Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0725/10
Data do Acordão:01/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
IRS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
GARANTIA REAL
Sumário: O artigo 240.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve ser interpretado amplamente no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real stricto sensu, mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios.
Nº Convencional:JSTA000P12499
Nº do Documento:SA2201101120725
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E CGD, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na parte em que decidiu não reconhecer o crédito, por si reclamado, respeitante a IRS, relativo ao ano de 2005, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A — Os créditos relativos ao IRS relativo aos três últimos anos gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, nos termos do estatuído no artigo 111º do CIRS;
B — Para aquele normativo relevam os anos a que respeitam os rendimentos que justificaram a liquidação do imposto e não o momento em que foram postos a cobrança;
C — Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.° 733.° do Código Civil);
D — A circunstância do privilégio creditório geral ser uma mera preferência de pagamento não implica o afastamento do crédito da reclamação e graduação no lugar que lhe competir;
E — Pois que, ainda que os privilégios creditórios gerais não constituam garantias reais, mas meras preferências de pagamento, a seu regime é o das garantias reais, para o efeito de justificar a intervenção no concurso de credores.” (cf. Salvador da Costa, “O Concurso de Credores”, 3ª Edição, Almedina, 2005, pág. 388);
F — Motivo porque de harmonia com entendimento jurisprudencial largamente maioritário do STA “O artigo 240º n° 1 do CPPT deve ser interpretado amplamente no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real stricto sensu mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios.” (cf. A título de exemplo o Acórdão do STA de 18-05-2005, recurso n.° 0612/04);
G — Ao não admitir o crédito de IRS relativo ao exercício de 2007, reclamado pela Fazenda pública, a douta sentença ora recorrida incorreu em erro de direito na interpretação e aplicação das normas constantes nos artºs 240°, n.° 1 e 246.° ambos do CPPT e no art.° 111º do CIRS.
Não houve contra alegações.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, uma vez que o Magistrado do Ministério Público junto das instâncias já se havia pronunciado sobre o mérito do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. A Fazenda Pública instaurou em 23/03/2006, o processo de execução fiscal n°2224200601016105, do Serviço de Finanças de Seixal 1ª que é executado A… tendo por objecto dívidas de IVA do exercício de 2005 no montante de € 2.029,65 e de que os presentes autos de verificação e graduação de créditos constituem apenso (cfr. cópia certificada do processo de execução fiscal junto aos autos);
2. Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foram apensos os processos de execução fiscal n°s 2224200601019945 referente a IVA de 2004, 2224200601044141 referentes a IRS de 2004, ficando a divida a valer por € 11.243,36 (cfr. docs. juntos a fls. seguintes à fl. 66 e não numeradas da cópia do processo executivo junto aos autos);
3. Em 30/04/2001, foi celebrado entre o executado e a Caixa Económica Montepio Geral um contrato Mútuo no montante de Esc.:12.000.000$00, com hipoteca incidindo esta sobre a fracção autónoma designada pela letra ‘E’, correspondente ao 1° andar direito, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, nº …, …, e …, freguesia de … e concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o número 02809/911202 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1068, com valor patrimonial de € 47584,66 (cfr. docs. juntos a fls. 11 a 15 dos autos);
4. Em 04/04/2001, foi registada hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A, incidente sobre o imóvel melhor identificado em 3), penhorado no processo de execução de que os autos constituem apenso, com vista à garantia da quantia de Esc.:12.000.000$00, referente a capital, à taxa de juro anual de 9,544%, acrescido em 4% em caso de mora e despesas no montante de Esc.: 480.000$00 com montante máximo de Esc.:17.355.840$00 (cfr. fls. 5 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui que se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 14/12/2007, no âmbito do citado processo de execução fiscal, e para pagamento das dividas nele referidas, foi efectuada a penhora da fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 1º andar direito, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, nº …, …, e …, freguesia de … e concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Seixal sob o número 02809/911202 da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1068, com valor patrimonial de € 47.584,66, a qual foi registada a favor da Fazenda Nacional em 27/12/2007, para garantia da quantia de €14.104,97 (cfr. fls. 5 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 2006 foi inscrito para cobrança o IRS do executado referente ao ano de 2004 (processo executivo nº 2224200601044141) e 2005 (processo executivo n°2224200601081721) no montante de € 6.787,69 acrescido de juros (cfr. doc. junto a fls. 4 dos autos)
7. O executado é devedor à Fazenda Pública dos créditos exequendos e reclamados;
8. O executado é devedor à Caixa Geral de Depósitos, S.A. da quantia de € 52.768,75.
3 – A única questão que vem controvertida no presente recurso consiste em saber se o crédito de IRS reclamado pela FP, relativo ao ano de 2005 e respectivos juros, deve ou não ser reconhecido e graduado.
