apura a existência de qualquer erro grosseiro, e a posição nele assumida reflecte a solução juridicamente mais consentânea sobre a controvérsia de fundo. Por isso, não se poderá argumentar que estamos ante uma questão que imponha a necessidade de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito. Com efeito, a situação que o recorrente pretende ver apreciada pelo STA, não se apresenta como especialmente complexa, nem se reveste de particular relevância jurídica.
Por outro lado, também não se vislumbra uma especial relevância social na apreciação do caso sub judice, nem qualquer interesse comunitário significativo, uma vez que os interesses em jogo se limitam ao interesse individual do Recorrente na procedência da sua pretensão, não ultrapassando os limites do caso concreto.
Deste modo, ainda que apreciando as questões suscitadas, também não se verificam os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, exigidos pelo art. 150, n° 1 do CPTA, pelo que o mesmo não deverá ser admitido.
B - Do recurso
É objecto do presente recurso o Acórdão proferido pelo TCAN que confirmou a sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou procedente a acção instaurada pelo Ministério Publico, declarando a perda de mandato do réu - Presidente da Assembleia de Freguesia de …………, Maia.
O recorrente nas suas alegações assaca ao Acórdão do TCAN diversas ilegalidades, que resume na ponta final das suas conclusões, a saber:
“XXIV- Assim, mal andou o Tribunal «a quo», ao afirmar estar preenchido o tipo de ilícito previsto no artigo 8°, n° 1, alínea b,) da Lei n° 27/96 de 01/08, uma vez que deve considerar-se que este artigo da inelegibilidade está revogado, porque o novo Código de Insolvência nem sequer prevê a reabilitação de que fala a lei eleitoral autárquica;
XXV- Ou, caso assim não se entenda, deve considerar-se o devedor reabilitado uma vez proferido o despacho inicial da exoneração do passivo restante, quando a insolvência tenha sido considerada fortuita, como sucedeu no presente caso.
XXVI- Da insolvência qualificada como fortuita não resultam efeitos nas limitações da capacidade jurídica, havendo apenas efeitos na esfera jurídica do insolvente;
XXVII- Apenas quando a mesma é qualificada como culposa, decreta a inibição de administrar património de terceiros, inibição para o exercício de comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação ou ainda empresas públicas ou cooperativas, etc, nos termos do art. 189° da Lei 16/2012 de 20 de Abril;
XXVIII- Os efeitos da declaração de insolvência são aqueles que vêm previstos no seu regime especial, não lhe podendo ser aplicados quaisquer outros;
XXIX- Entende o Recorrente que resulta evidente que o que subjaz ao impedimento previsto na Lei Orgânica é que exista ou tenha existido uma conduta culposa determinante da situação de falência ou insolvência, devendo ter-se em consideração a culpa do agente;
XXX- Sendo que, apenas um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo;
XXXI- Pelo que não haverá lugar à perda de mandato, por motivos de insolvência, na medida em que tenha sido proferido despacho de exoneração de passivo restante, e a insolvência haja sido qualificada como fortuita e não dolosa, enquadrando-se no âmbito do artigo 10° da Lei de 27/96, de 01/08;
XXXII- Logo, não existindo qualquer actuação dolosa, culpa grave, mera culpa ou até simples negligência neste caso, uma vez que a insolvência foi qualificada como fortuita, tanto a sua como a da B…………, não haverá lugar à perda de mandato, nos termos do n° 1 do art. 10° da Lei 27/96, de 01/08. E isto porque a perda de mandato foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção;
XXXIII- Não resulta da matéria de facto dada como provada que a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos cargos pelo Recorrente, não ficassem garantidos.
XXXIV- Aliás, em nada é afectada, mostrando-se, salvaguardada a transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local;
XXXV- Por tudo o exposto, o douto acórdão sob censura faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nas disposições conjugadas da alínea al. a) do n° 2 do art 6° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14/08 e na alínea b) do n° 1 do art. 8° da Lei 27/96, de 1 de Agosto;
XXXVI- Impondo-se a revogação do referido acórdão, por outro de acordo com a pretensão do insolvente, devendo ser revogada a decisão de perda de mandato, nos termos do disposto no art. 100 da Lei 27/96 de 01/08.”
Para enquadramento do recurso e das questões nele suscitadas impõe-se delinear o quadro legal do regime da inelegibilidade e da perda de mandato, nomeadamente no caso da declaração de falência/insolvência de pessoa singular.
Importa transpor para aqui o disposto na Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. O seu artigo 5.°, reportando-se à capacidade eleitoral passiva, elenca os cidadãos que são elegíveis para os órgãos das autarquias locais. Por outro lado, os artigos 6.° e 7° desta Lei elencam quem não é elegível para esses órgãos, inelegibilidades gerais e especiais, respectivamente. Assume particular pertinência no caso em apreço o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.°, pois são igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.
Quando esta Lei Orgânica entrou em vigor, estava em perfeita sintonia, com o então vigente Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF) - Decreto-Lei n.° 132/93, de 23 de Abril, que, em situações específicas e a pedido do interessado, previa a cessação dos efeitos da falência em relação ao falido, referindo-se especificamente, no artigo 239.°, à reabilitação do falido:
“Artigo 239°
Reabilitação do falido
1- Levantados os efeitos da falência nos termos do artigo anterior, o juiz decretará a reabilitação do falido, desde que se mostrem extintos os efeitos penais decorrentes da indiciação das infracções previstas no n.° 1 do artigo 224°.
2- A decisão de reabilitação é igualmente averbada no registo à inscrição da falência, a instância do interessado. (...)”
Porém, com a entrada em vigor do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) - Decreto-Lei n.° 53/2004, de 18 de Março, deixou de, expressamente, se fazer qualquer referência ao conceito específico de “reabilitação”. No entanto, no tratamento dispensado às pessoas singulares, destacam-se os regimes da exoneração do passivo restante e do plano de pagamentos.
A exoneração do passivo restante é uma figura inovadora no direito da insolvência português e aplica-se exclusivamente às pessoas singulares, verificados determinados pressupostos.
Este instituto encontra a sua regulamentação, como vimos, nos artigos 235.° e seguintes do CIRE, e os seus fundamentos são explicitados no ponto 45 do preâmbulo do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março:
compaginar o ressarcimento dos credores com a possibilidade de reabilitação económica do devedor insolvente, libertando-os de algumas dívidas é o princípio do fresh start.” (MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, Almedina, 2ª edição, pág. 312)(sublinhado nosso).
Não se verificando nenhum dos fundamentos de indeferimento liminar enunciado no artigo 238.° do CIRE, é proferido despacho inicial, nos termos do n.° 2 do artigo 239.° do mesmo diploma.
Esse despacho determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, que constituem o período da cessão na terminologia legal, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir nesse lapso temporal considera-se cedido a um fiduciário escolhido pelo tribunal, que o canalizará, no final de cada ano, para as finalidades enunciadas no artigo 241º do CIRE (custas e despesas com a insolvência, remuneração do fiduciário e pagamento dos credores).
O despacho inicial não consubstancia a decisão relativa à exoneração do passivo restante, garantindo apenas a passagem para a fase subsequente, o período de cessão, findo o qual, e cumpridos os ónus que impendem sobre o insolvente (artigo 239.°, n.° 4 CIRE), é proferida decisão final, concedendo a exoneração do passivo restante.
