Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0999/12
Data do Acordão:01/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
ISENÇÃO DE SISA
INTERPRETAÇÃO DA LEI FISCAL
BENEFÍCIOS FISCAIS
IMPOSTO DE SELO
Sumário:I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11º, nº1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, art. 23º ss).
III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento, no caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural.
V – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal.
VI – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.
VII – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.
Nº Convencional:JSTA000P15205
Nº do Documento:SA2201301300999
Data de Entrada:09/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A Fazenda Publica, veio recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 29 de Maio de 2012, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………. e B………., melhor identificados nos autos, contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões de Bens Imóveis e de Imposto de Selo referente ao ano de 2011 pela aquisição de uma fracção.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1 — A, aliás, douta sentença recorrida ofendeu por erro de interpretação e aplicação o art. 20 do Dec. Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro.
2 — Pois, o critério de orientação seguido pelo tribunal a quo para determinar a noção de operação de instalação não espelha com fidelidade e inteireza o pensamento da lei;
a) Na construção do conceito ideado pela lei há-de intervir, para além do elemento interpretativo sistemático, o verbal e o racional;
b) Ora, não se postula necessária a circunstância do funcionamento para que um empreendimento se considere instalado;
c) E, a disposição está redigida em termos de poder eleger-se o sentido que apenas abranja as aquisições cujo objectivo seja criar ou aumentar a capacidade dum empreendimento turístico, sendo ainda o que melhor se ajusta à vontade da lei.
4 — Também, a aquisição em causa não reúne os requisitos necessários para satisfazer o conceito de instalação dum empreendimento turístico;
a) Na verdade, o empreendimento em causa já antes da transmissão cumpria com todas as exigências legais para funcionar;
b) Não sendo afectado pelo obstáculo da instalação por fases.»

2 – Os recorridos apresentaram as suas contra alegações defendendo a manutenção da douta sentença, nos seguintes termos:
«a) O Digníssimo Tribunal a quo decide bem quando dá razão aos Recorridos e condena a Recorrente a reconhecer-lhes os benefícios fiscais de isenção de IMT e de redução do Imposto de Selo em 1/5, conforme decorre do art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro na sua redacção actual;
b) A aplicação dos benefícios fiscais previstos no art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro é de aplicação automática, verificados que estejam os pressupostos exigidos pelo normativo legal;
c) O processo de instalação de em empreendimento turístico é complexo, moroso e por fases;
d) O processo de instalação termina com o início de funcionamento do empreendimento turístico;
e) O conceito de utilidade turística conforme resulta do n.º 5 do art.º 3 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, estabelece que todas as unidades que compõem o empreendimento turístico ficam abrangidas no conceito de utilidade turística;
f) O decreto-lei n.º 29/2008 de 7 de Março, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, consagra um conceito de exploração turística assente na unidade, continuidade e afectação à exploração turística de todas as unidades que compõem o empreendimento independentemente da propriedade das mesmas estar ou não na entidade que tem a cargo essa exploração;
g) A aquisição da fracção pelos Recorridos é uma aquisição inicial e respeita os todos os requisitos previstos no art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro;
h) A retroação prevista no despacho ministerial de atribuição da utilidade turística a título definitivo ao empreendimento visa estender os efeitos dessa atribuição a todas as relações jurídicas que tiveram lugar entre o momento em que se inicia o processo e o reconhecimento a título definitivo da utilidade turística;
i) Os benefícios resultantes do art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não são apenas aplicáveis às situações que resultem de investimento directo, seja na construção de empreendimentos novos, beneficiação, remodelação ou reequipamento de empreendimentos já existentes;
j) A interpretação da Recorrente é restritiva, infundada e sem qualquer substracto legal, para além de não ter qualquer eco na jurisprudência existente sobre a matéria;»

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação:
«A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, exarada a fls. 118/143, em 29 de Maio de 2012.
A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial deduzida do despacho de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez deduzida contra a liquidação do imposto de selo, verba 1.1, e IMIT, de 2009, por via da aquisição de fracção autónoma, para fins de exploração turística, integrante de um empreendimento turístico, a funcionar no prédio urbano designado “C……...... ou D……..”, no entendimento de que a aquisição do imóvel se destina à instalação de empreendimento turístico, nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 20º do DL 423/83.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 159, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685.°-A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
Os recorridos contra-alegaram, tendo concluído nos termos de fls. 168/170, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
A nosso ver o recurso merece provimento.
Situações em tudo idênticas à, ora, em apreciação têm vindo a ser decidas de forma pacífica pelo STA, no sentido da isenção de IMT e redução a 1/5 do Imposto de Selo (Acórdãos de 1999.02.09-P. 907799; 2010.01.20-P 934/09; de 2010.02.10-P. 935/09; de 2010.04.14-P 0120/10, todos disponíveis no sitio da internet www.dgsi.pt).
De facto, tem entendido o STA que os benefícios fiscais previstos no art. 20°/1 do DL 423/83, de 5/12, não foram revogados pelo DL 485/88, de 30/12, uma vez que o âmbito da revogação operada pelo artigo 3º/22 deste último diploma restringe-se apenas aos benefícios fiscais atribuídos em sede de contribuição industrial e imposto complementar; que tais benefícios são de aplicação automática desde que verificadas as condições previstas nesse mesmo preceito: que a aquisição do imóvel se destine à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento e que atenta a natureza dos benefícios em causa não é condição que os mesmos constem do despacho de atribuição da utilidade pública.
No caso em análise apenas constitui objecto do recurso saber se a aquisição da fracção se destina à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, questão que nos citados acórdãos do STA, embora a situação fáctica seja similar à, ora, em apreciação, nunca foi directamente questionada, pois que se aceitou o destino à instalação de empreendimento e, por conseguinte, nunca foi analisada.
Entende a Fazenda Pública que a aquisição da fracção não se destinou à instalação do empreendimento, uma vez que tal instalação já havia sido feita pela outorgante vendedora e proprietária/exploradora do empreendimento, “C………., Limitada.”
Por sua vez o tribunal recorrido, o MP junto da 1ª instância e a recorrida entendem, exactamente, o contrário, ou seja que a aquisição da fracção se destinou à instalação do empreendimento para os devidos e efeitos legais.
A nosso ver e ressalvado melhor juízo, a razão está do lado da recorrente, cujo discurso fundamentador se subscreve por inteiro.
Na verdade, nos termos do estatuído no artigo 20.°/1 do DL 423/83, de 5/12, é condição para que seja concedida a redução do imposto de selo que a aquisição se destine à instalação de empreendimento turístico.
Ora, resulta, claramente, do probatório que à data da aquisição da fracção em causa (2011.02.17), o empreendimento turístico “D………..” já se encontrava, absolutamente, instalado e em funcionamento desde 2008.09.04, por promoção da entidade proprietária/exploradora “C………., Limitada).
De facto, a recorrida não adquiriu a unidade de alojamento (fracção autónoma) para instalação de empreendimento turístico, uma vez que o mesmo já estava instalado, embora seja certo que o mesmo ficou afecto à exploração turística do empreendimento e do qual faz parte integrante.
Apenas a transmissão inicial beneficia de isenção de IMIT e redução de IS a 1/5 e já não as transmissões subsequentes, como é o caso da aquisição, ora, em apreciação.
A redução do imposto de selo em 1/5 consubstancia um benefício fiscal (artigo 2°/2 do EBF).
Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que seja superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2°/1 do EBF).
As normas que estabelecem benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam interpretação extensiva (artigo 10º do EBF).
De qualquer modo, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9°/2 do C. Civil).
A interpretação da sentença recorrida de que a isenção e redução de impostos se aplica, também, às transmissões subsequentes à inicial, ou seja, a respeitante à aquisição do imóvel por parte da entidade promotora do investimento, (ressalvada a situação, expressamente, prevista no n.º 2 do artigo 20° do DL 423/83), a nosso ver, não tem na letra da lei a menor correspondência verbal, sendo, pois, ilegal.
A sentença recorrida, merece, pois, censura.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e mantendo-se, consequentemente, na ordem jurídica a liquidação impugnada.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:

