Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01260/11.7BEPRT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE PLENA
NUA-PROPRIEDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
Sumário:I - De acordo com o artº 5º, nº 1 do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro: “ Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”.
II - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto sobre sucessões e doações.
III - Ainda de acordo com o artº 3º, parágrafo 1º do CISISSD –“Só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, nas doações por morte e nas doações entre casados, enquanto não falecer o doador ou, no último caso, o donatário não alienar os bens, e nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada”.
IV - Deste modo, apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997.
V - É que quando entrou em vigor o CIRS, o impugnante apenas era titular do direito real de gozo da nua propriedade ou propriedade de raiz e não da propriedade plena dos prédios, pelo que não se pode concluir que a alienação dos bens efetuada em 2005,se reporta a bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, estando os ganhos obtidos com a alienação dos prédios, na parte relativa ao valor do usufruto, sujeitos a tributação.
VI - A expropriação por utilidade pública e uma forma de aquisição originária.
VII - Assim, não é subsumível ao conceito de transmissão, relevante para efeitos do artigo 10.° do Código do IRS em virtude de a sua tipicidade evidenciar o carácter selectivo da tributação das mais-valias, dando o elenco exaustivo ou taxativo dos factos geradores de imposto, não sendo tributáveis outras mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste normativo.
VIII- Dessa norma de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, não consta a indemnização por expropriação de utilidade pública, nem a expropriação pode ser reconduzida à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevista na alínea a) do n.° 1, do artigo 10.° do Código do IRS.
Nº Convencional:JSTA000P28491
Nº do Documento:SA22021111001260/11
Data de Entrada:07/08/2021
Recorrente:A…………….
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A……...., melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 31-03-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a impugnação intentada contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico deduzido na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 2005, no valor total a pagar de Eur 184.926,81, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente A…………….., as seguintes conclusões:

A - As normas de incidência variam consoante a natureza do imposto e estão sujeitas ao princípio da legalidade e da tipicidade, no sentido de que só há incidência real e pessoal em função do que está previsto na lei fiscal;
B - Dispõe o artigo 11.°, n° 1, da Lei Geral Tributária que «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis», acrescentando o n° 2 do mesmo normativo que «Sempre que, nas normas fiscais, se apliquem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da /©/.»;
C - A renúncia ao usufruto está prevista na al. e) do n° 1 [e no n° 2] do artigo 1476.° do Código Civil como uma das causas de extinção do direito de usufruto, correspondendo a um negócio jurídico unilateral pelo qual o seu autor extingue um direito de que é titular;
D - A extinção do usufruto gera a expansão do direito de propriedade que, por via dele, se encontrava comprimido, mas este efeito, decorrente da elasticidade do direito de propriedade, em nada interfere com a natureza do acto da renúncia, i.e., não deixa de ser um acto extintivo para passar a ser um acto translativo;
E - Como refere Oliveira Ascensão, “com a extinção do direito menor, não se dá uma nova transferência de poderes, do titular do direito menor para o proprietário, mas a cessação da limitação que sobre este pendia, e a consequente reaquisição da totalidade das prerrogativas legais, no exercício do direito
F - No âmbito dos impostos sobre a transmissão de bens, onerosa ou gratuita, há normas de incidência que ficcionam a ocorrência de “transmissão” em situações que não têm correspondência no direito civil; No entanto, estes conceitos não vigoram no âmbito dos impostos sobre o rendimento, por serem exclusivos das normas de incidência dos impostos sobre a transmissão onerosa ou gratuita de bens, e o princípio da legalidade e da tipicidade a tal se opor;
G - Há que respeitar os conceitos normativos da incidência de cada imposto, uma vez que neste âmbito não é admissível a aplicação analógica, por força do princípio da legalidade e da tipicidade, consagrado no art. 103°, n°s 2 e 3, da Constituição;
H - Por essa razão, não é admissível a “importação ou exportação” de conceitos atinentes à incidência de um imposto para outro, mormente quando é distinta a sua natureza, como sucede entre os impostos que incidem sobre a despesa ou a transmissão de bens e os que incidem sobre o rendimento;
I - É o que se passa, precisamente, com a relevância da transmissão da propriedade separada do usufruto para efeitos distintos da incidência prevista no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações;
J - Tal como se refere no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância das Contribuições e Impostos, de 5 de Maio de 1971, no processo n.° 46.905, “/// - (...) para efeitos fiscais diferentes da tributação em imposto de sisa ou em imposto sobre as sucessões e doações, há-de entrar em funcionamento o conceito civilistico de transmissão. IV - Nos casos de doação de bens imóveis cativos de usufruto, a transmissão efectua-se no acto da aquisição dos bens.