A exoneração do passivo restante abrange, assim, as dívidas do insolvente que não lograram obter pagamento no processo de insolvência ou no período de cessão (cfr. artigo 235.° CIRE).
Confrontando os dois diplomas, não podemos deixar de concluir, como alega o recorrente, que o regime da reabilitação, tal como configurado no CPEREF deixou de se encontrar previsto no CIRE. No entanto, não alinhamos com o recorrente no entendimento de que dever ser feita uma interpretação ab-rogante, no sentido em que a declaração de insolvência deixou de constituir causa de inelegibilidade.
O disposto na al. a) do n° 2 do art° 6° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto, mantém-se em vigor, impedindo a elegibilidade para os órgãos das autarquias locais, os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.
Impõe-se deste modo, como bem se salienta no Acórdão recorrido, efectuar uma interpretação dinâmica e actualista do disposto no artigo 6.°, n.° 2, alínea a) desta Lei, por referência às regras e regimes entretanto vigentes com o CIRE. E aqui subscrevemos por inteiro o discurso argumentativo do Acórdão:
“Neste contexto, o sentido da decisão final da exoneração do passivo restante prevista no CIRE não pode deixar de ser o mesmo que previsto no CPEREF quanto à reabilitação. A ideia do legislador é a mesma em ambos os diplomas, por referência à ratio legis do artigo 6°, n° 2, alínea a): os insolventes reintegrados plenamente na vida económica já são elegíveis, permitindo a lei que comecem de novo, nas palavras ínsitas no preâmbulo do CIRE, está em causa um fresh start. E, na mesma lógica que estava subjacente à ratio legis da previsão da reabilitação, só partir desse momento poderão (pessoas singulares declaradas insolventes) encontrar-se em situação de elegibilidade, porque frescas”, “limpas”, em suma, reabilitadas.”
A exoneração do passivo restante constitui uma novidade do nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão (Restschuldbefreiung), determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares uma oportunidade de começar de novo (fresh starty). (MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 4ª Ed., 2012, p. 297/298.) De acordo com o art. 235°, trata-se da concessão de uma exoneração dos créditos sobre a insolvência que não fiquem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento.
O objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, aprendida a lição, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica. (CATARINA SERRA, O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução, p. 73 a 74.)
Concluímos, deste modo, tal como no Acórdão recorrido, que o preceito da al. a) do n° 2 do art° 6° da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto, mantém-se em vigor, impedindo a elegibilidade para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados, ou no contexto actual, salvo se “limpos”, “purificados” ou “perdoados”, pelo instituto da exoneração do passivo restante.
Daí que, ao contrário do alegado pelo recorrente, apoiado no douto Parecer junto, não se corre o risco de uma inelegibilidade perpétua, já que, cumpridas as condições impostas, o tribunal decretará a exoneração em termos definitivos, “libertando” o insolvente da capitis deminutio que padecia.
Ultrapassada a questão da vigência deste preceito legal e da aplicabilidade do instituto da exoneração do passivo restante à reabilitação, surge o problema de determinar como se deve entender o segmento final do art. 6°, n° 2, alínea a) da Lei Orgânica n° 1/2001, tendo em conta a modificação legislativa superveniente provocada pela entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas de 2004. Isto é, como se refere no Parecer, “deverá entender-se reabilitação como envolvendo a exigência do decurso do prazo de cinco anos sobre o encerramento do processo de insolvência e da decisão final de exoneração nos termos do art. 244° do Código? Ou, atendendo a que a insolvência, no caso da consulta, foi qualificada como fortuita, e não como culposa, e a que já foi proferido despacho inicial de exoneração, isso corresponderá ao alcance visado pela lei efectiva?”
Sustenta o recorrente que a sua insolvência, bem como a da B…………, foram qualificadas como fortuitas e não resultantes de qualquer actuação dolosa ou com culpa grave do devedor. Defende, ainda, que a qualificação da insolvência como fortuita é, já por si, a reabilitação do insolvente.
Ora vejamos:
A atribuição do benefício da exoneração do passivo restante pressupõe uma rigorosa análise sobre o comportamento do devedor/insolvente, inclusive anterior ao processo, de forma a poder concluir-se que é dele merecedor. Neste sentido, afirma Assunção Cristas (Novo Direito da Insolvência Revista Thémis, Ano de 2005, p. 170) que para ser proferido despacho inicial “é necessário que o devedor preencha determinados requisitos de ordem substantiva. A saber que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência é neste momento inicial de obtenção do despacho inicial de acolhimento do pedido de exoneração que há porventura os requisitos mais apertados a preencher e a provar. A conduta do devedor é devidamente analisada através da ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta.”
“A exoneração do passivo restante é aplicável exclusivamente aos devedores pessoas singulares que se tenham “portado bem”, desde que não tenha sido aprovado e homologado um plano de insolvência (art. 23 7°, al. c)). Assim, desde logo, e em primeiro lugar, o devedor não merece a oportunidade que este instituto lhe confere, constituindo motivo de indeferimento liminar do pedido de exoneração, de acordo com o art. 238°, n° 1: a prestação por escrito, dolosa ou com culpa grave, pelo devedor de informações falsas ou incompletas sobre a sua situação económica com as finalidades da al. b), nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência; a violação do dever de apresentação à insolvência ou, não existindo esse dever, a falta de apresentação à insolvência nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo, em qualquer dos casos, para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não haver qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica (al. d); a existência de elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do art. 186, (al.e))...; a violação pelo devedor, com dolo ou culpa grave, dos deveres de informação, apresentação e colaboração na pendência do processo (al. g)).” (Maria do Rosário Epifânio, op., cit., p. 298/299.)
Quer isto dizer que a concessão deste benefício não é automática; dependendo de determinados requisitos de ordem substantiva, tais como a honestidade, transparência, e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, requisitos, em suma, integradores da possibilidade de qualificação da insolvência como fortuita. Na verdade, se a falência tivesse sido qualificada como culposa, muito provavelmente, o recorrente não teria beneficiado do instituto da exoneração do passivo restante.
Daí que a qualificação da insolvência como fortuita não determina, por si só, a reabilitação do insolvente. Nem agora no âmbito do CIRE, nem anteriormente no domínio do CPEREF. Basta atentar nas condições e pressupostos previstos nos artigos 238.° e 239° do CPEREF e nos artigos 235° a 247.° do CIRE.
Com já referimos, o objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica. Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente.
Por isso, a admissão liminar da exoneração do passivo restante não liberta o insolvente, impondo-lhe determinadas condições e deveres, constituindo, inclusivamente, motivo de cessação antecipada do procedimento (nos termos do art. 243°, n° 1, al. a)) a conduta, dolosa ou com culpa grave, do devedor que, prejudicando a satisfação dos créditos sobre a insolvência, viole os deveres impostos no art. 239°, n° 4, durante o período da cessão. Pelo que, a exoneração do passivo restante será concedida ao insolvente desde que o mesmo cumpra durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência as condições que lhe foram impostas. Deste modo, só com a concessão definitiva deste benefício se pode considerar que o devedor está reabilitado.
Ora compulsada a matéria de facto apurada, verifica-se que o demandado foi declarado insolvente em 29/01/2010, cuja publicação se efectivou em 23/02/2010.