A) Em 17 de Fevereiro de 2011, entre os Impugnantes, na qualidade de segundos outorgantes e “E…………, LDA”, MPC ……….., anteriormente designada por “C……….. LDA.”, com sede nas ………, ….., freguesia de ……, concelho de Loulé, pessoa colectiva ……., na qualidade de primeiro outorgante e outros, foi celebrada a escritura publica de compra e venda e mútuo com hipoteca, de fls. 4 a 8 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.
B) Declarou a Primeira Outorgante (fls. 5):
«Que vende aos representados da segunda outorgante, pelo preço de SEISCENTOS E VINTE MIL EUROS, já recebido, a fracção autónoma designada pelas letras “BX”, Bloco 1313, Zona Vista, fracção VI 6, primeiro andar, tipo T-Dois, destinada a habitação, no âmbito de serviços de exploração turística, com o uso exclusivo de um compartimento para arrumos na cave com a área de 11,52 metros quadrados, uma zona de terraços no primeiro andar com a área de 47,36 metros quadrados, e um terraço na cobertura com a área de 40,89 metros quadrados, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ….., denominado C……… ou D………., freguesia de ….., concelho de Loulé, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 2 988, (...) descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número dez mil duzentos e oitenta e dois, da referida freguesia, registada a aquisição a favor da sociedade vendedora pela Apresentações quatro e seis, quarenta e sete e quarenta e oito todas de onze de Março de dois mil e três, a constituição de empreendimento turístico com propriedade horizontal pela Apresentação cinco mil duzentos e doze de dezasseis de Março de dois mil e nove
C) Em 16/02/2011, os Impugnantes efectuaram o pagamento do IMT e IS a que se referem as liquidações de fls. 19 e 20 da reclamação graciosa em apenso.
D) Em 17/02/2011, entre os impugnantes e F………….. S.A., foi celebrado um contrato de exploração turística relativo à fracção a que se refere a alínea B), cfr. fls. 8 verso e segs. da reclamação graciosa.
E) Resulta do contrato a que se refere a alínea anterior:
«É celebrado o presente contrato, em conformidade com o disposto o artigo 45, número 3 do Decreto-Lei n.° 39/2008 de 7 de Março, através do qual o signatário, na qualidade de proprietário de uma fracção considerada unidade de alojamento do D……….., habilita a entidade exploradora à exploração da sua fracção, nos termos e condições constantes do clausulado que se anexa, rubricado pelas partes.»
F) Em 05/03/2009, a Câmara Municipal de Loulé emitiu a “LICENÇA DE UTILIZAÇAO TURISTICA N.° 43/09” a favor do C…….., Lda., que constitui fls. 19 da reclamação graciosa e que aqui se dá por integralmente reproduzido, donde resulta com interesse para a decisão:
8 CLASSIFICAÇÃO PROVISÓRIA QUATRO ESTRELAS
9 CAPACIDADE MÁXIMA PROVISÓRIA
Efectivo total do CLUBHOUSE é de 483 pessoas, efectivo total nos blocos de apartamentos de 650 pessoas — efectivo total nas moradias de 48 pessoas.
10 CLASSIFICAÇÃO DEFINITIVA CINCO ESTRELAS
11 CAPACIDADE MAXIMA DEFINITIVA
372 camas fixas individuais e 140 duplas, equivalente a 652 utentes, distribuídas por 140 unidades de alojamento (9 T1, 76 T2 e 55 T3), uma das quais adaptada a pessoas com mobilidade condicionada. Por despacho do Turismo Portugal, I.P. de 13/02/2009
G) Resulta do despacho n.º 3716/2011, publicado na II Série n.º 40, de 25/02/2011:
«Atento o pedido de atribuição da utilidade turística a título definitivo ao D……….., de 5 estrelas, sito no concelho de Loulé, de que é requerente a sociedade C…………, Lda.; e
Tendo presentes os critérios legais aplicáveis e o parecer do Turismo de Portugal, I. P., que considera estarem reunidas as condições para a atribuição da utilidade turística a título definitivo ao empreendimento, decido:
1 - Atribuir utilidade turística a título definitivo ao D……….., de 5 estrelas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2º e no n.º 3 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
2 - Fixar a validade da utilidade turística em sete anos contados da data do título (comunicação de abertura) ao abrigo do qual o empreendimento iniciou o seu funcionamento (4 de Setembro de 2008), ou seja, até 4 de Setembro de 2015.
3 - Determinar que, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 16º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/94, de 8 de Fevereiro, a proprietária e exploradora do empreendimento fique isenta das taxas devidas à Inspecção Geral das Actividades Culturais, pelo mesmo prazo fixado para a utilidade turística, caso as mesmas sejam ou venham a ser devidas.
4 - Nos termos do disposto no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, a utilidade turística fica sujeita ao cumprimento dos seguintes condicionamentos:
a) O empreendimento não poderá ser desclassificado;
b) A requerente deverá promover, até ao termo do segundo ano após a publicação do presente despacho, a realização de uma auditoria de qualidade de serviço, por uma entidade independente, cujo relatório deve remeter ao Turismo de Portugal, I. P. Caso a requerente disponha de um sistema de gestão de qualidade implementado no empreendimento, o relatório de auditoria pode ser substituído pela descrição detalhada do referido sistema, evidenciando, nomeadamente, a política de qualidade prosseguida, a monitorização e medição da satisfação do cliente e o tratamento das reclamações, a frequência e metodologia das auditorias internas e o envolvimento da gestão de topo;
c) Não poderão ser realizadas quaisquer obras que impliquem a alteração do empreendimento sem prévia comunicação ao Turismo de Portugal, I. P., para efeitos da verificação da manutenção da utilidade turística que agora se atribui, sem prejuízo de outros pareceres ou autorizações legalmente devidos por parte daquele organismo.
4 de Fevereiro de 2011. - O Secretário de Estado do Turismo, ……...»
H) Em 24/06/2011, os ora Impugnantes apresentaram reclamações graciosas contra as liquidações de IMT e IS, com os nºs 1082-11/0400248.2, 1082- 11/0400249.0, 1082-11/0400250.4 e 1082-11/0400251.2.
I) Na reclamação graciosa 1082-11/0400248.2, apresentada pelo Impugnante marido foi prestada a seguinte informação (fls. 29 e 30 da reclamação):
«A fls. 2 devidamente identificado, vem o contribuinte A………. NIF. ……., reclamar graciosamente nos termos dos art°s. 68º a 70º. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, (C.P.P.T.), representado por Dr.ª G……….., com escritório na Estrada …….., nº. …. — 8135-…. …., contra a liquidação de Imposto Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no montante total de € 20.150,00, respeitante ao ano de 2009, alegando, em resumo, que a liquidação é indevida, porquanto ao empreendimento denominado de “D………..” onde se situa o imóvel adquirido, foi atribuído o estatuto de “Utilidade Turística”, o que implica a isenção de IMT e a redução a 1/5 do Imposto do Selo devido na transmissão.
Junta cópia da escritura de aquisição cópia dos contratos celebrados a permitir a exploração turística, cópia da publicação do despacho de atribuição de utilidade turística no Diário da Republica, 2 a Serie, N° 40 de 25 de Fevereiro de 2011 etc.
Quanto ao pedido o mesmo e legal legítimo e interposto em tempo tendo em atenção que a publicação do despacho ocorreu em 25-02-2011.
Analisados os documentos juntos aos autos, verifica-se que:
1 - De harmonia com o disposto no artº 19° do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, a liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar uma declaração de modelo oficial, mod. 1.
2 - Foi entregue, em nome do sujeito passivo (S.P.) A………., NIF.……, a declaração supra referida, a que foi atribuído o nº. 2011/43535, a qual declarou que pretendia pagar o IMT que fosse devido, com referência à compra que ia efectuar a “E………. Lda., “NIPC. …….., na qual S.P. pretendia adquirir metade da fracção autónoma designada pela Letra “BX”, do prédio urbano sito na urbanização ….., Sítio do ….., Apartado …….., destinado a serviços, freguesia de ……, concelho de Loulé, inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº. 12988, com o valor patrimonial de € 78.985,00, e o valor declarado de E 310.000,00, que originou a colecta de € 20.150,00. Com base nesta declaração foi liquidado o IMT no valor total de € 20.150,00, pago em 16-02-2011, pelo documento de pagamento nº 0160.611.004.009.103.
3 - Conjuntamente com o IMI foi liquidado o Imposto do Selo (IS), a que se refere a verba 1.1 da tabela, no total de 2.480,00, pago na mesma data, pelo documento de pagamento nº. 163.011.000.057547.
4 - No dia 17-02-2011, no Cartório Notarial de Faro, sito na Rua …….., Lote …., ……., a cargo do notário ……, foi celebrada a escritura de compra e venda, constando da mesma que pelo preço global de seiscentos e setenta mil euros a reclamante adquiriu metade indivisa da fracção “BX”, do prédio inscrito sob o artigo nº. 12988, da freguesia de …….., concelho de Loulé, conjuntamente com o contribuinte B………, NIF. ……….., encontrando-se os documentos de pagamento atrás mencionados, arquivados juntamente com referida escritura.
5 — O despacho nº. 3716/2011, publicado no Diário da República 2 Série-N°. 40 de 25 de Fevereiro do corrente ano a atribui o “Estatuto de Utilidade Turística” a título definitivo ao “D…………”, de 5 estrelas, nos termos do disposto no nº. 1 do artº. 2°. e nº3 do artº 7º do Decreto Lei nº. 423/83 de 5 de Dezembro, fixando a validade em sete anos contados da data do título (comunicação de abertura) ao abrigo do qual o empreendimento iniciou o seu funcionamento (4 de Setembro de 2008), ou seja, até 4 de Setembro de 2015.
6 — O reclamante vem solicitar a restituição da totalidade do IMT, bem como a importância respeitante a 4/5 do Imposto do Selo, pagos pelos documentos acima mencionados.