K - Só no âmbito do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações é que a renúncia ao usufruto é tida como uma transmissão, pelo que, para efeitos de imposto sobre o rendimento há que aplicar o conceito civilístico de renúncia ao usufruto, no sentido de que esta constitui um acto extintivo do direito de propriedade e não um acto translativo;
L - Assim, no caso em apreço, tendo a doação dos prédios rústicos ocorrido em 1975, é nessa data que ocorre a transmissão da propriedade a favor do impugnante e aqui recorrente, motivo por que é aplicável ao caso em apreço a disposição do n.° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30.11, segundo a qual “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo DL 46.673, de 9 de junho de 1965 (...) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”,
M - De que decorre que a transmissão onerosa dos prédios rústicos em causa nos presentes autos beneficia da exclusão de tributação prevista no n° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442- A/88, de 30 de Novembro;
N - E não se diga que a aplicação das normas do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações nesta matéria resulta de remissão expressa do Código do IRS, concretamente do seu artigo 45.°, pois que, não é das normas de determinação da matéria colectável que há-de resultar a previsão do facto tributário, ou seja, a incidência do imposto, não havendo, no artigo 10.° do Código do IRS qualquer remissão para as normas ou para os conceitos do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações no que respeita ao que se entende por transmissão ou alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
O - Deste modo, devia ter sido julgada procedente a impugnação judicial, por ser aplicável à situação sub judice o regime transitório da categoria G do IRS previsto no n° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro;
P - Por outro lado, e relativamente à segunda questão colocada nos presentes autos, a própria natureza da expropriação e da compensação que a mesma envolve, colide frontalmente com o conceito de rendimento tributável em sede de IRS, que assenta na concepção do rendimento-acréscimo, ou seja, na incidência do imposto sobre o acréscimo de património líquido registado num determinado período, como indica o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS;
Q - O artigo 10.° do Código do IRS mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, dando o elenco exaustivo ou taxativo dos factos geradores de imposto, não sendo tributáveis outras mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste normativo;
R - Dessa norma de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, não consta a indemnização por expropriação de utilidade pública, nem a expropriação pode ser reconduzida à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevista na alínea a) do n.° 1, do artigo 10.° do Código do IRS;
S - Com efeito, a expropriação não equivale a uma alienação onerosa do direito de propriedade, resultante do normal exercício do direito de o proprietário alienar o bem, mas antes numa privação forçada do direito de propriedade com a inerente extinção dos direitos reais sobre os imóveis na esfera do expropriado e a concomitante constituição de novos direitos reais na esfera jurídica do beneficiário da expropriação;
T - Nesse contexto, a justa indemnização compreendida na expropriação não constitui um acréscimo patrimonial na acepção do Código do IRS, por não corresponder a qualquer incremento do património do expropriado mas antes, como prevê a lei, ao ressarcimento do prejuízo patrimonial provocado pela expropriação;
U - Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, no Processo n.° 5253/04.2TBVNG.P1 S1 :“1. Nas expropriações por utilidade pública, só o critério do valor real do bem, em condições normais de mercado, assegura o princípio constitucional da justa indemnização. [...]. 2. A justa indemnização não se configura como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil. Englobando a obrigação de indemnizar, por expropriação, apenas a compensação pela perda patrimonial suportada, tendo como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor; [...]; 5. A nossa lei acolhe a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado;
V - Acresce que, o elenco das mais-valias constante do n° 1 do artigo 10.° do Código do IRS é taxativo e não contempla a expropriação, pelo que, de acordo com o disposto nos artigos 11.°, n° 1, da Lei Geral Tributária e 9o do Código Civil, não pode interpretar-se o pensamento legislativo de outra forma senão a que resulta da letra da lei e do seu preâmbulo, em cumprimento, ainda, do princípio da legalidade e da tipicidade que vigoram em matéria de incidência dos impostos;
W - Como refere o Supremo Tribunal Administrativo no recente Acórdão de 7 de Abril de 2021, proferido no Processo n° 0813/16.1BEAVR: «/- O conceito de “alienação onerosa” a que se refere o art. 10° n.°1, a), do Código do I.R.S. (...) não é substancialmente diverso do de “transmissão onerosa” a que se referia o n.° 1 do art. 1° do Cód. de Imp. de Mais-Valias, sobre o qual a doutrina e a jurisprudência se pronunciou em termos de estar excluída a expropriação por utilidade pública.II - (...) III- A expropriação por utilidade pública não se encontra abrangida pela norma de incidência da alínea a) do n.° 1 do artigo 10° do Código do I.R.S., nem na alínea b) do n.° 1 do artigo 44° do mesmo código, pois tal redundaria em inconstitucionalidade orgânica, para além de que violaria o princípio da tipicidade
X - Pelo que, também a resposta a esta questão devia ter conduzido à procedência da impugnação judicial, nessa parte;
Y - Deste modo, a sentença recorrida, ao acolher entendimento diferente ao supra exposto, incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos artigos 103.°, n°s 2 e 3 e 266.° da Constituição, 11.° da Lei Geral Tributária, 9o, 940.°, n° 2 e 1476.° do Código Civil, 5.°, n° 1 do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30.11 e o artigo 10.°, n° 1, do Código do IRS, motivo por que deve ser revogada.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS,
DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, ASSIM FAZENDO VOSSAS EXCELÊNCIAS SÃ, SERENA E OBJECTIVA JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso ser julgado parcialmente procedente, com a seguinte fundamentação:

I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF do Porto, que julgou improcedente a ação de impugnação judicial intentada contra o ato de indeferimento do recurso hierárquico, por sua vez apresentado do ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRS emitido em 28/05/2009,relativo ao ano de 2005, no valor de € 279.154,03 euros.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 103º, nºs 2 e 3 e 266ºda CRP, 11º da LGT, 9º, 940º, nº2 e 1476º do Código Civil, 5º, nº1, do Decreto-Lei nº 442-A/88 de 30/11, e o artigo 10º, nº1, do CIRS.
Para o efeito alega que «tendo a doação dos prédios rústicos ocorrido em 1975, é nessa data que ocorre a transmissão da propriedade a favor do impugnante e aqui recorrente, motivo por que é aplicável ao caso em apreço a disposição do nº1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30.11, segundo a qual “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo DL 46.673, de 9 de junho de 1965 (…) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”».
Entende, assim, que a transmissão onerosa dos prédios rústicos em causa nos presentes autos não estava sujeita àquele imposto, por beneficiar da exclusão de tributação prevista no citado normativo.
Mais considera que «a justa indemnização compreendida na expropriação não constitui um acréscimo patrimonial na acepção do Código do IRS, por não corresponder a qualquer incremento do património do expropriado mas antes, como prevê a lei, ao ressarcimento do prejuízo patrimonial provocado pela expropriação», não sendo passível de enquadramento na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, conforme jurisprudência deste tribunal que cita.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO DA SENTENÇA.
2.1 Da matéria de facto assente na sentença recorrida resulta que, em data anterior à entrada em vigor do CIRS, foram doados ao impugnante prédios rústicos, com reserva de usufruto, direito que os doadores vieram posteriormente a renunciar já em data posterior à entrada em vigor do CIRS (28/06/1993).
Resulta igualmente que no decurso do ano de 2005 uma parcela dos referidos prédios rústicos foi objecto de expropriação por parte da sociedade “Metro do Porto”, tendo sido fixada, por acordo, uma indemnização no valor de € 159.048,40 euros.
Mais resulta que no decurso do mesmo ano de 2005 a parte restante dos referidos prédios e outros prédios urbanos foram objecto de venda pelo valor de € 2.722.985,00 euros.
Resulta por último que a AT, na sequência de ação inspetiva, efetuou correções à matéria tributável declarada para o ano de 2005, dela fazendo constar os ganhos obtidos pelo contribuinte na venda dos prédios em relação à parte correspondente ao valor do usufruto (50% do valor), que considerou não estarem abrangidos pela alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, e de que resultou uma liquidação adicional onde foi apurado imposto a pagar, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 279.154,03 euros.