Por outro lado, por decisão proferida no âmbito do processo de insolvência, em 02/09/2011, ordenou-se o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, admitindo-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e determinando-se que a exoneração do passivo restante será concedida ao insolvente desde que o mesmo cumpra durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência as condições impostas. Como o processo de insolvência somente foi encerrado em 02/09/2011, ainda não decorreram cinco anos desde esse momento, sendo que o recorrente ainda se encontra a cumprir as condições, pelo que, só no final, poderá alcançar a efectiva obtenção do benefício.
Por esta razão a situação do recorrente enquadra-se no tipo de ilícito previsto no artigo 8.°, n° 1, al. b) da Lei n.° 27/96, de 01/08: após eleição (e investido em 30/10/2009 nas funções de Presidente da Assembleia de Freguesia de …………) o recorrente colocou-se em situação que o torna inelegível - foi declarado insolvente, conforme publicação no Diário da República em 23/02/2010, sem que esteja libertado definitivamente dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, não se verificando, por isso, ainda, a reabilitação económica do demandado/insolvente - cfr. artigo 6.°, n.° 2, alínea a) da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto. Ou seja, não se pode ainda concluir, de forma definitiva, ter tido o devedor um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência.
Ultrapassada esta questão, importa ainda apreciar o elemento “culpa”, por referência ao disposto no artigo 10.° da Lei n° 27/96, de 1 de Agosto: “(...) não haverá lugar à perda de mandato quando se verifiquem causas que justifiquem o facto ou excluam a culpa dos agentes.”
Argumenta o recorrente que a sua insolvência, bem como a da B…………, foram qualificadas como fortuitas e não resultantes de qualquer actuação dolosa ou com culpa grave do devedor.
Contudo, a perda de mandato por o demandado se ter colocado numa situação que o torna inelegível assume contornos específicos, que não permitem apreciar a culpa nestes moldes e tal como previsto no artigo 10.° da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto.
A circunstância de a perda de mandato associada a inelegibilidades não estar dependente de avaliação que se pudesse fazer quanto à culpa, já foi decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 382/01, de 26.09.2001, proferido no âmbito do Processo n.° 134/01, a cujo sentido decisório aqui aderimos inteiramente e que passamos a transcrever:
“A Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, estipula na alínea b) do n. 1 do artigo 8.º que incorrem na perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que após a eleição sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de situação de inelegibilidade existente e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição. (...)
A inelegibilidade como fundamento da perda de mandato de quem exerce funções de membro de órgão autárquico justifica-se pela necessidade de garantir a isenção e a independência no exercício do cargo autárquico. Pretende-se assegurar que quem foi eleito membro de órgão autárquico garanta no exercício do cargo essas isenção e independência, competindo ao legislador ordinário criar, por um lado, condições para que os cargos autárquicos sejam exercidos com isenção e independência e, por outro, condições para que os titulares dos cargos autárquicos se apresentem aos olhos dos cidadãos como pessoas acima de qualquer suspeita.
Não se vê qualquer razão para distinguir entre as situações de inelegibilidade ab initio em que a pessoa não pode ser eleita para salvaguarda da transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local e a inelegibilidade após a eleição de pessoa que, pela qualidade de funcionário dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios, não garante essas mesmas características no desempenho das suas funções, independentemente de um juízo de culpa sobre a sua actuação concreta. (...)
Assim, conclui-se não ser inconstitucional a norma da alínea b,) do n.° 1 do art. 8.º da Lei n.° 27/96 de 1 de Agosto, na parte em que determina a perda de mandato aos membros de órgãos autárquicos que, após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis, nomeadamente e in casu, quando a inelegibilidade resultar da declaração de falência proferida com trânsito em julgado, inexistindo reabilitação do falido, ainda que tal pronúncia judicial tenha ocorrido durante o exercício do cargo autárquico, ou seja, ainda que se trate de uma inelegibilidade superveniente em relação à data do início do exercício do cargo. (...)”
Deste modo, como se salienta no Acórdão recorrido, “não fará qualquer sentido apreciar, em concreto, a culpa do recorrente nos moldes previstos no artigo 10.º da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, e até chegar à conclusão que existem causas que justificam a insolvência e excluem a sua culpa, obviando à perda do mandato, mas depois ter que afirmar, de forma certa e segura, que o insolvente é inelegível, pois o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 6° da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, impede, por si só, a eleição de insolvente que não se encontre reabilitado.”
Assim, atento o disposto nas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 2 do art. 6.° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto e na alínea b) do nº 1 do art. 8.° da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, verificam-se os pressupostos factuais e legais que determinam a perda de mandato do recorrente.
Neste contexto, mostra-se também irrelevante o facto de o cargo exercido pelo recorrente, de Presidente da Assembleia de Freguesia, ser meramente deliberativo. Com efeito, o que se impõe é a salvaguarda da transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local, que, no momento, ainda não se mostra assegurada.
Por isso, a restrição ao direito fundamental de sufrágio passivo - art° 50º da CRP- é admissível atenta a necessidade de salvaguardar outros interesses igualmente relevantes, tais como garantir a isenção e a independência com que os titulares dos órgãos autárquicos devem exercer os seus cargos e gerir os dinheiros públicos e bem assim, assegurar a imagem pública dos eleitos, nomeadamente, os locais, de molde a que possam ser vistos como referências pelos eleitores e não como factores de desconfiança e suspeição.
Concluindo:
1- O recurso de revista não deverá ser admitido, por não terem sido alegados os pressupostos da sua admissibilidade e também por estes não se verificarem in casu
II- Sem conceder, e no caso da sua admissibilidade, deverá ser negado provimento ao recurso, uma vez que se verificam os pressupostos factuais e legais que determinam a perda de mandato do recorrente.”

Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir

II Factos

O acórdão recorrido, remetendo para a sentença do TAF, deu por assente a factualidade nos seguintes termos:
1. A………… foi eleito membro da Assembleia de Freguesia de …………, no concelho da Maia, para o quadriénio 2009/2013, tendo sido eleito integrando a lista do PPD/PSD.
2. Aquando da instalação da Assembleia de Freguesia de …………, em 30/10/2009, o aqui demandado foi investido como Presidente dessa Assembleia de Freguesia - cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial.
3. Desde essa data até ao momento, A………… tem vindo a exercer essas funções na referida autarquia local - cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial e face à admissão por acordo das partes.
4. Por decisão proferida em 29/01/2010, transitada em julgado em 15/03/2010, foi julgada reconhecida e declarada a situação de insolvência de A…………, pelo 2.° Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia, no âmbito do processo n.° 91/10.6TBMAI - cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial.
5. Pela mesma decisão foram avocados os processos de execução fiscal e de execução de dívidas à segurança social pendentes contra o aqui demandado, a fim de serem apensados ao processo n.° 91/10.6TBMAI - cfr. o mesmo documento.
6. Esta declaração de insolvência de pessoa singular foi publicada no Diário da República, II Série, n.° 37, de 23/02/2010, pelo Anúncio n.° 1775/2010 - cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial.