7 - Conforme dispõe o artº. 20º do decreto Lei nº. 423/83 de 05/12,...”são isentas de sisa (agora IMT)…as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a título prévio”, pelo que, ficam assim excluídos os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação, sendo nesta exclusão que se enquadra a fracção adquirida pelo reclamante ao empreendimento E…………, Lda., pelo que não pode, o adquirente beneficiar da isenção de imposto, conforme previsto no decreto, acima referido.
Assim, uma vez que a liquidação foi correctamente efectuada, sou de parecer que a presente reclamação deve ser indeferida.
Porém V Exa. superiormente melhor resolverá
Remetam-se os autos ao Exmº. Senhor Director de Finanças de Faro.
Serviço de Finanças de Loulé 1, 06 de Julho de 2011
A Chefe de Finanças,»
J) Na Direcção de Finanças de Faro foi prestada a informação de fls. 42 e segs. da reclamação graciosa, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«Para uma boa apreciação e decisão da causa decidenda, que se resume à questão de saber se a transmissão da fracção em causa está ou não isenta de IMT, importa fazer um breve percurso pelos principais e mais pertinentes diplomas legais que estabeleceram a disciplina jurídica relativamente à actividade da indústria hoteleira e similar, com especial enfoque nas normas que incidem sobre matéria fiscal.
A Lei n°2073, de 23 de Dezembro de 1954, constituiu o quadro legal regulador da actividade da indústria hoteleira e similar e dividiu os estabelecimentos “de interesse para o turismo” e “sem interesse para o turismo”. A declaração de utilidade turística assumia relevância, desde logo ao nível fiscal.
Dispunha o artigo 12° da Lei 2073, de 23 de Dezembro de 1954:
“As empresas proprietárias e as que venham a explorar os estabelecimentos hoteleiros ou similares classificados de utilidade turística são isentas, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos, de contribuição predial e de contribuição industrial, e bem assim de quaisquer impostos e taxas para os corpos administrativos, durante o prazo de 10 anos, contado a partir do primeiro ano de exploração dos estabelecimentos; e beneficiarão, nos quinze anos seguintes, de uma redução de 50 por cento nas mesmas contribuições, impostos e taxas.
§ 1° Os estabelecimentos hoteleiros abertos nos últimos cinco anos e classificados de utilidade turística terão, a partir da entrada em vigor desta lei, o tratamento tributário previsto no corpo deste artigo.
§ 2° Aos estabelecimentos não compreendidos no parágrafo anterior, mas que realizem nos cinco anos, contados da entrada em vigor desta lei, obras e melhoramentos que lhes permitam obter a classificação de utilidade turística, aplicar-se-á a redução de impostos referida na última parte do corpo deste artigo, pelo prazo e nos termos aí definidos.”
E continuava o artigo 13°:
“São isentas de sisa e de imposto de sucessões e doações, ficando sujeitas apenas a um quinto do imposto do selo devido, as aquisições de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros ou similares previamente declarados de utilidade turística, cujas empresas beneficiarão também das isenções estabelecidas no corpo do artigo anterior, desde a aquisição dos prédios até à abertura dos estabelecimentos à exploração, se for observado para esta o prazo fixado pelo Presidente do Conselho.”
Em primeiro lugar, importa realçar que estes dois normativos reconhecem, mediante as circunstâncias ali descritas, uma série de benefícios fiscais às empresas proprietárias e ás empresas exploradoras do estabelecimento hoteleiro. Tal está taxativamente previsto no artigo 12°, mas também no artigo 13º quando, na sua segunda metade refere “(...), cujas empresas beneficiarão também (...).
Assim, conclui-se que apenas estavam isentas de sisa (actual IMT) as aquisições, por parte das empresas, de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros.
Aliás, todos os benefícios referidos nestes artigos 12°, 13° e 14° desta Lei, são reconhecidos às empresas referidas naquele artigo 12° (i. , as empresas proprietárias e as empresas que venham a explorar os estabelecimentos hoteleiros ou similares classificados de utilidade turística).
Posteriormente, em 04 de Junho de 1956, foi publicada a Lei nº 2081, que veio inserir disposições de interpretação e aplicação da Lei n°2073. Com relevância para o caso em apreço, temos o artigo 12° (o único que faz referência ao imposto de sisa), segundo o qual “Poderão ser restituídas as importâncias correspondentes à sisa e ao imposto sobre as sucessões e doações e aos quatro quintos do imposto do selo pagos pela aquisição de prédios com destino à construção de estabelecimentos hoteleiros e similares, feita posteriormente à entrada em vigor da Lei nº 2073, desde que esses estabelecimentos venham a ser declarados de utilidade turística e sejam abertos à exploração no prazo fixado para o efeito pelo Presidente do Conselho.”
Note-se que este dispositivo legal impõe como uma das condições para a devolução da sisa paga, que a aquisição do prédio tenha sido efectuada com destino à construção de estabelecimentos hoteleiros e similares. Por conseguinte, trata-se da restituição da sisa a efectuar à empresa que adquiriu um prédio para nele construir e instalar um estabelecimento hoteleiro.
Com a entrada em vigor do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), através da publicação do DL 41969 de 24 de Novembro de 1958, a isenção de sisa passou a estar prevista no seu artigo 13°, sendo que o n C 8 dispunha que ficavam isentos da sisa, as aquisições de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros ou similares, previamente declarados de utilidade turística, nos termos do artigo 13° da Lei nº 2073, de 23 de Dezembro de 1964.
Ou seja, este normativo praticamente reproduz o já referido artigo 12° da Lei n°2081.
Foram vários os despachos ministeriais que vieram esclarecer/clarificar as situações fácticas subsumíveis à previsão normativa do artigo 13°, nº 8 do CIMSISD. Todos eles convergem no sentido de reconhecer que apenas estão abrangidos pela isenção deste normativo legal as aquisições de prédios com o fim de nele construir e instalar estabelecimentos hoteleiros, considerados de utilidade turística, deixando de fora a aquisição de prédios quando nele já estejam construídos e instalados os referidos estabelecimentos hoteleiros.
Assim, o despacho ministerial de 12-07-1960, veio esclarecer que a aquisição de prédios urbanos onde se encontram instalados hotéis está sujeita ao pagamento da sisa, não lhes aproveitando a isenção da sisa prevista no nº 8 do artº 13° do CIMSISD, que é restrita às aquisições de prédios destinados à construção e instalação de novos estabelecimentos hoteleiros ou similares, previamente declarados, de utilidade pública. Também o despacho ministerial de 23-11-1960 veio dizer que se o terreno foi adquirido para construção de um estabelecimento hoteleiro e vendido antes de concluída a construção e iniciada a exploração, não é de restituir a sisa paga pela primeira transmissão.
O despacho ministerial de 02-05-1966 veio dizer que a isenção em apreço, apenas é de aplicar no caso de criação de novas unidades hoteleiras, previamente consideradas de utilidade turística, e não da transmissão das já existentes (vide Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações — Anotado e Comentado por E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes 48 ed., pgs. 255 e 256)
Actualmente, o diploma legal que disciplina a atribuição da utilidade turística, está consagrado no Decreto-Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro, que revogou a Lei nº 2073. O nº 1 do artigo 20° daquele diploma legal, reza assim:
“São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qual justificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.”
E acrescenta o nº 2: “A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.”
A lei continua a referir-se a aquisições de prédios (ou fracções) com destino à instalação de empreendimentos de reconhecida utilidade turística. Ou seja, trata-se de isenção nas aquisições de prédios para construir/instalar e não dos já instalados, e que não sejam alvo de obras de remodelação, beneficiação, reequipamento ou ampliação. Aliás, na senda do que já vinha sendo estabelecido, com as necessárias adaptações, desde a Lei n°2073 (artigo 13°, in fine).
O Decreto-Lei nº 423/83 constituiu um instrumento jurídico de fomento e incentivo ao investimento no sector do turismo, que se quer de qualidade. Este impulso que se pretendeu dar ao sector do turismo, está bem patente desde logo no artigo 5°. Com efeito, a lei apenas reconhece a possibilidade de ser atribuída a utilidade turística a empreendimentos que resultem de um directo investimento, traduzido quer na construção de empreendimentos novos, quer na remodelação, beneficiação ou reequipamento totais ou parciais, quer na realização de obras conducentes ao aumento da capacidade em, pelo menos, 50%.
Por esse motivo, o legislador entendeu atribuir benefícios fiscais em sede de imposto de sisa e do selo, às empresas proprietárias que realizam o esforço do investimento. Pretendeu o legislador impulsionar este sector de actividade, prevendo isenção/redução de pagamento de sisa/selo, mediante determinadas condições, a quem vai criar estabelecimentos turísticos, e não a quem se limita a vender fracções pertencentes a empreendimentos já instalados. Este é o entendimento e interpretação perfilhados pela DCCI, e que decorre do elemento histórico, racional/teleológico, mas também literal das normas jurídicas em apreço.
Na verdade, quando o legislador diz, no nº 1 do artigo 20º, “destino à instalação”, tal significa que se trata apenas de aquisições de prédios efectuadas com o intuito de neles construir/melhorar empreendimentos turísticos, e não, como pretende a reclamante, de aquisição de prédios/fracções integradas em empreendimentos já construídos e instalados.
Da mesma forma, quando o legislador utiliza a expressão “seja observado” o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento, sugere a ideia de mais uma condição que é imposta ao promotor do investimento (empresa proprietária), no sentido de que esta, para além de ter de ver reconhecida a utilidade turística ao empreendimento que construiu/ampliou/melhorou, terá ainda de cumprir o prazo que foi estipulado pata a abertura do mesmo ao público.