Posteriormente, já em sede de reclamação graciosa, a AT reduziu o valor do usufruto para 30% do valor do prédio, de que resultou a emissão de nova liquidação no valor de € 184.926,81 euros.
2.2 Para se decidir pela improcedência da ação de impugnação judicial, o tribunal “a quo” adotou o entendimento sufragado no acórdão deste tribunal de 25/09/2013, proferido no processo nº 0369/13, no sentido de que “apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997.”.
Considerou-se, assim, que «quando entrou em vigor o CIRS, o impugnante “apenas era titular do direito real de gozo da nua propriedade ou propriedade de raiz e não da propriedade plena dos prédios”, pelo que não se pode concluir que a alienação dos bens efetuada em 2005,se reporta a bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS…». Entendeu-se, assim, que os ganhos obtidos com a alienação dos prédios, na parte relativa ao valor do usufruto, estavam sujeitos a tributação, confirmando-se, nesta parte, a legalidade do ato de liquidação.
E no que respeita à parcela expropriada e respetiva indemnização recebida considerou o tribunal “a quo” que «não deixa …de ser a contrapartida do direito real autoritariamente obtido, via transferência, que ainda que alheia à atividade ou vontade do sujeito passivo, em cujo património tal montante se irá afinal repercutir, mostra-se perfeitamente enquadrável, na nossa ótica, no conceito fiscalmente adotado pelo legislador de alienação, e onerosa, porque perante uma contrapartida monetária recebida», concluindo, assim, estar perante «uma vantagem patrimonial efetiva, diretamente subsumível na previsão a alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS».
II. ANÁLISE DAS QUESTÕES.
No seu recurso a Recorrente suscita a apreciação das seguintes questões:
a) A primeira, consiste em saber se tendo a doação dos prédios, com reserva de usufruto, ocorrido em data anterior à entrada em vigor do CIRS – 1 de janeiro de 1989 (art.2º do DL 442-A/88, se 30 de novembro) – e a extinção do usufruto ocorrido posteriormente a essa data e decorrente de renúncia abdicativa, os ganhos obtidos com a transmissão dos prédios beneficiam ou não da exclusão da tributação prevista no artigo 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, na parte relativa ao valor do usufruto.
b) A segunda, consiste em saber se o valor recebido como indemnização pela expropriação de uma parcela dos prédios rústicos está ou não sujeito a tributação em sede de mais-valias imobiliárias.
1. Conforme se deixou supra mencionado, no que respeita à primeira questão o tribunal “a quo” adotou o entendimento sufragado no acórdão deste tribunal de 25/09/2013( Que se apoia na jurisprudência dos acórdãos de 28/01/2012, proc. 0201/11, de 06/06/2007, proc. 0157/07, e de 27/11/1991, rec. nº 013637. Cfr. igualmente o acórdão do Pleno de 20/02/1991, recurso nº 011927, e acórdão da seção de 30/03/2011, proc. 0877/09.), proferido no processo nº 0369/13, no sentido de que nestes casos a transmissão relevante para efeito de tributação só ocorre com a consolidação da propriedade na esfera jurídica do donatário. Esta jurisprudência fundamenta-se no disposto nos artigos 3º, §1º, e 21º do revogado CIMSISSD, dispondo o primeiro preceito que “só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, …e na sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada”.
Ou seja, à luz do disposto no CIMSISSD, para efeitos do imposto sobre sucessões e doações, o facto tributário ocorria com a extinção do usufruto e consolidação da propriedade.
Como se deixou supra mencionado, na liquidação impugnada a AT apenas considerou sujeito a tributação os ganhos resultantes da transmissão na parte relativa ao usufruto, por entender que a aquisição deste direito real menor já ocorreu na vigência do CIRS. Ou seja, no apuramento das mais-valias imobiliárias tributáveis a AT diferenciou a transmissão da nua propriedade da transmissão do usufruto (ocorrida com a renuncia dos doadores).
E afigura-se-nos que tal entendimento está conforme com as disposições legais aplicáveis. Com efeito, o CIRS é explícito ao prever na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, sendo incontestável que o direito do usufruto, como direito real menor, só ingressou na esfera jurídica do impugnante após a entrada em vigor do CIRS.
Por outro lado e para além de a renúncia ao usufruto ter ocorrido ainda na vigência do CIMSISSD, ao abrigo de cujas normas foi proferida a jurisprudência supra citada, também é certo que no caso dos autos estamos perante uma renúncia abdicativa, relativamente à qual não existe divergência na doutrina de que estamos perante uma transmissão gratuita do direito de usufruto (cfr. a este propósito Francisco Pinto Fernandes e Manuel Faustino, in “Transmissão Separada da propriedade e do usufruto…”, CTF nº 434, Jan-Dez 2015, pág. 105-142)( Referem os citados autores que nas situações em que se está perante uma renúncia ao direito real menor, «…não podemos deixar de afirmar que se verificam verdadeiras transmissões a favor do proprietário da raiz, uma vez que ele antecipa a desoneração da sua propriedade e tal antecipação tem origem numa aquisição relativa que simetricamente se reflete no espelho da perda derivada na esfera jurídica do outro sujeito».).
Entendemos, assim, que a sentença recorrida, nesta parte, não merece censura.
2. A segunda questão consiste em saber se o valor recebido como indemnização pela expropriação de uma parcela dos prédios rústicos está ou não sujeito a tributação em sede de mais-valias imobiliárias.
Entende a Recorrente que a indemnização não é passível de enquadramento na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, citando em abono da sua tese a jurisprudência deste tribunal veiculada no recente acórdão de 7 de abril de 2021, proferido no processo nº 0813/16.1BEAVR.
Considerou-se neste aresto que «…. Várias indemnizações foram incluídas no art. 9.º n.º1 do C.I.R.S. – assim, na sua alínea b), na redação dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, no que respeita às que visem a reparação de danos não patrimoniais e por lucros cessantes; e na alínea e), na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, para vigorar desde 1-1-2015, quanto à renúncia onerosa a posições contratuais ou a outros contratos relativos a bens imóveis.
Contudo, nada veio a ser previsto no que respeita à indemnização paga por “expropriação por utilidade pública”.
Tal não pode deixar de relevar quanto à intenção do legislador a respeito da não incidência em sede de I.R.S.».
Concordando-se com este entendimento e atento que o legislador não prevê, no artigo 9º do CIRS, como “incremento patrimonial”, a indemnização decorrente da “expropriação por utilidade pública”, também esta não é subsumível na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, uma vez que não é qualificável como “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, ainda que numa interpretação extensiva, como parece entender a Administração Tributária.