7. Por decisão proferida em 06/05/2010, no âmbito do processo n.° 91/10.6TBMAI-B, considerando o teor do parecer elaborado pelo Sr. Administrador de Insolvência, ponderando a concordância manifestada pelo Ministério Público e ao abrigo do disposto pelo artigo 188°, n.° 4 do CIRE, foi qualificada a insolvência do demandado como fortuita - cfr. fls. 158 e 159 do processo físico, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
8. Por decisão proferida no âmbito do mesmo processo, em 02/09/2011, no Tribunal Judicial da Maia, ordenou-se o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, admitindo-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e determinando-se que a exoneração do passivo restante será concedida ao insolvente desde que o mesmo cumpra durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência as seguintes condições:
a) proceda à entrega ao Senhor Administrador da Insolvência que, desde já se nomeia como fiduciário, a título do rendimento disponível da quantia de €100,00 mensais a que acrescem os montantes auferidos como subsídio de férias e subsídio de Natal e ainda a totalidade de todas as devoluções de IRS que venha a auferir;
b) não oculte ou dissimule quaisquer rendimentos que aufira, a qualquer título, devendo informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património sempre que tal lhe seja solicitado;
c) informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições pessoais ou profissionais (…);
d) não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores - cfr. documento n.° 2 junto com a contestação, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
9. Na sessão ordinária da Assembleia de Freguesia de …………, realizada em 27/04/2012, um membro da mesma, eleito pelo Partido Socialista, questionou a legitimidade do Presidente da Mesa em ocupar o lugar, considerada a declaração de insolvência publicada em 23/2/2010 no Diário da República - cfr. o já referenciado documento n.° 2.
10. Nessa sequência e uma vez que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista (autarcas eleitos para a Assembleia de Freguesia) solicitou junto do Presidente da Junta de Freguesia a promoção de instauração de acção para que fosse declarada a perda de mandato de A…………, a Junta de Freguesia de ………… solicitou parecer a consultora jurídica, tendo em vista apreciar a questão da inelegibilidade e da necessária perda de mandato - cfr. fls. 165 a 171 do processo físico, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
11. A Turisdictio Consultadoria Jurídica concluiu, nesse parecer ínsito nos autos, que, no caso concreto, não haverá lugar à perda de mandato, uma vez que o Presidente da Assembleia de Freguesia não assume qualquer cargo de gestão financeira e/ou económica, como fundamento para a inelegibilidade, por motivos de insolvência, na medida em que esta foi qualificada como fortuita e não dolosa, enquadrando-se no âmbito do artigo 10.° da lei n.° 27/96, de 1 de Agosto - cfr. o mencionado parecer técnico-jurídico.
Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor de todos os documentos juntos aos autos referentes à B…………, Lda., da qual o demandado foi sócio-gerente e que foi declarada insolvente, com decisão de qualificação de fortuita em 28/09/2010 - cfr. 109 a 111, 160 a 163 e 50 a 82 do processo físico.
Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, nos documentos ínsitos nos autos, atenta a prova testemunhal produzida e face à admissão, por acordo das partes.

III Direito

1. Por acórdão proferido pela formação da Secção de Contencioso Administrativo prevista no n.º 5 do art. 150º do CPTA, de 27.9.13, foi admitido o recurso de revista deduzido por A………… do acórdão do TCA Norte de 19.4.2013 que negou provimento ao recurso interposto e confirmou a sentença do TAF do Porto de 14.2.13, que julgou procedente a acção proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e declarou a perda do seu mandato com Presidente da Assembleia de Freguesia de …………, no concelho da Maia, para o quadriénio 2009/2013, tendo sido eleito integrando a lista do PPD/PSD.
2. Os fundamentos de admissão do presente recurso, onde se definem as questões a que urge responder, encontram-se naquele acórdão explanados nos seguintes termos:
“No caso em apreço o acórdão sob censura confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de ordenar perda de mandato do recorrente como Presidente da Assembleia de Freguesia de …………, Maia, na medida em que foi declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, e não se encontra reabilitado ou em situação equivalente à reabilitação. E também se entendeu o acórdão que não há lugar nestes casos a verificar-se do grau de culpa na criação da situação de insolvência.
Apresentam-se em discussão nos autos e foram objecto de alargada apreciação na sentença e acórdão recorrido a conjugação do regime previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 27/96, de 01/08 (perda de mandato dos membros do órgãos autárquicos), e artigo 6°, n.° 2, alínea a) da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14/08 (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), face à alteração do regime da insolvência de pessoas singulares, introduzido pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n° 53/2004, de 18/03.
E ainda foi apreciado se há lugar em situações do género a verificar-se do grau de culpa na criação da situação, no quadro do disposto no artigo 10.º da Lei 27/96. O tratamento realizado nas decisões e a discussão efectuada pelas partes evidenciam que estão em causa questão jurídica complexas. Além disso, essas questões relevam de matéria respeitante aos titulares de órgãos autárquicos, portanto, à organização democrática do Estado, sendo a perda de mandato uma medida de natureza grave.
Assim, essas questões atingem o patamar de importância fundamental, nos termos previstos no artigo 150.° do CPTA”.
3. No acórdão recorrido está em causa, simplesmente, a perda de mandato do recorrente como membro de uma Assembleia da Freguesia, pelo facto de ter sido declarado insolvente com base no “disposto nas disposições conjugadas da alínea a) do n.° 2 do art. 6.° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto e na alínea b) do n.° 1 do art. 8.º da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto”. No essencial a decisão em apreço limitou-se a confirmar o discurso da sentença do TAF do Porto que, por uma questão de mera simplificação, se vai transcrever nos seus pontos mais relevantes:

“Importará começar por apreciar o teor dos artigos 8.º, 9º e 10.º da Lei n.° 27/96, de 01/08 (diploma que contém o regime jurídico da tutela administrativa do Estado sobre as autarquias locais), já referenciado, que se passam a transcrever:
Artigo 8.°
Perda de mandato
1- Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que:
a) Sem motivo justificativo, não compareçam a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou 12 reuniões interpoladas;
b) Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição;
c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;
d) Pratiquem ou sejam individualmente responsáveis pela prática dos actos previstos no artigo seguinte.
2- Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.
3- Constitui ainda causa de perda de mandato a verificação, em momento posterior ao da eleição, de prática, por acção ou omissão, em mandato imediatamente anterior, dos factos referidos na alínea d) do n.° 1 e no n.° 2 do presente artigo.
Artigo 9.°
Dissolução de órgãos
Qualquer órgão autárquico ou de entidade equiparada pode ser dissolvido quando:
a) Sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais;
b) Obste à realização de inspecção, inquérito ou sindicância, à prestação de informações ou esclarecimentos e ainda quando recuse facultar o exame aos serviços e a consulta de documentos solicitados no âmbito do procedimento tutelar administrativo;
c) Viole culposamente instrumentos de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes;
d) Em matéria de licenciamento urbanístico exija, de forma culposa, taxas, mais-valias, contrapartidas ou compensações não previstas na lei;
e) Não elabore ou não aprove o orçamento de forma a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano, salvo ocorrência de facto julgado justificativo;
f) Não aprecie ou não apresente a julgamento, no prazo legal, as respectivas contas, salvo ocorrência de facto julgado justificativo;
g) Os limites legais de endividamento da autarquia sejam ultrapassados, salvo ocorrência de facto julgado justificativo ou regularização superveniente;
h) Os limites legais dos encargos com o pessoal sejam ultrapassados, salvo ocorrência de facto não imputável ao órgão visado;
i) Incorra, por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.