O próprio artigo 20°, no seu nº 2, estabelece a única situação em que a isenção da sisa e a redução do imposto do selo, também ocorre, para além das situações já referidas: quando a empresa proprietária for uma sociedade de locação financeira e, no âmbito deste contrato de locação que previu a aquisição do empreendimento, vende à empresa exploradora os prédios/fracções.
Portanto, fora destes casos, não está prevista qualquer isenção da sisa (actual IMT). Assim, quando é efectuada a aquisição de uma fracção que integra um empreendimento turístico, já instalado, esta operação não está isenta de sisa/IMT, por inexistência de norma jurídica que a preveja.
Consequentemente, entendemos que se torna irrelevante o facto da fracção em causa continuar afecta à exploração turística, já que é a operação em si mesma (o facto tributário em causa) que cai fora da previsão estabelecida no artigo 20° do Decreto - Lei nº 423/83, que reconhece a isenção do pagamento do imposto da sisa/ IMT (Neste sentido os pareceres emitidos pela DSIMT, de fls. 32 a 41 dos autos) Consequentemente, a pretensão da reclamante está votada ao insucesso.
III - PROPOSTA DE DECISÃO
Nos termos do presente Parecer, propõe-se que a reclamação seja (...)Indeferida»
K) Em 28/07/2011, sobre o antecedente parecer recaiu o seguinte despacho (fls. 42 da reclamação):
«Concordo.
Indefiro nos termos propostos
2011/07/28
O Director de Finanças,.»
L) O Impugnante, devidamente notificado, não exerceu o direito de audição.
M) Em 14/09/2011, foi proferido o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, donde se extrai (fls. 52):
«Concordo.
Torno definitivo o projecto de despacho de indeferimento de 2011/07/28
Faro, 14 de Setembro de 2011»
N) O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado ao Impugnante por carta registada expedida em 15/09/2011, cfr. fls. 54 e 55 da reclamação.
O) No âmbito da reclamação graciosa 1082-11/0400249.0 foi prestada a informação de fls. 30 e 31, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
6 — O reclamante vem solicitar a restituição da totalidade do IMT, bem como a importância respeitante a 4/5 do Imposto do Selo, pagos pelos documentos acima mencionados.
7 - Conforme dispõe o artº. 20º do decreto Lei nº. 423/83 de 05/]12, ... “são isentas de sisa (agora IMT)... as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a titulo prévio”, pelo que, ficam assim excluídos os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação sendo nesta exclusão que se enquadra a fracção adquirida pelo reclamante ao empreendimento E…………….., Lda., pelo que não pode, o adquirente beneficiar da redução do Imposto do Selo (Verba 1.1), conforme previsto no decreto, acima referido.
E tudo quanto me cumpre informar.
Serviço de Finanças de Loulé 1, 27 de Julho de 2011»
P) Em 27/07/2011, foi proferido o seguinte projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa (fls. 29 da reclamação):
«No uso da competência que me é conferida pela Delegação de Competências efectuada pelo Sr. Director de Finanças de Faro de harmonia com o estipulado no artº. 35°. do CPPT e artº. 62º da LGT, publicada pelo aviso (extracto) nº. 27 de 9/02/2010, DR. 2ª Série, nº. 27, de 9/02/2010, tendo em conta a informação e parecer que antecedem, e que faz parte do projecto de despacho, com o qual concordo, indefiro o pedido.
Notifique-se o reclamante, para no prazo de 10 dias dizer o que tiver por conveniente, remetendo-lhe cópia da informação e parecer que antecedem.»
Q) A Impugnante, devidamente notificada, não exerceu o direito de audição.
R) Em 12/09/2011, foi proferido o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, donde se extrai (fls. 33 da reclamação):
«Do projecto de despacho constante de fls. 29 a 31 dos autos, foi o reclamante notificado, na pessoa do seu mandatário, Dra. G…………, para o exercício do Direito de Audição nos termos da alínea b) do nº. 1 e nº. 4 e 5 do artº. 60º da Lei Geral Tributária, através do oficio 6846, datado de 27-07-2011, sob o registo dos CTT n.º RM30918346 8PT, não tendo até à presente data sido exercido o mesmo.
Assim, no uso da competência que me é conferida pela Delegação de Competências efectuada de harmonia com o estipulado no artº. 35° do CPPT e artº. 62° da LGT, pelo Sr. Director de Finanças de Faro, publicada pelo extracto nº. 2791/2010, DR 2. Série, nº, 27°. De 9/02/2010, mantenho e torno definitivo o referido despacho, indeferindo o pedido.
Notifique-se a reclamante nos termos do art.º 36° do CPPT, através de carta registada com aviso de recepção, enviando-lhe cópia da decisão, e comunicando-lhe que o presente acto é susceptível de impugnação judicial, a interpor no prazo de quinze dias (quinze) dias (nº. 2 do artº. 102°. do CPPT) ou de recurso hierárquico a interpor no prazo de 30 (trinta) dias (nº. 1 do artigo 76°. do CPPT).»
S) O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado à Impugnante em 16/09/2011, cfr. fls. 34 da reclamação graciosa em apenso.
T) Na reclamação graciosa 1082-11/0400250.4, apresentada pela Impugnante mulher, foi prestada a informação de fls. 29 e 30 da reclamação que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos, donde resulta com interesse para a decisão:
6 — O reclamante vem solicitar a restituição da totalidade do IMT, bem como a importância respeitante a 4/5 do Imposto do Selo, pagos pelos documentos acima mencionados.
7 - Conforme dispõe o artº. 20° do decreto Lei nº. 423/83 de 05/12, “são isentas de sisa (agora IMT)…as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a título prévio”, pelo que, ficam assim excluídos os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação, sendo nesta exclusão que se enquadra a fracção adquirida pelo reclamante ao empreendimento E………., Lda., pelo que não pode, o adquirente beneficiar da isenção de imposto, conforme previsto no decreto, acima referido.
E tudo quanto me cumpre informar.
Serviço de Finanças de Loulé 1, 06 de Julho de 2011»
U) Em 29/07/2011, o Director de Finanças de Faro proferiu o projecto de despacho de indeferimento, cfr. fls. 42 da reclamação.
V) A Impugnante, devidamente notificada, não exerceu o direito de audição.
X) Em 14/09/2011, foi proferido o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, donde se extrai (fls. 52):
«Concordo.
Torno definitivo o projecto de despacho de indeferimento de 2011/07/28 Faro, 05 de Setembro de 2011»
Z) O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado à Impugnante por carta registada expedida em 06/09/2011, cfr. fls. 53 e 54 da reclamação.
AA) No âmbito da reclamação graciosa 1082-11/0400251.2 foi prestada a informação de fls. 30 e 31, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)
6 — O reclamante vem solicitar a restituição da totalidade do IMT, bem como a importância respeitante a 4/5 do Imposto do Selo, pagos pelos documentos acima mencionados.
7 - Conforme dispõe o artº. 20º. do decreto Lei nº. 423/83 de 05/12, “são isentas de sisa (agora IMT)... as aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação, seja atribuída a titulo prévio”, pelo que, ficam assim excluídos os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados que não sejam objecto de remodelação ou ampliação sendo nesta exclusão que se enquadra a fracção adquirida pelo reclamante ao empreendimento E………., Lda., pelo que não pode, o adquirente beneficiar da redução do Imposto do Selo (Verba 1.1), conforme previsto no decreto, acima referido.
E tudo quanto me cumpre informar.
Serviço de Finanças de Loulé 1, 27 de Julho de 2011»
BB) Em 27/07/2011, foi proferido o seguinte projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa (fls. 29 da reclamação):
«No uso da competência que me é conferida pela Delegação de Competências efectuada pelo Sr. Director de Finanças de Faro de harmonia com o estipulado no artº. 35°. do CPPT e artº. 62°. da LGT, publicada pelo aviso (extracto) nº. 2791/2010, DR. 2° Série, nº. 27, de 9/02/2010, tendo em conta a informação e parecer que antecedem, e que faz parte do projecto de despacho, com o qual concordo, indefiro o pedido.
Notifique-se o reclamante, para no prazo de 10 dias dizer o que tiver por conveniente, remetendo-lhe cópia da informação e parecer que antecedem.»
CC) O Impugnante, devidamente notificada, não exerceu o direito de audição.
DD) Em 12/09/2011, foi proferido o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, donde se extrai (fls. 33 da reclamação):
«Do projecto de despacho constante de fls. 29 a 31 dos autos, foi o reclamante notificado, na pessoa do seu mandatário, Dra. G………., para o exercício do Direito de Audição nos termos da alínea b) do nº. 1 e nº. 4 e 5 do artº. 60º da Lei Geral Tributária, através do oficio 6846, datado de 27-07-2011, sob o registo dos CTT n.º RM3 0918366 1PT, não tendo até à presente data sido exercido o mesmo.
Assim, no uso da competência que me é conferida pela Delegação de Competências efectuada de harmonia com o estipulado no artº. 35° do CPPT e art°.62°. da LGT, pelo Sr. Director de Finanças de Faro, publicada pelo extracto nº. 2791/2010, DR 2. Série, n° 27°. De 9/02/2010, mantenho e torno definitivo o referido despacho, indeferindo o pedido.
Notifique-se a reclamante nos termos do art.º 36° do CPPT, através de carta registada com aviso de recepção, enviando-lhe cópia da decisão, e comunicando-lhe que o presente acto é susceptível de impugnação judicial, a interpor no prazo de quinze dias (quinze) dias (nº. 2 do artº. 102°. do CPPT) ou de recurso hierárquico a interpor no prazo de 30 (trinta) dias (nº. 1 do artigo 76°. do CPPT).»
EE) O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado à Impugnante em 16/09/2011, cfr. fls. 34 da reclamação graciosa em apenso.
FF) A petição inicial foi apresentada em 21/09/2011, cfr. fls. 3.