A sentença recorrida não reconheceu e graduou o referido crédito, por ter entendido que o privilégio imobiliário geral previsto no artº 111º do CIRS não constitui uma garantia real.
Por sua vez, a recorrente, apoiando-se na jurisprudência deste STA, entende que o artº 240º, nº 1 do CPPT deve ser “interpretado amplamente no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real stricto sensu mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios.”
Esta questão foi já amplamente apreciada e decidida por este STA no sentido defendido pela recorrente FP, jurisprudência essa que vamos aqui seguir, já que não vemos motivo para a alterar e para, assim, obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC).
A propósito, escreve-se no Acórdão desta Secção do STA de 13/5/09, in rec. nº 169/09, que “o legislador fiscal determinou a execução de bens individualizados do património do executado para satisfação do crédito do exequente, permitindo todavia aos credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados que reclamassem os seus créditos na execução. É o que resulta do disposto no artigo 240.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em consonância com o artigo 865.º do Código de Processo Civil no respeitante à execução comum.
Mas, para alguma doutrina, direitos reais de garantia em sentido próprio serão apenas a penhora, o penhor, a hipoteca, o direito de retenção e a consignação de rendimentos. Já quanto aos privilégios creditórios, que o artigo 733.º do Código Civil define como «a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros», não há unanimidade, entendendo alguns que não serão verdadeiros direitos reais de garantia, mas qualidades do crédito, atribuídas por lei em atenção à sua origem. Praticamente unânime é o entendimento quanto aos privilégios gerais: estes não são qualificáveis como direitos reais de garantia. Em todo o caso, há, na doutrina, como na jurisprudência, concordância quanto a que os privilégios creditórios conferem preferência sobre os credores comuns. Nos termos do artigo 111.º (antes artigo 104.º) do Código do IRS, para o pagamento de IRS relativo aos três últimos anos a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou de acto equivalente. Gozando o crédito reclamado de privilégio imobiliário, não preferindo embora aos credores com garantia real, não deixa, por isso, de poder ser reclamado e graduado no lugar que lhe competir. Neste sentido se têm pronunciado quer o Supremo Tribunal Administrativo quer o Supremo Tribunal de Justiça, em inúmeros acórdãos. Aliás, assim o impõe a unidade do sistema jurídico, pois não faria sentido que a lei substantiva estabelecesse uma prioridade no pagamento do crédito e a lei adjectiva obstasse à concretização da preferência, impedindo o credor de acorrer ao concurso. Exigir a esse credor que, para fazer valer o privilégio, obtivesse penhora ou hipoteca, seria deixar sem sentido útil o privilégio, pois nesse caso o crédito passaria a dispor de garantia real, sendo-lhe inútil o privilégio legal. Assim, afigura-se dever o artigo 240.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário ser interpretado no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real, stricto sensu, mas também aqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, designadamente, privilégios creditórios – cf. neste sentido, quase textualmente, o acórdão do Pleno desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-5-2005, no recurso n.º 612/04, o qual, por sua vez, seguiu o acórdão do Pleno também desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-4-2005, no recurso n.º 442/04, a confirmar os acórdãos fundamento desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 2-7-2003, e de 4-2-2004, proferidos respectivamente nos recursos n.º 882/03, e n.º 2078/03”.
No mesmo sentido pode ver-se, ainda e entre muitos outros, os recentes Acórdãos desta Secção do STA de 12/11/09, in rec. nº 919/09; de 18/11/09, in rec. nº 920/09 e de 12/2/10, in rec. nº 1.035/09 e que aqui vimos seguindo de perto, uma vez que o Relator é o mesmo.
Assim e pelo que fica exposto, resulta que o crédito em causa deve ser reconhecido e graduado no lugar que lhe couber.
4 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando reconhecido o crédito reclamado pela Fazenda Pública referente ao IRS do ano de 2005 e respectivos juros, proceder à respectiva graduação pela seguinte forma, saindo as custas precípuas do produto do bem penhorado:
1º - O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, garantido por hipoteca registada em 4/4/01 e juros até ao limite de três anos;
2º - O crédito exequendo de IRS relativo a 2004 e o reclamado relativo ao ano de 2005 e respectivos juros, que gozam do privilégio imobiliário do artº 111º do CIRS;
3º - O demais crédito exequendo e respectivos juros.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011. - Pimenta do Vale (relator) - António Calhau - Casimiro Gonçalves.