Artigo 10.º
Causas de não aplicação da sanção
1- Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes. (...)

É imputado ao réu, após a eleição, ter-se colocado em situação que o torna inelegível.
A primeira questão, cuja apreciação para este momento se relegou, prende-se com o tipo de ilícito e averiguar se o mesmo se encontra presente, já que a sua ausência obstará que se prossiga na análise da ilicitude e da culpa do réu.
Lembramos o direito fundamental de natureza política que está em causa e a natureza sancionatória da perda de mandato, pelo que este tribunal não fará interpretações extensivas ou aplicações analógicas, sob pena de poder estar a restringir o direito já referenciado.
Nestes termos, os fundamentos para a aplicação da sanção de perda de mandato são os que se encontram previstos de forma tipificada nos artigos 8.º e 9º já mencionados, sem remissão para outros diplomas legais. Como já referimos, no caso vertente, está em causa averiguar se o demandado se colocou em situação que o torna inelegível.
Logo, o primeiro ponto basilar é determinar se as circunstâncias concretas do demandado se reconduzem a uma situação de inelegibilidade. Releva fazer apelo ao disposto na Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. O seu artigo 5.°, reportando-se à capacidade eleitoral passiva, elenca os cidadãos que são elegíveis para os órgãos das autarquias locais. Por outro lado, os artigos 5º e 7º desta Lei elenca quem não é elegível para esses órgãos, inelegibilidades gerais e especiais, respectivamente. Assume particular pertinência no caso em apreço o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.º, pois são igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados.
Ora, quando esta Lei Orgânica entrou em vigor, em perfeita sintonia, era vigente o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF) - Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, que, em situações específicas e a pedido do interessado, previa a cessação dos efeitos da falência em relação ao falido, referindo-se especificamente, no artigo 239.º, à reabilitação do falido:
“(...) Cessação dos efeitos da falência em relação ao falido
Artigo 238.°
Cessação dos efeitos legais
1- Os efeitos decorrentes da declaração de falência, relativos ao falido, podem ser levantados pelo juiz, a pedido do interessado, nos seguintes casos;
a) Havendo acordo extraordinário entre os credores reconhecidos e o falido, homologado nos termos do artigo 237°;
b) Depois do pagamento integral ou da remissão de todos os créditos que tenham sido reconhecidos;
c) Pelo decurso de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão que tiver apreciado as contas finais do liquidatário;
d) Decorridos os prazos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 225.º, quando não tenha havido instauração de procedimento criminal e o juiz reconheça que o devedor, ou, tratando-se de sociedade ou pessoa colectiva, o respectivo administrador, agiu no exercício da sua actividade com lisura e diligência normal.
2- A decisão é proferida no processo de falência, juntos os documentos comprovativos necessários e produzidas as provas oferecidas e depois de ouvido o liquidatário judicial, e será averbada à inscrição do registo da falência, a instância do interessado.
Artigo 239.°
Reabilitação do falido
1- Levantados os efeitos da falência nos termos do artigo anterior, o juiz decretará a reabilitação do falido, desde que se mostrem extintos os efeitos penais decorrentes da indiciação das infracções previstas no n.° 1 do artigo 224.°.
2- A decisão de reabilitação é igualmente averbada no registo à inscrição da falência, a instância do interessado. (…)
Contudo, com a entrada em vigor do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) - Decreto-Lei n.° 53/2004, de 18 de Março, deixou de expressamente se fazer qualquer referência ao conceito específico de “reabilitação”. No entanto, no tratamento dispensado às pessoas singulares, destacam-se os regimes da exoneração do passivo restante e do plano de pagamentos: “(...) O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica, O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante».
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica. (...). Permite-se às pessoas singulares, não empresários ou titulares de pequenas empresas, a apresentação, com a petição inicial do processo de insolvência ou em alternativa à contestação, de um plano de pagamentos aos credores.
O incidente do plano abre caminho para que as pessoas que podem dele beneficiar sejam poupadas a toda a tramitação do processo de insolvência (com apreensão de bens, liquidação, etc.), evitem quaisquer prejuízos para o seu bom nome ou reputação e se subtraiam às consequências associadas à qualificação da insolvência como culposa.
Admite-se a possibilidade de o juiz substituir, em certos casos, a rejeição do plano por parte de um credor por uma aprovação, superando-se uma fonte de frequentes frustrações de procedimentos extrajudiciais de conciliação, que é a da necessidade do acordo de todos os credores. (...)“ cfr. preâmbulo do diploma.
Não podemos deixar de salientar que, quando é concedido o benefício da exoneração, permite-se a reintegração plena do insolvente na vida económica.
Veja-se o regime previsto no CIRE, por contraponto com o vigente à data da publicação da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto:
“(...) TÍTULO XII
Disposições específicas da insolvência de pessoas singulares
CAPÍTULO 1
Exoneração do passivo restante
Artigo 235.°
Princípio geral
Se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.
Artigo 236.°
Pedido de exoneração do passivo restante
1- O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio.
2- Se não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, deve constar do acto de citação do devedor pessoa singular a indicação da possibilidade de solicitar a exoneração do passivo restante, nos termos previstos no número anterior.
3- Do requerimento consta expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes.
4- Na assembleia de apreciação de relatório é dada aos credores e ao administrador da insolvência a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento.
Artigo 237.°
Processamento subsequente
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe que:
a) Não exista motivo para o indeferimento liminar do pedido, por força do disposto no artigo seguinte;
b) O juiz profira despacho declarando que a exoneração será concedida uma vez observadas pelo devedor as condições previstas no artigo 239.º durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado despacho inicial;
c) Não seja aprovado e homologado um plano de insolvência;
d) Após o período mencionado na alínea b), e cumpridas que sejam efectivamente as referidas condições, o juiz emita despacho decretando a exoneração definitiva, neste capítulo designado despacho de exoneração.
Artigo 239.°
Cessão do rendimento disponível
1- Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes.
2- O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.
3- Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
H) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
Hi) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
5- A cessão prevista no n.° 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor.
6- Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão. (...)
Artigo 243.°
Cessação antecipada do procedimento de exoneração
1- Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:
a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.°, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;
b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.° 1 do artigo 238.º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;
c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
2- O requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova. 3 - Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.° 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.
4- O juiz, oficiosamente ou a requerimento do devedor ou do fiduciário, declara também encerrado o incidente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência.
Artigo 244.°
Decisão final da exoneração
1- Não tendo havido lugar a cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência.
2- A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.
Artigo 245.°
Efeitos da exoneração
1- A exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, sendo aplicável o disposto no n.° 4 do artigo 217.°
2 - A exoneração não abrange, porém
a) Os créditos por alimentos;
b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;
c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;
d) Os créditos tributários.
Artigo 246.°
Revogação da exoneração
1- A exoneração do passivo restante é revogada provando-se que o devedor incorreu em alguma das situações previstas nas alíneas b) e seguintes do n.° 1 do artigo 238.º, ou violou dolosamente as suas obrigações durante o período da cessão, e por algum desses motivos tenha prejudicado de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência.
2- A revogação apenas pode ser decretada até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração; quando requerida por um credor da insolvência, tem este ainda de provar não ter tido conhecimento dos fundamentos da revogação até ao momento do trânsito.