Na verdade, tanto a doutrina como a jurisprudência têm adotado o entendimento de que a expropriação por utilidade pública consiste numa aquisição originária, por o beneficiário da expropriação adquirir um direito totalmente novo e independente do direito e da posição que sobre ele tinha o anterior proprietário, e daí que já no longínquo acórdão do STA de 15/11/1990 (recurso nº 005769) se tenha entendido que «os ganhos eventualmente obtidos mercê de expropriação por utilidade pública de terrenos para construção não são passíveis de tributação em imposto de mais-valia, em virtude da respetiva relação jurídica não ser subsumível ao conceito de transmissão onerosa…» (No mesmo sentido os acórdãos do STA de 17/01/1996, recurso nº 019846, e de 21/10/1987, recurso nº 004713).
Afigura-se-nos, assim, no que respeita a esta questão, que a sentença recorrida merece a censura que lhe é assacada pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua revogação nesta parte e em substituição se julgue o ato de liquidação ilegal na parte em que incluiu o valor da indemnização decorrente da expropriação no cálculo das mais-valias.
III.
Em CONCLUSÃO:
Em face do exposto entendemos que os ganhos obtidos com a transmissão dos prédios rústicos não beneficiam da exclusão da tributação prevista no artigo 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, por a renúncia ao usufruto ter ocorrido já na vigência do CIRS, motivo pelo qual se impõe a confirmação da sentença nesta parte.
Já no que respeita à “indemnização por expropriação por utilidade pública”, a mesma não configura um incremento patrimonial suscetível de tributação em sede de IRS, por não estar prevista no artigo 9º do CIRS, nem ser subsumível na alínea a) do nº1 do artigo 10º, do mesmo Código.
Afigura-se-nos, assim, que se impõe a revogação da sentença quanto a esta segunda questão, julgando-se parcialmente procedente o recurso.
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Em 17/12/1975, na Secretaria Notarial de Vila do Conde, foi outorgado documento denominado “Doação”, através do qual os ali outorgantes, B……………. e mulher C…………., declararam doar a A……………, aqui Impugnante, vários prédios, entre os quais, os prédios rústicos inscritos na matriz predial da freguesia de Moreira, concelho da Maia, sob os artigos n.ºs …….... e……….., e reservar para si e por inteiro até à morte do último, o usufruto dos bens doados – cfr. capítulo III do relatório de inspeção tributária, de fls. 94 a 121 do Processo Administrativo apenso aos autos.
2. Em 28/06/1993, no segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, foi elaborado documento de “Renúncia de usufruto”, através da qual, B…………… e mulher C…………….., renunciaram gratuitamente ao usufruto reservado nos prédios a que se alude em 1) - cfr. escritura, de fls. 16 a 19, do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
3. Em 07/04/2005, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada do Porto, foi outorgado documento denominado “EXPROPRIAÇÃO”, pelo aqui Impugnante e outro, como primeiros outorgantes, no qual se declarou que a sociedade “Metro do Porto, S.A.”, segunda outorgante toma posse administrativa de parte dos prédios rústicos inscritos na matriz predial da freguesia de Moreira, concelho da Maia, sob os artigos n.ºs ……..... e………, pelo valor de € 159.048,40, que, como ali se declarou “é a contrapartida acordada”, e que os primeiros outorgantes, “já receberam a indicada contrapartida aceitando a transferência da propriedade daquela parcela” - cfr. cópia de escritura, de fls. 10 a 14 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
4. Em 14/06/2005, no Cartório Notarial de Competência Especializada de Matosinhos, foi outorgado documento denominado “Compra e Venda”, tendo como primeiros outorgantes o aqui Impugnante e mulher, os quais declararam vender à ali segunda outorgante, um prédio misto sito na freguesia de Moreira, concelho da Maia, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ……… e ……… e na matriz predial rústica sob os artigos ……..... e ………, pelo preço global de € 2.722.985,00 – cfr. capítulo III do relatório de inspeção tributária, de fls. 94 a 121 do Processo Administrativo apenso aos autos.
5. Em 27/06/2006, o aqui Impugnante, e mulher, apresentaram, por referência ao ano de 2005, declaração de rendimentos, modelo 3, ali declarando no Anexo G1, referente a “Mais-Valias Não Tributadas”, e quadro 5, relativo a “Imóveis alienados Excluídos de Tributação (Nº 4 do art. 4.º e Art.º 5º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro)”, os seguintes elementos, entre outros, por relação a dois prédios rústicos sitos na freguesia de Moreira, concelho da Maia:

[IMAGEM]

- cfr. declaração de rendimentos, de fls. 38 a 48 do Processo Administrativo apenso aos autos.
6. Na sequência e em resultado da declaração de rendimentos a que se alude no ponto precedente, foi emitida a liquidação de IRS, por referência ao aqui Impugnante e ao ano de 2008, com o n.º 2006 5004167808, no valor total a pagar de € 10.748,03 – cfr. Docs. de fls. 12 e 13 do Processo Administrativo apenso aos autos.
7. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200900551, os Serviços da lnspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, desencadearam procedimento inspetivo interno ao aqui Impugnante, de âmbito parcial (IRS) e com incidência sobre o ano de 2005 - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 94 a 121 do Processo Administrativo apenso aos autos.
8. Em 30/04/2009, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto que antecede, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foi efetuada correção meramente aritmética à matéria tributável de IRS declarada pelo Impugnante no ano de 2005, no montante de € 590.442,70, consubstanciada na correção dos Anexos G e G1, apresentados pelo Impugnante na declaração de rendimentos, modelo 3, a que se alude em 5) - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 94 a 121 do Processo Administrativo apenso aos autos.
9. A correção referida no ponto que antecede, resultou da seguinte fundamentação inclusa no relatório, que dali se extrai, na parte referente aos prédios rústicos inscritos na freguesia de Moreira, concelho da Maia, sob os artigos ……... e ……….:
“(…)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
Para o caso específico da alienação onerosa do direito real de propriedade plena sobre os prédios rústicos, verifica-se que o alienante adquiriu a raiz ou nua propriedade (um direito real sobre bens imóveis) em Dezembro de 1975, e o usufruto (igualmente um direito real sobre imóveis em Junho de 1993.