6. Do objecto do recurso


A questão apreciar no presente recurso é a de saber, se a fracção adquirida pelos recorridos se encontra isenta do pagamento do IMT e goza da redução do Imposto de Selo, nos termos do nº1 do artº 20º do DL nº 423/83 de 5/12, tendo em conta que a fracção está integrada num empreendimento de utilidade turística que se encontra construído e instalado pela outorgante vendedora, proprietária/exploradora do empreendimento – C………, Lda.

A sentença recorrida ponderando que, por um lado, a emissão do título de abertura é condição necessária do início de funcionamento do empreendimento turístico, considerou que, por outro, nem sempre a emissão do título abertura determina o início de funcionamento, permitindo ultrapassar a fase de instalação do empreendimento.
Julgou-se também que um empreendimento turístico só se considera instalado com o início de funcionamento e que, permitindo-se a instalação dos empreendimentos turísticos por fases, só à medida que cada uma das fases inicie o funcionamento é que se considera que essa fase se considere instalada.
E, num outro enfoque, considerou que a utilidade turística abrange a totalidade dos elementos componentes ou integrantes dos empreendimentos, com excepção das instalações destinadas à exploração comercial das águas minerais ou similares, das instalações termais — artigo 3.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 423/83, de 5 de Dezembro.
Prosseguindo neste discurso argumentativo julgou a sentença recorrida que a aquisição da fracção pelos Impugnantes é uma aquisição inicial e não subsequente, isto é, constitui a primeira venda da fracção, efectuada pela proprietária do empreendimento, estando assim integrada no âmbito do processo de instalação da totalidade do conjunto turístico, processo que é complexo e prolongado no tempo.
E concluiu que a primeira aquisição de cada fracção está integrada no processo de instalação do empreendimento, sendo que, no caso dos autos, os Impugnantes realizaram a primeira aquisição da fracção, beneficiando assim do disposto no art° 20.°, n° 1, do Decreto-Lei n.° 423/83, por se tratar de aquisição com destino à instalação do empreendimento.


6.1 Contra o assim decidido, insurge-se a Fazenda Pública sustentando que é irrelevante o facto da fracção adquirida pelos recorridos continuar afecta à exploração turística já que a operação realizada cai fora da previsão estabelecida no artigo 20º do DL nº 423/83.
Alega para o efeito que a aquisição em causa não reúne os requisitos necessários para satisfazer o conceito de instalação dum empreendimento turístico porquanto o empreendimento em causa já antes da transmissão cumpria com todas as exigências legais para funcionar, não sendo afectado pelo obstáculo da instalação por fases.
E conclui que a sentença recorrida ofendeu por erro de interpretação e aplicação o art. 20 do Dec. Lei nº 423/83 de 5 de Dezembro.

Por sua vez os recorridos sustentam que os benefícios resultantes do art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não são apenas aplicáveis às situações que resultem de investimento directo, seja na construção de empreendimentos novos, beneficiação, remodelação ou reequipamento de empreendimentos já existentes.
Isto porque o processo de instalação de em empreendimento turístico é complexo, moroso e por fases e termina com o início de funcionamento do empreendimento turístico.
Mais alegam que o conceito de utilidade turística conforme resulta do n.º 5 do art.º 3 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, estabelece que todas as unidades que compõem o empreendimento turístico ficam abrangidas no conceito de utilidade turística.
E que o decreto-lei n.º 29/2008 de 7 de Março, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, consagra um conceito de exploração turística assente na unidade, continuidade e afectação à exploração turística de todas as unidades que compõem o empreendimento independentemente da propriedade das mesmas estar ou não na entidade que tem a cargo essa exploração.
Concluem que aquisição da fracção pelos Recorridos é uma aquisição inicial e respeita os todos os requisitos previstos no art.º 20 do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro;