3 - Antes de decidir a questão, o juiz deve ouvir o devedor e o fiduciário.
4 - A revogação da exoneração importa a reconstituição de todos os créditos extintos.
Artigo 247º
Publicação e registo
Os despachos iniciais, de exoneração, de cessação antecipada e de revogação da exoneração são publicados e registados, nos termos previstos para a decisão de encerramento do processo de insolvência.
(...)”
A exoneração do passivo restante é uma figura inovadora no direito da insolvência português e aplica-se exclusivamente às pessoas singulares, verificados determinados pressupostos.
Este instituto encontra a sua regulamentação, como vimos, nos artigos 235.º e seguintes do CIRE, e os seus fundamentos são explicitados no ponto 45. do preâmbulo do Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março: compaginar o ressarcimento dos credores com a possibilidade de reabilitação económica do devedor insolvente, libertando-os de algumas dívidas - é o princípio do fresh start.
Não se verificando nenhum dos fundamentos de indeferimento liminar enunciado no artigo 238.° do CIRE, é proferido despacho inicial, nos termos do n.° 2 do artigo 239.° do mesmo diploma.
Esse despacho determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, que constituem o período da cessão na terminologia legal, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir nesse lapso temporal se considera cedido a fiduciário escolhido pelo tribunal, que o canalizará, no final de cada ano, para as finalidades enunciadas no artigo 241.° do CIRE (custas e despesas com a insolvência, remuneração do fiduciário e pagamento dos credores).
Trata-se, como refere Menezes Leitão, in Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 50 edição, pág. 243, de uma efectiva cessão de créditos futuros.
O despacho inicial não consubstancia a decisão relativa à exoneração do passivo restante, garantindo apenas a passagem para a fase subsequente, o período de cessão, findo o qual, e cumpridos os ónus que impendem sobre o insolvente (artigo 239.°, n.° 4 CIRE), é proferida decisão final, concedendo a exoneração do passivo restante (cfr. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2. edição, pág. 312).
A exoneração do passivo restante abrange, assim, as dívidas do insolvente que não lograram obter pagamento no processo de insolvência ou no período de cessão (cfr. artigo 235.° CIRE).
Aqui chegados, como já dissemos, não faremos qualquer interpretação extensiva ou analógica do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.º da Lei n.° 1/2001, de 14 de Agosto, por estar em causa um pressuposto de aplicação de uma sanção que constitui restrição a um direito fundamental: acesso e exercício de cargos electivos.
No entanto, não podemos deixar de constatar, como alerta o demandado, que o regime da reabilitação, tal como configurado no CPEREF e assim denominado, deixou de se encontrar previsto no CIRE subsequente. Tal desajustamento entre normativo anterior e o novo CIRE impõe a retirada de conclusões técnico-jurídicas. O demandado defende dever ser feita uma interpretação ab-rogante, no sentido em que a declaração de insolvência deixou de constituir causa de inelegibilidade.
Ora, o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° impede a elegibilidade para os órgãos das autarquias locais os falidos e insolventes, salvo se reabilitados. Não se configura a necessidade de realizar uma interpretação ab-rogante, uma vez que não se vislumbra nenhuma contradição entre o disposto na Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto e o CIRE. Note-se que, mesmo eliminando a reabilitação, por, em abstracto, já não existir tal regime actualmente, sempre ficaria a parte restante da norma: são inelegíveis os insolventes.
Com o GIRE cessou, porque desnecessária, a duplicação de formas de processo especiais (de recuperação e de falência) existente no CPEREF, bem como a fase preambular que lhes era comum, e que era susceptível de gerar, inclusivamente, demoras evitáveis na tramitação do processo, nomeadamente pela duplicação concomitante de chamamento dos credores, e também por, em inúmeros casos, o recurso ao processo de recuperação se traduzir num mero expediente para atrasar a declaração de falência.
A supressão da dicotomia recuperação/falência, a par da configuração da situação de insolvência como pressuposto objectivo único do processo, tornou também aconselhável a mudança de designação do processo, que é agora a de «processo de insolvência». A insolvência não se confunde com a «falência», tal como actualmente entendida, dado que a impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, em que a primeira noção fundamentalmente consiste, não implica a inviabilidade económica da empresa ou a irrecuperabilidade financeira postuladas pela segunda.
Assim, o que está em causa é somente efectuar uma interpretação dinâmica e actualista do disposto no artigo 6.º, n.° 2, alínea a) da Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto, por referência às regras e regimes entretanto vigentes com o CIRE.
Neste contexto, o sentido da decisão final da exoneração do passivo restante prevista no CIRE não pode deixar de ser o mesmo que previsto no GPEREF quanto à reabilitação. A ideia do legislador é a mesma em ambos os diplomas, por referência à ratio legis do artigo 6º, n.° 2, alínea a): os insolventes reintegrados plenamente na vida económica já são elegíveis, permitindo a lei que comecem de novo, nas palavras ínsitas no preâmbulo do GIRE, está em causa um fresh star. E, na mesma lógica que estava subjacente à ratio legis da previsão da reabilitação, só a partir desse momento poderão (pessoas singulares declaradas insolventes) encontrar-se em situação de elegibilidade, porque “frescas”, “limpas”, em suma, reabilitadas.
Conforme escreve Catarina Serra, in “ O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução”, pags. 73 a 74, o objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é “a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, aprendida a lição, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica”. Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente - emblematicamente designada de modelo fresh start ou da nova oportunidade.
A atribuição deste benefício pressupõe uma rigorosa análise sobre o comportamento do devedor/insolvente, inclusive anterior ao processo, de forma a poder concluir-se que é dele merecedor. Neste sentido, afirma Assunção Cristas in Novo Direito da Insolvência, Revista Thémis, Ano de 2005, pag. 170, que para ser proferido despacho inicial “é necessário que o devedor preencha determinados requisitos de ordem substantiva. A saber que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fá no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência (...) é neste momento inicial de obtenção do despacho inicial de acolhimento do pedido de exoneração que há porventura os requisitos mais apertados a preencher e a provar. A conduta do devedor é devidamente analisada através da ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta.
De salientar ainda que, conforme é enfatizado no preâmbulo do CIRE, o objectivo precípuo do processo de insolvência constitui o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência, não podendo o hodierno fenómeno social do sobre endividamento - abarcado pelo carácter amplo e abrangente da figura da exoneração do passivo restante - ser erigido em objecto imediato deste mesmo instituto. Competindo ao processo de insolvência criar as melhores e mais realistas condições para que o devedor possa cumprir as suas obrigações perante os credores, atendendo às circunstâncias da vida que, de modo imprevisto, fortuito ou acidental, o conduziram à situação de inadimplemento, não servirá, contudo, fins meramente assistencialistas, não se destinando a cobrir situações de pura irresponsabilidade económica e a caucionar condutas que se revelem contra a racionalidade e o bom senso elementares - que a todos se exige na vida em sociedade.
É assim também neste âmbito que releva o facto de a insolvência do demandado ter sido qualificada de fortuita.
Julgamos, assim, encontrar-se presente o tipo-de-ilícito no que tange ao facto de o demandado ter sido declarado insolvente e ainda não existir decisão final de exoneração do passivo restante, pelo que a presente acção tem fundamento, podendo levar à perda de mandato do réu.