Por conseguinte, haverá lugar a um tratamento diferente em sede de tributação em IRS, ou seja, aos ganhos decorrentes da alienação correspondente à raiz ou nua propriedade (cuja aquisição ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS) será aplicável o regime transitório (não sujeição) previsto no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de Novembro, enquanto que os ganhos obtidos com a realização correspondente ao usufruto (cuja aquisição ocorreu na vigência do CIRS) serão tributados por se lhe aplicar a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do IRS
Deste modo, o sujeito passivo não beneficiará, na totalidade, da não tributação das mais-valias geradas com a alienação onerosa dos prédios rústicos ............ e …….., como o foi em resultado do preenchimento da sua declaração de rendimentos.
(…)
C. Fundamentos de direito
Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis
Sujeição a IRS ou Exclusão de tributação
No caso em apreço, o sujeito passivo procede à alienação onerosa de um direito real, a propriedade plena, sobre prédios rústicos (artigos …….... e .......... da freguesia de Moreira, concelho da Maia), excluindo a operação totalmente de tributação em sede de IRS, por enquadramento no disposto no n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
(…) qualquer que seja o título que se opere, apenas será tributável em sede de IRS, a transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis cuja aquisição tenha sido posterior a 01 de Janeiro de 1989, com exceção dos terrenos para construção, cuja alienação será tributada mesmo que a aquisição tenha sido efectuada antes da vigência do Código do IRS.
(…) Ora, no caso em apreço, quando entrou em vigor o CURS, o donatário apenas era titular do direito real de gozo da nua propriedade ou propriedade de raiz e não da propriedade plena dos prédios, já que o direito real de gozo do usufruto ficou reservado para os doadores.
Direitos reais sobre bens imóveis:
Raiz ou nua propriedade e Usufruto
Mais uma vez, se enuncia a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º, onde se estabelece que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo necessariamente considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Frequentemente construídos ou representados como figuras parcelares do direito de propriedade, são direitos reais de gozo o direito de nua propriedade, o usufruto, o direito de uso e habitação, o direito de superfície, as servidões e o direito real de habitação periódica (…)
(…)
Ora, no caso em análise, o usufruto extinguiu-se por renúncia dos usufrutuários, titulado por escritura pública de 1993.06.14, sendo este o momento em que o donatário adquire o direito real do usufruto sobre os bens imóveis. Ou seja, no caso, em 1983.01.01, data da entrada em vigor do CIRS, o sujeito passivo não era titular do direito real de propriedade plena, apenas detinha o direito à nua propriedade, mantendo-se o direito real de usufruto na posse dos doadores. Apenas em 1993, com a renúncia a favor do donatário se operou a transmissão deste direito real.
Aplica-se assim o regime transitório (não sujeição) previsto no n.º 1 do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30/11, apenas à parte correspondente à alienação da raiz, enquanto que ao valor da alienação correspondente ao usufruto (cuja aquisição ocorreu na vigência do CIRS por força da renúncia do usufrutuário) será tributado por se lhe aplicar a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS.
Para estarem ambos os direitos excluídos de tributação seria necessário que ambos tivessem sido adquiridos antes de 1989.01.01.
Valor de Realização/Valor de Aquisição
Valor de Realização
(…)
No caso específico de transmissão dos rústicos, o valor que serviu de base à liquidação de IMT, ou que deveria servir, caso fosse devido, foi o valor declarado, por ser superior aos valores patrimoniais. No entanto, atendendo a que o sujeito adquiriu a nua propriedade em 1975 e o usufruto em 1993, o valor de realização da propriedade plena terá que ser decomposto, imputando-o a cada um dos direitos reais menores, segundo as respectivas quotas-partes obtidas através de uma regra de proporção, tendo como ponto de partida o valor de aquisição a título gratuito definido no art. 45.º
Valor de aquisição
(…)
- Em suma, o valor fiscal da nua propriedade sobre os prédios rústicos ……...... e .......... é o correspondente a 50% do respetivo valor patrimonial; por seu turno, a parte restante do valor patrimonial, 50% é imputada ao usufruto.
Da expropriação
Em 2005.04.07, por Escritura de Expropriação celebrada no 1.º Cartório Notarial de Competência Especializada do porto, a sociedade Metro da Área Metropolitana do Porto, S.A., (…) autorizada a tomar posse administrativa de parcelas de terreno (…) procedeu à expropriação de parte do prédio inscrito na matriz rústica sob os artigos ……..... e ……...
Pela parte a destacar, e tendo os outorgantes chegado a acordo, quanto à contrapartida a pagar, a posse administrativa foi tomada pelo preço de €159.048,40.
Ora, consideram-se também englobados no conceito de alienação onerosa não apenas a resultante de acordo das vontades entre as partes contratantes, como ainda a resultante de decisão unilateral, caso típico das expropriações, mesmo que o respetivo preço tivesse sido imposto ao titular do direito de propriedade do bem expropriado.
(…) conforme o exposto, verifica-se que o alienante A………….., adquiriu a raiz ou nua propriedade dos prédios ……... e .......... em Dezembro de 1975, e o usufruto em Junho de 1993, ou seja, em datas diferentes para efeitos de tributação em sede de IRS, aplicando-se assim o regime transitório (não sujeição) previsto no n.º 1 do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30/11, à parte correspondente à alienação da raiz, enquanto que ao valor da alienação correspondente ao usufruto (cuja aquisição ocorreu na vigência do CIRS por força de renúncia do usufrutuário) será tributado por se lhe aplicar a alínea a) do n.º 1 do art.º 10º do CIRS.
(…)
D. Correcções à matéria tributável em sede de IRS
(…)
Deste modo, propõe-se a indicação no Anexo G, não só da alienação onerosa dos direitos reais sobre os bens urbanos como também a parte imputável ao usufruto dos prédios rústicos, não beneficiando, na totalidade, da não tributação das mais-valias geradas com a alienação onerosa dos artigos …….... e ……….
O preenchimento dos anexos G e G1, explanado nos 2 quadros seguintes, deverá então reflectir os valores (de aquisição e de realização) imputados ao usufruto no anexo G e os valores imputados à raiz ou nua propriedade no anexo G1. E isto quer se trate da alienação efectuada por escritura de compra e venda ou por escritura de expropriação (…) - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 94 a 121 do Processo Administrativo apenso aos autos.