6.2 Desde já se adiantará que o recurso merece provimento e que a sentença que assim decidiu não pode ser mantida na ordem jurídica.
Com efeito a questão nestes termos suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo em data recente por acórdão de 23/01/2013, no processo n.º 968/12, recurso esse que foi objecto de julgamento ampliado ao abrigo do artº 148º do CPTA e em que o presente relator interveio como adjunto.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que, para obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do Código Civil e 148º, nº 1 do CPTA), nos limitaremos a reproduzir o que sobre tal matéria se disse no já referido Acórdão 968/12.
Como se sublinha naquele aresto, «A resposta à questão de mérito suscitada no presente recurso impõe que se comece por determinar o sentido e o alcance do mencionado preceito, no que se refere ao inciso “aquisições de prédios ou fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.
Vejamos.
1. O art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, dispõe:
“1- São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
2- A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente.”
O preceito consagra, desta forma, isenção de sisa e do imposto de selo (reduzido a um quinto), nas aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação» de empreendimentos qualificados de utilidade turística.
Assim sendo, a questão que se coloca traduz-se em saber que aquisições devem beneficiar das isenções de IMT e de Imposto de Selo ali consagradas: as aquisições de prédios ou de fracções autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos, ou as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração?
A resposta a esta pergunta remete-nos para o problema de saber o que deve entender-se por «instalação» de empreendimentos turísticos.
Sobre a interpretação das leis fiscais rege a LGT que, no art. 11º, sob a epígrafe “Interpretação”, estabelece que “Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (nº1). Logo a seguir, no seu nº 2 determina-se que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. Finalmente, no nº 3 dispõe-se que “Persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.”
Assim sendo, também no direito fiscal, o preceito fundamental da hermenêutica jurídica radica no art. 9º do Código Civil (Assim, também no Direito Fiscal podem ser usadas as demais técnicas ou cânones interpretativos há muito usados no direito civil. Neste sentido, ver J.L.SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, p. 147.) que prescreve, sobre interpretação da lei:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Como ficou dito, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 5 de Setembro de 2012, proc. nº 314/12, “Interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Neste sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, 6ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1965, Vol. I., p. 145.).
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Cfr. Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I., pp.58/59.) referem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei”(Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 ss.).
Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO (Cfr. O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.), “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito””.
É também comummente aceite que para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios:
“Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.”
Ora, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica”.
2. Começando pelo teor literal do art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83, importa realçar que o legislador refere claramente que apenas se encontram isentas de sisa e de imposto de selo “as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística”.
O que quer dizer que não se trata de uma isenção subjectiva dirigida a beneficiar as empresas, quer sejam proprietárias quer exploradoras dos empreendimentos, mas sim objectiva, uma vez que visa beneficiar a actividade de instalação, podendo apenas requerer e beneficiar da isenção as empresas que se dediquem a «instalar» empreendimentos turísticos e não também as que pretendam dedicar-se à actividade de exploração dos mesmos.
Na verdade, o legislador é muito claro quando pretende beneficiar as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos. É o que acontece quando no art. 16º do mesmo diploma refere que as empresas proprietárias e ou exploradoras dos empreendimentos gozarão relativamente à propriedade e exploração dos benefícios indicados nas alíneas a) a c) do nº 1 do preceito. Ou quando no nº 2 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 alarga a isenção estabelecida no nº 1 do preceito na “transmissão a favor da empresa exploradora, no caso da proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação”.
O acabado de expor serve para demonstrar que não oferece dúvida que, ao contrário do exposto, no caso da isenção do nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83, o legislador quis abranger apenas as aquisições destinadas à «instalação» de empreendimentos.
Como o Decreto-Lei nº 423/83 não contém uma definição para o conceito de «instalação», manda o art. 11º, nº 2, da LGT, que nos socorramos do significado técnico jurídico que nos é dado pelo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.
Análise atenta da referida legislação mostra-nos que só os Decretos-Lei nºs 167/97, de 4 de Julho, e 55/2002, de 11 de Março, nos dão uma noção para o conceito de «instalação».
Assim, no art. 9º do Decreto-Lei nº 167/97, sob a epígrafe “Instalação”, pode ler-se que “Para efeitos do presente diploma, considera-se instalação de empreendimentos turísticos o licenciamento da construção e ou da utilização de edifícios destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos.”
As regras respeitantes à exploração e funcionamento dos empreendimentos já instalados constam do capítulo IV.
Por sua vez, o art. 9º do Decreto-Lei nº 55/2002 define instalação da seguinte forma: “(…) Considera-se instalação de empreendimentos turísticos o processo de licenciamento, ou de autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção de edifícios ou suas fracções destinados ao funcionamento daqueles empreendimentos”.
E embora os diplomas anteriores sejam omissos quanto à inserção de uma norma com uma noção sobre o conceito de instalação, a verdade é que a mesma coincide com a que decorre da leitura do regime neles consagrado.
Outro dado que importa realçar e que se extrai dos mencionados diplomas é que as operações que fazem parte do conceito de «instalação» não se confundem com as que correspondem ao conceito de «funcionamento» e «exploração».
Começando com a análise dos diplomas que regularam anteriormente a matéria, temos o Decreto-Lei nº 49399, de 24 de Novembro de 1969, que, no seu capítulo IV, sobre a epígrafe “Da instalação dos estabelecimentos de interesse para o turismo”, dispõe o art. 21º que “Para poder instalar-se qualquer estabelecimento hoteleiro ou similar deverá, em primeiro lugar, ser requerido à Direcção-Geral do Turismo que o empreendimento seja declarado de interesse para o turismo ou sem interesse para o turismo, no prazo e sob a cominação que forem fixados em regulamento”.
E no art. 22º diz-se que “Serão organizados pela Direcção-Geral do Turismo os processos respeitantes à aprovação da localização e à aprovação do anteprojecto e projecto dos estabelecimentos hoteleiros e similares de interesse para o turismo, ainda que haja lugar à intervenção de outras entidades ou serviços”.
Por sua vez, no Capítulo V, sob a epígrafe, “Das vistorias e da inspecção dos estabelecimentos de interesse para o turismo”, dispõe o art. 39º que “nenhum estabelecimento hoteleiro ou similar de interesse para o turismo poderá iniciar a sua exploração sem prévia autorização da Direcção-Geral do Turismo ou das delegações da Secretaria de Estado, precedida de vistoria.”
Do preceito decorre que, no âmbito do regime consagrado no referido diploma, uma vez construído/instalado o empreendimento turístico ele só podia começar a funcionar e a ser explorado depois de devidamente autorizado pela Direcção-Geral do Turismo.
De seguida, o Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro, que veio proceder à revisão do Decreto-Lei nº 49399, de 24 de Novembro, continua a distinguir entre actos e procedimentos tendentes à construção e instalação dos empreendimentos (Capítulo III), e funcionamento e exploração (Capítulo IV).
Por fim, o diploma mais recente, o Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, que veio consagrar o novo regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, “procedendo à revogação dos diversos diplomas que actualmente regulam esta matéria e reunindo num único decreto-lei as disposições comuns a todos os empreendimentos”, também não contém uma noção de «instalação», mas distingue claramente entre o procedimento respeitante à instalação dos empreendimentos turísticos (arts. 5º e 6º e o Capítulo IV) e o funcionamento e a exploração dos mesmos (Capítulo VII).
Em especial, o art. 5º, sob a epígrafe “Requisitos gerais de instalação” (O procedimento de instalação dos empreendimentos turísticos encontra-se sujeito a um regime comum, ou seja, a um conjunto de requisitos comuns, tal como resulta deste art. 5º, nº1, e art. 23º do Decreto-Lei nº 39/2008, por conseguinte, na instalação dos empreendimentos turísticos destaca-se um regime procedimental comum que é o definido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, com as particularidades ou especificidades que resultem do Decreto-Lei nº 39/2008.Para análise desenvolvida dos requisitos gerais da instrução dos pedidos informação prévia, de licenciamento e da apresentação da comunicação prévia e dos requisitos específicos da instalação de empreendimentos turísticos, cfr. LICÍNIO LOPES MARTINS, “O procedimento de instalação de empreendimentos turísticos”, Empreendimentos Turísticos, CEDOUA/FDUC, Almedina, 2010, pp.121 ss.), estabelece:
“1- A instalação de empreendimentos turísticos que envolvam a realização de operações urbanísticas conforme definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação devem cumprir as normas constantes daquele regime, bem como as normas técnicas de construção aplicáveis às edificações em geral, designadamente em matéria de segurança contra incêndio, saúde, higiene, ruído e eficiência energética, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei e respectiva regulamentação.
2- O local escolhido para a instalação de empreendimentos turísticos deve obrigatoriamente ter em conta as restrições de localização legalmente definidas, com vista a acautelar a segurança de pessoas e bens face a possíveis riscos naturais e tecnológicos”.
(…)”.
O significado técnico jurídico que se extrai da legislação é que o conceito de instalação compreende todas as operações e procedimentos que vão desde o pedido de licenciamento ou de comunicação prévia de operações urbanísticas, passando pelos pareceres e aprovações das várias entidades oficiais competentes, pedido de autorização ou comunicação de utilização para fins turísticos, e obtenção do respectivo alvará (art. 30º) ou título de abertura ao público (art. 32º). Nesta sequência, refere o nº 2 do art. 12º do Decreto-Lei nº 423/2003 que “a data de abertura ou reabertura ao público é aquela em que o empreendimento foi autorizado a funcionar pela autoridade competente”. Sendo que a data de comunicação do título de abertura e funcionamento é a relevante para marcar o início do prazo de validade do estatuto de utilidade turística do empreendimento turístico em causa, tal como resulta no caso em apreço (cfr. o despacho nº 3716/2011).
Dito por outras palavras, a «instalação» emerge como um procedimento que compreende os actos jurídicos e os trâmites tendentes ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.
Depois de construído e obtidas pelos promotores do investimento as licenças necessárias a tornarem o empreendimento apto ao exercício da actividade turística, cada empreendimento turístico “deve ser explorado por uma única entidade, responsável pelo seu integral funcionamento e nível de serviço e pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis” (nº 1 do art. 44º do Decreto-Lei nº 39/2008), sendo tal entidade designada pelo titular do respectivo alvará de autorização de utilização para fins turísticos (nº 2 do art. 44º), ou seja, pelo promotor (cfr. o Capítulo VII e arts. 41º e ss. do Decreto-Lei nº 39/2008, que estabelece as regras relativas à exploração e funcionamento).
E ainda que as unidades de alojamento estejam ocupadas pelos respectivos proprietários, cabe à entidade exploradora assumir a exploração continuada das mesmas, devendo mantê-las permanentemente em regime de exploração turística (art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008).
Esta distinção entre os conceitos de «instalação», por um lado, e de «funcionamento» e «exploração», por outro, está bem patente no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008, onde se podem ler, em primeiro lugar, as preocupações e inovações quanto aos aspectos relacionados com o licenciamento dos empreendimentos, no sentido da sua simplificação. No mesmo sentido, DULCE LOPES (Cfr. “Aspectos jurídicos da instalação de empreendimentos turísticos”, I Jornadas Luso –Espanholas de Urbanismo, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 225 e ss., em especial, p. 227.), ao caracterizar o procedimento de instalação de empreendimentos turísticos, ao abrigo do Decreto-Lei nº 39/2008 e legislação complementar, diz expressamente que com o mencionado diploma se pretendeu “(…) um ajustamento do procedimento de instalação de empreendimentos turísticos às exigências de simplificação e desburocratização procedimental que anima o pacote legislativo do Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa (SIMPLEX)”. E a referida Autora continua dizendo que “Nestes moldes, compete ao município licenciar ou admitir as comunicações prévias das operações necessárias para a instalação de estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos e conjuntos turísticos, devendo, para o efeito, solicitar parecer do turismo de Portugal I.P. sobre a arquitectura e a localização de empreendimentos turísticos não precedidos de plano de pormenor”.
Regressando à análise do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/2008, verifica-se que de seguida são realçadas as inovações no que se refere à exploração e funcionamento, podendo ler-se, a este propósito, a dado passo, que “No capítulo das exploração e funcionamento, consagra-se um novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos, assente na unidade de exploração e continuidade da exploração por parte da entidade exploradora e na permanente afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõem o empreendimento, independentemente do regime de propriedade em que assenta e da possibilidade de utilização das mesmas pelos respectivos proprietários”.
Como assinala CRISTINA SIZA VIEIRA (Cfr. Propriedade Plural e Gestão de Empreendimentos Turísticos”, Empreendimentos Turísticos, CEDOUA-FDUC, Almedina, Coimbra, pp. 180 ss.), a verdadeira alteração de fundo introduzida pelo diploma em causa respeita à exploração dos empreendimentos turísticos em propriedade plural, com consagração expressa no art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008.
Já em diplomas anteriores, tal como o Decreto-Lei nº 167/97, se admitia a aquisição de fracções autónomas, o que implicava que tais unidades de alojamento fossem retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos, estando fixada a percentagem máxima de unidades de alojamento que poderiam ser desafectadas da exploração.
O que muda com o Decreto-Lei nº 39/2008 é o facto de as unidades de alojamento se considerarem sempre em exploração turística, aplicando-se a regra do art. 45º a todos os empreendimentos, incluindo os constituído em propriedade plural, ou seja, em que as unidades de alojamento se possam constituir como fracções autónomas, uma vez que a exploração turística ocorre ainda que tais fracções estejam ocupadas e ainda que tal ocupação seja permanente. Segundo a mencionada Autora, são duas as principais novidades em relação ao regime anterior: cai por terra “a percentagem e o limite temporal de uso pelos proprietários das unidades de alojamento que estivessem afectas à exploração turística” (Cfr. ob. cit., p. 184.).
Do exposto resulta claro que as alterações relevantes introduzidas pelo diploma em causa prendem-se sobretudo com um novo conceito de «exploração», em nada se alterando quanto ao conceito de «instalação». Em relação a este conceito, como vimos, o legislador limitou-se a simplificar o seu procedimento.
Em suma, da leitura do regime constante dos arts. 5º a 6º e 23º a 40º do Decreto-Lei nº 39/2008 verifica-se que o conceito de «instalação» nada tem que ver com o «funcionamento» e a «exploração» e que naquele cabem apenas, como refere a Fazenda Pública, os actos, as operações e os procedimentos tendentes à construção/criação de empreendimentos turísticos.