Vejamos. Como já referimos e reiteramos, o objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “aprendida a lição”, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica. Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente.
Ora, compulsada a matéria de facto apurada, verifica-se que o demandado foi declarado insolvente em 29/01/2010, cuja publicação se efectivou em 23/02/2010.
Por outro lado, por decisão proferida no âmbito do processo de insolvência, em 02/09/2011, ordenou-se o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, admitindo-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e determinando-se que a exoneração do passivo restante será concedida ao insolvente desde que o mesmo cumpra durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência as seguintes condições:
a) proceda à entrega ao Senhor Administrador da Insolvência que, desde já se nomeia como fiduciário, a título do rendimento disponível da quantia de €100,00 mensais a que acrescem os montantes auferidos como subsídio de férias e subsídio de Natal e ainda a totalidade de todas as devoluções de IRS que venha a auferir;
b) não oculte ou dissimule quaisquer rendimentos que aufira, a qualquer título, devendo informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património sempre que tal lhe seja solicitado;
c) informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições pessoais ou profissionais (…);
d) não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores - cfr. documento n.° 2 junto com a contestação, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
Na verdade, este período de cinco anos ainda está a decorrer, pelo que ainda não foi proferida a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.° do CIRE. Note-se que os elementos constantes dos autos não espelham que tenha ocorrido a cessação antecipada prevista no artigo 243.° do CIRE e que a decisão final de exoneração ainda pode ser revogada nos termos do artigo 246.° do mesmo diploma (1 A revogação apenas pode ser decretada até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração; quando requerida por um credor da insolvência, tem este ainda de provar não ter tido conhecimento dos fundamentos da revogação até ao momento do trânsito.).
Ora, uma vez que o processo de insolvência somente foi encerrado em 02/09/2011, ainda não decorreram cinco anos desde esse momento, pelo que o demandado ainda se encontra a cumprir as condições referenciadas supra.
É por este motivo que se entende que a situação em apreço cabe no tipo de ilícito previsto no artigo 8.°, n.° 1, alinea b) da Lei n.° 27/96, de 01/08: após eleição (e investido em 30/10/2009 nas funções de Presidente da Assembleia de Freguesia de …………) o demandado colocou-se em situação que o torna inelegível - foi declarado insolvente, conforme publicação no Diário da República em 23/02/2010; sem que esteja libertado definitivamente dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, não se verificando, por isso, ainda, a reabilitação económica do demandado/insolvente - cfr. artigo 6.°, n.° 2, alínea a) da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto. Ou seja, não se pode ainda concluir, de forma definitiva, ter tido o devedor um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência. Só aí saberemos se é merecedor de uma nova oportunidade.
Ainda tendo subjacente a ideia do presente processo sancionatório, cabe, agora, ultrapassado o crivo do preenchimento do tipo de ilícito, apreciar o elemento “culpa”, por referência ao disposto no artigo 10.º da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto: “(...) não haverá lugar à perda de mandato quando se verifiquem causas que justifiquem o facto ou excluam a culpa dos agentes.”
Sustenta o demandado que a sua insolvência, bem como a da B…………, foram qualificadas como fortuitas e não resultantes de qualquer actuação dolosa ou com culpa grave do devedor. Defende, ainda, o réu que a qualificação da insolvência como fortuita é, já por si, a reabilitação do insolvente. Pelo já exposto supra, verifica-se que em qualquer dos regimes vigentes após a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, a qualificação da insolvência como fortuita não significa que o insolvente se encontre reabilitado. Vejam-se as condições e pressupostos previstos nos artigos 238.° e 239.° do CPEREF e nos artigos 235.° a 247.° do CIRE, transcritos supra.
Para o efeito e como mote, passamos a transcrever parte do sumário do acórdão do STA, de 09/01/2002, proferido no âmbito do processo n.° 48349;
“(...) II - A decisão da perda de mandato há-de ser função da relevância da lesão da isenção e da imparcialidade, sob pena da subversão dos próprios desígnios expressos na Constituição da República, especialmente no Poder Local, considerando a curtíssima distância que o liga ao administrado, pelo que só um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.
III - A gravidade da medida exige que seja métrica da culpa todo o circunstancialismo de espaço, tempo e modo em que os factos foram praticados, inseridos outrossim na personalidade do seu autor. (…)”
Contudo, a perda de mandato por o demandado se ter colocado numa situação que o torna inelegível assume contornos específicos, que não permitem apreciar a culpa nestes moldes e tal como previsto no artigo 10.° da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto.
A este propósito, de a perda de mandato associada a inelegibilidades não estar dependente de avaliação que se pudesse fazer quanto à culpa, já foi decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 382/01, de 26.09.2001, proferido no âmbito do Processo n.° 134/01, a cujo sentido decisório aqui aderimos inteiramente e que passamos a transcrever: “A Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, estipula na alínea b) do n.° 1 do artigo 8.° que incorrem na perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que após a eleição sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de situação de inelegibilidade existente e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição.
Trata-se de solução legal há muito enraizada no nosso ordenamento jurídico, já que no Código Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.° 31095, de 31 de Dezembro de 1940, a situação de inelegibilidade ocorrida após a eleição para cargos electivos figurava como fundamento da perda de mandato (cfr., v.g., artigos 20.° e 41.°).
A inelegibilidade como fundamento da perda de mandato de quem exerce funções de membro de órgão autárquico justifica-se pela necessidade de garantir a isenção e a independência no exercício do cargo autárquico. Pretende-se assegurar que quem foi eleito membro de órgão autárquico garanta no exercício do cargo essas isenção e independência, competindo ao legislador ordinário criar, por um lado, condições para que os cargos autárquicos sejam exercidos com isenção e independência e, por outro, condições para que os titulares dos cargos autárquicos se apresentem aos olhos dos cidadãos como pessoas acima de qualquer suspeita.
Não se vê qualquer razão para distinguir entre as situações de inelegibilidade ab initio em que a pessoa não pode ser eleita para salvaguarda da transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local e a inelegibilidade após a eleição de pessoa que, pela qualidade de funcionário dos órgãos representativos das freguesias e dos municípios, não garante essas mesmas características no desempenho das suas funções, independentemente de um juízo de culpa sobre a sua actuação concreta. (…)
Assim, conclui-se não ser inconstitucional a norma da alínea b) do n.° 1 do art. 8.° da Lei n.° 27/96 de 1 de Agosto, na parte em que determina a perda de mandato aos membros de órgãos autárquicos que, após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis, nomeadamente e in casu, quando a inelegibilidade resultar da declaração de falência proferida com trânsito em julgado, inexistindo reabilitação do falido, ainda que tal pronúncia judicial tenha ocorrido durante o exercício do cargo autárquico, ou seja, ainda que se trate de uma inelegibilidade superveniente em relação à data do início do exercício do cargo. (…)”
Ou seja, não fará qualquer sentido apreciar, em concreto, a culpa do demandado nos moldes previstos no artigo 10.° da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, e até chegar à conclusão que existem causas que justificam a insolvência e excluem a sua culpa, obviando à perda do mandato, mas depois ter que afirmar, de forma certa e segura, que o insolvente é inelegível, pois o disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 6.° da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, impede, por si só, a eleição de insolvente que não se encontre reabilitado ou que ainda não tenha “começado de novo” - fresh start, na terminologia dos Estados Unidos, adoptada no nosso ordenamento jurídico.