10. Em 28/05/2009, em resultado das correções efetuadas pelos Serviços da lnspeção Tributária, referidas em 8) e descrita (em parte) no ponto 9), pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2009 5002526114, por referência ao ano de 2005 e ao aqui Impugnante e mulher, no montante total a pagar de € 260.643,73 acrescida de € 29.643,73 de juros compensatórios, a qual por acerto de contas com a liquidação a que se alude em 6), resultou num total a pagar de € 279.154,03 - cfr. cópia da demonstrações de compensação e liquidação, de fls. 13 a 18 do Processo Administrativo apenso aos autos.
11. Em 06/12/2012, contra a liquidação de IRS a que se alude em 10), o Impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi autuada pelo Serviço de Finanças da Maia, com o n.º 1805200904004191, tendo por objeto a correção respeitante aos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos …...... e .......... – cfr. Processo de Reclamação apenso aos autos.
12. A reclamação graciosa a que se alude em 11), foi por despacho de 26/02/2010, parcialmente deferida, mantendo-se o fundamento de que os prédios foram adquiridos em duas datas distintas, a nua propriedade em 17/12/1975 e o usufruto, consequência da renúncia verificada, em 28/06/1993, em plena vigência do CIRS, e alterando-se a proporção do valor de aquisição e de realização, atendendo à idade dos usufrutuários à data da renúncia do usufruto, para 30% de dedução a efetuar ao valor da propriedade plena – cfr. projeto de decisão e decisão, de fls. 23 a 38 do Processo de Reclamação Graciosa.
13. Em 26/03/2010, contra a decisão referida no ponto precedente, a Impugnante deduziu interposto recurso hierárquico, o qual, por despacho de 25/11/2010, da Diretora de Serviços de IRS, foi indeferido – cfr. processo de Recurso Hierárquico apenso aos autos.
14. Em 05/04/2010, em resultado do deferimento parcial da reclamação graciosa referido em 12), pela Autoridade Tributária e Aduaneira, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2010 5000068810, por referência ao ano de 2005 e ao aqui Impugnante e mulher, no montante total a pagar de € 184.926,81, sendo € 166.416,55 de imposto, acrescida de € 18.510,26 de juros compensatórios, aqui impugnada, a qual por acerto de contas com a liquidação a que se alude em 10), resultou num total a pagar de € 105.027,07 - cfr. cópia das demonstrações de compensação e liquidação, de fls. 42 a 45 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.
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Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.
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Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto relevante para a decisão da causa, resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo, de Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico, apensos aos autos, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados e admitidos pelas partes, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
De referir, que no que respeita ao relatório de inspeção tributária, coligido em 9) do acervo, constituindo documento autêntico (cfr. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil) uma vez que é exarado por funcionário da Administração Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, apenas tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Administração Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que, no entanto, os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do Tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova (cfr. artigo 76.º, n.º 1 da LGT e artigos 363º e ss. do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação contra o acto de liquidação de IRS, padece de erro de julgamento, (i) porquanto e uma vez que, tendo a doação dos prédios, com reserva de usufruto, ocorrido em data anterior à entrada em vigor do CIRS – 1 de janeiro de 1989 – e a extinção do usufruto ocorrido posteriormente a essa data e decorrente de renúncia abdicativa, os ganhos obtidos com a transmissão dos prédios beneficiam da exclusão da tributação em mais-valias, prevista no artigo 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, na parte relativa ao valor do usufruto, (ii) acrescendo que o valor recebido como indemnização pela expropriação de uma parcela dos prédios rústicos não está sujeito a tributação em sede de mais-valias imobiliárias.
Vejamos.
No tangente ao primeiro segmento recursório, a recorrente assaca à sentença o erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 103º, nºs 2 e 3 e 266ºda CRP, 11º da LGT, 9º, 940º, nº2 e 1476º do Código Civil, 5º, nº1, do Decreto-Lei nº 442-A/88 de 30/11, e o artigo 10º, nº1, do CIRS.
A sua tese assenta em que «tendo a doação dos prédios rústicos ocorrido em 1975, é nessa data que ocorre a transmissão da propriedade a favor do impugnante e aqui recorrente, motivo por que é aplicável ao caso em apreço a disposição do nº1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30.11, segundo a qual “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo DL 46.673, de 9 de junho de 1965 (…) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”» pelo que a transmissão onerosa dos prédios rústicos em causa nos presentes autos não estava sujeita àquele imposto, por beneficiar da exclusão de tributação prevista no citado normativo.
Sobre esta temática e para gizar a solução jurídica em discórdia, em sede fáctica, é a seguinte a tela de realidades e ocorrências: em data anterior à entrada em vigor do CIRS, foram doados ao impugnante prédios rústicos, com reserva de usufruto, direito que os doadores vieram posteriormente a renunciar já em data posterior à entrada em vigor do CIRS (28/06/1993); no decurso do ano de 2005 uma parcela dos referidos prédios rústicos foi objecto de expropriação por parte da sociedade “Metro do Porto”, tendo sido fixada, por acordo, uma indemnização no valor de € 159.048,40 euros; no decurso do mesmo ano de 2005 a parte restante dos referidos prédios e outros prédios urbanos foram objecto de venda pelo valor de € 2.722.985,00 euros e, ainda, que a AT, na sequência de ação inspectiva, efectuou correcções à matéria tributável declarada para o ano de 2005, dela fazendo constar os ganhos obtidos pelo contribuinte na venda dos prédios em relação à parte correspondente ao valor do usufruto (50% do valor), que considerou não estarem abrangidos pela alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, e de que resultou uma liquidação adicional onde foi apurado imposto a pagar, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 279.154,03 euros, sendo que, já em sede de reclamação graciosa, a AT veio a reduzir o valor do usufruto para 30% do valor do prédio, de que resultou a emissão de nova liquidação no valor de € 184.926,81 euros.
Perante esta factualidade a sentença fundamentou a decisão de improcedência apelando ao discurso jurídico do acórdão do STA de 25/09/2013, pronunciado no processo nº 0369/13, consultável em www.dgsi.pt, que aponta para que “apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997.”.
Destarte, na consideração de que «quando entrou em vigor o CIRS, o impugnante “apenas era titular do direito real de gozo da nua propriedade ou propriedade de raiz e não da propriedade plena dos prédios”, pelo que não se pode concluir que a alienação dos bens efetuada em 2005,se reporta a bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS…»,firmou a percepção de que os ganhos obtidos com a alienação dos prédios, na parte relativa ao valor do usufruto, estavam sujeitos a tributação, confirmando, neste fragmento, a legalidade do acto de liquidação.