3. O conceito de instalação a que se chegou é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural.
Com efeito, consideram-se empreendimentos turísticos em propriedade plural, nos termos do art. 52º do Decreto-Lei nº 39/2008, aqueles que “compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios”.
Ao explicar o que está em causa quando falamos de empreendimentos turísticos em propriedade plural, CRISTINA SIZA VIEIRA (Cfr., ob. cit., pp. 188 ss.) mostra-nos que a propriedade plural já tem a ver com a exploração e não com a instalação dos empreendimentos.
Assim, para aquela Autora, empreendimentos turísticos em propriedade plural “são empreendimentos turísticos a constituir ou a instalar sob forma fraccionada e onde se pretende, desde logo, alienar ou vir a alienar as fracções autónomas ou lotes destinados a unidades de alojamento”, apontando como uma das importantes consequências da instalação de um empreendimento em propriedade plural, a consagração de um conjunto de deveres a que quer o promotor quer a entidade administradora ficam vinculados.
Nas palavras da Autora, “O promotor é a entidade que promove a “instalação” (conceito usado pela lei) do empreendimento, e por conta de quem o mesmo é licenciado e construído; é ele também que coloca no mercado as fracções autónomas ou lotes para a venda. O promotor pode vir a manter-se ligado ao empreendimento, quer enquanto proprietário de algumas fracções, quer, no caso de alienação total, enquanto responsável pela sua exploração; mas também pode ceder a sua exploração (e portanto a sua administração) a outrem”.
E a Autora passa a enumerar as várias obrigações do promotor, que têm de ser cumpridas mesmo antes de serem colocadas no mercado as unidades de alojamento ou lotes, isto é, antes de serem celebrados contratos, ainda que meras promessas de compra e venda, destacando-se: a elaboração do título constitutivo previsto nos arts. 54º e 55º do Decreto-Lei nº 39/2008 e o contrato de exploração turística”, que deve regular os termos da exploração da unidade de alojamento, a participação do proprietário nos resultados e os termos e condições em que pode usar a referida unidade (nº 4 do art. 44º).
Resulta, desta forma, patente que eventuais vendas das unidades de alojamento realizadas ainda durante a fase de construção/instalação do empreendimento já fazem parte da exploração do mesmo. Destacam-se, assim dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo momento.
Embora se reconheça que há no caso dos empreendimentos turísticos em propriedade plural uma evidente compressão do conteúdo do direito de propriedade (uma vez que ainda que a habitem a título permanente a unidade de alojamento não se destina a habitação), a verdade é que tais restrições são estabelecidas em função da forma de exploração e funcionamento do empreendimento e não em virtude da sua instalação.
O acabado de expor leva-nos a concluir que quando o legislador, no nº 1 do art. 20º, utiliza a expressão aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação» ( Quer sejam novos, quer existentes, mas que sejam objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (art. 5º do Decreto-Lei nº 423/83.), este conceito não pode deixar de ser entendido como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção (quando se trate de novos empreendimentos (A lei abrange também, como ficou dito, a aquisição de meras fracções autónomas com vista à remodelação/instalação de empreendimentos turísticos.)) de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

4. Esta conclusão é, aliás, confirmada, pela evolução histórica das isenções consagradas no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 e a razão de ser das mesmas.

1. Começando pela evolução histórica, a Lei nº 2073, de 23 de Dezembro de 1954, dispunha no artigo 12° o seguinte:
“As empresas proprietárias e as que venham a explorar os estabelecimentos hoteleiros ou similares classificados de utilidade turística são isentas, relativamente à propriedade e exploração dos mesmos, de contribuição predial e de contribuição industrial, e bem assim de quaisquer impostos e taxas para os corpos administrativos, durante o prazo de 10 anos, contado a partir do primeiro ano de exploração dos estabelecimentos; e beneficiarão, nos quinze anos seguintes, de uma redução de 50 por cento nas mesmas contribuições, impostos e taxas.
E o artigo 13° do mesmo diploma concedia ainda outros benefícios fiscais, nos seguintes termos:
São isentas de sisa e de imposto de sucessões e doações, ficando sujeitas apenas a um quinto do imposto do selo devido, as aquisições de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros ou similares previamente declarados de utilidade turística, cujas empresas beneficiarão também das isenções estabelecidas no corpo do artigo anterior, desde a aquisição dos prédios até à abertura dos estabelecimentos à exploração, se for observado para esta o prazo fixado pelo Presidente do Conselho.”
Resulta dos normativos mencionados que também aqui apenas estavam isentas de sisa (actual IMT) as aquisições, por parte das empresas, de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros.
Por sua vez, a Lei nº 2081, de 04 de Junho de 1956, veio inserir disposições de interpretação e aplicação da Lei nº 2073, tendo o art. 12º vindo estipular que “Poderão ser restituídas as importâncias correspondentes à sisa e ao imposto sobre as sucessões e doações e aos quatro quintos do imposto do selo pagos pela aquisição de prédios com destino à construção de estabelecimentos hoteleiros e similares, feita posteriormente à entrada em vigor da Lei n ° 2073, desde que esses estabelecimentos venham a ser declarados de utilidade turística e sejam abertos à exploração no prazo fixado para o efeito pelo Presidente do Conselho.”
Decorre também daqui com toda a clareza que a restituição da sisa poderia ser feita à empresa que adquiriu um prédio para nele construir e instalar um estabelecimento hoteleiro.
A seguir, o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD), através da publicação do Decreto-Lei nº 41969, de 24 de Novembro de 1958, veio dispor, no seu artigo 13°, nº 8, que ficavam isentos da sisa, as aquisições de prédios com destino à construção e instalação de estabelecimentos hoteleiros ou similares, previamente declarados de utilidade turística, nos termos do artigo 13° da Lei nº 2073, de 23 de Dezembro de 1964.
Também esta isenção abrangia apenas as aquisições de prédios com o fim de neles construir e instalar estabelecimentos hoteleiros, considerados de utilidade turística, deixando de fora a aquisição de fracções que integravam os estabelecimentos hoteleiros.