Aliás, estando em causa já o final do mandato do réu, mostra-se, manifestamente, pouco relevante a perda do mesmo neste momento. Todavia, não podemos deixar de afirmar que o demandado não reúne as condições de elegibilidade (capacidade eleitoral passiva) no âmbito das muito próximas eleições, por ter sido declarado insolvente e ainda não ter sido proferida a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.° do CIRE, que permite retirar a ilação de estar o réu reintegrado plenamente na vida económica.
Desta forma, atenta a matéria de facto provada e ao que vai disposto nas disposições conjugadas da alínea a) do n.° 2 do art. 6.° da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto e na alínea b) do n.° 1 do art. 8.º da Lei n.° 27/96, de 1 de Agosto, verificam-se os pressupostos factuais e legais que determinam a perda de mandato do réu. Apesar de, actualmente, a situação de insolvência não ter a mesma carga negativa que detinha há alguns anos, o certo é que o legislador não cuidou de alterar as normas legais aplicáveis, pelo que não existem condições para o aplicador do direito as afastar, pois a existência de um regime de inelegibilidades, nomeadamente, assente na declaração de insolvência, continua a visar assegurar garantias de dignidade e genuinidade ao acto eleitoral e, simultaneamente, evitar a eleição de quem, pelas funções que exerce (ou outras razões que o tornem indigno), se entende que não deve ou não pode representar um órgão autárquico. Neste contexto, mostra-se também irrelevante o facto de o cargo exercido pelo demandado, de Presidente da Assembleia de Freguesia, ser meramente deliberativo (defendendo o réu não lhe competirem poderes de gestão de património ou financeiros). Efectivamente, o que se impõe é a salvaguarda da transparência, isenção e imparcialidade no exercício de cargo público nos órgãos do poder local, que, no momento, ainda não se mostra assegurada no concernente ao aqui demandado.”
4. Vejamos então.
A questão aqui em apreço foi recentemente apreciada no Tribunal Constitucional, no âmbito de apreciação da elegibilidade do recorrente destes autos, enquanto candidato a uma outra freguesia do mesmo Concelho da Maia nas últimas eleições autárquicas (Acórdão n.º 588/2013, de 17.9) nos seguintes termos:

“7. A questão que se coloca nos presentes autos exige que se proceda à interpretação do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL. De acordo com a letra deste preceito são inelegíveis para os órgãos das autarquias locais «Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados».
A complexidade do problema advém do facto de a legislação actualmente em vigor não prever o instituto da reabilitação do insolvente. De facto, à data da entrada em vigor da LEOAL vigorava o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF) – Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril – cujo regime previa (em determinadas e específicas situações) a cessação dos efeitos da falência em relação ao falido, designadamente quando se procedia, nos termos conjugados dos seus artigos 238.º e 239.º, à reabilitação do falido. No entanto, com a entrada em vigor do atual Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) – Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março –, deixou de expressamente se fazer qualquer referência à figura da “reabilitação”. De forma inovatória foi criado, quanto às pessoas singulares (que é o que importa in casu), o regime da exoneração do passivo restante e regulou-se o encerramento do processo de insolvência, nos artigos 230.º e 233.º, ambos do CIRE.
8. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão.
No recente Acórdão n.º 553/2013, o Tribunal Constitucional formulou o seguinte entendimento:

“13.2 Numa leitura formal, a decisão de encerramento do processo de insolvência tomada em 14 de agosto de 2013 ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º – segundo a qual «Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º – poderia bastar para o efeito em causa.
Contudo, em face da ratio da inelegibilidade em causa estabelecida na lei, não se mostra adequado retirar tais consequências de uma decisão de encerramento do processo que não se mostra nem definitiva, nem plena. Sobretudo, nesta última asserção, já que o insolvente, nos termos do regime específico da exoneração do passivo restante, admitido liminarmente o pedido formulado pelo próprio para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante, continua adstrito a uma série de condições, obrigatórias nos termos da lei e que devem constar do despacho judicial inicial, de que resulta, em substância, não dispor até ao termo do período de cessão (nos cinco anos após o encerramento do processo de insolvência) de autonomia na disposição, pelo menos de parte, dos seus bens.
Com efeito, o despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante (decretando logo o encerramento do processo de insolvência ou venha este a ser decretado na sua sequência, como sucede in casu) determina que «durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.» (artigo 239.º, n.º 2, do CIRE).
Depois, nos termos do n.º 4, do mesmo artigo, «durante o período de cessão o devedor fica obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores».
E sublinhe-se também que, por um lado, mesmo antes de terminado o período da cessão, pode ter lugar a cessação do procedimento de exoneração (cfr. artigo 243.º do CIRE) e, por outro lado, a exoneração do passivo restante pode ser revogada, verificados os pressupostos previstos no artigo 246.º do CIRE, até ao termo do ano subsequente ao trânsito em julgado do despacho de exoneração.
13.3 Na apreciação que cabe agora ao Tribunal Constitucional deve ter-se presente o fundamento para a previsão, pelo legislador, da inelegibilidade dos insolventes no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL.
Do que se trata, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL, é pois da relação estabelecida entre as funções de administração pública a desempenhar pelo candidato, se eleito, e a gestão dos seus bens patrimoniais (dos seus rendimentos) na esfera privada. A inelegibilidade dos insolventes prende-se pois com a necessidade de garantir, com independência e plena capacidade de gestão, a administração financeira dos bens públicos que lhe vai ser confiada no cargo para o qual serão eleitos. Trata-se da gestão de património financeiro, em grande medida determinado pelas receitas cobradas aos contribuintes/eleitores, o que justifica exigir o legislador a observância de um certo rigor na gestão privada dos bens e rendimentos do eleito e a garantia de capacidade para o efeito, o que não acontece em face das obrigações e efeitos decorrentes da decisão liminar de exoneração do passivo restante nos termos do CIRE em vigor.
Ora, privado o insolvente, até ao termo do período de cessão, da disposição, pelo menos em parte, dos seus rendimentos disponíveis, pois cometida a sua gestão a um fiduciário, de acordo com a lei e a decisão judicial de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, e obrigado o insolvente ao cumprimento de várias condições quanto a esse património, no mesmo período, não parecem reunidas as condições para afastar a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) da LEOAL no presente caso, não obstante o encerramento do processo de insolvência determinado nos termos acima explicitados.”

Nesta decisão, veio o Tribunal Constitucional a estabelecer que a inelegibilidade estabelecida no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL, no caso de a insolvência ser qualificada como fortuita, apenas cessa no termo do período de cessão – ou seja, mantém-se até à decisão final de concessão da exoneração do passivo restante, que efetivamente confere ao devedor uma segunda oportunidade para recomeçar a sua vida económica liberto das dívidas que não conseguiu pagar durante o processo de insolvência ou ao longo dos cinco anos do período de cessão.
No caso dos presentes autos, ainda não tendo ocorrido a decisão final de exoneração prevista no artigo 244.º do CIRE, deve considerar-se que o cidadão A………… se encontra numa situação de inelegibilidade, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), da LEOAL”.

Não se vislumbrando motivos para discordar desta jurisprudência confirma-se o acórdão recorrido.

IV Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em negar a revista.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 21 de Novembro de 2013. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – António Bento São Pedro – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.