Acerca deste segmento recursório, o Ministério Público sufraga o entendimento vazado na sentença pelas razões constantes do seu douto Parecer supra transcrito e que nós também abonamos.
Na verdade, tal como se evidencia nesse Parecer, na esteira do acórdão deste tribunal de 25/09/2013, proferido no processo nº 0369/13, em louvação da jurisprudência dos acórdãos de 28/01/2012, proc. 0201/11, de 06/06/2007, proc. 0157/07, e de 27/11/1991, recurso nº 013637 que, outrossim, se filia na doutrina que já dimanava do acórdão do Pleno de 20/02/1991, recurso nº 011927, e do acórdão da seção de 30/03/2011, proc. 0877/09, segundo o qual nas situações como a dos autos a transmissão relevante para efeito de tributação só ocorre com a consolidação da propriedade na esfera jurídica do donatário, isso por força do isto do disposto nos artigos 3º, §1º, e 21º do revogado CIMSISSD, ao estatuir que “só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efectiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, …e na sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada”.
Assim, só a verificação de uma verdadeira traditio, entendida como efectiva transmissão ou transferência de bens é que daria lugar ao pagamento do tributo. No caso concreto, só quando se achar consolidada a tradição, o facto transmissão (na acepção ampla do artº 1º do mencionado Código) é que concretizava o direito do Estado à percepção da correspondente imposto, ou seja, é no momento da transmissão que se subjectiva a obrigação de pagar tal imposto, existindo, até lá , apenas, da parte do contribuinte, um projecto de transmissão e, do lado do Estado, mera expectativa.
Vale isto por dizer que por mor do CIMSISSD, para efeitos do imposto sobre sucessões e doações, o facto tributário ocorria com a extinção do usufruto e consolidação da propriedade.
Visionando a fundamentação do já referido Acórdão deste STA a que se arrimou a sentença recorrida, tal como ali, a questão a conhecer nos presentes autos é, como já se disse, a de saber se, adquirida a nua propriedade do imóvel antes da entrada em vigor do CIRS, a consolidação da propriedade plena com a extinção do usufruto em momento posterior, permite a aplicação do disposto no artº 5º, nº 1 do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro.
Nesse aresto se foi evocada a doutrina já antes firmada no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 06.06.2007- Processo nº 0157/07, segundo o qual, por aquela normação é forçoso epilogar que se “pretendeu sintonizar o conceito de transmissão gratuita para efeitos de IRS com o que resulta do CIMSISD, devendo entender-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto susceptível de servir de base de incidência a imposto sobre as sucessões ou doações, independentemente de o imposto ser, no caso, devido”.
Isso em sintonia como o já remotíssimo Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27.11.1991- Processo nº 013637, mas próximo da entrada em vigor do Reforma Fiscal, em que se doutrina que “para efeitos de imposto sobre as sucessões e doações só é considerada transmissão a transferência real e efectiva dos bens, não se verificando tal transmissão, entre outros casos, nas sucessões de propriedade separada do usufruto sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada”.
Destarte e como já acima se demosntrou, a transmissão fiscal pode, assim, coincidir, ou não, com a transmissão civil dos bens, só aquela relevando, porém, para efeitos de tributação.
Ora, in casu a AT restringiu a tributação aos ganhos resultantes da transmissão na parte relativa ao usufruto, com fundamento em que a aquisição deste direito real menor se verificou já na vigência do CIRS, discriminando a transmissão da nua propriedade da transmissão do usufruto apenas ocorrida com a renúncia dos doadores.
Tal actuação está plenamente conforme o prescrito na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS do CIRS ao determinar que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, sendo irrefutável que o direito do usufruto, como direito real menor, só ingressou na esfera jurídica do impugnante após a entrada em vigor do CIRS.
Ainda acresce, como bem denota o Ministério Público no seu douto parecer, que para além de a renúncia ao usufruto ter ocorrido ainda na vigência do CIMSISSD, ao abrigo de cujas normas foi proferida a jurisprudência supra citada, no caso em análise deparamo-nos com uma renúncia abdicativa, relativamente à qual não existe divergência na doutrina de que estamos perante uma transmissão gratuita do direito de usufruto.
Pontifica a esse respeito o expendido por Francisco Pinto Fernandes e Manuel Faustino, in “Transmissão Separada da propriedade e do usufruto…”, in CTF nº 434, Jan-Dez 2015, pág. 105-142 no sentido de que nas situações em que se está perante uma renúncia ao direito real menor, «…não podemos deixar de afirmar que se verificam verdadeiras transmissões a favor do proprietário da raiz, uma vez que ele antecipa a desoneração da sua propriedade e tal antecipação tem origem numa aquisição relativa que simetricamente se reflete no espelho da perda derivada na esfera jurídica do outro sujeito».
Por tudo isso, a sentença não enferma do erro que lhe vem imputado pelo que o recurso, nessa parte, vai improvido.

*

Quanto a saber se o valor recebido como indemnização pela expropriação de uma parcela dos prédios rústicos está ou não sujeito a tributação em sede de mais-valias imobiliárias, sustenta o recorrente que «a justa indemnização compreendida na expropriação não constitui um acréscimo patrimonial na acepção do Código do IRS, por não corresponder a qualquer incremento do património do expropriado mas antes, como prevê a lei, ao ressarcimento do prejuízo patrimonial provocado pela expropriação», estando fora da tipicidade da alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, conforme jurisprudência deste tribunal que refere.
Nesta dimensão o tribunal a quo perfilhou o entendimento de que a parcela expropriada e concernente indemnização recebida «não deixa …de ser a contrapartida do direito real autoritariamente obtido, via transferência, que ainda que alheia à atividade ou vontade do sujeito passivo, em cujo património tal montante se irá afinal repercutir, mostra-se perfeitamente enquadrável, na nossa ótica, no conceito fiscalmente adotado pelo legislador de alienação, e onerosa, porque perante uma contrapartida monetária recebida», concluindo, assim, estar perante «uma vantagem patrimonial efetiva, diretamente subsumível na previsão a alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS».
Portanto, na visão do julgador, não se trata de um acréscimo patrimonial que vise compensar um decréscimo por qualquer dano infligido, sendo, por isso, tributável por ser um rendimento para efeitos fiscais.