2. A apontada evolução histórica do conceito de «instalação» é também a que corresponde e se adequa à razão de ser e finalidade das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.
Na verdade, conforme se salienta no Preâmbulo do citado Decreto-Lei “O instituto de utilidade pública tem-se revelado sem dúvida, um dos instrumentos mais eficazes para o desenvolvimento do sector, em particular no que respeita a equipamento hoteleiro e similar, a que foi inicialmente dirigido”.
E, mais adiante, pode ainda ler-se que“De igual modo, é agora a ocasião oportuna de fazer estender os benefícios a investimentos no campo da remodelação, beneficiação, reequipamento, e ampliação, iniciativas muitas vezes mais úteis e merecedoras de estímulo que as dirigidas a empreendimentos novos”.
Ora, resulta do diploma que o que se pretende beneficiar é o investimento em empreendimentos turísticos a que venha a ser reconhecida utilidade turística, quer estes sejam novos (a criar), quer existentes, mas que sejam objecto de remodelação, beneficiação ou reequipamento, ou que aumentem a sua capacidade (artº 5º).
Esta mesma conclusão é a que resulta da leitura do consignado pelo Grupo de Trabalho criado para reavaliar os benefícios fiscais que, a propósito dos benefícios fiscais à utilidade turística em sede de IMT, Imposto do Selo e IMI, recomendam a sua supressão, porquanto, entre o mais, “os promotores de investimentos no sector do turismo mantêm, para além dos apoios financeiros enquadrados nas políticas económicas do Estado Português e da União Europeia, o acesso aos incentivos gerais ao investimento e aos benefícios à interioridade. Por outro lado, minimizando o impacto da medida em sede de IRC, directamente ou através do aumento das reintegrações e amortizações, os custos decorrentes do IMT e IMI sobre os investimentos que ficam sujeitos a estes tributos”(Cfr. Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, p.294.).
Resulta patente das considerações do Grupo de Trabalho que o legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção /redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (Muitos promotores antes de adquirirem os prédios onde futuramente será instalado o empreendimento turístico, elaboram o projecto e candidatam-se à atribuição da utilidade turística a título prévio (art. 7º do Decreto-Lei nº 423/83), que lhes permitirá beneficiar da isenção do IMT e redução do imposto do Selo relativamente à aquisição do imóvel. Por outro lado, os promotores que paguem imposto pela aquisição dos imóveis destinados à instalação de estabelecimentos turísticos podem, posteriormente, pedir a restituição quando lhes for reconhecida a utilidade turística.) (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento (Na verdade, nada impede que o promotor do investimento comece por vender as futuras fracções ou unidades antes mesmo da construção do empreendimento e da sua instalação.).
Alega a recorrida, nas suas Contra-Alegações, que “(…) na realidade, quem realiza o investimento logo na fase de licenciamento e construção do empreendimento (dita de “instalação” pela recorrente) são os adquirentes das fracções, através do pagamento do sinal e dos reforços de sinal por força dos contratos promessa”(art. 23º das Contra-Alegações).
Ora, salvo o devido respeito, tal argumento não tem qualquer fundamento.
Em primeiro lugar, quando o legislador estabelece a isenção no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 abstrai, como não pode deixar de ser, das modalidades de financiamento adoptadas pelos promotores, já que para a construção dos empreendimentos eles tanto podem utilizar apenas capitais próprios ou socorrer-se do produto da venda das futuras fracções, através da celebração de contratos promessa de compra e venda (Com salienta CRISTINA SIZA VIEIRA, a possibilidade de alienar a propriedade do activo imobiliário permite ao promotor aliviar o investimento realizado à cabeça, diminuindo a imobilização do capital e os encargos financeiros a este associados (cfr. ob. cit., p. 172).).
Em segundo lugar, afigura-se evidente que o adquirente das fracções (No caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural (cfr. art. 52º ss. do Decreto-Lei nº 39/2008.) não se torna, por tal facto, um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da instalação, uma vez que está a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial (Sobre a noção, cfr. CRISTINA SIZA VIEIRA, ob. cit., pp. 173 e 178.), como qualquer consumidor final, quer a aquisição seja concretizada em planta quer depois de instalado/construído o empreendimento.
Na verdade, quando os particulares adquirem as fracções fazem-no, como se afigura óbvio, como consumidores de um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor tendo em vista a exploração, pois, como vimos, a celebração dos contratos promessa de compra e venda é acompanhada da celebração do contrato de exploração. O objectivo dos particulares é fazerem o seu próprio investimento, podendo ainda optar por serem utentes do empreendimento ou cederem a exploração, participando nos resultados da mesma (cfr. o nº 4 do art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008). Pois embora se considere que as fracções ficam afectas à exploração, nada impede que as mesmas sejam ocupadas exclusivamente pelos respectivos proprietários e por tempo indeterminado, como deriva, de forma clara, de disposições legais, tais como, as constantes dos arts. 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, quando refere expressamente “(…) devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das “(…)” unidades de alojamento “(…) ainda que ocupadas pelos respectivos proprietários”, e no nº 4 do mesmo preceito, quando se refere às condições de utilização das unidades de alojamento pelos respectivos proprietários. Nas palavras de DULCE LOPES (Cfr. “A Concretização de Empreendimentos”…cit., p. 170.), o diploma parece, assim, “acolher o conceito do turismo residencial, já que expressamente admite que os proprietários das unidades de alojamento possam ocupar as mesmas ou celebrar contratos sobre elas, desde que não comprometam o seu uso turístico, usufruam dos serviços obrigatórios do empreendimento e paguem a prestação periódica a que estão vinculados.
Em suma, os promotores dos empreendimentos são únicos responsáveis pelo investimento imobiliário, impendendo sobre eles o risco do mesmo, bem como pela obtenção das licenças necessárias ao funcionamento e exploração dos mesmos.
Afigura-se, desta forma, que a argumentação da recorrida no sentido de que o benefício consagrado no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 tem em vista a exploração turística e que os beneficiários são os adquirentes das fracções ou unidades de alojamento, não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do preceito.
O benefício só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades.» (….)

No caso em apreço, resulta do probatório que o empreendimento iniciou o funcionamento em 4 de Setembro de 2008 e a venda da fracção em causa apenas ocorreu em 17 de Fevereiro de 2011, ou seja, quando o empreendimento já se encontrava sem qualquer dúvida em funcionamento e exploração.
É certo que pode ser autorizada a instalação dos empreendimentos turístico por fases à semelhança do que pode suceder com outras operações urbanísticas (art. 30º, nº 8, do Decreto-Lei nº 39/2008), mas “A delimitação do termo cada fase da obra” deve fazer-se corresponder a uma parte da obra com capacidade para funcionar autonomamente”, nos termos do regime jurídico da Urbanização e da Edificação (Cfr. LICÍNIO LOPES, ob. cit., p. 137/8.).
Ficou claramente demonstrado que a venda das unidades de alojamento ainda que adquiridas durante a construção/instalação consubstanciam já o interesse da exploração do empreendimento turístico.
Acresce que muito menos resulta do mencionado preceito que tal isenção se aplique à primeira transmissão. Se bem se percebe a sentença recorrida, o critério de beneficiar a primeira transmissão derivaria do facto de só a primeira aquisição de cada fracção estar integrada no processo de instalação.
Para além de a sentença recorrida partir de um conceito de instalação que não tem correspondência com o regime legal, esta interpretação deixaria de fora precisamente as aquisições visadas pelo legislador, a saber, as efectivadas pelos promotores e destinadas à construção/criação/remodelação de empreendimentos turísticos.
Por outro lado, se o preceito visasse, como pretende a sentença recorrida, beneficiar a aquisição das fracções para exploração turística, não fazia sentido estar a discriminar entre as primeiras aquisições e as subsequentes, tanto mais que quem adquire uma unidade de alojamento num empreendimento turístico, constituído ao abrigo do Decreto-Lei nº 39/2008, não pode dar-lhe, como vimos, outro destino senão a exploração para fins turísticos. Daí que, no caso em apreço, a fracção tenha sido adquirida para habitação mas no âmbito da celebração de um Contrato de Exploração Turística, através do qual foi habilitada a entidade exploradora a realizar a exploração do mesmo, nos termos do disposto o art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008.
Finalmente, realce-se que se o legislador quisesse beneficiar pura e simplesmente o «investimento» em empreendimentos turísticos, através da sua afectação à exploração, então justificar-se-ia que a isenção fosse reconhecida indefinidamente e não apenas ao primeiro adquirente de cada fracção. A proceder a interpretação sufragada na sentença recorrida, pode suscitar-se a questão da eventual violação do princípio da igualdade por não se compreender a razão para discriminar os investidores consoantes fossem os primeiros ou segundos adquirentes.
Acresce que se fica sem se perceber o que acontece às aquisições efectivadas em planta que venham a ser objecto de transmissão em momento posterior, mas ainda antes de terminada a instalação no sentido adoptado pela sentença recorrida.
Como bem pondera o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer de fls. 179 e segs., “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.°/1 do EBF) (…)” e embora não sejam susceptíveis de integração analógica admitem interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF).
A verdade é que, como se conclui naquele parecer “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.°/2 do C. Civil)”, como é patente no caso em apreço no que se refere à interpretação seguida na sentença recorrida, sobre o conceito de instalação consignado no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83.
Finalmente, cumpre realçar que os benefícios fiscais “são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesse públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (art. 2º do EBF).
E porque representam uma “derrogação da regra de igualdade” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p 311.) e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante. Neste sentido, concluiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 188/2003, de 8/4/2003, “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhe dar fundamento” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 311, nota (499).).
Ora, a entender-se como o faz a sentença recorrida, que o objectivo da isenção consagrada no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 visa premiar o investimento em empreendimentos turísticos, beneficiando os adquirentes de fracções ou unidades em empreendimentos já construídos/instalados, não vemos que interesses extrafiscais relevantes ou superiores poderiam justificar a opção do legislador, quando, como acontece no caso em apreço, a fracção foi adquirida para uso exclusivo da recorrida, sem qualquer limite temporal.
Por outro lado, considerando que os benefícios fiscais se apresentam, como ficou dito, como uma “excepção à regra da igualdade” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ibidem.) e da capacidade contributiva, não vemos motivo relevante para se discriminar quem compra prédios em empreendimentos turísticos relativamente aos demais consumidores.
Em suma, não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.

7. DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação com a consequente manutenção das liquidações impugnadas.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2013. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Valente Torrão.