Assim, tratar-se-ia de rendimento que acresce ao património dos impugnantes, sendo a sua tributação devida nos termos do referido normativo, não violando a AT qualquer princípio ao praticar o acto com base nos pressupostos por ela aduzidos.
Quid juris?
Nesta parte propendemos para outorgar razão ao recorrente ao amparar a tese de que a indemnização não é passível de enquadramento na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, louvando-se na doutrina que flui do acórdão deste STA prolatado em 07.04.2021, no processo nº 0813/16.1BEAVR e disponível para consulta em www.dgsi.pt, segundo a qual «…. Várias indemnizações foram incluídas no art. 9.º n.º1 do C.I.R.S. – assim, na sua alínea b), na redação dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, no que respeita às que visem a reparação de danos não patrimoniais e por lucros cessantes; e na alínea e), na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, para vigorar desde 1-1-2015, quanto à renúncia onerosa a posições contratuais ou a outros contratos relativos a bens imóveis.
Contudo, nada veio a ser previsto no que respeita à indemnização paga por “expropriação por utilidade pública”.
Tal não pode deixar de relevar quanto à intenção do legislador a respeito da não incidência em sede de I.R.S.».
O certo é que o artigo 10º da LGT estabelece que a tributação é valorativamente neutra, devendo atender apenas às circunstâncias reveladoras da capacidade contributiva do facto ou acto, irrelevando, pois, os imperativos jurídicos ou éticos como pressuposto ou medida da tributação a qual assentará no resultado económico dos negócios ou actos jurídicos ainda que estes sejam ilícitos ou contra os bons costumes. E ao consagrar a vertente da consideração económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária, o direito fiscal está em consonância com o direito civil no sentido de que, por exemplo, quando os negócios jurídicos são de objecto físico ou legalmente impossível à ordem pública ou contrários aos bons costumes, juscivilisticamente são nulos (cfr. artº 280º do Ccivil) mas, apesar disso, esse vício será ignorado quando é invocado pela pessoa que o praticou por forma a impedir que essa pessoa seja beneficiada; também assim no direito fiscal, em que quem actua de modo ilícito não pode fruir de protecção jurídica, devendo sofrer a tributação prevista na lei.
É que a tributação tem os seus limites materiais e o seu princípio rector é o da capacidade contributiva visando impedir o livre arbítrio por obrigar, quer o legislador, quer o aplicador da lei fiscal (AT e juiz), a que, na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, que erija em objecto ou matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto.
Como pressuposto e critério da tributação no nosso sistema jurídico fiscal, o princípio da capacidade contributiva está expressamente consagrado no artº 4º nº 1 da LGT que prescreve que os impostos assentam especialmente na capacidade contributiva revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, bem como as relativas à tributação dos rendimentos ilícitos e às cláusulas antiabuso.
E, na verdade, vigora, no Direito Fiscal, o princípio da legalidade que se traduz no brocardo nullum tributum sine lege e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes carácter preceptivo (cfr. artº 18º da C.R.P.).
Donde que, de acordo com o princípio da legalidade do imposto, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal devendo o intérprete cuidar de a conceber em termos restritos, aplicável, consequentemente, apenas aos casos e situações inequivocamente nela previstos.
Por outro lado, também é sabido que no Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectígal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto, nem isenção, que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal.
Nisto consiste a tipicidade do imposto.
A tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto. Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, por obediência a este princípio da tipicidade do imposto - cf. Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, 1987, p. 105 e 106.
Salienta-se que no Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também pôr um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue, se eles se verificarem - cfr., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss., onde, a p. 327, cita Castanheira Neves, Questão-de-facto-Questão-de-direito, p. 264.
À luz dos antecedentes considerandos e face à fundamentação do acto tributário, também propendemos para o entendimento de que o legislador não prevê, no artigo 9º do CIRS, como “incremento patrimonial”, a indemnização decorrente da “expropriação por utilidade pública”, e que esta não é subsumível na alínea a) do nº1 do artigo 10º do CIRS, uma vez que não é qualificável como “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, ainda que numa interpretação extensiva, como parece entender a Administração Tributária.
Mais uma vez na senda do douto Parecer do Ministério e com a devida vénia, constata-se que, desde há muito, tanto a doutrina como a jurisprudência têm perfilhado o entendimento de que a expropriação por utilidade pública consiste numa aquisição originária, por o beneficiário da expropriação adquirir um direito totalmente novo e independente do direito e da posição que sobre ele tinha o anterior proprietário, e daí que já no longínquo acórdão do STA de 15/11/1990 (recurso nº 005769) se tenha entendido que «os ganhos eventualmente obtidos mercê de expropriação por utilidade pública de terrenos para construção não são passíveis de tributação em imposto de mais-valia, em virtude da respetiva relação jurídica não ser subsumível ao conceito de transmissão onerosa a que se referia o n. 1 do art. 1 do Cod.Imp. Mais-Valias. E isto quer se trate de expropriação amigável ou litigiosa, uma vez que em causa esta, em qualquer dos casos, a aquisição originária da propriedade.”
Nesse sentido se pronunciaram, sucessivamente, os acórdãos do STA de de 21-10-1987, no recurso nº004713 (A expropriação por utilidade pública e uma forma de aquisição originária; Assim, não e subsumível ao conceito de transmissão, relevante para efeitos de imposto de mais-valias, a base do artigo 1º, nº 1, do Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV).”) e de 17-01-1996, no recurso nº019846 (“No caso de expropriação por utilidade pública - quer se trate de expropriação amigável quer litigiosa - de terrenos para construção, os ganhos eventualmente obtidos com tal acto não são passíveis de tributação do imposto de mais-valias, nos termos do art. 1, n. 1, do CIMV, uma vez que tal instituto não traduz uma transmissão onerosa prevista naquele preceito, mas uma aquisição originária de propriedade.).
A ser assim, como é, a sentença errou e é passível da censura que lhe desfere a Recorrente, o que gera a sua revogação neste segmento recursório e, em consequência, implica que se julgue parcialmente procedente a impugnação e se anule o acto de liquidação ilegal na parte em que incluiu o valor da indemnização decorrente da expropriação no cálculo das mais-valias.
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3. Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso revogando a decisão no segmento recursório atinente à indemnização e, em consequência, julgando parcialmente procedente a impugnação e anulando o acto de liquidação na parte em que incluiu o valor da indemnização decorrente da expropriação no cálculo das mais-valias.

Custas pelo recorrente em função do seu decaimento.

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Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - José Gomes Correia (Relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.